segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O NARCOTRÁFICO

Introdução a como funciona o tráfico de drogas


Nas fraldas do bebê, várias pedras de crack. Bonecas de porcelana cheias de papelotes de cocaína. Com o estudante de medicina, cinqüenta comprimidos de êxtase. Imagens de Nossa Senhora Aparecida recheadas de cocaína. Drogas num fundo falso de uma falsa bíblia. Vestido de padre, um jovem arriscou embarcar num avião com quatro quilos de cocaína sob a batina. Num caminhão, brinquedinhos de papai-noel para crianças pobres com cocaína dentro. Noutro, 300 quilos de maconha escondidos sob um carregamento de arroz.

Agência Estado
Os traficantes escondem as drogas nos lugares mais inusitados.

Tem sido assim em todo o Brasil. No atacado ou no varejo, os traficantes tentam levar suas “mercadorias” aos consumidores. E “fregueses” não faltam. Eram mais de 200 milhões de usuários de drogas no mundo em 2006, segundo o Relatório Mundial de Drogas do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes (UNODC, na sigla em inglês). Isso representa cerca de 5% da população entre 15 e 64 anos. As substâncias mais usadas são maconha, haxixe, cocaína, heroína e drogas sintéticas.

As piores drogas
Álcool e cigarro são drogas mais perigosas para a saúde do que muitas substâncias ilícitas, como a maconha, o LSD e o ecstasy, afirma especialista.

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De acordo com o relatório do UNODC, foram produzidas no mundo 45 mil toneladas de maconha em 82 países. As Nações Unidas (ONU) registraram o tráfico dessa droga em pelo menos 146 países, ou seja, em praticamente todos os países do mundo. O que resulta num mercado que movimenta anualmente cerca de 800 bilhões de dólares no planeta.

No Brasil, o consumo de cocaína e maconha aumentou em 2006. Também cresceu o tráfico de cocaína, especialmente na região Sudeste. Entre os países da América do Sul (com 6,7 milhões de usuários de maconha) foi no Brasil, segundo o relatório, que ocorreu o maior aumento do consumo da droga, a maior parte vinda do Paraguai, porque a produção brasileira de maconha não é suficiente para suprir a demanda.

O consumo da cocaína também aumentou na América do Sul em 2006, subindo de dois milhões de consumidores para 2,25 milhões. De acordo com a Organização das Nações Unidas, o uso da droga no Brasil foi o principal fator para a elevação da taxa de usuários no continente. Foram nas regiões Sudeste e Sul do país que o consumo cresceu mais. Ser usado como “rota”, uma espécie de corredor por onde passa a cocaína que vem da Colômbia (60%), Bolívia (30%) e Peru (10%) com destino à Europa, contribui para o aumento do uso da cocaína no Brasil. A droga vem em grande quantidade e parte dela fica em solo brasileiro. Vendida para grandes traficantes, ela é distribuída aos pequenos que a fazem chegar aos consumidores.

O relatório mostra que a heroína tem no mundo 11 milhões de usuários, dos quais, 600 mil são brasileiros. Prova de que as drogas hoje são um negócio globalizado.

Alguns tipos de drogas
Antes de falar mais sobre tráfico conheça rapidamente algumas das drogas consumidas no mundo.

Maconha

Também apelidada de baseado, erva, tora, bagulho, fininho, beise, a maconha é derivada das folhas de uma planta chamada cannabis sativa, que contém a substância ativa THC-Delta-9, o Tetrahidrocanabinol. É originária da Ásia Central e conhecida há mais de 200 anos. O uso constante pode levar a problemas pulmonares (seu teor de alcatrão é maior do que o do cigarro comum) e até ao câncer, porque nela existe uma substância chamada “benzopireno” um conhecido agente cancerígeno. Há estudos que apontam que a maconha diminui, no homem, a quantidade de testosterona, reduzindo o número de espermatozóides. O homem não fica impotente, mas pode ficar estéril.


Site marijuana.com
Folha de maconha

Na América do Sul, as primeiras plantações aconteceram no Chile, no século 16. Calcula-se que atualmente 160 milhões de pessoas no mundo façam uso dela. Para conhecer mais, leia o artigo sobre a maconha.


Haxixe

Ele é extraído da própria maconha (uma mistura de cannabis sativa mais resina), mas sua substância ativa é potencializada, ou seja, é muito mais “forte”. Para se ter uma idéia, a maconha tem 2% de THC e o haxixe pode ter 14%. Os maiores produtores de haxixe são o Paquistão, o Nepal, o Líbano, a Turquia, além de alguns países da África. É moldado em pequenas barras ou bolos de cor marrom escura.


Skank

Ele é considerado a “supermaconha”. Cultivado em laboratório, seu efeito é mais concentrado. O índice de THC no skank é de 17.5%. A droga vem da Europa e é mais cara, por isso é conhecida como a “supermaconha dos ricos”. Perda da noção de tempo e espaço, alucinações, pupilas dilatadas, excitação, aumento do apetite por doces, perda da coordenação motora e lapsos de memória são algumas das conseqüências do uso da droga.


Cocaína

As notícias do uso das folhas da planta, que depois derivou a droga, são de 4.500 anos atrás, quando eram usadas pelos índios que as mascavam, hábito chamado de “coquear”. Seu nome é Erythroxylon coca, popularmente chamada de cocaína. Sintetizada em 1859 seu uso afeta no cérebro especialmente as áreas motoras, produzindo agitação intensa. Calafrios, pupilas dilatadas, insônia, sangramento do nariz, emagrecimento são algumas das conseqüências do seu uso. Se for usada durante muito tempo também causa danos cerebrais e aceleração do envelhecimento.


Crack


Imagem cedida por U.S. Drug Enforcement Administration
Pedras de crack
Ele surgiu em 1985, nas Bahamas. É derivado da planta da coca que é misturada com bicarbonato de sódio ou amônia e água, resultando em “pedras” que são fumadas em cachimbos. É muito usado por jovens das classes mais pobres porque é mais barato do que a cocaína. Seus efeitos duram menos tempo e ele vicia mais rápido do que outras drogas. Seus efeitos são tão devastadores que os traficantes de São Paulo (os das ruas e os que estão nas cadeias) proibiram a venda e o uso do crack porque ele tira tanto seu usuário da “razão” que ele não paga as dívidas. Além disso, é conhecido como a droga que mata (por seus efeitos danosos ao organismo) e os traficantes preferem seus clientes “vivos”. Agindo sobre o sistema nervoso central o crack gera aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, tremores, dilatação da pupila, suores intensos. Sensação de euforia e poder são seus efeitos psicológicos. Para saber mais sobre a droga leia como funciona o crack.


Merla

É derivada da cocaína e é uma junção de folhas de coca com produtos químicos como o querosene, cal virgem, e ácido sulfúrico. Tudo misturado se transforma numa pasta onde se concentra de 50% a 70% da cocaína. Excitante do sistema nervoso, causa euforia, aumento de energia e diminuição do sono e do apetite, alucinações, delírios e confusões mentais. Muitos usuários durante o uso da merla tem convulsões e perda de consciência.

LSD

Também conhecido como LSD21 é uma substância líquida a base de dietilamida do ácido lisérgico e é fabricada em laboratório. Produz profundas alterações mentais, provocando delírios e alucinações. No Brasil é comercializada em cartelas picotadas similares a um mata-borrão. Cada pequeno quadrado picotado recebe uma gota de LSD que o usuário coloca na pele ou embaixo da língua. É tão potente que doses de 20 a 50 microgramas já fazem efeito. Também conhecido como doce, ácido, papel, microponto e gota, seus efeitos duram de oito a doze horas. O uso faz com que a pessoa tenha ilusões e alucinações visuais e auditivas e os efeitos físicos do LSD são aumento da pressão arterial e freqüência cardíaca, náuseas, vômitos, suores intensos.


Heroína

Derivada do ópio é uma das drogas mais perigosas que se conhece, causando dependência física e psíquica. Danos cerebrais e envelhecimento acelerado são algumas das suas conseqüências. Quando usada seu efeito dura de quatro a seis horas.


Ópio

Seu sabor é amargo e um pouco acre. É feito com o suco resinoso (látex leitoso) retirado da planta papoula. Os principais alcalóides do ópio são morfina, paverina, codeína, tebaína e narceína. O preço é muito alto e são poucos os viciados nesse tipo de droga no Brasil. A droga age quimicamente no corpo humano e causa dependência física e psíquica. Os viciados ficam magros, com um tom amarelado na pele e cai sua resistência a infecções. O efeito dura até doze horas e a abstinência provoca suores, arrepios, tremores, insônia, vômitos e câimbras abdominais.


Êxtase

Ecstasy ou êxtase (no Brasil) é uma substância psicoativa chamada de metilenodioximetanfetamina (MMDA) e foi sintetizada por uma indústria farmacêutica em 1914. Há cerca de dez anos passou a ser usada por jovens de todo o mundo, que tomam os comprimidos com bebidas alcoólicas. O ecstasy age estimulando a produção de serotonina no cérebro, responsável pela sensação de prazer, por isso ficou conhecida como a “droga do amor” entre os adolescentes. O uso do êxtase eleva a pressão arterial e produz intensa elevação da temperatura (uma febre de até 42 graus) o que leva a uma intensa desidratação, por isso os jovens, bebem muita água após ingeri-lo. É muito utilizado em festas “raves”, quando jovens se reúnem para passar de três a quatro dias dançando e usando drogas. Taquicardia, secura na boca, diminuição do apetite, câimbras, dores musculares, dificuldade para andar são alguns dos efeitos. O uso contínuo pode causar lesões cerebrais irreversíveis, levando à depressão, paranóia, alucinações, perda do autocontrole e dificuldade de memória.


Boa Noite Cinderela

Usado no Brasil, Argentina, Estados Unidos e outros lugares do mundo o “Boa Noite Cinderela” é um conjunto de drogas: calmantes, lorazepam, flutnitrazepan e bromazepan. Essa mistura é conhecida como “rape drugs” (droga do estupro). É muito usada em golpes dados por rapazes e garotas, que em boates, bares e danceterias misturam a droga na bebida da vítima. Ao ingerir ela se sente sonolenta e é levada pelos golpistas, que estupram e roubam a vítima. O efeito do sono profundo pode durar até 24 horas.


Anfetaminas

São diversos os tipos de anfetaminas no mundo, feitas de diferentes substâncias, e em geral são consumidas junto com bebidas alcoólicas. O primeiro tipo de anfetamina foi sintetizada pela primeira vez no final do século passado na Europa para uso medicinal, mas já nas décadas de 30 ou 40 passou a ser usada com fins não medicinais e a moda se espalhou pelo mundo. É muito usada por atletas profissionais e amadores porque aumenta a capacidade física do usuário, fazendo com que a pessoa, sob o efeito da droga, consiga praticar exercícios físicos que normalmente não conseguiria.

A história do tráfico no mundo
Desde os anos 60 o consumo de drogas tem crescido e atingido diferentes grupos sociais. Mas, muitas drogas surgiram há muito tempo e, como não eram proibidas, acabavam sendo usadas por muitas pessoas. Algumas delas foram utilizadas durante anos com fins medicinais, como a cocaína. Outras, como a maconha, começam agora a ser utilizada para esses fins.

Na década de 1880, a folha de coca, matéria-prima da cocaína, já era consumida, em forma de chá, por toda a Europa e América do Norte. O chá era conhecido como “melhorador do humor” e sua comercialização era livre. Naquela época, a cocaína passou a ser processada pela indústria farmacêutica para uso como anestésico, estimulante mental e do apetite, afrodisíaco, tratamento da asma e de problemas digestivos. Também foi descoberta sua potência quando injetada e assim o seu uso se popularizou.

Em 1885 surgiu a Coca-Cola, que usava folhas de coca em sua fórmula. Existia também um vinho (Wine-Coca) que era muito popular na Europa e que era feito a base de folhas da planta. Em 1904, foram proibidas todas as bebidas feitas com cocaína e a Coca-Cola mudou sua fórmula. No Brasil, há notícias do uso da cocaína por jovens da burguesia desde 1914, mas foi nos anos 70 que ela entrou pra valer no país. Na década de 90, popularizou-se, sendo consumida não só por pessoas das classes média e alta, mas também por pessoas de menor poder aquisitivo, graças à queda no preço por conta da maior oferta do produto no mercado.

O LSD é uma substância sintética que adquiriu popularidade na década de 60, quando também chegou a ser indicado por médicos no tratamento de algumas doenças.

Já a maconha teve seu cultivo incentivado durante décadas pela indústria que utilizava seus talos para fazer fibras de cordas e têxteis, por causa de sua incrível força e resistência. Também fez, durante séculos, em vários países, parte do arsenal da medicina popular e no final do século 19 foi usada em vários medicamentos produzidos por laboratórios farmacêuticos dos Estados Unidos, sendo indicada como antiespasmódico, analgésico e dilatador de brônquios. No início do século 20, com o aparecimento da morfina, que oferecia melhores resultados, os médicos perderam o interesse pela maconha. No Brasil, ela foi usada como remédio de 1900 a 1930 e era indicada e receitada pelos médicos para insônia, úlcera gástrica, asma e até ronco.


A proibição

Em 1909, aconteceu, em Xangai, a primeira reunião internacional (convocada pelos Estados Unidos) para discutir o uso do ópio e seus derivados. Havia uma preocupação com o excesso do uso da droga no mundo.

Em 1911, aconteceu outra reunião em Haia, na Holanda, e mais uma vez foi discutida a necessidade do combate ao uso do ópio e da cocaína que não atendesse a recomendações médicas. Nesse encontro, todos os países (inclusive o Brasil) assinaram um tratado no qual se comprometeram a coibir o uso das duas drogas.

Em 1914, nos Estados Unidos, é aprovada uma lei interna que proíbe a comercialização e o livre consumo de cocaína e ópio. Em 1924, em mais uma Conferência Internacional, agora em Genebra, que reuniu 45 países, foi discutida também a necessidade de coibir o uso da maconha. Começaram então as perseguições policiais aos usuários de drogas, especialmente de maconha. A partir de 1930, o combate passa a ser mais enérgico em todo o mundo. Em 2007, o Estados Unidos eram o maior consumidor de cocaína do mundo.

História das drogas no Brasil
Até o começo do século 20, o Brasil não tinha qualquer controle estatal sobre as drogas que eram toleradas e usadas em prostíbulos freqüentados por jovens das classes média e alta, filhos da oligarquia da República Velha. No início da década de 20, depois de ter se comprometido na reunião de Haia (1911) a fortalecer o controle sobre o uso de ópio e cocaína, o Brasil começou efetivamente um controle. Naquele momento, o vício até então limitado aos “rapazes finos” dentro dos prostíbulos passou a se espalhar nas ruas entre as classes sociais “perigosas”, ou seja, entre os pardos, negros, imigrantes e pobres, o que começou a incomodar o governo.

Em 1921, surge a primeira lei restritiva na utilização do ópio, morfina, heroína, cocaína no Brasil, passível de punição para todo tipo de utilização que não seguisse recomendações médicas. A maconha foi proibida a partir de 1930 e em 1933 ocorreram as primeiras prisões no país (no Rio de Janeiro) por uso da droga.

Essa proibição se estende até hoje com uma certa variação. Mesmo proibidas, as drogas continuaram a ser consumidas e aumentou a violência em torno do tráfico, com o surgimento de grandes grupos de traficantes, como o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro.

Nos anos 60 e 70, no presídio de segurança máxima de Ilha Grande, presos comuns e guerrilheiros urbanos dividiram os mesmos espaços e trocaram “experiências”. Em 1975, anistiados, os guerrilheiros deixaram o presídio mas os presos comuns continuaram lá e passaram a usar, no dia-a-dia, as táticas de organização aprendidas com os companheiros da guerrilha. Com elas, sobreviveram e dominaram outros grupos do complexo penitenciário. Organizaram um grupo de auto-defesa, chamado Falange Vermelha, que em pouco tempo mudaria o nome para Comando Vermelho e se transformaria num dos maiores grupos do crime organizado no Brasil e no mundo.


Agência Estado
O Comando Vermelho troca drogas por armas e vice-versa

No início dos anos 80, o Comando Vermelho já dominava o sistema prisional do Rio de Janeiro. Além disso, quando seus integrantes cumprem suas penas e são liberados, o comando conquista também as ruas e suas idéias se espalham para além das grades. No início dese processo, foram formados grupos para fazer assaltos a bancos. Com o tempo perceberam que há um outro negócio mais lucrativo e menos arriscado do que os constantes assaltos a agências bancárias: o tráfico de drogas.

No final dos anos 70 e início dos 80, o aumento do consumo de cocaína na Europa e nos Estados Unidos fez também elevar a produção e o tráfico nos países andinos e apareceram as primeiras “empresas narcotraficantes", como a liderada por Pablo Escobar, que passaram a produzir cocaína para exportação. É no início dos anos 80 que o Brasil aparece como rota para o escoamento de cocaína para os EUA e a Europa.

Nesse cenário, o Comando Vermelho aparece como uma organização inserida na nova dinâmica internacional do narcotráfico e passa a dominar o mercado de drogas no varejo no Rio de Janeiro. Aparecem os “donos-do-morro”, que se aproveitam da ausência do governo, impõem suas próprias regras e passam a “mandar” nas favelas, onde instalam sua “autoridade”. Em contrapartida, passam a ajudar a população com atitudes assistencialistas: distribuição de comida e gás de cozinha e pagamentos de enterros e batizados.

O Estado responde com a presença de soldados nos morros, ataque a pontos de vendas e prisão de traficantes. Os conflitos são diários com mortes de ambos os lados e são criadas polícias de elite, com o propósito de combater o tráfico. Mas o comércio de drogas já havia tomado proporções enormes. Como demorou a ver e combater o problema, o governo não consegue vencer os traficantes. O Comando Vermelho (CV) continua a intimidar e a traficar. Do Rio passa a enviar a droga a outros Estados, principalmente para São Paulo. Em 2000, os “laços” entre Rio e São Paulo se solidificam quando o CV faz parceria com o PCC (Primeiro Comando da Capital) , facção criminosa paulista, e juntos passam a traficar drogas.

Tida como a maior e mais antiga guerrilha das Américas, as Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – chegaram a ter 35 mil homens. Fundada em 27 de Maio de 1964, durante uma guerra interna na Colômbia, a organização, que vive nas selvas e montanhas, passou a sobreviver, especialmente, da produção e venda de cocaína e papoula. As Farc produzem 39% da droga colombiana. Outra parte de sua “receita” o grupo obtém com as centenas de seqüestros que realiza no país. Calcula-se em 250 milhões de dólares o montante que a organização chegou a conseguir com resgates.

Provavelmente desde 1980, as Farc montaram na Amazônia bases para o tráfico de drogas e de armas. Em 2004, o juiz federal Odilon de Oliveira, de Ponta Porã, na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, revelou que as Farc se instalaram no Paraguai, na fronteira com o Brasil e passaram a treinar traficantes de São Paulo e do Rio de Janeiro. Deram cursos de guerrilha e também de seqüestros aos bandidos das duas maiores facções criminosas do Brasil: O PCC e o Comando Vermelho. “Eles treinam brasileiros lá para agir aqui” disse o juiz. Segundo ele, as quadrilhas de narcotraficantes brasileiros são os principais “clientes” na compra da cocaína produzida pelas Farc. Antes de chegar ao Brasil, a cocaína é levada para o Paraguai. O pagamento é feito em dólares ou armas. Ponta Porã é a segunda cidade do país em lavagem de dinheiro, perdendo só para Foz do Iguaçu (Paraná).

Os “empresários” da cocaína no Brasil “legalizam” o dinheiro conseguido com o tráfico de drogas, com a compra de hotéis, bingos, redes de farmácia, postos de gasolina, bares, lojas de automóveis, fazendas e gado. Outra forma utilizada por eles e descoberta pelo governo brasileiro foi a compra de bilhetes premiados da loteria. Um esquema montado com donos de lotéricas e funcionários de órgãos públicos funcionava da seguinte forma: os bilhetes ou jogos premiados eram “comprados” dos ganhadores, assim o traficante ou político justificava o dinheiro que tinha dizendo que ganhou na loteria.

As rotas do tráfico no Brasil
Existem diferentes rotas que trazem a cocaína e a maconha para o Brasil. Há as rotas caseiras, destinadas ao transporte da droga consumida pelos brasileiros, as rotas internacionais, nas quais a droga simplesmente passa pelo país que é usado como corredor das drogas que têm como destino final os Estados Unidos e a Europa, e as rotas mistas, que são aquelas em que as drogas vêm para o Brasil e parte fica no país para consumo e outra parte segue para o exterior.

A maior parte da cocaína vem da Colômbia, e boa parte da maconha vem do Paraguai. Apesar do Brasil produzir maconha, principalmente no “Polígono da Maconha”, área do semi-árido nordestino, a quantidade não é suficiente para a demanda interna e, por isso, os traficantes importam a erva do Paraguai.

A principal dificuldade que o Brasil tem para evitar o contrabando e a entrada de drogas e armas no país é o tamanho de suas fronteiras. São 16 mil quilômetros só por terra. Para combater o tráfico feito por via aérea, em 2004 foi regulamentada a lei 7.565, conhecida como a “Lei do Abate”, que permite que aeronaves consideradas suspeitas (que não tenham plano de vôo aprovado) sejam derrubadas em território nacional. Com medo, os contrabandistas de armas e drogas que usavam o espaço aéreo para transportar suas mercadorias, voltaram a usar as rotas terrestres. Segundo a Polícia Federal, grande parte das armas e drogas também chega pelo mar.

O tráfico de armas é um negócio que também movimenta milhões de dólares, só perdendo para o de drogas. Calcula-se que das 17 milhões de armas que existem no país, 4 milhões estejam nas mãos do crime organizado. Tanto as drogas como as armas chegam ao Brasil por meio dos formiguinhas, pessoas que as transportam em veículos particulares, ou pelos grandes traficantes que fazem encomendas de quantidades que chegam via terra, mar e, muito pouco atualmente, por ar. Nessa negociata, muitas vezes, os bandidos pagam suas contas com trocas de produtos. É o caso da rota Brasil-Suriname: os brasileiros vão até o país onde compram armas e pagam com drogas. É pelo Suriname que entra boa parte das armas produzidas na Europa, como o fuzil russo AK-47 e metralhadoras antiaéreas trazidas da Ásia. Armas que interessam aos traficantes brasileiros e a facções criminosas, como o PCC e o CV, para continuar com o controle dos pontos de drogas e a continuidade dos crimes.

Mandar a droga para fora tem um motivo muito especial para os traficantes: o preço. Pra se ter uma idéia, o quilo da cocaína na Colômbia custa US$ 2 mil, chega ao Brasil por US$ 4,5 mil, nos Estados Unidos custa US$ 25 mil e na Europa vale US$ 40 mil. No Oriente Médio e no Japão atinge seu maior valor: US$ 80 mil o quilo.

O Brasil também recebe drogas de outros países, numa rota inversa. O haxixe (a maior parte produzido no Norte da África), por exemplo, é distribuído para a Europa e também para o Brasil. O ecstasy, fabricado principalmente na Europa, é igualmente trazido para o Brasil. Muitas vezes esse tráfico é feito por "mulas" que levam cocaína para a Europa e trazem o ecstasy, uma das anfetaminas mais usadas no país, em troca.

São muitas as portas de entrada das drogas no Brasil. Em novembro de 2007, a polícia apreendeu na cidade de Umuarama (PR) 500 quilos de maconha, que vinham do Paraguai. A droga, segundo a polícia, entrava no Brasil por Guaíra e pertencia ao PCC, que tinha montado uma base em Umuarama. De lá mandavam a maconha para São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, ao preço de R$ 1 mil o quilo.Só nesse “posto” descoberto pela polícia era comercializada uma tonelada de maconha por semana.

O Brasil se difere do Paraguai, Peru, Bolívia e Colômbia por não ser produtor e por ser o ponto mais importante de trânsito para as drogas produzidas nos quatro países. Mas há tempos o Brasil não é mais só corredor em direção a Europa e Estados Unidos. O país passou a ser um importante consumidor de drogas, em especial, de maconha e cocaína. Um mercado ativo e em expansão que conquistou especialmente os jovens.

Um documento divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2006 cita que no Brasil o narcotráfico “emprega” mais de 20 mil “entregadores” de drogas, a grande maioria jovens de 10 a 16 anos que ganham salários de US$ 300 a US$ 500 por mês. Só no Rio de Janeiro, o narcotráfico vende por ano cerca de seis toneladas de drogas, faturando cerca de R$ 900 milhões, de acordo com a Polícia Civil carioca. Desse montante, quase R$ 600 milhões são faturados pelo Comando Vermelho e o Terceiro Comando (outra facção do Rio). Em São Paulo, calcula a polícia, existem cinco mil postos de distribuição da droga. A cidade é hoje o ponto principal do “corredor Brasil”, de onde é mandada a maior parte da cocaína e maconha que abastece a Europa e Estados Unidos.

O relatório da ONU acrescenta que os traficantes possuem armas melhores e mais poderosas de que as da polícia brasileira e que os traficantes, mesmo presos, continuam a comandar o tráfico de dentro da cadeia. Exemplo disso é o caso do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira Mar, um dos principais fornecedores de cocaína para o Comando Vermelho e para o Primeiro Comando da Capital. Em 22 de Novembro de 2007 ,a mulher de Fernandinho foi presa pela Polícia Federal no Rio de Janeiro, acusada de ajudar o marido a comandar uma rede internacional de tráfico de drogas e armas. Beira-Mar, mesmo preso no Presídio de Segurança Máxima em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, comandava suas operações criminosas e tinha “representantes” em vários estados brasileiros. Sob sua chefia, sua organização comprava maconha do Paraguai e cocaína da Bolívia e revendia para o mercado interno e também para o Exterior. O ex-chefe da Polícia do Rio de Janeiro, Hélio Luz, disse que “o tráfico é uma empresa, é uma empresa ilegal”.


O Polígono da maconha

Na divisa de Pernambuco (sertão pernambucano) e Bahia, às margens do Rio São Francisco, 14 municípios no Nordeste do Brasil têm como principal atividade o cultivo da maconha. É a maior área de plantio da erva na América do Sul. Jovens e trabalhadores rurais são cooptados pelo tráfico e trabalham de dez a 12 horas diárias de cinco a seis meses por ano. O Ministério Público do Trabalho de Pernambuco calcula que sejam 40 mil trabalhadores nessa região só no plantio de maconha, sendo dez mil crianças e adolescentes. O cultivo da maconha na área começou em 1977. A estimativa era de que a produção em 2007 atingiu 10 milhões de pés da erva, o que corresponde a quatro mil toneladas de droga. Do “produtor” o quilo saía por R$ 200 e depois de passar pelos “intermediários” chegava aos grandes traficantes por mil reais o quilo. Pra se ter uma idéia, o produtor de cebola vende o quilo por R$ 0,20.

Da plantação ao consumidor
As drogas produzidas aqui no Brasil ou importadas de fora são compradas por grandes traficantes e revendidas aos chamados microtraficantes (aqueles que compram quantidades pequenas), que as revendem para os consumidores. Muitos destes grandes traficantes estão dentro das cadeias e as drogas que compram são revendidas dentro das prisões e também nas ruas. O homem que faz a ponte, ou seja, é o intermediário entre os produtores e os grandes traficantes é chamado de matuto. Nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, o tráfico montou uma espécie de governo paralelo.

Nas favelas e nos morros, eles são os “donos-do-morro” ou “donos-das-bocas” e ditam as leis. Os donos do morro é que decidem onde serão as bocas-de-fumo e quem serão os representantes, que são os microtraficantes. Estes finalmente vão revender a maconha ou a cocaína para o consumidor final, que podem ser jovens pobres da própria favela e morro ou, na maioria das vezes, os filhos da classe média e alta, principais financiadores do esquema do tráfico.

No Rio de Janeiro são quase mil favelas onde moram mais de 1,5 milhão de pessoas, parte delas recrutadas pelo tráfico. Os comandos criminosos cariocas empregam pelo menos 10 mil jovens de 10 a 16 anos que são os “soldados” ou vapores, fogueteiros, aviões. Sem oportunidade de emprego, sem perspectiva de uma vida melhor, os jovens vêem no tráfico uma possibilidade de “vencer” na vida. Espelham-se na fama dos chefões do tráfico, que circulam com carrões, sempre rodeados de mulheres bonitas e com seguranças armados. A eles, além de um “bom salário”, o tráfico oferece lazer e entretenimento, como os bailes funks onde a cocaína é livremente vendida a preço baixo, num território dominado pelos bandidos, onde muito raramente entra a polícia e o poder do estado é ausente. O “movimento”, como se referem os moradores ao tráfico de drogas, também aparece fazendo quadras de futebol e patrocinando festas juninas e natalinas, com distribuição de presentes para as crianças. Durante o ano, há ajuda às famílias até com a compra de remédios. Cerca de 50 grandes grupos controlam todo o tráfico no Rio.

Entre os trabalhadores do tráfico tem o “químico”, que é contratado pelo grande traficante, o “dono-do-morro”. O químico é o responsável por “batizar” a droga, ou seja, pelos ingredientes que vão ser misturados nela. A cocaína, por exemplo, é comprada “pura” pelos grandes traficantes e para que ela “renda” mais, aumente de volume, o químico faz a mistura que pode ser, por exemplo, com bicarbonato. Um quilo da droga pura vira dois quilos depois da mistura e o lucro é maior.

Há jovens que são contratados como “fogueteiros” que ficam em pontos estratégicos, munidos de fogos de artifício para serem soltados em duas ocasiões: quando as drogas chegam e ficam à disposição e quando a polícia está chegando.

No topo da hierarquia do tráfico está o “dono-da-boca”, traficante que compra as grandes quantidades. Abaixo dele os “gerentes”, que repassam a droga para os “aviões” que levam, transportam a droga até as bocas-de-fumo”. Os gerentes também têm a função de arrecadar semanalmente o dinheiro do tráfico nas bocas de fumo e prestar contas ao chefão, o dono-do-morro.

O dono-da-boca contrata os "soldados” ou “vapores” que são os que revendem a droga aos consumidores, aos clientes, que podem estar no morro ou nas avenidas, próximas às favelas e aos morros.

Há também os “esticas” que são os encarregados de vender as drogas em faculdades, boates, bares, prédios e condomínios. O trabalho é ininterrupto. São 2 turnos de 12 horas e os “trabalhadores” se revezam.

Em algumas favelas existe ainda o “drive-thru”. Os traficantes ficam em um ponto fixo e os compradores, de carro, passam, pagam e recebem a droga. Em São Paulo e no Rio também tem o serviço “delivery”. O cliente liga para um determinado número e em pouco tempo um motoqueiro chega com a “encomenda” que pode ser entregue em casa, num shopping, num bar. Os traficantes chegaram a sofisticação de “personalizar” as drogas, fazendo embalagens diferentes, em cores diferenciadas para cada boca-de-fumo. De forma que, se o cliente tiver alguma reclamação, o vendedor do ponto será identificado.


As drogas e a internet

Mundo moderno, traficantes modernos. E a internet entrou em ação. Com um “click” é possível negociar vários tipos de drogas: maconha, cocaína, esctasy. Jovens mantém conversas sobre novos entorpecentes, remédios que têm poderes alucinógenos. Marcam raves e abertamente publicam que nos três dias de festa vai rolar de tudo.

A internet é vista como uma nova possibilidade de negócios, principalmente pela possibilidade de vender drogas por e-mail ou em conversas on-line. Os traficantes chegam a fazer “leilões virtuais”, comercializando a droga para quem pagar mais.



Mulas

É freqüente, nos aeroportos brasileiros, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, a polícia prender pessoas que tentam embarcar para a Europa levando cocaína. Muitas são pessoas recrutadas pelos traficantes, que ingerem cápsulas da droga (embrulhadas em plástico para não estourar) e viajam com ela no estômago. Em um dos casos, em 2006, um jovem preso estava com quase um quilo da droga no estômago. As "mulas", como são chamadas, recebem pelo trabalho cerca de US$ 5 mil por viagem mais as passagens aéreas e a estadia. Quando chegam ao destino, tomam laxante para “despejar” a droga. Alguns repetem o ritual de engolir drogas e voltam para o Brasil com o estômago recheado de esctasy. Esses rapazes e moças ficam dois ou três dias sem comer nada para que caiba mais droga dentro deles e para que após a ingestão elas não se misturem com alimentos no estômago. Nem água podem beber. Há casos em que as cápsulas de cocaína estouram e as mulas morrem de overdose em poucos minutos.



Mortes e crimes

Em seu relatório, de 2006, a ONU destaca que grande parte dos 30 mil homicídios registrados anualmente no país estão ligados ao tráfico e consumo de drogas.

Ressalta que os grupos envolvidos no tráfico de drogas têm nível de violência maior do que os dos ligados a outras atividades criminosas, como o jogo do bicho. É como um ditado popular no Brasil: “O tráfico não perdoa, mata”. Mata porque vendeu e não recebeu, mata porque alguém “quebrou” a lei do silêncio, mata porque algum dono-de-boca foi incorreto na hora do acerto de contas.

O Ministério da Justiça do Brasil fez um levantamento que mostra que em 60% das chacinas ocorridas no país o motivo foi o tráfico de drogas. Em São Paulo e Rio de Janeiro chega a 80%. Sejam os matadores traficantes que venderam e não receberam, sejam traficantes rivais eliminando-se entre si, sejam policiais ou justiceiros os causadores das mortes, as drogas sempre são o pano de fundo.

Nosso país está também incluído no Relatório da Jife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes) como um dos países com os maiores índices de violência decorrentes do tráfico e do consumo de drogas.

As drogas aumentam também outros tipos de crimes como assaltos, arrombamentos, prostituição, porque muitas vezes o viciado sem recursos para comprar as drogas acaba cometendo esses crimes para obter o dinheiro.
Combate às drogas no Brasil
A lei brasileira em vigor para combate ao tráfico é a de número 11.343, de 23 de agosto de 2006, a Lei Antidrogas, que estabelece normas para repressão, produção e tráfico de drogas e que diferencia o traficante do consumidor.

O Artigo 28, que trata do consumidor, estabelece:

“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para uso pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com a determinação legal será submetido as seguintes penas:

Advertência sobre os efeitos da droga
Prestação de Serviços a Comunidade
Medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo."

O Artigo prevê também as mesmas medidas para os que cultivam drogas para consumo próprio, como uma pequena plantação caseira de maconha.

O Artigo não prevê prisão para quem for somente usuário e tiver em seu poder pequena quantidade de drogas. Caberá ao juiz determinar se a quantidade encontrada com o sujeito faz dele, perante a lei, um consumidor ou um traficante.

No Artigo 33, começam as determinações de penas. Por exemplo: de três meses a um ano para quem induzir, instigar ou auxiliar alguém no uso de drogas.

Se forem duas ou mais pessoas e houver objetivo de lucro (cobrança pelas drogas) a pena sobe: de três a dez anos de cadeia.

E para os grandes traficantes, que forem pegos comercializando grandes quantidades e pena é de oito a 20 anos de prisão.


O combate

Dificuldades com nossas enormes fronteiras, poucos policiais federais para fiscalizar, poder financeiro dos traficantes, que em muitos casos corrompem a polícia, e o crescimento das facções criminosas, que se aliaram e dominam o tráfico, são os principais problemas do Brasil no combate ao narcotráfico.

Em 1990, o Brasil deu mais um passo no combate ao tráfico de drogas, com a criação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que com satélites e radares teve como objetivo não só proteger as matas, visualizando os pontos de destruição pelos madeireiros, mas também controlar outras atividades clandestinas como o tráfico de drogas.

Em 1998, foi criada a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), ligada ao governo federal e que dá apoio os Estados.


Agência Estado
Policiais federais queimam maconha apreendida no Nordeste
Em 2001, a Polícia Federal, encarregada de desarticular o narcotráfico na fronteira da Amazônia brasileira, fez uma grande operação na região e encontrou bases de produção de cocaína sob o domínio das Farc, que produziam por mês, em território brasileiro, cerca de 45 toneladas de cocaína. A droga era levada em aviões que partiam de pistas clandestinas para a Colômbia, Estados Unidos, Europa e outros estados brasileiros.

Nas grande metrópoles, as policiais civis montaram até departamentos especializados, visando, principalmente, a prender os traficantes, tirá-los de circulação e, conseqüentemente, diminuir a quantidade de drogas em circulação. Em São Paulo, por exemplo, existe o Denarc - Departamento de Investigações sobre Narcóticos, que tem dezenas de delegados e investigadores só para trabalhar contra o narcotráfico. Com equipamentos modernos e a utilização de escutas telefônicas (autorizadas pela Justiça), eles buscam prender “peixes grandes” do tráfico de drogas.

Os policiais grampeiam telefones celulares de bandidos dentro e fora das cadeias e gravam o que eles conversam. Assim descobrem seus planos, as rotas das drogas e das entregas, surpreendendo os bandidos e os prendendo em flagrante. O problema é que muitos desses traficantes, mesmo atrás das grades, continuam com seus negócios.

Além de reprimir, as leis brasileiras também se preocuparam com a recuperação dos viciados, mas infelizmente, na prática, não acontece o que determina o papel. Os usuários dependentes pobres têm muitas dificuldade para encontrar lugares públicos para internação e tratamento. Os das classes média e alta recorrem a clínicas particulares especializadas, que custam muito caro.

Alternativas mundiais
A legislação para tráfico e uso de drogas no mundo varia muito. Enquanto, alguns países como Cingapura, Indonésia e Arábia Saudita condenam à pena de morte os traficantes, outros, principalmente na Europa, têm leis amenas , principalmente para os usuários.

Portugal, a partir de 2002, descriminalizou as drogas ilícitas, ou seja, o usuário não é mais tratado como um criminoso, mas as penas endureceram para os traficantes, com multas e longos períodos de prisão.

Na Suécia, o governo, depois de levar para a cadeia vários consumidores e vendedores, decidiu investir na prevenção, tentando evitar que os jovens se iniciem nas drogas. O país gasta 30% a mais em prevenção do que outros países da Europa e o resultado é que há 30% menos usuários de drogas do que a média européia.

Nos Estados Unidos é permitido o uso medicinal da maconha em oito Estados, mas as leis para o tráfico são duras. No Canadá, o consumo medicinal também é permitido desde 2001.

No Japão, onde os jovens das classes médias e altas são os maiores consumidores, desde 2006, a pena de prisão para usuários foi substituída por tratamento e serviços comunitários. As leis para os traficantes endureceram e se tornaram ainda mais rigorosas.

Na Alemanha, Bélgica, Espanha e Finlândia, o uso também foi descriminalizado e a lei não impõe condenação para quem é só usuário.

Na Holanda, o consumo de maconha é liberado (com quantidades limites de venda: até cinco gramas de maconha para cada cliente) e a droga é vendida em cerca de 800 bares e cafés, desde 1976, para maiores de 18 anos. Esses locais não podem se instalar próximos a escolas e não é permitido fumar maconha nas ruas, só dentro dos cafés que oferecem uma infinidade de variedades da erva, inclusive com cardápio. O governo holandês também permite que cada pessoa tenha em casa até cinco pés de maconha plantados. Outras drogas como a cocaína, heroína, ácidos e anfetaminas continuam ilegais. O país oferece ainda tratamento de primeira aos seus jovens viciados que encontram no sistema de saúde pública do Estado todos os modernos métodos de tratamento sem pagar nada.

Todo mês de novembro acontece na Holanda o “World Cannabis Cup”, um torneio mundial de maconha. Gente do mundo inteiro se reúne lá para experimentar e saborear as novas variedades da planta e votar pelas melhores.

Apesar de parecer um incentivo às drogas, uma pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisas de Drogas da Universidade de Amsterdã, após a descriminalização, mostrou que o número de usuários não aumentou com a liberação. Em 2007, na Holanda, eram 300 mil os usuários, ou seja, cerca de 3% da população, índice que é igual aos de outros países da Europa e menor do que o dos Estados Unidos, onde cerca de 5% da população consome ilegalmente a maconha.

Introdução sobre como funcionam as polícias de elite


Armados com fuzis, pistolas, submetralhadoras e metralhadoras e usando máscaras anti-gás e coletes a prova de balas, os policiais avançam.
Os que vão na frente carregam escudos que pesam quase cinco quilos e resistem a impactos de até quinhentos quilos, sejam facadas, golpes de ferro, tijoladas, estilhaços de granadas. Também há escudos especiais, feitos de aramida, fibra sintética que resiste ao impacto de balas de pistolas calibres 45 e 357.

Eles são seguidos por outros soldados que conduzem cães especialmente treinados. Carregam uma “tonfa”, um cassetete de aço com empunhadeira. Outra parte do grupo, os “granadeiros”, leva armas especiais: granadas de gás pimenta e de gás lacrimogêneo. Se a ação precisar se estender até a noite, contam com binóculos infravermelhos.

O inimigo a enfrentar são presos rebelados em uma cadeia, ou bandidos entrincheirados em algum morro, ou um marginal que fez um refém em tentativa frustrada de assalto.ou um grupo de populares manifestantes exaltados com alguma causa, o chamado “controle de distúrbio civil”. É comum, eles usarem de brutalidade e até tortura para conseguir as informações que querem. Alguns usam veículos que parecem verdadeiros tanques de guerra, assustam moradores de favelas ou vizinhos de áreas de conflitos.

É a polícia de elite em ação. Ela está presente em todos os estados brasileiros e são treinadas para situações especiais. Há grupos de elite nas policias Militar e Civil.


Agência Estado
Bope - a polícia de elite do Rio de Janeiro

COE, GOE, Gate, CDC, CME, Tigre, GET, CPE, CIOE, BOE, BME, GRT, RONE, DOE, Rotam, Gote, Bope... As siglas mudam, mas os treinamentos, os objetivos e as missões são as mesmas.

Todos passam por cursos específicos que duram de um a cinco meses,onde aprendem desarmamento de bombas, tiros de precisão, como fazer resgate de reféns e negociação com seqüestradores. Também recebem aulas de técnicas de sobrevivência na mata, uso de rapel, de mergulho. Fazem simulações de invasões em presídios e noções de como fazer a escolta de autoridades ou de presos considerados perigosos. São as tropas especiais, preparadas para tudo.

O curso é uma espécie de “pós-graduação”. Como policiais civis e militares, eles fazem o curso comum a todos os policiais e podem trabalhar em qualquer setor da polícia civil ou batalhão da PM. Mas para ser da Polícia de Elite tem que se especializar mais, aprender mais.

Muitos destes policiais diferenciados fazem cursos no exterior ou recebem treinamento de técnicos da Swat norte-americana, que constantemente desembarcam em solo brasileiro para ensinar novas técnicas ou reforçar os ensinamentos já ministrados anteriormente.

O objetivo é ter uma polícia capaz de enfrentar qualquer tipo de situação com os melhores resultados. Para eles, o melhor equipamento, as melhores armas, os veículos especiais, até blindados se for necessário. Todas as equipes têm atiradores de elite, os “sniper”, capazes de atirar a longa distância e acertar o alvo. As tropas de elite são como pequenos exércitos locais.

A estimativa é que no Brasil, entre policiais civis e militares, cerca de cinco mil homens façam parte destes “rambos” nacionais. (1% do total do efetivo que no Brasil é de quinhentos mil policiais).

Não é possível e nem há recursos para treinar todos os policiais brasileiros. Por isso o treinamento especial é privilégio de alguns grupos. Para os que serão os melhores.

Nesse artigo, você vai conhecer com detalhes os equipamentos, o treinamento, como ingressar e as consideradas melhores polícias de elite do Brasil. Vai saber que elas erram e são acusadas de tortura e outras formas de abuso de poder. Antes conheça algumas siglas usadas pelas polícias de elite no Brasil:
COE – Comando de Operações Especiais ou Companhia de Operações Especiais
GOE – Grupo de Operações Especiais
Gate – Grupo de Ações Táticas Especiais ou Grupo de Apoio Tático Especial
Gote – Grupo de Operações Táticas Especiais
CME - Comando de Missões Especiais
Tigre – Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial
GET – Grupo Especial Tático
CPE – Comando de Policiamento Especializado
Cioe – Companhia Independente de Operações Especiais
BOE – Batalhão de Operações Especiais
BME – Batalhão de Missões Especiais
GRT – Grupo de Resposta Tática
Rone – Ronda Ostensiva de Natureza Especial
DOE – Departamento de Operações Especiais
Rotam – Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas
Bope – Batalhão de Operações Policiais Especiais

Narcotráfico



O traficante

É o tipo mais perigoso que existe, entre os indivíduos ligados às drogas. Através de sua atuação, o vício difunde-se, deteriorando o organismo e despersonalizando a pessoa.
Tanto o plantio, como a importação, exportação e comércio das substâncias tóxicas, nada mais são facetas do tráfico de entorpecentes.
O ponto básico de toda a degradação moral e social dos toxicômanos, nada mais é do que o próprio traficante.
Enriquecem à custa das vicissitudes alheias, exploram a miséria e vivem sobre a degradação moral daqueles que imploram a manutenção do vício. Vão ao ponto de não permitir uma recuperação de quem quer que seja, indo da perseguição até às últimas consequências.
Seu campo de ação vai desde os portões de colégios, às praças públicas, portas de prisões, etc., sempre à espreita de uma nova vítima.
O traficante é um indivíduo frio, calculista, inteligente, ardiloso e insinuante, capaz de perceber o ambiente propício para sua investida e a predisposição psíquica de sua nova vítima.
Chega, às vezes, introduzir a droga sem fazer referência a ela, simplesmente ministrando-a como tratamento para um mal-estar da vítima, provocando, de conformidade com a natureza do entorpecente, o inicío de uma dependência física e/ou psíquica.
Encontrar um traficante, é uma tarefa árdua. Conseguem um perfeito sistema de proteção, com um serviço de informação, que faz inveja a própria polícia, na maioria das vezes com a participação de menores.
O traficante dificilmente entregará a "muamba" diretamente ao dependente. Sempre age indiretamente, daí a dificuldade do flagrante e da prisão.
Geralmente o traficante deixa a droga em local pré-estabelecido, que tanto pode ser uma carrocinha de sorvete, refrigerante, ou doce, como pode ser uma reentrância em um muro de edifício, ou simplesmente um ponto determinado nas areias de uma praia.
Exterminado o traficante, estaremos nos aproximando do ponto final de uma longa e irreparável escala de tóxicos.

O Dependente- Traficante

O traficante dependente age como elemento induzidor e desinibidor perante os novatos. Uma vez efetuada a demonstração do uso (quer fumando, quer ingerindo ), exercita a sua atividade de traficar, vendendo o tóxico aos precipiantes.
Não é comum um traficante descer a dependente, ou seja, passar do comércio ao simples uso, pois a dependência, para os negociantes, é uma fraqueza suscetível de exploração.
É evidente que se um traficante dependente é preso, seu comportamento é totalmente diferente do de um dependente, pois além da atividade de fornecimento, precisa suprir-se também da droga.
Entre os traficantes, de um modo geral, incluindo o traficante dependente, existe como que um código de honra, onde fica proibida, sob pena de execução sumária, a revelação dos outros traficantes.

As Drogas e o Crime

As drogas estão ligadas ao crime em pelo menos quatro maneiras:

1. A posse não-autorizada e o tráfico de drogas são considerados crimes em quase todos os países do mundo. Só nos Estados Unidos, a polícia prende por ano cerca de um milhão de pessoas por envolvimento com drogas. Em alguns países, o sistema judicial está tão lotado de processos criminais ligados às drogas que a polícia e os tribunais simplesmente não conseguem dar vazão.
2. Visto que as drogas são muito caras, muitos usuários recorrem ao crime para financiar o vício. O viciado em cocaína, por exemplo, talvez precise de uns mil dólares semanais para sustentar o vício. Não é para menos que os arrombamentos, os assaltos e a prostituição floresçam quando as drogas fincam raízes numa comunidade.
3. Outros crimes são cometidos para facilitar o narcotráfico, um dos mais lucrativos negócios do mundo. O comércio ilícito das drogas e o crime organizado são mais ou menos interdependentes. Para garantir o fluxo fácil das drogas, os traficantes tentam corromper ou intimidar as autoridades. Alguns têm até mesmo um exército particular. Os enormes lucros dos barões da droga também criam problemas. Sua fabulosa receita poderia facilmente incriminá-los se esse dinheiro não fosse "lavado". Assim, bancos e advogados são usados para despistar a movimentação do dinheiro das drogas.
4. Os efeitos da própria droga podem levar a atividades criminosas. Familiares talvez sofram abusos por parte de usuários de drogas crônicos. Em alguns países africanos afligidos pela guerra civil, crimes horríveis têm sido cometidos por soldados adolescentes drogados.

Como e por onde a cocaína entra no Brasil?*

Uma das mais escancaradas portas de entrada de cocaína no Brasil é o município de Tabatinga (AM), fronteira terrestre com a cidade colombiana de Leticia, onde há um radar instalado, mantido e protegido por fuzileiros navais norte-americanos. Tabatinga fica numa das margens do rio Solimões. Na outra, está o Peru. Essa área é chamada de Alto Solimões.
Do Pará, no norte do país, ao Paraná, no sul, uma extensa faixa fronteiriça brasileira é território livre para o ingresso de abundantes carregamentos de droga.
A tendência é, quanto mais acima (Pará, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia) entra a cocaína, maior a chance de o seu destino ser o exterior. Se a porta for Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, haverá mais possibilidades de a escala final ser o mercado nacional. Isso é tendência, não a regra.
Relatório da Divisão de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal com o balanço de 1999 relaciona os veículos nos quais as drogas (fundamentalmente cocaína) provenientes do exterior foram apreendidas pelas autoridades brasileiras: aviões (70%), caminhões (15%), carros (10%) e ônibus (5%). Há transporte fluvial, pelos rios amazônicos, e marítimo, mas a polícia evita flagrar os traficantes na embarcação - deixa a droga seguir, para conhecer as conexões. Aí, então, intervém.
Uma das facilidades com que os traficantes brasileiros contam é a abundância de pistas de aviões cuja existência é omitida às autoridades aeronáuticas. No Pará, herança dos garimpos de ouro, há 3 mil anos. No estado de São Paulo, levantamento da Secretaria de Segurança contabilizou 366 "aeroportos clandestinos" em 166 cidades.
O espaço para pouso e decolagem de aeronaves carregadas de drogas, a rigor, não é necessário. As de pequeno e médio porte sobrevoam fazendas a baixa altitude e jogam os pacotes. É o padrão no interior de São Paulo.

Como e por onde a cocaína sai do Brasil?*

A cocaína segue para o exterior por via marítima e aérea. Os principais portos de saída são os de Santos e do Rio. Quantidade volumosa é embarcada, em alto-mar, em barcos que partem da região Norte, principalmente de Belém.
A mercadoria é levada às embarcações em aviões, que a jogam no oceano, de onde é recolhida. O Deprtamento de Estado dos EUA aponta os aeroportos de Guarulhos (SP), Antônio Carlos Jobim Galeão (RJ) e Porto Alegre (RS) como os mais usados para a saída de cocaína.
Nas operações robustas, a cocaína é acondicionada em contêineres, como fumo, frangos, soja, arroz, eletrônicos - tudo o que servir ao disfarce elaborado pelos traficantes.
O tráfico com "mulas", pessoas que levam consigo a mercadoria, responde pela saída de menos droga, mas envolve muita gente. A sofisticação dos truques é tamanha que roupassão engomadas com cocaína, que depois sai na lavagem. Método semelhante é usado com cabelo, pintado com loção impregnada com a droga.
O repertório é vasto. Usam-se latas, pranchas de surfe, pacotes amarrados no corpo. Até um padre com 11,5 quilos de pó sob a batina já foi flagrado. No Brasil, agem "mulas" de dezenas de nacionalidades.
Uma das variantes desse tipo de trabalho implica arriscar a vida, para receber de US$ 3 mil a US$ 5 mil por viagem: a droga viaja dentro de cápsulas ingeridas pelo passageiro. Se uma cápsula se rompe, o transportador pode morrer.
* "Texto extraído do livro Folha Explica O Narcotráfico, de autoria de Mário Magalhães. Publifolha ( www.publifolha.com.br ), 2000."

Quem é quem no tráfico

- Soldado: é o traficante que anda armado dentro da favela e protege as bocas-de-fumo. Ele mora no morro
- Boca-de-fumo: é o local dentro do morro ou da favela onde os traficantes passam a droga para os distribuidores
- Vapor: é o morador do morro que vende a droga na boca-de-fumo. Ele também faz entregas na estica
- Estica: é um posto avançado das bocas-de-fumo da favela no asfalto. Os moradores das redondezas ficam na estica e revendem a droga vinda do morro
- Formiguinha: é o microtraficante que compra pequenas quantidades e revende aos amigos nos bares, academias e escolas. Com o pequeno lucro, custeia o próprio vício
- Disque-drogas: o serviço é bancado pelo traficante autônomo, que compra nos morros boas quantidades, com maior grau de pureza. Ele entrega o produto por meio de motoboys e entregadores de pizza
- Quiosques: além de água-de-coco e refrigerantes, vendem entorpecentes e servem de ponto de contato entre os consumidores e os formiguinhas
- Fume-táxi: motoristas de táxi de fachada utilizam os carros para entregar drogas em pontos chiques da cidade

Drogas


Conceitos

Droga é toda e qualquer substância, natural ou sintética que, introduzida no organismo modifica suas funções. As drogas naturais são obtidas através de determinadas plantas,de animais e de alguns minerais. Exemplo a cafeína (do café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula) e o THC tetrahidrocanabiol (da maconha). As drogas sintéticas são fabricadas em laboratório, exigindo para isso técnicas especiais. O termo droga, presta-se a várias interpretações, mas comumente suscita a idéia de uma substância proibida, de uso ilegal e nocivo ao indivíduo, modificando-lhe as funções, as sensações, o humor e o comportamento. As drogas estão classificadas em três categorias: as estimulantes, os depressores e os perturbadores das atividades mentais. O termo droga envolve os analgésicos, estimulantes, alucinógenos, tranquilizantes e barbitúricos, além do álcool e substâncias voláteis. As psicotrópicas, são as drogas que tem tropismo e afetam o Sistema Nervoso Central, modificando as atividades psíquicas e o comportamento. Essas drogas podem ser absorvidas de várias formas: por injeção, por inalação, via oral, injeção intravenosa ou aplicadas via retal (supositório).

Intoxicação Aguda

É uma condição transitória seguindo-se a administração de álcool ou outra substância psicoativa, resultando em perturbações no nível de consciência, cognição, percepção, afeto ou comportamento, ou outras funções ou respostas psicofisiológicas.

Uso Nocivo

É um padrão de uso de substância psicoativa que está causando dano à saúde. O dano pode ser físico (como no caso de hepatite decorrente da administração de drogas injetáveis) ou mental (ex. episódio depressivo secundário a um grande consumo de álcool).

Toxicomania

A toxicomania é um estado de intoxicação periódica ou crônica, nociva ao indivíduo e à sociedade, determinada pelo consumo repetido de uma droga, (natural ou sintética). Suas características são:
1 - irresistível desejo causado pela falta que obriga a continuar a usar droga.
2 - tendência a aumentar a dose.
3 - dependência de ordem psíquica (psicológica), às vezes física acerca dos efeitos das drogas.

Breve história das drogas

A longa trajetória das substâncias psicotrópicas com o passar dos milênios.
Clique e confira!

Síndrome de Dependência

É um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de substâncias alcança uma prioridade muito maior para um determinado indivíduo, do que outros comportamentos que antes tinham mais valor.
Uma característica central da síndrome da dependência é o desejo (frequentemente forte e algumas vezes irresistível) de consumir drogas psicoativas as quais podem ou não terem sido prescritas por médicos.

Codependência

Codependência é uma doença emocional que foi "diagnosticada" nos Estados Unidos por volta das décadas de 70 e 80, em uma clínica para dependentes químicos, através do atendimento a seus familiares. Porém, com os avanços dos estudos das causas e dos sintomas, que são vários, chegou-se à conclusão de que esta doença atinge não apenas os familiares dos dependentes químicos, mas um grande número de pessoas, cujos comportamentos e reações perante a vida são um meio de sobrevivência.
Os codependentes são aqueles que vivem em função do(s) outro(os), fazendo destes a razão de sua felicidade e bem estar. São pessoas que têm baixa auto-estima e intenso sentimento de culpa. Vivem tentando "ajudar" outras pessoas, esquecendo, na maior parte do tempo, de viver a própria vida, entre outras atitudes de auto-anulação. O que vai caracterizar o doente é o grau de negligenciamento de sua própria vida em função do outro e de comportamentos insanos.
A codependência também pode ser fatal, causando morte por depressão, suicídio, assassinato, câncer e outros. Embora não haja nas certidões de óbito o termo codependência, muitas vezes ela é o agente desencadeante de doenças muito sérias. Mas pode-se reverter este quadro, adotando-se comportamentos mais saudáveis. Os profissionais apontam que o primeiro passo em direção à mudança é tomar consciência e aceitar o problema.

Abstinência Narcótica

Independente de sexo ou idade, na gravidez ou não, sempre que se suspendem de forma abrupta os narcóticos, poderá eclodir numa pessoa viciada nestas drogas, uma sequência de sintomas que vão caracterizar a síndrome de abstinência narcótica.

As primeiras 4 horas de abstinência
- Ansiedade, comportamento de procura da droga

As primeiras 8 horas de abstinência
- Ansiedade, procura da droga, lacrimejamento, coriza intensa, bocejos frequentes, sudorese excessiva, adinamia, fraqueza geral

As primeiras 12 horas de abstinência
- Ansiedade, procura da droga, lacrimejamento, coriza intensa, bocejos frequentes, sudorese excessiva, adinamia, fraqueza geral, dilatação das pupilas, tremores musculares, ondas de frio, ondas de calor, ereção dos pelos cutâneos, dores ósseas, dores musculares

As primeiras 18-24 horas de abstinência
- Ansiedade, procura da droga, lacrimejamento, coriza intensa, bocejos frequentes, sudorese excessiva, adinamia, fraqueza geral, dilatação das pupilas, tremores musculares, ondas de frio, ondas de calor, ereção dos pelos cutâneos, dores ósseas, dores musculares, insônia, náusea, vômitos, muita inquietação, aumento da frequência respiratória, pulso rápido, aumento da profundidade da respiração, aumento da pressão arterial, hipertermia (febre), dor abdominal

As primeiras 24-36 horas de abstinência
- Ansiedade, procura da droga, lacrimejamento, coriza intensa, bocejos frequentes, sudorese excessiva, adinamia, fraqueza geral, dilatação das pupilas, tremores musculares, ondas de frio, ondas de calor, ereção dos pelos cutâneos, dores ósseas, dores musculares, insônia, náusea, vômitos, muita inquietação, aumento da frequência respiratória, pulso rápido, aumento da profundidade da respiração, aumento da pressão arterial, hipertermia (febre), dor abdominal, diarréia, ejaculação espontânea, perda de peso, orgasmo espontâneo, sinais de desidratação clínica, aumento dos leucócitos sanguíneos, aumento da glicose sanguínea, acidose sanguínea, distúrbio do metabolismo ácido-base

Síndrome de abstinência no recém-nascido
Costuma ocorrer após 48 horas do parto de uma gestante viciada em narcóticos com as características:
- Febre, tremor, irritabilidade, vômitos, hipertonicidade muscular, insuficiência respiratória, convulsão, choro agudíssimo, muitas vezes pode ocorrer a morte do recém-nascido
(Fonte: Salvar o Filho Drogado, Dr. Flávio Rotman, 2ª edição, Editora Record)

Gírias utilizadas por usuários de drogas

queimar um - fumar
mocosar - esconder
caretaço - livre de qualquer efeito da maconha
sussu - sossego
rolê - volta
pifão - bebedeira
rolar - preparar um cigarro
cabeça feita - fuma antes de ir a um lugar
chapado - sob o efeito da maconha
bad trip - viagem ruim, com sofrimentos
nóia - preocupação
marofa - fumaça da maconha
tapas - tragadas
palas - sinais característicos das drogas
larica - fome química
matar a lara - matar a fome química
maricas - cachimbos artesanais
pontas - parte final da maconha não fumada
cemitério de pontas - caixinha ou recipientes plásticos usados para guardar as pontas
pilador - socador para pressionar a maconha já enrolada dentro da seda
dichavar o fumo - soltar a maconha compactada em tijolos ou seus pedaços e separar as partes que lhe dão gosto ruim
sujeira - situação perigosa
dançou - usuário que foi flagrado fumando
mocós - esconderijos de droga
"pipou uma vez, está fisgado"
(Fonte: Anjos Caídos, Içami Tiba, 6ª edição, Editora Gente)


Exames toxicológicos e detecção de drogas
Quais tipos de exames toxicológicos existentes? Eles detectam qualquer droga?
A partir de quando eles dão positivo? –

O NARCOTRÁFICO JÁ É O MAIOR NEGÓCIO IMPERIALISTA DO MUNDO

Jonas Potiguar


O total da produção mundial de bens hoje em todo o mundo alcança a cifra astronômica de 25 trilhões de dólares (por volta de 300 vezes a produção anual do Brasil). Uma parte importante dessa produção é realizada pelos trabalhadores das grandes empresas transnacionais, que empregam 40 milhões de trabalhadores. A produção das 500 maiores empresas do mundo, produzindo em todos os continentes, em 1998, chegou a US$ 11 trilhões de dólares. Seus lucros chegaram 440 bilhões de dólares. Os setores de ponta desta produção é a indústria automobilística (em torno de 1 trilhão de dólares), petrolífera (900 bilhões) e eletro-eletrônicos (750 bilhões) em dados da revista Fortune de 1994.

A indústria do narcotráfico movimenta entre 750 bilhões de dólares a US$ 1 trilhão, portanto se equiparando a estes setores de ponta. Porém, seus lucros são muito superiores aos granjeados no conjunto destes três setores acima mencionados. Isto é permitido pela grande diferença de preço da matéria prima (folha de coca) que é vendida a US$ 2,5 o kg. na Bolívia ou na Colômbia, depois é transformada em cocaína passa a valer US$ 3.000 na Colômbia, chegando em São Paulo a US$ 10.000 e alcançando o preço estratosférico de US$ 40.000 dólares no mercado norte-americano e US$100.000 no Japão. O mesmo se pode dizer da heroína e da maconha. É o negócio mais rentável do mundo: alcança lucros de mais de 3.000% e o custo de produção alcança somente 0,5% e o de distribuição 3% do valor do produto. Em 1992, os lucros com tráfico de drogas estavam em torno de 300 bilhões de dólares, quase 6 vezes o lucro alcançado pelas indústrias petrolífera, automobilística e de equipamentos eletro-eletrônicos juntas.

A globalização do narcotráfico

As máfias, a partir do final dos anos 80, se globalizam, buscando uma associação estreita entre as grandes gangues em nível mundial. Os cartéis colombianos, que alimentam todos os outros cartéis desse ramo e faturam por volta de US$200 bilhões anuais, as máfias orientais, que dominavam a produção de papoula (matéria prima da heroína e do ópio, no Triângulo Dourado formado por Birmânia, Tailândia e Laos), as máfias italianas com suas irmãs americanas, a Yakuza japonesa, as máfias chinesas, assim como as máfias africanas e as novas, porém fortes, máfias russas, todas se relacionam.

É um império subterrâneo, com ramificações em mais de trinta países e penetra em todas as esferas de poder estatal, empresariais e sociais. Emprega centenas de milhares de membros organizados e alguns milhões de trabalhadores na produção da matéria prima (folha de coca ou papoula).

O negocio inclui tráfico de drogas, vendas de armas, lavagem de dinheiro do narcotráfico, prostituição adulta e infantil, tráfico de órgãos humanos, suborno, extorsão, controle de área inteiras utilizando métodos violentos de terror com uma estrutura paramilitar.

Segundo dados da revista Newsweek o capital acumulado a cada ano por todas as máfias do mundo é estimado em US$ 3 trilhões, ou seja, mais de 10% de toda produção mundial.

Se prossegue este ritmo vertiginoso de crescimento deste negócio, os cartéis e grupos econômicos que dominem este setor serão a principal fonte de poder econômico do planeta. Por isso, discutir o narcotráfico significa, necessariamente, discutir quem controla regiões inteiras do planeta onde é cultivada a matéria-prima e onde são instalados os laboratórios para produzir drogas.

A "guerra ao narcotráfico" é uma disputa por territórios, entre governos e máfias narcotraficantes. É um negócio como outro qualquer, com a diferença que sua proibição faz oscilar os preços de forma espetacular.

Neoliberalismo e narcotráfico

Ainda que exista há décadas, só agora, nos anos 90, com o neoliberalismo, o narcotráfico se desenvolveu e adquiriu peso e importância mundiais. É uma das atividades econômicas mais dinâmicas e rentáveis. O neoliberalismo foi a esteira que permitiu o verdadeiro salto de um negócio marginal para o maior de todos os negócios. A queda dos preços das matérias primas nos países pobres criou as condições para que partes importantes do campesinato da Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Brasil, etc. se dedicassem a produção da matéria prima para a fabricação da cocaína, da heroína e da maconha. Ao mesmo tempo, abriu espaço para que setores burgueses desses países se reorientassem para este negócio, em franca ascensão, enquanto os negócios "legais" encontram-se em recessão.

A abertura indiscriminada dos mercados, a desregulamentação financeira internacional, abriu as comportas do sistema financeiro mundial para uma enxurrada de narco-dólares que são lavados em paraísos financeiros (Caribe) ou no Uruguai, Argentina, Brasil, Suíça, EUA, etc. Grandes bancos aceitam de bom grado o que se estima em US$ 1 trilhão de narco-dólares que são lavados anualmente no sistema financeiro mundial. Este dinheiro cumpre um papel importante na especulação mundial, no crescimento artificial das bolsas de valores, assim como é recebido com "fogos de artifício" pelos governos neoliberais capachos.

Lucros escalonados

Como qualquer negócio imperialista, há diversas fases desta indústria. A parte do leão fica com os países imperialistas que recolhem a maior parte dos lucros deste negócio, enquanto que para os países "produtores de matérias primas", do "terceiro mundo", ficam as menores fatias do bolo e mesmo assim nas mãos dos grandes traficantes.

O "negócio" começa nos países semi-coloniais que entram com a produção (Colômbia, Peru e Bolívia no caso da cocaína ou Afeganistão no caso da heroína, por exemplo) feita por milhões de camponeses que vendem a matéria prima por poucos dólares o quilo. Daí a folha de coca passa para as mãos dos narcotraficantes "tupiniquins" que processam a matéria prima, produzindo a cocaína ou a heroína, vendendo-as já por alguns milhares de dólares. Estas gangues agarram a primeira parte dos grandes lucros do negócio, seu enriquecimento é exorbitante e está demonstrada sua relação com os partidos políticos tradicionais, com as cúpulas dominantes destes países, estendendo seu poder de corrupção a todas as atividades econômicas, políticas, sociais.

A terceira etapa do processo está nas mãos dos distribuidores nos grandes centros de consumo (principalmente EUA, que consome 240 toneladas de cocaína por ano, e Europa), em geral controlado pelas máfias dos países imperialistas (nunca denunciadas, nem perseguidas) e ficam com a maior parte dos lucros do negócio, dividido depois com os grandes bancos internacionais que fazem a lavagem dos narco-dólares, transformando-o em capital financeiro, principalmente especulativo, que vai voar pelo mundo afora em prol da "globalização". Estima-se que os EUA reciclam US$ 500 bilhões por ano do narcotráfico.

O grosso dos lucros em todos os níveis, são embolsados pelos setores da burguesia (traficante e não traficante) dos EUA. A economia norte-americana vende parte importante dos compostos químicos, recebe US$ 240 bilhões anuais por isso, uma parte dos quais se destina a repor capital no mesmo ramo da produção de drogas e outra parte é investida em outros setores da economia ou vai para os bancos. Isto transforma os EUA no país onde a
narco-economia tem uma importância vital, ocupa aproximadamente 5% do PIB, se convertendo no setor mais importante da economia norte-americana.

As veias do negócio na América Latina

A América Latina é o principal fornecedor de cocaína e maconha do mundo. Os cartéis latino-americanos enviam ao mundo 270 toneladas de cocaína por ano e já detêm 15% da produção de heroína, produto tradicionalmente elaborado no sudeste asiático. Hoje, o Afeganistão controla a maior parte da produção mundial. A coca ocupa uma área de 200 mil hectares espalhados em milhares de propriedades na Colômbia, Peru e Bolívia e emprega 5 milhões de pessoas. Calcula-se que na Bolívia entram por ano US$ 600 milhões relativos ao comércio da coca, no Perú US$ 650 milhões e na Colômbia US$ 1,7 bilhão, ainda que seja impossível conseguir cifras exatas.

Na Colômbia, 70% das terras cultiváveis estão agora nas mãos dos narcotraficantes. Segundo dados da DEA (Agência de Repressão às Drogas do governo norte-americano) para 1995, as entradas, produto das exportações de cocaína da Colômbia, alcançava os 10% do PIB, três vezes mais que as vendas da Ecopetrol, de longe a maior empresa do país. O narcotráfico e seus capitais penetraram em todas as atividades econômicas básicas e fundamentais do país, como bancos, agricultura, construção civil e indústria e faturam uns US$ 200 bilhões, segundo dados do FMI.

Na Bolívia, igualmente, o valor das exportações relacionadas com a cocaína supera todos os demais ramos econômicos. No Peru, a produção de coca chegou a alcançar 8% do PIB do país, empregando 7% da população economicamente ativa. Houve uma queda importante nestes índices, devido à queda dos preços da coca, saturação do mercado mundial, forte superprodução. Depois de ser o primeiro produtor mundial de folhas de coca, o Peru - tudo indica que - vai tornar-se um forte exportador de heroína, pois já estão se produzindo papoulas em terras muito propícias para este cultivo.

No Paraguai, o tráfico de drogas, carros e armas é o setor mais dinâmico da economia e já penetrou em todas as instituições estatais, policiais, políticas, etc. O México é um grande produtor de maconha, cujo monopólio é assegurado pelo próprio exército do país, que foi direcionado para reprimir o narcotráfico e terminou sendo comprado. Argentina e Uruguai, principalmente este último, têm se convertido em importantes bases para "lavar" narco-dólares.

Em todos estes países pode-se encontrar altas esferas do poder metidos até o pescoço no narcotráfico, desde altos oficiais, incluindo as agências nacionais "antidroga" na Colômbia, Paraguai, Peru, México, Bolívia. Até políticos de altas esferas, como Oviedo no Paraguai, Menem, o irmão do ex-presidente Salinas, no México, foram flagrados em escândalos. No Brasil, agora está vindo à luz informações que comprometem políticos burgueses, setores inteiros das polícias, juizes, empresários e banqueiros, corrompidos pelos cartéis do narcotráfico.

O imperialismo norte-americano quer controlar todo o negócio e...

A "guerra contra o narcotráfico" promovida pelos EUA tem um aspecto econômico, político e militar. O aspecto econômico busca impedir que surja uma forte burguesia nos países semi-coloniais apoiada neste grande negócio, já que isto permitiria o controle de um negócio mundial que alcança cifras em torno de trilhões de dólares. Daí sua política de repressão seletiva, que ataca os pequenos produtores, com a destruição das plantações de coca na Bolívia, Peru e Colômbia e com os consumidores, sem atacar os grandes atravessadores que são os que detém o maiores no processo, principalmente as máfias americanas e os grandes bancos que recolhem o grosso dos lucros do narcotráfico.

É uma repressão seletiva porque busca destruir os grandes cartéis somente quando estes assumem proporções gigantescas, como os cartéis de Cali e Medellín que estavam constituindo grandes oligopólios mundiais por fora do controle americano. Por isso, foram desbaratados e em seu lugar surgiram dezenas de cartéis que continuam o trabalho inclusive produzindo e distribuindo mais cocaína que os dois cartéis juntos. A burguesia destes países produtores (Colômbia, Peru e Bolívia) se dividem alinhado-se ou não com o imperialismo americano pelo controle e pela apropriação da maior quantidade de lucro que gera para incluir no circuito "legal" do capitalismo.

Desta forma, o imperialismo, acossado pela crise econômica, busca controlar todos os ramos econômicos dos países semi-coloniais (vide privatizações e abertura dos mercados) e a "guerra contra o narcotráfico" é somente a cobertura para uma luta sem quartel para controlar e garantir que os volumosos lucros desta grande indústria seja açambarcado por suas empresas, bancos, e por setores aliados nos países atrasados e não potencialize o
surgimento de uma forte burguesia lúmpen que rivalize com o imperialismo ou mesmo possa enfrentá-los ainda que circunstancialmente.

Ademais, desbaratando os grandes cartéis, utiliza o dito "dividir para reinar", já que pode infiltrar agentes da DEA e da CIA, informantes e pilantras da pior espécie dentro das organizações mantendo, perfeitamente, um controle sobre todo o negócio "explodindo" os setores que não estão totalmente "sob controle". Para isso contam com a ajuda da subserviente burguesia latino-americana mais realista que o rei e totalmente subordinada aos interesses do Império do Norte.

É do conhecimento de todos os escândalos que relacionam os americanos em tráfico de drogas. Por exemplo, a esposa do coronel Hiett, o chefe dos militares destacados para seguir na Colômbia o combate às drogas foi detida por traficar cocaína usando os canais diplomáticos. O comércio é tão gigantesco que uma rede dentro da American Airlines, usava as facilidades de acesso a aeroportos para oferecer cocaína nas maiores capitais do Tio Sam.

Porém, estes dois exemplos são só a expressão de uma vasta rede clandestina montada pela CIA, DEA e outros órgãos de inteligência americana. Em janeiro de 1980 apareceu morto um
banqueiro australiano, F. Nugan, co-proprietário de uma instituição (NUGAN HAND INC) com sucursais nos 5 continentes. As atividades da Nugan: negócios com pessoas com conexões provadas com drogas; intensa atividade bancária na Florida ligada a narcóticos, tráfico de armas. Existem provas da conexão desta "empresa" com o FBI e a CIA. O quadro de acionistas e pessoas que tiveram relação com o banco vão desde Abe Saffron, personagem fundamental do crime organizado na Austrália, Terry Clarck, chefe do sindicato exportador de opiáceos chamado Mr. Ásia. Capos da Cosa Nostra americana que se conectavam com o Banco Nugan via Sir Peter Abeles, igualmente sir Peter Strasser, equivalente de Abeles ao nível de petróleos, Rupert Murdoch, Theodore Shackley, ex-diretor de operações clandestinas da CIA, Richard Secord, chefe de vendas de equipamento militar no Pentágono desde 1978 a 1984, demitido depois de fraudar o exército americano em 8 milhões de dólares. Através de Oliver North - em nome do Conselho de Segurança Nacional, Secord foi encarregado de organizar a conexão Irã-Contras. Os administradores e conselheiros do banco eram na sua maioria militares de alta patente, ligados ao Conselho de Segurança Nacional dos EUA, chefes na guerra do Vietnã, ex-diretores da CIA.

Esta grande rede controlava o tráfico de heroína e venda de armas em acordos com os grandes cartéis, "sócios na luta contra o comunismo". Quando este banco vai à falência, surge imediatamente um substituto, o BCCI, que passa a ser parte desta rede clandestina e foi via ele que se processou a negociata do escândalo Irã-Contras onde o governo financiou os contras nicaragüenses com a venda ilegal de armas ao Irã e com o tráfico de entorpecentes. O BCCI tinha uma rede secreta composta por 1.500 funcionários dedicados ao tráfico de armas, drogas e divisas, prostituição, seqüestros, assassinatos, etc.

Na verdade, o pretenso combate ao tráfico é a fachada para impor um controle econômico e político na região, já que sequer consegue efetivamente o que se propõe. O tráfico de drogas do Panamá aumentou após a intervenção imperialista contra Noriega. O governo do ex-presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari, grande amigo dos EUA, tinha uma de suas bases de sustentação no tráfico e seu próprio irmão Raúl era uma das figuras centrais do contrabando e do tráfico.

Na Colômbia, os narcotraficantes mais poderosos apóiam os paramilitares e tiveram participação direta nas execuções de líderes sindicais, ativistas e jornalistas. Esses crimes permanecem impunes, com a conivência das mesmas FFAA que os EUA orientam e enchem de dólares.

O que preocupa o imperialismo é que os países exportadores de drogas se beneficiem economicamente. Por isso dirige seus ataques à periferia: as plantações, os centros de produção e principalmente a "lavagem de dólares" na América Latina. Porém, não combate estas atividades com a mesma intensidade e força em seu próprio território.

O imperialismo sabe, pela sua própria história, que o surgimento destes ramos "ilegais" é uma forma de acumulação primitiva do capital que pode permitir o surgimento de grandes capitais financeiros, como foi no seu tempo o tráfico de escravos, a colonização da América, os piratas a serviço da rainha da Inglaterra ou mesmo, mais recentemente, na década de vinte nos EUA, quando a proibição do álcool levou à formação de impérios clandestinos que depois transformaram-se em grandes negócios.

...recolonizar a América Latina

O aspecto político e militar da luta "contra o narcotráfico" é que a partir do final dos anos 80 o imperialismo norte americano utiliza o "perigo do narcotráfico" para assim justificar sua crescente intervenção nas forças de segurança dos países latino-americanos, como na Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Panamá, Brasil, Paraguai, México, etc.

Por trás dessa máscara se insinua a penetração de militares norte-americanos em toda América Latina, cuja ponta de lança para a intervenção começa na Colômbia, porém que está desenvolvendo seus tentáculos em todos os países da área. O Narcotráfico é utilizado para justificar intervenções abertas e descaradas, retrocedendo a formas coloniais que vai desde invasões, como foi o caso do Panamá, até treinamento de FFAA com "assessores" militares como na Colômbia, Bolívia, Peru, Paraguai, até ceder partes partes do território para que sejam patrulhados por ianques. O imperialismo norte-americano relocaliza dezenas de milhares de militares que estavam estacionados no Panamá, construindo bases e acordos militares com a maioria dos países da área, preparando-se para embates na luta contra a liberação nacional e os grandes enfrentamentos que estão por dar-se na área, como prenunciam Colômbia, Equador e outros.
Fonte: Liga Internacional dos Trabalhadores
VIOLÊNCIA E NARCOTRÁFICO NO RIO DE JANEIRO
PERSPECTIVAS E IMPASSES NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO









Há dez anos atrás, em setembro de 1993, na reunião da Sociedade Mont Pélérin realizada no Rio, o Presidente da Sociedade Tocqueville da França, Monsieur Guy Plunier, bretão de pura cepa, dizia-me exprimindo as suas impressões sobre a antiga capital brasileira que visitava pela primeira vez: Très belle, mais délabrée. Exprimia muito bem o ilustre visitante o que se passa na Belacap. Décadas de crise conseguiram empanar a sua beleza, que heroicamente teima em resistir. A cidade do Rio de Janeiro, após a transferência da capital federal para Brasília, no início dos anos 60, sofreu um primeiro baque na sua estrutura sócio-econômica. Sem as generosas verbas federais que a tornavam um centro de prestação de serviços e de intensa vida política e cultural, a outrora capital foi-se esvaindo. Novo golpe sofreu com a extinção do Estado da Guanabara e a sua transformação em capital do Estado do Rio de Janeiro, em meados dos anos 70. Sem aumentar o seu orçamento, a bela cidade teve de compartilhar os escassos recursos com o empobrecido Estado fluminense. Nos anos 80 e 90 do século passado, a bela dama caiu em poder do crime organizado e tornou-se refém do narcotráfico, ao ensejo do populismo desvairado, do vácuo de investimentos e da crise geral da economia brasileira na denominada “década perdida”.

As vias expressas que cortam os subúrbios da cidade e lhe dão acesso ao resto do Brasil e ao mundo, são veias abertas por onde corre o sangue de cidadãos baleados sem misericórdia pelos mercadores da morte, em ônibus e carros de passeio.

O pensador liberal Roberto Campos assim tipificou a crise da cidade, sugada por esse turbilhão de decadência econômica, violência, desemprego, medo e perda da esperança: “A Guanabara sofre de um círculo vicioso e da síndrome do medo. É uma trágica causação circular. O desemprego provoca a marginalidade; a marginalidade gera a violência; a violência afasta investidores e agrava o desemprego; e o desemprego fomenta a marginalidade. Os investidores nacionais vivem sob a ameaça do seqüestro ou têm de pagar tributo a traficantes e pseudo-sindicalistas para diminuição de roubos. Ao tempo de Brizola, as multinacionais, além disso, dificilmente dariam prioridade a um Estado cujo governador as considerava espoliadoras e causadoras de perdas internacionais, atitude há muito abandonada pela China, Cuba e Vietnã. Na paisagem medieval, os morros eram ocupados por templos, mosteiros e castelos. Os morros do Rio se tornaram fortalezas do crime, onde pequenos comerciantes têm de pagar pedágio para continuarem no negócio, e uma população pobre e honesta tem de se submeter às ordenanças dos criminosos que controlam o direito de ir e vir. O esvaziamento desta nova Bósnia é duplo.

Fogem os turistas e fogem os investidores. Em 1984, o Rio recebeu 623 mil turistas; 5 anos depois, apenas 471 mil, numa época de crescimento explosivo do turismo mundial. Perdera sua condição de capital política para Brasília, perdeu a gala de capital financeira para São Paulo, a de cartão postal turístico para o Nordeste e a de grande porto comercial para Vitória, onde os custos portuários são mais baixos. A Belacap é uma órfã a ser resgatada, e não uma pérola a ser invejada” [Roberto Campos “O Rio sob o signo do atraso e da violência”, Carta Mensal, no. 491, fevereiro de 1996].

Quadro bem definido da queda vertiginosa da qualidade de vida no Rio, foi traçado por uma leitor de importante jornal carioca, nos seguintes termos: “O Rio é hoje uma cidade medieval. Como nas urbes européias do século XIII, vende-se de tudo em suas vias: alimentos, animais, ungüentos e poções milagrosas. Há videntes, ciganos e curandeiros. Artesãos e um sem-número de faz-tudo à disposição. A população alivia-se em qualquer lugar e vias e calçamento precário fedem a urina e fezes. Há carcaças sendo comidas por abutres e o esgoto, em muitos bairros, corre em valas abertas, onde brincam crianças. Arruaceiros brigam pelas ruas ao mesmo tempo em que prostitutas oferecem seus corpos em locais onde passam famílias. Nas estradas salteadores impiedosos roubam o povo, matando os que se lhes opõem; veículos de passageiros e de cargas são saqueados e queimados. Palácios são fortificados e cercados de exércitos particulares. O quadro se completa com a atuação do Estado: olha, ignora e cumpre seu papel primordial de cobrador de impostos, sem qualquer obrigação de contrapartida. Teremos andado 700 anos para trás?” [Luís Soledade Santos, “Rio medieval”, in: O Globo, 02/06/2003, pg. 6].

Foi uma cruel coincidência o Rio ter mergulhado no caos de violência e decadência que acaba de ser ilustrado? Aparentemente, sim. Mas, examinadas as coisas mais de perto, não. Houve uma deliberação clara do crime organizado, no sentido de incluir o Brasil no organograma de produção/consumo/exportação de tóxicos. Não esqueçamos que o narcotráfico constitui a maior multinacional do planeta, que rivaliza com as companhias petroleiras. Os narcotraficantes ostentam lucros de aproximadamente 500 bilhões de dólares por ano. Ora, seria ingênuo pensar que eles têm a mentalidade do quitandeiro da esquina. Muito pelo contrário, planejam friamente os seus negócios. O jornalista Amauri Mello [“Crime a futuro”, O Globo, 13/06/2003] lembra que, em 1989, a máfia italiana estava interessada em incrementar os negócios do narcotráfico no Brasil, diante do combate que estavam sofrendo, da parte dos Estados Unidos e dos governos locais, os cartéis andinos da coca. Segundo Amauri, que trabalhou na Europa, policiais italianos tiveram uma série de conversas nesse ano com jornalistas latino-americanos (entre os que ele se encontrava), acerca das últimas pesquisas dos órgãos de segurança da Itália, em relação aos negócios do narcotráfico.

A propósito dessas conversas, frisa o mencionado jornalista: “Mal engatinhávamos no consumo de drogas mais glamourosas como a cocaína. O brasileiro era bom de marijuana, diziam os oficiais da Guarda Finanziaria, entidade policial italiana que trata desde crimes tributários até lavagem de dinheiro e associação mafiosa. Mas, afirmavam, em pouco tempo o Brasil seria o maior fornecedor de cocaína do mundo. Os argumentos, observados agora, à luz do tempo, pareciam fantasiosos. Vamos percorrê-los: 1) o Brasil possui imensas e livres fronteiras; 2) a pobreza no interior das áreas da Amazônia e do Centro-Oeste é permanente; 3) a população, sempre crescente, reúne uma classe média de muitos milhões de pessoas, clientes potenciais da droga, então tida como chique; 4) as legislações que tratam de imigração, estabelecimento de estrangeiros e assemelhados são quase um convite; 5) fronteiras com o mar de mais de oito mil quilômetros; o litoral de Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina repleto de ilhas e ilhotas com grandes fluxos de turismo argentino (na época, claro); 6) miscigenação total; encontra-se brasileiro com nome de árabe, chinês, japonês, turco, boliviano, etc.; 7) consumismo e lazer marcam o comportamento de ricos e pobres, facilitando festas e estas drogas...”.
Em face desse diagnóstico, os mafiosos italianos delinearam uma política de penetração no Brasil, a fim de tender com o nosso país uma cabeça de ponte para o narcotráfico internacional. Eis, segundo o testemunho de Amauri Mello, as linhas mestras dessa política: “A colagem de informes apontava para as seguintes ações, num plano de considerar implantada a transferência do tráfico de coca do eixo espanhol latino para o lado brasileiro em, no máximo, acreditavam, dez anos. Vejam só: 1) Estimular associação com negócios em áreas de massa populacional carente; 2) recomendar atividades que gerassem randes volumes de notas, como, por exemplo, vender material de construção nas tais áreas. Ou participar de transporte coletivo. Além da facilidade de justificar movimento de dinheiro, também estabeleceria uma simpática relação com a vizinhança... 3) participar do Poder Legislativo de fora para dentro, vereança em pequenas cidades isoladas nas regiões de fronteira e avançar com representação federal, dando preferência às regiões com corredores para a pasta de coca; 4) Estimular o jogo (naquele período discutia-se muito a reabertura de cassinos no Brasil); 5) criar chefes brasileiros”.

A julgar pelo acontecido no Brasil ao longo dos últimos dez anos, as previsões da polícia italiana se realizaram quase por completo. Somente agora, com o narcotráfico tendo assumido dimensões catastróficas, começamos a perceber o tamanho do problema. No entanto, podemos dizer que diante da falta de providências das autoridades e da sociedade civil em face da gravíssima situação de violência no Brasil e no Rio de Janeiro, em particular, tudo indica que a História não é mestra da vida. Simplesmente não aprendemos com os erros alheios, (no caso da segurança pública, com as falhas que cometeram as autoridades colombianas ao longo dos últimos vinte anos, que desaguaram na situação de confronto civil em que mergulhou o vizinho país).

Tudo se passou na Colômbia como está acontecendo no Rio de Janeiro. Corrupção policial e do Judiciário, que termina beneficiando os bandidos. Glamourização do consumo de cocaína pelas elites. Corrupção no Executivo estadual, que faz vista grossa em face de notórias vinculações de um Secretário de Estado com o narcotráfico. Corrupção e fraqueza do Legislativo estadual, que não consegue veicular as legítimas reclamações da cidadania, vítima direta do confronto entre policiais e meliantes. Apologia da criminalidade em raps que apresentam o bandido como herói. Assassinatos sistemáticos de policiais e de jornalistas comprometidos com denunciar as atividades do crime organizado. Ameaças às autoridades toda vez que mostrarem determinação no combate ao narcotráfico. Pusilanimidade dos poderes constituídos, em face da agressividade crescente dos criminosos. Enfim, miopia da própria sociedade civil, que não consegue ver claramente o nexo entre consumo corriqueiro de narcóticos por parte dos seus filhos, e a onda de violência e terrorismo desatada pelos mercadores da morte. Padecemos, no Brasil, da doença da hipermetropia cívica, que nos permite ver com clareza os erros que se passam longe, no cenário mundial, mas que nos impede, ao mesmo tempo, de observar o que acontece perto de nós.

Somos capazes de deflagrar campanhas pacifistas em face de um confronto internacional, como no caso da recente guerra entre os aliados anglo-saxões e o Iraque, mas não conseguimos enxergar as causas da violência cotidiana que bate às nossas portas.

A finalidade deste ensaio consiste em discutir a problemática da violência que enfrenta o Rio de Janeiro sob cinco ângulos: em primeiro lugar, numa perspectiva factual do crescimento do confronto entre autoridades e sociedade civil, de um lado, e crime organizado, de outro; em segundo lugar, sob um viés sociológico, com a finalidade de situar a tríade bicheiros / traficantes / narcoguerrilheiros no contexto da tipologia weberiana acerca do Estado Patrimonial, que foi a forma assumida pelas nossas organizações políticas na América Latina; em terceiro lugar, do ponto de vista das propostas de Segurança Pública do atual governo estadual; em quarto lugar, do ângulo do Plano Federal de Segurança Pública elaborado pelo PT; em quinto lugar, do ponto de vista da proposta de segurança para o Rio de Janeiro feita pelo prefeito César Maia.

Terminarei concluindo acerca das perspectivas e os impasses que se descortinam para a cidade do Rio, à luz das políticas propostas.

1) Histórico do confronto entre autoridades e sociedade civil, de um lado, e crime organizado, de outro, na cidade do Rio de Janeiro.- Destacarei neste item, numa espécie de enumeração sumária, os fatos principais que, a meu ver, marcam os principais momentos do avanço do confronto da sociedade e das autoridades com o crime organizado. Alicerçar-me-ei, neste item, em paciente pesquisa jornalística feita pela minha filha Vitória (da Agence France Presse) a quem muito agradeço pelo levantamento feito no noticiário policial das décadas de 80 e 90 do século passado.

a - Primeiro momento.- Entre 1950 e 1980 encontramos a etapa de predomínio, nos anais do crime organizado, da contravenção representada pelo jogo do bicho. A cidade foi loteada pelos meliantes. Mas estes revestiam-se de características um tanto folclóricas, que nem de longe revelavam as dimensões assumidas hoje pela violência desencadeada nos morros e no asfalto pelos atuais traficantes. Hoje certamente sentiríamos saudades da naïveté de malandros como Mineirinho (nos anos 50) e Tião Medonho (nos anos 60). Os bandidos das décadas seguintes tornaram-se mais violentos, acobertados pela impunidade de que gozavam os bicheiros. Meliantes como Lúcio Flávio (nos anos 70) ou Escadinha (na década de 80) tornaram-se mais sofisticados e ameaçadores.

Os bicheiros, certamente, conseguiram enraizar na sociedade carioca uma “cultura da contravenção”. Ser bicheiro ou contraventor passou a ser sinônimo de esperteza. “Terá a sociedade brasileira absolvido a contravenção? Ou mais: estará o jogo do bicho legitimado, cultural e socialmente?” – perguntava editorial do jornal O Globo, em 14 de abril de 1994. Embora o mencionado editorial considerasse estas afirmações pouco procedentes, não deixava de reconhecer que o longo braço do bicho partiu para a beneficência, numa espécie de acomodação ao velho princípio macunaímico de “rouba mas faz”. E concluía: “A mão aberta dos banqueiros não se confunde com a virtude da magnanimidade. Daí sua preferência pelos apetites de fácil satisfação; pelas paixões populares que se esgotam no efêmero – o patrocínio de um ciclo de glória de times de futebol, ou da gala na Marquês de Sapucaí. Nunca se viu o cartel dos bicheiros empenhado em aspirações nacionais mais profundas e de satisfação menos imediata”. Enganava-se redondamente o editorialista do jornal nesta sua última afirmação.

Os bicheiros de ontem, transformar-se-iam, com o correr do tempo, como tem ficado demonstrado pelos fatos, nos chefões do narcotráfico carioca, que fazem alianças com os traficantes de outras regiões do país, com os meliantes do Primeiro Comando da Capital (de São Paulo), com Suricartel do ex-ditador Bouterse e com as FARC, a fim de peitar o estado de direito no Brasil. Os bicheiros de ontem, convertidos em financiadores dos narcotraficantes, têm hoje sim anseios de poder nacional. Aspiram a influir na política do país elegendo deputados e patrocinando a “formação” de delegados, policiais, militares e juizes que sejam seus aliados.

b – Segundo momento.- Entre 1980 e 1990 desenvolve-se a etapa de aumento de poder de fogo da contravenção nos morros, devido à aquisição de armamento de longo alcance. A polícia deixa de subir o morro já no primeiro governo Brizola. “A permissividade em relação à criminalidade nos morros – tidos como redutos eleitorais do PDT – resultou em brigas de gangue e balas perdidas, que intimidam turistas e investidores”, registrava, preocupado, Roberto Campos [“O Rio de Janeiro, o futuro e nós”, O Globo, 13/11/1994]. Consolida-se, de outro lado, o mercado de tóxicos, na medida em que os cartéis colombianos começam a ser combatidos de forma sistemática pelo governo desse país e pela DEA. O caudilho do “socialismo moreno”, Leonel Brizola, um dos responsáveis pela escalada da violência desencadeada pelos bicheiros no Rio de Janeiro, afirmou cinicamente em novembro de 1986: “Não reprimimos o jogo de bicho porque temos coisas mais importantes a fazer”. Ele próprio caracterizou o resultado do descaso oficial em novembro de 1991, ao afirmar que “continua a matança de adolescentes e jovens no Rio (...). Sucedem-se aqui, para escândalo do mundo, as chacinas de crianças.

Queiramos ou não, estamos diante deste desafio: deter, parar, extirpar esses crimes. Ou iremos adquirir um estigma monstruoso: o de sermos o grande centro mundial de execuções. A máfia, Chicago, o Harlem, o West Side de Nova York não são nada comparados (com isto). Mata-se mais no Rio do que se matou nas próprias guerras da Coréia, do Vietnã e do Líbano” [“Brizola e o bicho”, editorial de O Globo, 14 de abril de 1994].

Bandido representante desse período foi o famoso Escadinha, que fugiu três vezes de presídios até ser transferido para Bangu I, na época considerado de segurança máxima. Ganhou fama, entretanto, ao protagonizar a espetacular fuga do presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, usando um helicóptero, em dezembro de 1985. Escadinha colocou em prática ousada estratégia que já pressupunha maciço apoio financeiro da contravenção. Roberto Campos, em artigo publicado na Carta Mensal [“O Rio sob o signo do atraso e da violência”, no. 491, fevereiro de 1996], confirmava essa triste realidade citando dados transcritos pelo presidente do Tribunal de Contas do Rio, Sérgio Quintella, segundo os quais, no período compreendido entre 1985 e 1991, houve 70.061 homicídios no Rio de Janeiro, enquanto que nos sete anos da guerra do Vietnã houve 56.000 americanos mortos, tendo sido de 70.000 o número de mortos nos quatro anos da guerra da Bósnia e de 25.000 o total das vítimas da guerra travada entre o Sendero Luminoso e o Estado peruano (ao longo de sete anos). Em face desses dados alarmantes, o saudoso pensador liberal frisava: “Há tempos, costumava comparar o Rio de Janeiro a uma Beirute tropical, pelo seu crescendo de violência. Depois que Beirute se acalmou, a comparação mais pertinente passou a ser feita com a Bósnia, (...) o que deixa a Belacap em posição solitária. (...) Ninguém imaginaria que no Rio de Janeiro, em sete anos, entre 1985 e 1991, o número de homicídios viria a superar o da guerra do Vietnã, sendo quase três vezes o das vítimas do terrorismo peruano do Sendero Luminoso, e chegando a concorrer com o genocídio da Bósnia”.

c - Terceiro momento.- Entre 1990 e 2000 consolida-se o poder dos bicheiros como traficantes que passam a intimidar de forma sistemática a população e a dar uma organização empresarial aos seus negócios ilícitos, ampliando os tradicionais pontos de aposta para bocas de fumo gerenciadas racionalmente, diversificando os investimentos em empresas de fachada, deitando as bases para a exportação de tóxicos, expandindo a empresa do narcotráfico/contravenção para outros Estados e passando a organizar, de maneira sistemática, os exércitos da morte, mediante o aliciamento de militares que garantem o treinamento e a aquisição de munições e armamento.

A cidade do Rio é loteada entre os chefões do bicho. Castor de Andrade e Paulo Roberto de Andrade comandam a contravenção em Marechal Hermes, Padre Miguel, Bangu, Santíssimo, Senador Camará, Mangaratiba e Ibicuí; Aniz Abrahão David manda em Nilópolis e Baixada Fluminense; José Caruzzo Scafura (Piruínha) é o senhor de Rocha Miranda e Pavuna; Luiz Pacheco Drummond (Luizinho Drummond), é o chefão da Leopoldina; Raul Correia de Mello (Raul Capitão) manda na Ilha do Governador e no Centro do Rio; José Petrus Kalil (Zinho) comanda o bicho também no Centro da cidade; Waldemir Paes Garcia (Maninho), é dono do Andaraí, Tijuca, Vila Isabel e outros pontos situados na Zona Sul; Haroldo Rodrigues Nunes (Haroldo da Saenz Pena) comanda na Tijuca e na Zona Norte da cidade; Emil Pinheiro é o chefão da Barra da Tijuca e Jacarepaguá; Aílton Guimarães Jorge (Capitão Guimarães) é o todo-poderoso de Niterói e da Região dos Lagos, ao passo que Antônio Petrus Kalil (Turcão) é o capo de Alcântara, parte de Niterói e da Zona Portuária. Trata-se de um Estado paralelo, com os seus régulos e as forças que os acompanham, verdadeiras gards de corp dispostas a qualquer violência contra a população, para fazer cumprir as ordens dos seus senhores. Não são raras as desavenças entre eles, que terminam desaguando em verdadeiros banhos de sangue das gangues rivais e dos cidadãos que porventura se atravessem no fogo cruzado. É o que poderíamos denominar de Patrimonialismo primitivo, a forma mais bárbara assumida por essa organização social, alicerçada no que os sociólogos colombianos denominam de “clientelismo armado”.

Paralelamente, no mesmo período, as FARC, novo cartel das drogas que se consolida após as derrotas infringidas pelo Estado colombiano aos cartéis tradicionais de Medellín e de Cáli, firmam o seu poder na denominada “zona de distensão”, cedida pelo governo colombiano (e equivalente a uma área do tamanho do Estado do Rio), e iniciam a sua penetração na fronteira brasileira. O poder da contravenção no Rio dá lugar a uma nova geração de meliantes, os traficantes-empresários, um de cujos mais importantes representantes foi Ernaldo Pinto Medeiros, Uê. Mesmo na prisão de Bangu I, Uê mandava nos pontos de venda de drogas dos morros do Adeus e Juramento, que herdou de Escadinha. Era audacioso e violento. Foi o responsável, no início da década de 90, pela ordem de ataque a postos da Polícia Militar e às delegacias de polícia no subúrbio carioca. Era temido pelos seus pares, não bebia, não fumava e não consumia os entorpecentes que vendia. Lembrava, em muitos aspectos, o traficante colombiano Pablo Escobar.

A população carioca, aos poucos, vai virando refém do narcotráfico, fato que levou o editorialista de O Globo a escrever em 13 de outubro de 1994: “Vivendo no Rio de Janeiro, sempre se aprende alguma coisa. Recentemente, o carioca começou a adquirir uma certa competência auditiva para distinguir entre tiros de fuzil, pistola, metralhadora, escopeta e armas mais sofisticadas e mais pesadas. Em bairros residenciais próximos de morros – vizinhos, portanto, das disputas territoriais entre traficantes, e dos ocasionais tiroteios entre bandidos e policiais – rara é a semana que passa sem que se ouça à noite, longe ou ameaçadoramente perto, o som das rajadas. Botafogo, Laranjeiras, São Conrado, Copacabana e Santa Teresa vivem com essa realidade, e com uma incerteza: onde acertará a próxima bala perdida?”. O mesmo jornal, em editorial de 3 de setembro de 94, frisava que “no Rio de Janeiro de hoje, estamos todos confinados. Confinados os que são obrigados a viver em apartamentos de janelas blindadas, em prédios de portarias gradeadas e em condomínios que apelam para as empresas privadas de segurança. Confinados os trabalhadores habitantes de morros e favelas a quem os traficantes impuseram primeiro o código do silêncio, e agora o toque de recolher. Confinados estão os credos religiosos e as entidades assistenciais, forçados a ceder seus espaços para o narcotráfico e as quadrilhas”.

Nesse confinamento situam-se também as escolas nos vários bairros da cidade. A violência escolar é apenas um corolário do avassalador poder de penetração do narcotráfico na sociedade carioca. É claro que esse aspecto da violência acompanha o desenvolvimento do mercado de entorpecentes nas principais cidades do planeta, como tem ficado claro após os estudos do fenômeno nos Estados Unidos, Espanha, França, Portugal, etc. No caso do Rio, a violência ensejada pelo narcotráfico nas escolas é causa direta da evasão escolar, segundo o prefeito César Maia [cf. “Violência nas escolas”, O Globo, 1º de maio de 2003].

Em relação ao treinamento dos meliantes, o mesmo jornal carioca noticiava em 29 de julho de 1995: “O serviço reservado da PM investiga o treinamento de guerrilha que traficantes vêm recebendo em acampamentos como o que foi descoberto anteontem na Floresta da Tijuca. A polícia já estourou um acampamento desse tipo no Morro do Andaraí e investiga outros locais de difícil acesso usados pelos bandidos. Em Botafogo, o traficante Marcinho VP costuma acampar próximo ao Mirante dona Marta. Os marginais são treinados por ex-militares que recebem até R$ 2 mil por semana para ensinar aos bandidos o manuseio de armas, sobrevivência na selva e camuflagem”. Em 30 de junho do mesmo ano, o jornal Tribuna de Minas informava, referindo-se às atividades logísticas do narcotráfico, que “a Polícia Federal está investigando a informação de que a quadrilha do coronel-aviador da reserva da Aeronáutica, Latino da Silva Fontes, preso (...) com um carregamento de 30 mil balas de fuzil, utilizava a própria zona portuária do Rio para negociar armas contrabandeadas”.

Aspecto importante do crescimento do crime organizado neste período constituiu a infiltração de soldados do narcotráfico entre os militares. Em 1994, o vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Luciano Casales, confirmou que os traficantes estavam se infiltrando nas três forças, na época do alistamento militar. Denunciou ainda que o narcotráfico estava patrocinando a formação profissional de delegados e juizes no Rio. Contou que, entre 1990 e 1993, quando comandou a Escola de Estado Maior do Exército no Rio, descobriu que um de seus melhores soldados era chefe da boca-de-fumo do Morro Dona Marta. “Descobrimos o fato quando suspeitamos de seu comportamento e mandamos um olheiro atrás dele”, - contou o general. Vale a pena citar a resposta que lhe deu o soldado, depois de ouvir que o Exército descobrira a sua profissão paralela de traficante: “General, eu sei separar as coisas. Aqui, eu sou um de seus melhores soldados. Lá, eu foi escolhido pelo mesmo motivo. Pela competência”. Graças à infiltração dessas “pessoas competentes” passou a acontecer rotineiramente, nas Forças Armadas, o roubo de munição, uniformes e armamentos. O então ministro-chefe do EMFA, almirante Arnaldo Leite Pereira, lembrou que as polícias federal e militar sofriam de problemas parecidos.

O poder militar do narcotráfico no Rio viu-se estimulado, ao longo deste período, pelo fortalecimento do crime organizado na Colômbia, ao ensejo da organização da “República do Caguán”, pelas FARC, na zona desmilitarizada de 42 mil quilômetros quadrados que o governo do presidente Pastrana garantiu aos meliantes. Graças a essa zona de impunidade, os narcoguerrilheiros colombianos passaram a exercer pressão sobre a fronteira brasileira, invadindo-a repetidas vezes, em busca de insumos para o refino da cocaína, bem como para o comércio de armas. Houve atritos entre patrulhas do Exército brasileiro e insurgentes colombianos, que terminaram ensejando mortes de soldados do nosso país. Em face da penetração das FARC, em outubro de 1999 o Exército e a Força Aérea do Brasil atacaram a guerrilha colombiana na operação “Querarí”, tendo sido mobilizados 5 mil homens e 40 aviões de combate.

Ao poder crescente do narcotráfico juntou-se, neste período, no Rio de Janeiro, a idéia de que tudo é permitido. Como escrevia em novembro de 1994 o jornalista Leonel Kaz, “Qualquer um hoje no Rio pode fazer o que lhe passar pela cabeça”. De mendigos dormindo à vontade sob as marquises dos prédios do Centro, do Flamengo, de Copacabana, aos assassinos que, por serem menores de idade gozam de impunidade, o Rio se transformou, no sentir do jornalista, em terra de ninguém, em que não é garantido o direito comezinho à vida ao cidadão que paga impostos. Indignado, Leonel Kaz escrevia: “Comecemos pelo dimenor Meleca, solto pelo Juiz da 2ª vara de menores porque o Estado não tem condições de garantir sua guarda. Meleca participara, juntamente com o também dimenor Ratinho, do assassinato do ex-diretor do Banco Central Luís Carlos Serrano, em pleno centro do Rio. O Juiz atendeu reclamos da mãe, que prometeu levar o menor a viver no Sul do país. Meleca foi visto, há uma semana, no Bairro de Fátima. Cabe a pergunta: quem garante a nossa guarda?” [Leonel Kaz, “Rio: a cidade e as serras”, O Globo, 23 de novembro de 1994].

Em face da agressividade dos narcotraficantes, o poder público, tanto a nível estadual quanto federal, não conseguiu esboçar uma resposta à altura. No plano estadual, as ações foram mais de caráter tópico, repetindo um pouco o esquema que garantiu a segurança da Eco 92: nos momentos de maior crise, policiamento ostensivo do Exército, bem como ações tópicas da polícia para dar uma resposta às investidas dos bandidos. Mas não houve a formulação de uma estratégia continuada de segurança pública. No plano federal, no decorrer de 1994 os Estados Unidos suspenderam a ajuda financeira para o combate ao tráfico de entorpecentes no Brasil, porque constataram que não havia vontade política do Governo Federal para a repressão às drogas. O convênio entre os dois países, assinado em 1983, previa a ajuda financeira dos Estados Unidos, que em 1988 chegou a 2 milhões de dólares. Em 1994, a Polícia Federal recebeu apenas 200 mil dólares para a compra de equipamentos. Segundo o então diretor da Divisão de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal, delegado Sérgio Sakon, a conseqüência mais séria do corte da ajuda americana consistiu em que o Brasil parou de receber informações da Drug Enforcement Administration (DEA) sobre o movimento dos cartéis do narcotráfico. Os agentes da DEA, que chegaram a colaborar com a Polícia Federal em ações conjuntas, ficaram impressionados com a falta de recursos dos policiais brasileiros. “Não existe combate ao tráfico de drogas no país”, frisou Sakon.

Tamanha falta de ação do governo brasileiro terminou facilitando a ação dos bandidos do narcotráfico, que passaram a exercer a sua ação corruptora mediante o lavado de dólares em ações patrocinadas por entidades humanitárias. O episódio mais conhecido na época foi o dos “dinheiros quentes” recebidos pela ABIA, entidade coordenada pelo sociólogo Herbert de Souza, que em 1991 recebeu da contravenção, com a intermediação do advogado Nilo Batista (que seria posteriormente governador do Estado do Rio), soma equivalente a 58 mil dólares. Esse fato, aliás, já tinha-se tornado corriqueiro na Colômbia, onde os dinheiros “calientes” do narcotráfico beneficiaram instituições filantrópicas e até paróquias, ao longo dos anos 80. Nem o Poder Judiciário do Estado ficou ileso diante de tantos avanços dos narcotraficantes. Segundo noticiava a imprensa em abril de 1994, o órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado - composto pelos 25 desembargadores mais antigos – abriu sindicância para apurar o envolvimento de juizes que constavam da lista de propinas da contravenção [cf. “Justiça vai apurar envolvimento de juizes”, O Globo, 14/04/94].

Em que pese o fato apontado, a Justiça tentou agir, ao longo do período, para se contrapor ao avanço do poder do narcotráfico. O primeiro golpe significativo da Justiça contra o narcotráfico foi dado em maio de 1993, quando a juíza Denise Frossard, da 14ª Vara Criminal, condenou à prisão a cúpula do bicho carioca integrada pelos contraventores Luizinho Drummond, Anísio, Miro, Maninho, Turcão, Zinho, Capitão Guimarães e Paulinho Andrade. Graças às investigações conduzidas pelo Ministério Público no ano seguinte, ficou conhecida a clara vinculação dos bicheiros com o narcotráfico, como financiadores do mesmo. Ao longo de cinco meses os promotores investigaram o movimento financeiro dos bicheiros.

O Ministério Público formalizou acusação contra mais de 30 pessoas ligadas à contravenção por formação de quadrilha. Entre os acusados contavam-se 12 dos 14 “banqueiros” condenados em 1993. A partir da apreensão dos livros contábeis e dos disquetes nas fortalezas de Castor de Andrade, a Procuradoria Geral de Justiça denunciou, ao longo de 1994, 147 pessoas por corrupção ativa e passiva. Entre os acusados figuravam os nomes dos juizes César Augusto Leite e Renato Simoni por envolvimento com a máfia do jogo. De outro lado, o Legislativo federal também tentou reagir à pressão dos narcotraficantes mediante a CPI do Narcotráfico (instalada em abril de 1999 e encerrada em dezembro de 2000). A CPI foi bastante ameaçada pelos traficantes especialmente os do Rio de Janeiro, que chegaram a trocar tiros com as embarcações em que os parlamentares se mobilizavam na Bahia da Guanabara. Apesar dessa pressão do crime organizado, a CPI indiciou 800 pessoas pelo país afora. Mas, segundo informou a imprensa posteriormente, 70% dos políticos e juizes indiciados não foram punidos.

A conseqüência mais clara do avanço do poder do narcotráfico no Rio, foi o aumento assustador da violência, que passou a se traduzir já não em assassinatos isolados, mas na prática sistemática de chacinas. Pode-se estabelecer um cronograma claramente definido, que aponta para um paralelismo entre aumento do narcotráfico e crescimento do número de chacinas, como aliás aconteceu também na cidade de São Paulo. Instalado o narcotráfico numa cidade, a conseqüência natural é a explosão incontida da violência, chegando ao que hoje vivemos nas grandes e médias cidades do país, numa situação próxima do genocídio de uma parte da população. O crescimento da violência no Brasil fez com que a pirâmide da idade passasse a se configurar nos parâmetros dos países em guerra: a partir de meados da década de 90 começaram a faltar homens jovens, o que criou o desequilíbrio entre os sexos. Segundo dados da polícia em 1994, a média era de oito homens mortos para cada mulher. Em algumas cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro a diferença chegava, nessa época, a 15 homens mortos para cada mulher. Esses dados foram apresentados pela pesquisadora Alba Zaluar no VI Fórum Nacional sobre a Violência. Segundo esta estudiosa, a taxa de homicídios no Rio triplicou durante a década de 80 e somente em 1992 para cada 100 mil habitantes, 60,76 foram assassinados [cf. Alba Zaluar, “Violência no Brasil ameaça o equilíbrio entre os sexos”, O Globo, 28 de abril de 1994].

d – Quarto momento.- No período compreendido entre 2000 e 2003, Fernandinho Beira-Mar e Leonardo Dias Mendonça, os dois mais importantes capos brasileiros, organizam o “Suricartel”, uma multinacional do crime e do narcotráfico, que garante armas às FARC e cocaína aos morros cariocas. Consolida-se a penetração da organização guerrilheira colombiana nas favelas do Rio, ao ensejo do domínio que Fernandinho Beira-Mar passa a desempenhar sobre os outros traficantes. Ao redor desse meliante unifica-se o comando do narcotráfico no eixo Rio - São Paulo e começa a guerra declarada contra as instituições no Rio de Janeiro. Essa unificação de comando já se anunciava desde meados da década de 90, época em que, segundo Ricardo Hallack, diretor da delegacia de Repressão ao Crime Organizado (DRACO), “traficantes de vários morros passaram a agir em conjunto e adotaram estrutura semelhante à de uma empresa” [O Globo, Caderno Especial, 16/06/02]. Presos em 93, os bicheiros tradicionais foram preparando os seus sucessores, a fim de que dessem continuidade à estrutura empresarial dos negócios [Jornal do Brasil, 22/05/93].

De outro lado, aumentou neste período a pressão internacional do crime organizado, mediante contatos regulares deste com organizações radicais e políticos de esquerda no nosso país. Um exemplo disso é o fato de que, a partir de 1998 e com intensidade crescente até 2002, o comandante Bernal, das FARC, passou a atuar junto a lideranças populares do Movimento dos Sem Terra (MST), da Liga Operária Camponesa (LOC) e do Movimento Revolucionário dos Sem Terra (MRST), proferindo também palestras entre intelectuais e políticos. Mais um exemplo da penetração do crime internacional no Brasil: em dezembro de 2001 é seqüestrado em São Paulo o publicitário Washington Olivetto, por uma quadrilha de ex-guerrilheiros chilenos que tinha vínculos com as FARC. Esse seqüestro, aliás, revestiu-se de caraterísticas muito semelhantes às que se deram no do industrial paulista Abílio Diniz em fins de 1989.

Juntando os cacos dos noticiários da imprensa e dos boletins das agências internacionais, pode-se concluir o seguinte: enfraquecidas com a queda do regime comunista na antiga União Soviética, as organizações guerrilheiras latino-americanas passam a buscar novas fontes de financiamento. Na Colômbia e na América Central os guerrilheiros começaram a praticar, de forma corriqueira, o seqüestro como meio de financiamento, além, evidentemente, do tráfico de drogas. As FARC financiam-se mediante esse esquema (um 60% dos seus ganhos provêm do narcotráfico e o 40% restante do seqüestro sistemático de empresários, comerciantes e profissionais liberais, chegando hoje a 3.500 o número de pessoas seqüestradas na Colômbia). Tudo indica que nos seqüestros de Diniz e Olivetto as guerrilhas latino-americanas associaram-se para praticar esse tipo de extorsão de forma sistemática no Brasil, começando pela capital econômica do país, São Paulo. A propósito disto, aliás, a agência ANSA noticiou que em 2000 houve, na Itália, uma reunião dos principais grupos guerrilheiros latino-americanos (encabeçados pelas FARC), mais o grupo terrorista basco ETA, visando a encontrar caminhos para solucionar os problemas de caixa dessas organizações.

Em fevereiro de 2002, Fernandinho Beira-Mar organizou o seu escritório na prisão de segurança máxima de Bangu I, de onde passou a ordenar ações armadas e a compra de armamento pesado, inclusive mísseis e o explosivo C-4. Ocorre, por esses dias, o atentado contra o centro administrativo da Prefeitura do Rio, com tiros de fuzil e granadas. O prefeito da cidade pede a decretação do estado de defesa, invocando o artigo 136 da Constituição. Nesse mesmo mês, a imprensa noticia que militares brasileiros estão servindo às FARC [O Globo, edição de 4 de fevereiro de 2002]. De outro lado, passa a circular nas bancas de jornais, com regularidade e editada em português, a revista das FARC, Resistência. Em abril de 2002 é noticiado pela imprensa o projeto do MST de criar o Estado do Pontal, no interior do Estado de São Paulo, inspirado na criação da República do Caguán pelas FARC, na zona desmilitarizada da Colômbia. Pesquisa desenvolvida por uma ONG revela que o tráfico carioca conta com 5.369 menores como soldados armados nos morros.

Em junho de 2002 ocorre o assassinato do jornalista Tim Lopes por Elias Maluco e seu bando. Delito do jornalista: ter noticiado o aliciamento de menores e a trata de brancas pelos traficantes nos bailes funk programados em favelas e bairros sob seu controle. Esse crime, somado à eliminação indiscriminada e quase diária de policiais militares e civis no Rio e ao assassinato seletivo de promotores de justiça nos Estados de São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro, mostra o poder intimidatório dos barões do narcotráfico. O recado é claro para a sociedade: se os agentes da ordem não estão seguros, muito menos o cidadão comum. É melhor fazer o jogo dos meliantes. Fernandinho Beira-Mar é caracterizado pela imprensa como “a síntese de uma geração de bandidos que une inteligência e violência” [O Globo, Caderno Especial, 16/06/2002].

Em agosto de 2002, a sede da diretoria de Bangu I é destruída em rebelião comandada por Fernandinho Beira-Mar, que firma o seu poder, definitivamente, sobre os outros traficantes cariocas. No mesmo mês é noticiado o projeto da Prefeitura de Ribeirão Preto (comandada pelo doutor Palocci), para abrir uma representação das FARC nessa cidade. Em 30 de setembro de 2002, por ordem de Beira-Mar, lojas fecham em 40 bairros do Rio de Janeiro e 33% das indústrias páram. O comércio tem prejuízos calculados em 130 milhões de Reais. Os traficantes cariocas inauguram sites na Internet, nos quais fazem propaganda do consumo de tóxicos e ensinam técnicas básicas terroristas para fabricação de bombas. Em 16 de outubro desse ano ocorre o ataque do narcotráfico ao Palácio Guanabara e à Torre Rio Sul. No dia seguinte, acontece um ataque com granadas à delegacia da Cidade Nova. Em novembro de 2002, agentes infiltrados nas favelas do Rio descobrem guerrilheiros das FARC com plano para libertar Beira-Mar. A Drug Enforcement Administration (DEA) entrega ao governo colombiano provas dos vínculos existentes entre Beira-Mar e outros traficantes cariocas com as FARC.

Em fevereiro e março de 2003, contínuos tiroteios entre traficantes e policiais fecham as principais vias de acesso ao Rio. Civis são baleados em ônibus, metrô, ruas e universidades. A polícia descobre plano de fuga massiva de Bangu III e incauta dos detentos o explosivo C-4 comprado por Beira-Mar. Destacando o poder exclusivo que os traficantes têm nos morros, o jornalista Ricardo Miranda escreve em abril de 2003: “Um dos mais violentos complexos de favelas do Rio de Janeiro, a Maré, está ocupada (...) por 200 homens das Polícias Civil e Militar. Um mandado de busca e apreensão itinerante permite que policiais revistem qualquer casa. Mas que ninguém se engane. Ali, a PM é invasora. O território é controlado pelos narcotraficantes do Terceiro Comando (TC) e o governador é Paulo César Silva dos Santos, o Linho, que põe todo mês 300 quilos de cocaína nas ruas do Rio. Localizada junto à Baía da Guanabara, o que facilita a entrada e distribuição de drogas, e também junto às principais vias de acesso à cidade (Avenida Brasil e Linhas Amarela e Vermelha), a Maré é estratégica para o TC, que controla 14 de suas 16 favelas, e objeto de desejo - e disputa - da facção rival, o Comando Vermelho (CV), que comanda as favelas Parque União e Nova Holanda” [Ricardo Miranda, Istoé, 30/04/2003].

Em face do avassalador crescimento das forças do narcotráfico, que passaram a atacar quartéis das Forças Armadas, em maio de 2003 o Ministério da Justiça informou que seria criada uma Força Nacional (semelhante ao FBI americano), com a finalidade de combater o crime organizado [cf. Jailton de Carvalho, “Força Nacional contra o crime”, O Globo, 22/05/2003]. Essa Força estaria integrada por 600 policiais federais, civis e militares de elite, a serem chefiados pelo diretor-geral da Polícia Federal. Digamos, de entrada, que a Força Nacional chega um pouco tarde; em segundo lugar, a sua dimensão é bastante modesta. Enquanto só no Rio de Janeiro os traficantes contam com um exército de aproximadamente 7 mil homens muito bem armados, os 600 efetivos da Força são totalmente insuficientes. Parece como se o governo tivesse noticiado o fato da criação da Força somente para acalmar a opinião pública, que cobra, no governo Lula, uma posição mais efetiva em face do crime organizado. Certamente a violência dos traficantes não será desmotivada por essa notícia e outros fatos terríveis acontecerão no futuro. A medida anunciada não passa de jogar a poeira do narcotráfico para baixo do tapete.

Outra medida anunciada (em junho de 2003), consistiu no fato de o Exército ter começado a treinar um grupo de elite para atuar na repressão à criminalidade no Rio de Janeiro. O número de militares e a localização da nova força foram mantidos em sigilo. A julgar pela forma em que essa unidade foi configurada, trazendo soldados de outras regiões do país, menos passíveis portanto de serem pressionados pelos traficantes, parece que o projeto em andamento inspirou-se na bem-sucedida experiência do governo colombiano que criou esse tipo de força, altamente eficiente, graças à qual o Estado do país vizinho está infringindo sérias derrotas às FARC. Em relação à nova unidade militar, frisavam os jornalistas Helena Chagas e Francisco Leal: “A nova tropa de elite foi concebida a partir do diagnóstico de que, embora as Forças Armadas não devam atuar em segurança pública, a situação é tão grave que o governo não pode abrir mão de ter uma equipe preparada, caso haja necessidade de utilizá-la. Os idealizadores da equipe insistem que não é competência dos militares fazer o patrulhamento das ruas do Rio e que as Forças Armadas não devem ser encaradas como a solução para todos os problemas de segurança do Estado. O grupo especial só será acionado segundo critérios preestabelecidos pelo governo. (...) A equipe de elite do Exército poderá servir como reforço à Força Nacional que o Ministério da Justiça pretende criar para combater o crime organizado” [Helena Chagas e Francisco Leal, “Exército prepara grupo para atuar no Rio”, O Globo, 10 de junho de 2003].

Em que pese essa boa notícia, a situação real é a de uma força policial estadual mal aparelhada e sem uma política eficaz para defender eficientemente o cidadão. Pesquisa realizada pela Universidade Cândido Mendes mostra que a polícia carioca mata mais e morre mais, sem que os índices de violência caiam realmente [cf. Paulo Marqueiro, “Segurança enxugando gelo”, O Globo, 9 de junho de 2003]. Além disso, são alarmantes os índices de desrespeito aos direitos humanos por parte das forças policiais, tanto no Rio quanto no resto do país, o que levou o afoito Secretário de Segurança Pública do Rio a cometer um verdadeiro sincericídio ao afirmar que “polícia no Brasil tortura mesmo”. Crimes cometidos por policiais ou agentes penitenciários ficam absolutamente impunes, sem que os acusados sequer sejam afastados do serviço. A coisa chegou a tal grau de gravidade, que as Nações Unidas decidiram investigar os grupos de extermínio existentes no país [cf. Rodrigo França Taves “ONU investigará grupos de extermínio no Brasil”. O Globo, 7 de setembro de 2003].

Mas voltemos ao insuficiente número de homens do exército da legalidade contra o banditismo. O tamanho da Força Nacional proposta pelo Governo Federal é pequeno demais para fazer frente às tropas do narcotráfico na cidade. Embora não saibamos de quantos efetivos será o grupo de elite que o Exército prepara para combater o crime no Rio, certamente não terá mais homens do que a Força Nacional. De novo salta à vista aqui a insuficiência quantitativa das forças da ordem. Só para se ter uma idéia do tamanho que um exército deve possuir para enfrentar o narcotráfico, na Colômbia foi organizada, pelo governo do Presidente Uribe, uma Força Nacional de 50 mil soldados profissionais que contam com sofisticado apoio logístico fornecido pelo governo americano (para enfrentar um exército guerrilheiro do dobro do tamanho do exército do narcotráfico no Rio).

Na trilha das respostas policiais insuficientes, situa-se, a meu ver, o pseudo-pacifismo com que alguns intelectuais e administradores públicos tentam responder à onda de violência desencadeada pelo narcotráfico. O problema é apresentado por eles da seguinte forma: O fator que produz a violência é o uso de armas de fogo pela população. Tirem-se de circulação as armas, que a paz reinará de novo na sociedade. Ora, o argumento é falacioso. Em primeiro lugar, porque a causa real da violência na sociedade carioca e, em geral, na sociedade brasileira, foi o descontrolado avanço do narcotráfico, com os exorbitantes lucros que apresenta. Tirar as armas de circulação, simplesmente significa que os traficantes podem exercer a sua perversa negociação com o pó da morte, enquanto não houver conflito com tiros e mortes. Não significa que eu esteja querendo defender a posse indiscriminada de armas. Mas o problema não está simplesmente na posse destas. É claro que deve haver uma legislação restritiva do posse de armas. Mas isso deve ser acompanhado do combate sem denodo contra os grupos marginais fortemente municiados com armamento de guerra, bem como contra o narcotráfico e o consumo de entorpecentes, nas suas variadas manifestações.

Com muito bom senso o prefeito César Maia criticou a política de segurança formulada por Luis Eduardo Soares (que defendia o banimento unilateral de armas de fogo mas não a comercialização e o consumo de tóxicos). A propósito, escrevia o prefeito em agosto de 2001: “Em que se baseia a política de Segurança formulada por ele? Com total e entusiasmado apoio de uma ONG patronal chamada Viva-Rio (que conseguiu alvará para vender serviços sem entrar em licitações), o problema central para o Sr. Luis Eduardo Soares está no uso das armas e não no tráfico de drogas. Por isso mesmo, propõe suspender a repressão, desde que as gangues de traficantes não disputem os pontos de venda a tiros, nem façam uso das armas. Ele sonha em ver o varejo das drogas repetir, no Rio, a lógica do varejo das drogas de Los Angeles, onde as gangues se acomodaram distribuindo entre elas as regiões da cidade, acabando com a disputa a bala pelos pontos de bocas de fumo, ou, para não ir muito longe, repetir a lógica adotada pela contravenção carioca. É sabido que se realizaram no Rio reuniões clandestinas, com a participação de traficantes e autoridades, ou seus próceres, para discutir a pacificação. O preço era uma espécie de camuflagem, ou adeus às armas, tendo como contrapartida a suspensão da repressão ao tráfico de drogas. A polícia do Rio recebeu orientação, no início de 1999, para deixar o mercado de varejo de drogas correr solto e só atuar quando houvesse tiroteio, como se fosse uma espécie de castigo. Quem não atirar, pode traficar drogas à vontade. Onde houver tiros, entra a polícia” [César Maia, “Um desastre na segurança pública”, In: Folha de São Paulo, 1º de agosto de 2001].

2) Intermezzo sociológico: bicheiros, traficantes, narcoguerrilheiros.- A realidade do narcotráfico deve ser colocada no contexto do Estado patrimonial, que foi a modalidade de organização política que prevaleceu no Brasil. Lembremos o aspecto fundamental dessa formação político-social. O Estado, no contexto do Patrimonialismo, surge como hipertrofia de um poder patriarcal original, que alarga a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extrapatrimoniais, passando a administra-los como propriedade familiar (patrimonial). A forte tradição patrimonialista, em que pese os esforços modernizadores que pontilham a história brasileira, ainda não foi superada. O Estado, como dizia o saudoso Raimundo Faoro, “tem donos”. A nossa história republicana é rica em exemplos de tentativas de privatização do poder por grupos e estamentos. A “política dos governadores” obedeceu, no contexto da República Velha, a uma tentativa das elites regionais para se apossarem da máquina burocrática do Estado, como meio de enriquecimento. A longa passagem de Getúlio pelo poder, deu ensejo à tentativa de disciplinar o Patrimonialismo tradicional, fazendo emergir proposta modernizadora afinada com o Executivo central hipertrofiado, que passou a cooptar os senhores patrimoniais regionais, as tradicionais oligarquias, ao redor de uma proposta que faria emergir as bases da industrialização. Mas esse esforço modernizador e autoritário ensejado pela Segunda Geração Castilhista encontrou forte oposição nos tradicionais setores oligárquicos, bem como no contexto da miúda burocracia caudatária destes e em alguns segmentos intelectuais e políticos (minoritários, por certo) de inspiração liberal.

Os últimos cinqüenta anos do século passado viram emergir dois momentos modernizadores tributários do modelo getuliano: o plano de metas de Juscelino e o regime militar (1964-1984). A retomada da vida democrática não garantiu, necessariamente, a preservação dos elementos modernizadores. Estes passaram a conviver com a tradicional liturgia cooptativa das oligarquias, ao redor das várias Repúblicas em que se pode disseminar a nossa experiência política das últimas décadas. Poder-se-ia falar, sucessivamente, da República do Maranhão, da República das Alagoas, da República do pão de queijo, da República do tucanato paulista e, nestes tempos de consolidação nacional da liderança petista, com áreas sensíveis como a saúde sendo loteadas entre as clientelas políticas de militantes, possivelmente da República do ABC. A máquina burocrática é ciosamente preenchida, nos seus níveis federal e estadual, por aqueles que melhor representem os interesses da República de plantão. Ausência total de espírito público? Seria injusto afirmar tal coisa. Mas também seria utopia pensar que estamos num regime republicano estrito, em que a res publica não se confunde com a coisa nossa, com os interesses particulares e clânicos dos que exercem o poder. A longa história da que Oliveira Vianna denominava de política alimentar ainda está muito presente e não sairá tão fácil de cena. Precisaríamos fazer emergir em cada brasileiro a noção de bem público. E isso é questão para formar toda uma geração, num ensino básico que realmente eduque para a cidadania.
Coisa que, convenhamos, ainda está em débito na nossa realidade.

A marginalidade acomodou-se à essência do Estado patrimonial brasileiro. O contraventor tradicional, o folclórico bicheiro, sempre conviveu numa boa com a estrutura patrimonial regional. Exemplo desse modelo de convivência foi, no antigo Estado da Guanabara, a administração do governador Chagas Freitas, na qual os bicheiros encontraram o seu lugar ao sol, sem ultrapassar a linha da contravenção tolerada. Os diligentes apontadores estavam nos lugares previamente combinados com a polícia, que recolhia religiosamente a fezinha dos homens da lei e as coisas ficavam na santa paz do convívio carnavalesco. Esse é o tipo de contraventor que prevalece na vida carioca até a década de 80. Realidade exclusivamente brasileira no contexto latino-americano? Certamente não. Poder-se-ia estabelecer um paralelo bastante fiel entre o bicheiro carioca e o chancero de Medellín, ambos agentes da economia informal numa atividade muito apreciada nos contextos em que a ética do atalho substituiu à ética do trabalho: os jogos de azar, que garantem o desejo do enriquecimento fácil, num passe de mágica, sem a incômoda obrigação de trabalhar. A estrutura social costurada ao redor do tradicional bicheiro tinha muito de semelhante com as práticas da máfia siciliana: fidelidade aos pactos, sentido da família e da honra, solidariedade com os membros do clã, colaboração com os outros bicheiros numa espécie de clientelismo horizontal, crueldade para com os desertores ou aqueles que violassem as regras do jogo.

Com o primeiro governo Brizola, no início dos anos 80, os morros convertem-se em redutos fortes da marginalidade e começa a surgir um novo tipo de fora-da-lei muito mais agressivo que o tradicional bicheiro: o traficante. Este não aparece da noite para o dia. Desponta inicialmente como servidor do bicheiro, como aquele comerciante audaz do novo mercado que assoma na cidade: o dos tóxicos, inicialmente o da maconha. Com a entrada da cocaína na cena carioca, ao longo da década de 80, e com os descomunais lucros que os contraventores auferem a partir desse novo negócio, alguns bicheiros abandonam o perfil de contraventores soft e convertem-se em reles traficantes. Tal é o caso, por exemplo, de Aniz Abraham David, figura que desponta nos anais do bicho carioca como alguém que quebra os elos parentais. O que vale é o enriquecimento tout-court, ou a manutenção, a qualquer preço, da primazia obtida no meio pelo terror. A carta-testamento da ex-mulher de Aniz é bem significativa desse novo tipo de marginal, o bicheiro que virou traficante. Alguns destes surgem meteoricamente das hostes que prestavam serviços aos antigos bicheiros e passam a exercer um crescente domínio, alicerçados exclusivamente no amedrontamento e na violência indiscriminada.

Figuras como Elias Maluco ilustram muito bem esse novo tipo de personagem do nosso panorama social. Surge, nos lugares onde se torna forte o tráfico de drogas, uma nova hierarquia de poder: na cúpula está o chefão ou traficante, aquele que compra a cocaína para ser distribuída e que garante o armamento; ele é o capo di tutti capi no morro. Vem a seguir o gerente do tráfico. Rodeiam esses líderes, numa espécie de gard de corp primitiva, os chefes das bocas de fumo, responsáveis pelas vendas das drogas no varejo e pelo gerenciamento dos lucros obtidos, bem como os soldados do tráfico, muitos deles menores de idade, treinados e armados pelo chefão. Na parte inferior da hierarquia de domínio situam-se o olheiro (aquele que, mediante rojões ou pipas, adverte a presença da polícia ou a chegada de estranhos) e o vapor (office-boy do traficante, que garante a distribuição da mercadoria no asfalto). A autoridade exercida pelo chefão, pelos gerentes e pelos chefes das bocas de fumo é vertical e inquestionável. O chefão é, no seu reduto, uma espécie de sátrapa, senhor da vida e da morte das pessoas reféns do seu domínio. Pratica julgamentos sumários contra os seus desafetos, como no caso de Tim Lopes. Quem não é diretamente ligado às atividades do tráfico, deve se deixar cooptar por ele: a lei do silêncio é a primeira providência, que garante o anonimato da estrutura de poder do tráfico em face da polícia.

Ao contrário do que acontecia em Medellín, na época áurea do Cartel de don Pablo (que proibia sob pena de morte o consumo de cocaína pelos seus colaboradores, com a finalidade de não atrapalhar os negócios), nos morros cariocas o combustível da febril atividade do tráfico é costumeiramente a droga. Exemplo disso é o relato de Caco Barcellos acerca das atividades de Cabeludo, um dos chefes do tráfico no morro Dona Marta. A propósito deste ponto, escreve o jornalista: “As extravagâncias de Cabeludo eram derivadas do consumo de cocaína. Longe das drogas, no universo restrito do crime, era um homem generoso e solidário. Já antes de virar o chefe do tráfico, transferiu parte do dinheiro roubado no assalto milionário à Casa da Moeda para os parentes dos parceiros que morreram em combate. Sempre manteve o compromisso de enviar dinheiro e drogas aos que estavam presos. Quando não cheirava, gostava de passear pela favela na companhia de crianças e de contar histórias curiosas de assaltos aos aposentados, que passavam horas ouvindo sentados em frente aos barracos. Uma grossa linha branca sobre o bigode mal raspado sinalizava quando Cabeludo estava sob efeito de cocaína. Nesses dias ele virava outro homem. As pessoas mais próximas sabiam disso e muitos o evitavam para se proteger de suas atitudes imprevisíveis. Não era raro Cabeludo ficar até três dias seguidos sem dormir, período em que tinha alucinações e crises de desconfiança” [Barcellos, 2003: 92-93]. Pode-se imaginar o potencial incrível de violência que o consumo de drogas tem produzido no narcotráfico carioca. As repetidas chacinas são prova meridiana disso, bem como as que diariamente acontecem em São Paulo, Belo Horizonte e outras cidades brasileiras.

Em decorrência do contato diuturno com a estrutura do narcotráfico e devido à falta de formação profissional, alguns setores policiais se corrompem. Já não esperam do traficante o pagamento tranqüilo da fezinha, como procediam com os bicheiros. Passam a extorquir simplesmente os traficantes e os seus colaboradores. A violência, nesse contexto, cresce de forma descontrolada. Os ajustes de contas entre traficantes e colaboradores, ou entre estes e consumidores ou com os policiais, dão-se simplesmente mediante a eliminação física de todos os envolvidos e das suas famílias. Daí o crescimento terrível das chacinas nas grandes cidades brasileiras, a partir do final dos anos 80. Os traficantes firmam o seu domínio sobre colaboradores e nas comunidades reféns da sua autocracia, mediante o mecanismo que os sociólogos colombianos passaram a denominar de clientelismo armado. Trata-se de uma subserviência aos senhores do tráfico alicerçada exclusivamente no medo. Os policiais corruptos, por sua vez, organizam-se em corpos de extermínio que praticam sistematicamente chacinas como a de Vigário Geral.

A terceira figura que caracteriza a cena carioca nos dias que correm é o chefe de cartel. Diferencia-se do simples traficante pelo fato de que o seu universo é mais amplo. O chefe de cartel é um executivo internacional das drogas, aquele que compra cocaína diretamente dos cartéis estrangeiros e que negocia armamentos sofisticados com os traficantes de armas, como foi o caso de Fernandinho Beira-Mar, quando da organização do Suricartel, que garantia armamento para as FARC e cocaína para os morros cariocas. Esse personagem, o chefe de cartel, aparece ao longo da década de 90. Ele é um herói para os jovens que vivem sob seu domínio. Conquista as garotas que desejar. Inspira os raps que embalam os bailes funk. Faz obras beneficentes nas favelas e bairros pobres, ganhando tintes messiânicos. Vira ator de TV nos seriados produzidos pelas cadeias estrangeiras. Converte-se em astro dos longas nacionais, financiados por banqueiros e empresários politicamente corretos. Vira capa de revista e de best-seller, como os finados Pablo Escobar ou o Marcinho VP [cf. Barcellos, 2003; Salazar, 2001]. Possui caraterísticas de estrategista e de homem de negócios. Passa a cooptar os simples traficantes, cobrando deles imposto de suserania. Herdou a disposição para a luta dos antigos guerrilheiros. Mas, ao contrário destes, é oportunista, de um lado porque visa ao lucro, ganhando aspectos de negociante pragmático. De outro lado, porque tem uma notável capacidade de planejar estratégias de guerra. As guerrilhas latino-americanas, órfãs da mesada soviética após a queda do Muro em 1989, passaram a se aproximar dos tradicionais cartéis da cocaína na Colômbia, tendo dado ensejo a esse novo personagem, mistura paradoxal de sancho-pancismo e quixotismo, o chefe de cartel.

Este é uma espécie de condottiere, como aqueles que pululavam na sociedade italiana na época da Renascença, e que semearam a intranqüilidade e a violência na terra de Maquiavel. As melhores expressões desse personagem as encontramos na Colômbia, na figura de Pablo Escobar, o primeiro chefe de cartel das Américas, ou na atual figura de Mono Jojoy, o estrategista das FARC, grupo armado que realizou ao longo da década passada a simbiose com elementos do antigo Cartel de Cali [cf. Villamarín, 1996: 11-12]. (Na Colômbia a primeira colaboração entre guerrilha e narcotráfico tinha ocorrido em 1985, na tomada do Palácio de Justiça, com a finalidade de queimar as provas que a Suprema Corte tinha contra os traficantes). Mas voltemos ao nosso assunto. Ao redor do chefe de cartel pode surgir uma força armada com caraterísticas semelhantes às de um exército regular, como é o caso das guerrilhas colombianas, notadamente das FARC e do ELN (que agora juntaram esforços para se contraporem ao Plano Colômbia do Presidente Uribe). O efeito mais importante da presença do chefe de cartel é a organização de um exército de soldados do tráfico (os narcoguerrilheiros), que obedecem a um comando único e seguem uma rigorosa disciplina militar, bem como a montagem de uma sofisticada estrutura empresarial com executivos que falam várias línguas e vestem roupas de griffe, engenheiros, advogados, relações públicas. A finalidade não é diretamente a tomada do poder, mas o fortalecimento, pelo terror, da estrutura empresarial do narcotráfico, para que possa trabalhar “em paz”. Nessa tentativa de organização de uma força regular, o aliciamento de ex-oficiais e soldados das Forças Armadas é fator importante, como ocorreu na Colômbia e como está acontecendo hoje no Brasil.

Como Narcoditadura definiu o jornalista Percival de Souza, com propriedade, o clima gerado pela narcoguerrilha nos morros e favelas. Queixa-se Percival de que a sociedade (leia-se as classes média média e média alta) trata com excessiva benevolência esses assassinos que garantem o embalo dos sonhos propulsados a droga. A respeito, frisa: “Por que essas ditaduras são tratadas diferentemente? Porque em torno da droga existe charme, glamour, e os consumidores respeitam e admiram os traficantes, a ponto de quando se toca nesse assunto pretenderem defendê-los. Não se sabe a receita para ser implacável com o vendedor de sonhos em forma de substâncias. A idéia de que usuário não vive sem traficante incomoda, e incomoda bastante. Confundem misantropo com filantropo. A narcoditadura manda matar os indesejáveis., os que não pagaram a conta em dia. Inadimplência é uma palavra que não existe na cartilha verbal do narcoditador. Nem pedido de falência ou concordata. Cobrança em cartório, nem pensar. As ações judiciais na área cível ajudam a entender, e muito, a economia do país. Na narcoditadura, a regulagem do mercado é feita por tiros, facadas, tortura e cremações. A narcoditadura consegue implantar uma pedagogia ignorada pela maioria que fala sobre drogas” [Souza, 2002: 251].

A força da narcoguerrilha passa a cooptar elementos da sociedade civil, notadamente candidatos ao Poder Legislativo nacional ou regional, bem como juizes, delegados de polícia e (como já foi destacado), oficiais das Forças Armadas. Se necessário for, como acontece na Colômbia, parte-se para um confronto militar explícito com as forças da ordem. Mas o ideal é manter um conflito de baixa intensidade, de forma a garantir os lucros do narcotráfico, sem ter de despender muitos recursos numa luta armada regular. Aplica-se aqui o princípio da “rentabilidade administrativa variável”, formulado por Paul Milukov para as sociedades regidas por Estados patrimoniais [cf. Wittfogel, 1977].

No contexto dessa lógica flexível e bastante pragmática, o narcotráfico acomodou-se, na América Latina e no Brasil em particular, à onda de terceirização e de privatização que varreu o nosso Continente ao longo da década de 90. Os antigos cartéis colombianos pulverizaram-se em centenas de pequenos cartéis que continuam com o negócio firme como antes. A respeito desse fenômeno, escreveu Argemiro Procópio: “O narcotráfico na América Latina dança de acordo com a música que embala a corrupção nos três Poderes. Parece ousadia, mas a desregulamentação abraçou igualmente o comércio e a produção de drogas. Nos anos 1970, agiam praticamente apenas dois cartéis colombianos. No final dos anos 1990, o narcotráfico pulverizou-se entre máfias, gangues, bandos e cartéis de diferentes procedências geográficas. Tal desregulamentação tornou-o ágil e fora de alcance das tradicionais estratégias de repressão” [Procópio, 1999: 242-243].

Os esforços de racionalidade administrativa dão-se na medida das necessidades da manutenção da supremacia inquestionável dos donos do poder. As táticas da guerrilha rural e urbana foram incorporadas pelos narcoguerrilheiros, com toda a seqüela de desgaste institucional, violência continuada, criminalidade em alta, insegurança crescente para os cidadãos, desestímulo à inversão estrangeira, quebra do turismo, incentivo a tipos de delito rentáveis para os traficantes como o seqüestro sistemático de comerciantes, industriais, políticos e profissionais liberais. No mundo do terror globalizado, o chefe de cartel e o narcoguerrilheiro são uma porta aberta para os terroristas profissionais, que encontram neles eficazes colaboradores. São conhecidas, por exemplo, as ações conjuntas desenvolvidas por Pablo Escobar com os terroristas da ETA (na derrubada de um Boeing da empresa colombiana Avianca em Bogotá, em meados dos anos 80). Recentemente, podemos lembrar os atentados perpetrados pelas FARC junto com os ativistas do IRA. O que se passa na Colômbia e começa a se firmar na sociedade brasileira como uma sina trágica, é tudo conseqüência da consolidação desse novo poder, o dos chefes de cartel auxiliados pelos narcoguerrilheiros. Fernandinho Beira-Mar é, sem dúvida, o grande paradigma brasileiro dessa nova figura da criminalidade. Conseguirá o Estado Patrimonial brasileiro fazer frente a essa nova onda de desagregação e atraso?

3) Política de segurança pública da governadora Rosinha Garotinho.- A atual governadora do Estado do Rio de Janeiro explicitou a sua política de segurança pública no documento intitulado Propostas Preliminares do Plano de Governo – Segurança pública, publicado no início de 2003. Mais do que fazer uma análise abrangente da situação caótica de segurança pública no Estado, para a partir daí assinalar a política a ser seguida, a governadora Rosinha partiu para identificar onze ações tópicas, que, sozinhas, soam mais como medidas paliativas. Enumeremo-las:
A – Centralizar o comando da Segurança Pública, os serviços de inteligência (através da criação da Central de Inteligência estadual), as operações e as comunicações da Polícia Militar, Polícia Civil Defesa Civil e DESIPE no prédio da Central do Brasil, para que estas entidades atuem de forma integrada com a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Isso permitirá ainda a ligação com outros bancos de dados, como os do Poder Judiciário, DETRAN, Instituto de Identificação, Instituto de Criminalística, Secretaria de Fazenda, CEDAE, entre outros. Ficará assim constituída a Central de Segurança Pública.
B – Reunir numa mesma coordenadoria as delegacias especializadas no combate ao crime organizado, a fim de agilizar e tornar mais eficiente a atuação policial. Das 22 delegacias especializadas, oito formarão a Coordenadoria de Repressão ao Crime Organizado. Elas são as seguintes: Delegacia de Homicídios (Rio e Baixada), Delegacia de Pessoas Desaparecidas, Delegacia de Repressão a Entorpecentes (Rio e Niterói), Delegacia Anti-seqüestro, Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas, Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis, Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos e Delegacia de Capturas (POLINTER).
C – Aumentar o efetivo do BOPE (Batalhão de Operações Especiais) para ocupar emergencialmente áreas críticas. As ações serão descentralizadas para a Baixada e o Interior com dois núcleos em cada região.
D – Realizar ação social nas áreas críticas, substituindo gradativamente o BOPE pelo Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE), a exemplo do que ocorre no Cantagalo e no Pavão/Pavãozinho.
E – Instituir novamente as rondas noturnas nas vias expressas com os boinas azuis do Grupamento Especial Tático Móvel (GETAM).
F – Intensificar o combate ao crime nas rodovias estaduais, reestruturando e aumentando os efetivos do Batalhão de Polícia Rodoviária Estadual.
G – Ampliar o programa Escolas da Paz para atender 300 estabelecimentos de ensino (no governo Garotinho foram atendidas 242 escolas). O programa, que tem a parceria da UNESCO, visa à utilização dos prédios escolares no final de semana com atividades educativas, culturais, esportivas e de lazer, integrando pais, alunos, professores e comunidades. Esse programa será desenvolvido em parceria com a Secretaria de Educação.
H – Ampliar os serviços da Polícia Técnica para outras regiões do Estado e colocar em funcionamento os oito postos construídos no governo Garotinho. Essa descentralização vai otimizar a realização das perícias, permitindo a obtenção de provas para apuração de crimes com maiores rapidez e eficiência, garantindo, assim, o pronto atendimento às requisições do Ministério Público e do Poder Judiciário. A nova Polícia Técnica unificou os Institutos Carlos Éboli (ICCE), Afrânio Peixoto, Félix Pacheco (IFP) e Diretoria de Identificação do DETRAN.
I – Retomar o programa Delegacia Legal para concluir as reformas de todas as delegacias de polícia, que serão transformadas numa repartição policial moderna, informatizada e dotada de equipamentos de última geração.
J – Retomar o programa Casa de Custódia para concluir as unidades que estão em obras e construir mais unidades com capacidade para 500 pessoas cada. O objetivo é acabar com todas as carceragens em delegacias de polícia.
K – Comprar mais viaturas policiais e contratar mais policiais militares.

4) O Plano Federal de Segurança Pública do governo Lula.- Este Plano foi preparado em abril de 2002 pelo Instituto Cidadania, ligado ao PT, e contou com a apresentação do então candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva, que destacava o caráter apartidário e revolucionário do documento, conclamando para uma unidade nacional em torno ao tema da segurança pública. Frisava Lula: “A proposta não possui coloração partidária, nem credo ideológico. Sua intenção é convocar uma amplíssima unidade nacional para enfrentar e vencer esse inimigo comum, a violência, em todas as suas formas: do crime organizado que usa colarinho branco aos assassinatos, estupros e odiosos seqüestros. (...) Aqui se aponta a necessária conjugação de esforços entre União, Estados e Municípios e se recomendam diversas alterações na legislação brasileira. Antes de mais nada, trata-se de garantir uma verdadeira revolução na história de nosso país: é fundamental que as leis passem a ser cumpridas”.

O sumário do Projeto abarca muitos itens, 15 ao todo: identificação da problemática e síntese do diagnóstico; exigências para a elaboração de uma política de segurança pública na esfera policial; reformas substantivas na esfera da União e dos Estados; reformas substantivas na esfera municipal; um novo marco legal para o setor de segurança pública; a persecução penal; violência doméstica e de gênero; a violência contra as minorias; o acesso à justiça; sistema penitenciário; diagnóstico e propostas para a segurança privada; programas de proteção a testemunhas; o Estatuto da Criança e do Adolescente e a redução da idade da imputabilidade penal; a violência no trânsito e, por último, desarmamento e controle de armas de fogo. Não há dúvida de que se trata de um Plano bastante completo e abrangente. Deixa, no entanto, por fora algumas questões essenciais: em primeiro lugar, numa época em que o mundo sofre as terríveis conseqüências do terrorismo globalizado, o tema não merece atenção suficiente no documento; em segundo lugar, em face da problemática das drogas e do narcotráfico, que certamente constitui uma questão essencial para a segurança do país, o assunto não recebe a atenção adequada, que exigiria um capítulo específico. Outras deficiências serão anotadas no final deste item, após a exposição dos elementos essenciais que integram o mencionado documento.

Destacarei, a seguir, algumas das partes do Plano que me parecem fundamentais para entender os lineamentos gerais da política de segurança pública do governo Lula. Uma análise detalhada de todos os itens contidos no documento exigiria uma extensão que supera as pretensões deste ensaio.

Um primeiro item é dedicado à “identificação e diagnóstico do problema da segurança”. O objetivo do documento consiste em “submeter à apreciação da sociedade um projeto de segurança pública cuja meta é a redução daquelas modalidades da violência que se manifestam sob a forma de criminalidade”. O Plano insiste na abrangência do conceito de segurança, que deve-se estender a todos os membros da sociedade, não apenas a algumas classes privilegiadas; em relação a esse ponto, o documento frisa que “ou haverá segurança para todos, ou ninguém estará seguro no Brasil”. A seguir, o documento assinala o problema fundamental de segurança que enfrenta o país; esse problema consiste no “verdadeiro genocídio a que vem sendo submetida a juventude brasileira, especialmente a juventude pobre do sexo masculino”. O tamanho do problema é ilustrado com alguns dados estatísticos: “Em 1999, na cidade do Rio de Janeiro, em cada grupo de cem mil habitantes, 239 jovens do sexo masculino, com idades entre 15 e 29 anos, foram vítimas de homicídios dolosos. É como se o Brasil experimentasse os efeitos devastadores de uma guerra civil sem bandeira, sem propósito, sem ideologia e sem razão”. E mais adiante o documento destaca o centro nevrálgico dessa tragédia, ligada ao narcotráfico: “juventude pobre recrutada por unidades locais do tráfico de armas e de drogas, responsável pelo varejo desse comércio ilegal: aí está o centro de uma de nossas maiores tragédias nacionais”. O comércio de tóxicos desenvolve essa dinâmica de aliciamento, no contexto de um arrazoado econômico: “O tráfico coopta um exército de reserva para a indústria do crime, em função da conveniência econômica de preencher a capacidade ociosa do armamento”.

O centro do drama ensejado pelo narcotráfico são os espaços urbanos pobres e esquecidos pelos políticos. Mas a causa da barbárie não se situa ali. O documento do PT aponta em direção a criminosos de “colarinho branco”, que de algum lugar das avenidas chiques da Zona Sul carioca comandam esse exército da morte. Digamos, de entrada, que se trata de uma identificação muito vaporosa, quando todos sabemos para onde apontam os indicadores do crime: as FARC e as organizações correspondentes no Brasil, os cartéis da droga (Comando Vermelho, Primeiro Comando, Primeiro Comando da Capital, etc.) administrados por homens da laia de Fernandinho Beira-Mar. Em relação a este ponto, frisa o documento: “Se a cena mais dramática é o teatro da guerra (os espaços urbanos abandonados pelo poder público), a cena decisiva, da qual emana o roteiro da tragédia, situa-se bem longe dali. Seus atores são os operadores do atacado do tráfico de armas e drogas, que moram bem, falam línguas estrangeiras, têm acesso a informações privilegiadas: são os criminosos de colarinho branco”.

Para o documento do PT, a dimensão da violência no Brasil deixou de ser já problema de alçada puramente policial, para se tornar um problema político de grande monta. A respeito, o Plano destaca: “O fenômeno ultrapassa as fronteiras da questão criminal e lança a violência num patamar político. O que se passa hoje no Brasil, em muitas áreas urbanas empobrecidas e negligenciadas pelo poder público, é um ultraje à democracia, (é) a banalização da violência, é o preâmbulo da barbárie”.

Uma vez feita a análise da situação de violência pela que o país atravessa, o documento fixa a sua atenção na síntese que, do ponto de vista criminal, poder-se-ia fazer em relação a essa realidade. Neste ponto são destacadas duas variáveis, como elementos condicionantes do fenômeno: o tráfico de armas e o consumo de drogas, sendo que esta última condiciona a primeira. A respeito, o Plano frisa: “Síntese do diagnóstico especificamente criminal: para a compreensão do quadro da criminalidade são relevantes as seguintes circunstâncias: a) na esfera da criminalidade prepondera a articulação entre tráfico de drogas e de armas, como matriz da economia clandestina que orienta a delinqüência como prática utilitária; b) o tráfico de drogas é alimentado pelo mercado que lhe é cativo; c) o tráfico de drogas financia as armas e, apropriando-se delas, potencializa seus efeitos destrutivos”.

Qual o caminho a ser empreendido para resolver tamanho problema? A solução, para o documento petista, deve-se inspirar na experiência internacional e consiste numa combinação de elementos, no seguinte sentido: “Feliz combinação entre tendências demográficas, a mobilização de um amplo espectro de agências públicas e entidades da sociedade civil e policiamento focalizado”. Trata-se, a meu ver, de uma fórmula bastante indefinida, que de tanto generalizar não diz nada. À luz da trilha assinalada, o Plano identifica o novo ângulo de abordagem da problemática em questão, nos seguintes termos: “Os fenômenos da violência e da criminalidade são complexos e multidimensionais. O êxito de qualquer esforço público voltado para a redução desses fenômenos depende de um número muito grande e variável de circunstâncias”. Novo ângulo verdadeiramente obscuro, assim como é indefinida a trilha que lhe deu nascedouro.

Nesse mare tenebrosum de generalidades e abstrações, por fim aparece uma solução prática: a criação, de cima para baixo, de uma estrutura administrativa situada no alto governo, para que, a partir dela, sejam fixadas as políticas de segurança necessárias. Eis o teor da medida: “Será formada uma coordenação unificada para a gestão da política integrada de segurança pública. Seus membros serão os ministros ou os secretários das pastas pertinentes. Nesse contexto, as secretarias de segurança, as polícias e o ministério da Justiça não estarão mais isolados no comando da política de segurança pública”.

O documento passa a analisar, a seguir, as causas e as conseqüências da ineficiência policial. As causas são identificadas nos seguintes termos: “Falta investigação, falta confiança, faltam informações. Qualquer intervenção política que vise a transformar esse quadro de impunidade, carência e descrédito, deve agir sobre os três tópicos”. Já no que tange às conseqüências, o Plano identifica os pontos a seguir: “Inviabilidade de aplicação de políticas públicas de segurança racionais; ineficiência (baixíssimas taxas de esclarecimento de crimes); descrédito público (gerando subnotificação de crimes); práticas violentas (implicando medo da população); corrupção crônica e comprometimento capilar com a criminalidade”.

No capítulo 4, o Plano apresenta o que, a meu ver, constitui o cerne da política de segurança pública. Nele são propostas “reformas substantivas na esfera da União e dos Estados”. Essas reformas estão contidas nos seguintes nove pontos: a) criação do Sistema Único de Segurança Pública; b) este Sistema centra-se nas Polícias Estaduais, que vão servir de ponte com a Polícia Federal e com as Guardas Municipais. Propõe-se a integração, nos Estados, entre polícia civil e polícia militar; c) a política unificada de segurança pública será acompanhada pelo conselho consultivo de segurança pública (integrado por representantes da sociedade civil e pelos chefes e comandantes das polícias); d) propõe-se a criação, nos Estados, de um núcleo de formação em segurança pública e proteção social; e) propõe-se, outrossim, a criação, nos Estados, das áreas integradas de segurança pública (AISPs); f) as finalidades das áreas integradas de segurança serão as seguintes: integrar as polícias; melhorar a qualidade dos serviços; integrar as forças de segurança estaduais e municipais; racionalizar os recursos; possibilitar a participação da comunidade por meio das comissões civis comunitárias de segurança; facilitar a prestação de contas; tornar mais ágeis os serviços de segurança pública; coordenar as ações locais com as políticas de segurança do Estado e formular estratégias para problemas que transcendam a esfera local; g) propõe-se a criação de órgão integrado de informação e inteligência policial, vinculado ao gabinete do secretário de segurança pública; h) o órgão coordenador da política nacional de segurança pública denominar-se-á de Secretaria de Estado de Segurança Pública e resultará da ampliação da atual Secretaria Nacional de Segurança Pública vinculada ao Ministério da Justiça. A nova secretaria terá sob a sua jurisdição a Polícia Federal e a Coordenação Nacional da Política de Drogas; i) objetivos gerais do órgão coordenador: reorientar a Polícia Federal para o combate ao crime organizado; criar o banco de dados nacional sobre segurança pública; aumentar o efetivo da Polícia Federal; criar a ouvidoria da Polícia Federal e reformular o Fundo Nacional de Segurança Pública.

Além dos pontos negativos que foram destacados no decorrer da exposição do Plano, podemos adicionar outras críticas. Em primeiro lugar, acho que o documento sobre a política de segurança pública do governo Lula peca pelo mesmo que sempre se pecou no Brasil: é dimensionado de cima para baixo, quando, como se diz, “a febre não está nos lençóis”. A violência pipoca é no município, onde todos vivemos. Ora, qualquer política de segurança pública que se preze, teria de partir daí. No documento, a política é traçada a nível federal, administrada a nível federal e são cogitadas as desgastadas e corruptas polícias estaduais para que sirvam de ponte com a população. Em segundo lugar, não se insiste adequadamente na importância do policiamento ostensivo, como forma de dar ao cidadão de novo a segurança no lugar onde mora; justamente como se deixou de lado a perspectiva municipal no gerenciamento da segurança pública, o ponto do policiamento ostensivo passa a segundo plano. As polícias estaduais são alérgicas ao policiamento; degeneraram em atividades meio, quando não descambaram para a pura e simples criminalidade, como no Rio de Janeiro e em outros Estados onde pululam os esquadrões da morte chefiados por policiais. Essa é a situação que se vive no país.

Outras críticas seriam as seguintes: a) não é mencionado o fenômeno da cooptação de ex-militares pelo narcotráfico; b) não se afirma nada acerca do papel de organizações não governamentais que se situam deliberadamente à margem da lei e que terminam engrossando o caldo da violência sistemática no país, como é o caso do MST; c) embora se mencionem casos de ações bem sucedidas contra a criminalidade em vários países, não é sequer citada a bem-sucedida experiência colombiana na extinção dos cartéis da cocaína em Medellín e Cali (ocorrida nos anos 90 sob a chefia do general Rosso José Serrano); d) não é mencionado o papel letal de apoio ao narcoterrorismo brasileiro desempenhado pelas FARC. O PT considera, ingenuamente, que se trata ainda de um agrupamento de ativistas animados pelo ideal socialista. Em virtude disso, o governo Lula recusa-se a considerar as FARC como terroristas, contrariando deliberação da Organização dos Estados Americanos que se pronunciou nesse sentido; e) embora os exércitos do narcotráfico no Rio de Janeiro sejam formados por milhares de jovens entre 16 e 18 anos (os cálculos apontam para mais de 5 mil menores que integrariam exércitos marginais), não é sequer contemplada a idéia de diminuir a idade da imputabilidade dos delinqüentes. O Plano considera que deve ser mantido, inalterado, o atual Estatuto da Criança e do Adolescente; f) no histórico da criminalidade não é mencionado o fato de a origem do crime organizado decorrer, além do jogo do bicho, no Rio, também do convívio entre ativistas de esquerda e bandidos, na prisão da Ilha Grande, durante o regime militar; g) na denominação “criminosos de colarinho branco”, o documento insinua que esses pertencem unicamente às classes altas, nunca ao chamado “povão”. Isso contradiz os fatos que foram apontados no início da minha exposição. Fernandinho Beira-Mar vem do povão. E é um criminoso de colarinho branco.

5) A proposta de segurança pública para o Rio de Janeiro, elaborada pelo prefeito César Maia.- Está contida no documento intitulado Nova política nacional de segurança, que foi adotado pelo Partido da Frente Liberal, ao qual pertence o prefeito, como plataforma para a política de segurança pública dessa agremiação. A adoção oficial do mencionado documento pelo PFL revela a seriedade com que o mesmo foi elaborado, partindo de um conhecimento detalhado da realidade do Rio de Janeiro, bem como do Estado e da região Sudeste, onde se concentram as atividades do crime organizado, justamente por ser a que mais contribui com a produção de riqueza no Brasil.

A proposta de César Maia é, a meu ver, a mais completa de todas as que até agora têm sido formuladas. Parte, em primeiro lugar, da situação de insegurança vivida pelos cidadãos no município e ali tenta já dar uma resposta, desverticalizando a abordagem dos problemas mediante a criação dos Distritos de Segurança, onde a criminalidade será detectada e combatida, adotando o princípio de “tolerância zero com os delitos de rua”. Em segundo lugar, identifica, de forma realista, os principais focos de criminalidade na cidade, a fim de ali intensificar o seu combate. Em terceiro lugar, coloca o policiamento ostensivo da Polícia Militar como fator essencial e atribui a esta papel importante nos procedimentos de isolamento e cobertura dos locais dos delitos, a fim de que não sejam perdidas provas essenciais; o projeto assinala a necessidade da especial capacitação dos efetivos da Polícia Militar para que bem possam desempenhar essa função. Em quarto lugar, identifica claramente os mecanismos processuais que devem ser agilizados e indica a forma de faze-lo, no interior de cada Distrito. Em quinto lugar, assinala a forma em que se dará a colaboração dos Distritos entre si e com o Município e o Estado, a fim de tornar as ações mais eficazes, evitando a migração dos focos de criminalidade para outros pontos da cidade ou do Estado. Em sexto lugar, foge das apreciações ideológicas da temática em questão, deixando claro que se trata da efetivação de políticas pragmáticas que devem beneficiar num razoável espaço de tempo à população que clama por segurança. Em sétimo lugar, apresenta uma proposta exeqüível de reforma do sistema penitenciário do Município e do Estado, a fim de desafogar as delegacias, hoje inadequadamente convertidas em prisões. Em oitavo lugar, a proposta de César Maia, pela praticidade e a desverticalização que a caracterizam, constitui um modelo ágil para ser adotado em outras cidades do país, fazendo deslanchar, destarte, uma nova prática de segurança pública no Brasil. O projeto do prefeito do Rio considera que cabe à União capitanear as ações em prol do estabelecimento de uma política nacional de segurança pública, levando em consideração o flexível modelo apresentado por ele para a cidade. E, por último, identifica, de forma realista, os fundos de que o Município poderá fazer uso para financiar essa política de segurança, mediante a criação do fundo de segurança pública (utilizando, entre outros recursos, as contrapartidas do Estado e da Federação; o autor aponta, por exemplo, para a utilização social das royalties do petróleo).

A proposta de César Maia situa-se, a meu ver, na trilha das grandes políticas de segurança pública, que deram certo em países como Estados Unidos, Inglaterra, França, que se caracterizam justamente por terem atacado o problema da violência ali onde ela se pratica, ou seja, nas comunas ou nos distritos. Lembremos como essa perspectiva local impressionou um atento observador da política americana, o grande Alexis de Tocqueville, que já em 1835, na sua obra A democracia na América, chamava a atenção para o fato de os americanos enfrentarem as duas mazelas que mais acossavam as sociedades de início do século XIX, a violência e a pobreza, justamente a nível das comunas, assinalando, para isso, comissões de cidadãos (os denominados na América selected-men) que se encarregariam de realizar o diagnóstico dos problemas, a fim de irem encontrando as respostas cabíveis. As políticas regionais e nacionais construir-se-iam a partir das respostas locais, e não ao contrário [cf. Tocqueville, 1977:53-67]. A proposta do prefeito do Rio resgata, outrossim, o melhor da nossa tradição luso-brasileira de valorização do município como cerne das políticas públicas. Lembremos que o visconde de Uruguai, no seu Tratado de Direito Administrativo fazia suas as palavras de Tocqueville quando dizia que “o município é a escola primária da democracia” [Souza, 1960: 368].

Feita a síntese da proposta de César Maia, destaquemos, com ajuda do “resumo executivo” preparado pelo PFL e que introduz o documento do prefeito, alguns pontos essenciais. A primeira questão que vale a pena ser destacada é a que se refere ao objetivo central da proposta, que consiste na devolução à polícia da sua capacidade de iniciativa, deixando de ser ela, assim, apenas um mecanismo reativo que se mobiliza em função dos deslocamentos dos criminosos. A respeito, frisa o documento: “No entendimento do prefeito César Maia, o objetivo central imediato da nova política nacional de segurança deve consistir em devolver à polícia a sua capacidade de iniciativa. Para tanto cumpre considerar: I – Ações imediatas; II – Descentralização com concentração de autoridade a nível local e III – Suporte técnico na atuação da polícia. Considera ainda a integração dos três níveis da administração e a Reorganização do Sistema Prisional. O cumprimento desse programa exigiria, finalmente, a Criação de Fundos específicos, com recursos dos três níveis de governo”.

A proposta de César Maia focaliza os interesses do cidadão, que anseia intensamente viver em segurança. Em face das frustrações repetidas, bem como do cinismo das autoridades que em não poucas oportunidades consideram o próprio cidadão culpado pela situação que vive, a proposta do prefeito visa a implementar ações imediatas. A respeito, o “resumo executivo” destaca: “As Ações Imediatas consistem, em primeiro lugar, no redimensionamento dos efetivos da Polícia Militar com vistas a restaurar o policiamento ostensivo. O redimensionamento em causa deve ter em vista que, para o conjunto da população de determinada área, o acesso à polícia seja factível, sem tardança e efetivo. Trata-se de restaurar no país a situação em que os policiais possam ser vistos na rua, estejam conectados uns com os outros – pelos meios modernos disponíveis. Para o aumento imediato dos efetivos podem ser adotadas, isolada ou cumulativamente, as seguintes providências: oferta de uma segunda jornada ao policial, exame da possibilidade de recrutamento de inativos para formações de apoio; dimensionamento com o máximo rigor dos efetivos aquartelados, desde que essa modalidade, inevitavelmente, acaba desviando para atividades-meio pessoal que, formalmente, estaria destinado a atividades-fins. (...) A atuação do policiamento ostensivo será orientada para exercitar tolerância zero com delitos de rua”.

Peça-chave da proposta do prefeito consiste na descentralização da política de segurança. Esta será efetivada mediante a criação dos Distritos de Segurança. Trata-se de medida importante, pois responde perfeitamente à forma em que a criminalidade se instala no seio das comunidades. César Maia considera, aliás, que a víbora do crime organizado somente será morta mediante a inoculação do seu próprio veneno, ou seja, com ações que o enfrentem no seu nascedouro. Em que consistem os Distritos de Segurança? Eis a forma em que o “resumo executivo” os apresenta: “Entende-se como Distrito de Segurança os espaços geográficos onde as ações dos policiais são focadas, integradas e co-geridas. As delegacias serão centrais onde estará o Juizado Especial, a Defensoria Pública e a sala de trabalho do promotor. A Polícia Civil e a Polícia Militar atuarão no distrito como uma secretaria de segurança operacional e local. E contarão com os instrumentos de polícia técnica e de acesso aos sistemas de identificação e de informação. Suas ações de combate local ao crime terão ampla autonomia”.

A proposta do prefeito coloca como assunto essencial o adequado suporte técnico para as atividades de combate ao crime. Em relação a esse ponto, o “resumo executivo” frisa: “A atuação da polícia deverá contar com moderno Suporte Técnico. Para tanto, incumbe aprimorar o processo de registro das ocorrências, a cargo da Polícia Militar, executora do policiamento ostensivo, que será devidamente treinada a fim de assegurar que esse instrumento inicial transforme-se num fator de agilização da Justiça. É imprescindível conseguir que o boletim inicial da ocorrência não precise ser refeito, cabendo à polícia técnica complementá-lo. Trata-se certamente de alcançar o requerido nível de qualidade. Outros elementos de suporte técnico consistirão na reconstituição, digitalização e sofisticação do sistema de identificação; construção de eficaz sistema de informação; aprimoramento da comunicação; introdução do monitoramento eletrônico, através de câmaras fixas e móveis; e, ainda, implantação do sistema centralizado de Inteligência”.

No que se refere às prisões, o documento do prefeito do Rio preocupa-se em distinguir a finalidade que possui cada uma das instituições que integram o sistema. A propósito deste item, o “resumo executivo” frisa o seguinte: “O princípio básico da Reorganização do Sistema Prisional consiste em distinguir precisamente qual o propósito de cada uma das instituições que o integram. Assim, por exemplo, aquelas destinadas a menores têm por objetivo promover a ressocialização, o que impõe atuar em conformidade com o perfil do menor infrator e do delito, bem como impedir a concentração daqueles mais violentos e de maior periculosidade. O mesmo princípio deve presidir à reorientação dos espaços prisionais, de forma a não misturar condenados, observando de igual modo o perfil do condenado e o tipo de delito. Além disto, promover a criação de presídios especiais, capazes de acolher os que não coloquem em risco a sociedade, onde possam realizar trabalhos com nexos futuros com o emprego e a reintegração. Esta parte do Programa contempla a questão da liberdade provisória, com sistema de monitoramento e controle individual; da Defensoria Pública; do atendimento às famílias dos condenados e de ex-detentos. No que se refere aos presídios de segurança máxima, não se limitar à questão do risco de fuga, criando regimes especiais de contatos e visitas, de acesso a materiais e de incomunicabilidade eletrônica. Por fim, priorizar a efetivação dos mandatos de captura e planejar, para uso eventual, sistema de celas metálicas pré-moldadas de forma a dar resposta rápida às necessidades do sistema”.

Qual o perfil temporal da política de segurança pública proposta? O “resumo executivo” frisa a respeito: “A nova Política Nacional de Segurança deveria ser concebida para orientar a atuação do Poder Público nos próximos vinte anos”, abrindo margem, assim, para a revisão dos aspectos essenciais da proposta, em face da mutável realidade social brasileira.

Considerações finais.- É de suma gravidade, para a segurança nacional, o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Os soldados do narcotráfico mostraram que têm a iniciativa, e conseguem manter reféns do terror os cidadãos. A situação, ao que parece, fugiu ao controle da governadora Rosinha Garotinho. É necessária, porisso, uma resposta mais agressiva no âmbito da União. Acho que se torna necessária uma intervenção federal no Rio de Janeiro, em decorrência, fundamentalmente, destes fatores: em primeiro lugar, a presença de terroristas internacionais das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia no meio dos traficantes cariocas (no morro do Borel na Tijuca, no Complexo do Alemão e no bairro da Penha), que estariam ajudando a planejar os atos terroristas que têm apavorado a cidade ao longo dos últimos meses. Em segundo lugar, a utilização sistemática, por parte dos bandidos no Rio de Janeiro, de armamento sofisticado e de táticas típicas da guerrilha colombiana. Segundo foi noticiado, os traficantes já contam com o poderoso explosivo C-4, adquirido por Fernandinho Beira-Mar por meio de uma conexão mantida com traficantes de São Paulo e com ele planejavam derrubar o muro da penitenciária de Bangu III, a fim de possibilitarem a fuga em massa de bandidos ali presos. A utilização desse explosivo em carros-bomba é, sem dúvida, questão de tempo, pois os narcoguerrilheiros das FARC começaram as suas ações urbanas exatamente assim há alguns anos atrás, derrubando primeiro muros de penitenciárias, para depois passarem ao terrorismo em larga escala com a explosão de carros-bomba e até de casas-bomba. Em terceiro lugar, a corrupção que não conseguiu ser extinta nas polícias civil e militar no Rio de Janeiro, que torna praticamente impossível aos bons elementos das forças da ordem conservarem o segredo necessário no combate aos terroristas. No fator corrupção é necessário também levar em consideração a venalidade dos guardas penitenciários e de alguns advogados e até de juizes, que têm possibilitado a livre comunicação dos detentos nos presídios de segurança máxima, bem como a entrada de armas e até de computadores.

Uma intervenção federal no Rio de Janeiro possibilitaria várias providências que são necessárias ao controle do Estado sobre as forças do narcotráfico: tornaria possível, em primeiro lugar, uma ação mais unitária e contundente da justiça, centralizando os vários casos relacionados ao narcoterrorismo. Em segundo lugar, permitiria que fossem selecionados bons policiais cariocas, civis e militares, para que atuassem em estreita colaboração com a polícia federal e com as forças armadas. Em terceiro lugar, seria possível ter uma unidade de comando das forças policiais e militares, para atuarem mais eficazmente no combate à criminalidade organizada. Em quarto lugar, tornar-se-ia viável a estruturação de uma séria política de inteligência, fundamental para que os governos estadual e federal consigam elaborar estratégias adequadas. Por último, estaria se dando um recado aos bandidos das outras regiões do país, bem como aos guerrilheiros das FARC, no sentido de que o governo federal e os governos estaduais não estariam dispostos a permitir ameaças à ordem e à legalidade. O temor que me assalta é que se não se der uma resposta contundente e eficaz aos narcotraficantes no Rio de Janeiro, o modelito de luta que estes iniciaram contra o Estado e as instituições democráticas no Rio, termine se alastrando a outras cidades do país, colocando em seríssimo risco a vida democrática e a segurança dos brasileiros.

Até agora o governo do Estado do Rio só respondeu com ações isoladas, com muita retórica do secretário de segurança e da governadora, mas com resultados muito aquém dos esperados pela população. É só ler as "cartas dos leitores" dos vários jornais publicados no Rio de Janeiro, para observar como os cariocas já perderam a confiança nas autoridades e na conquista da paz. Torna-se imperioso, porisso, restabelecer a credibilidade da sociedade nas suas instituições, a fim de que sejam garantidos os direitos básicos dos cidadãos. A presença do exército nas ruas foi, evidentemente, uma solução paliativa. À luz de uma intervenção federal no Rio fica clara a necessidade de se ter uma força policial de abrangência nacional (chame-se guarda nacional ou polícia federal ampliada), que possibilite ao governo federal efetivar esse tipo de intervenção contando, evidentemente, com o grupamento especial que o exército está treinando para debelar o crime organizado. Mas essa força federal deveria possuir mais efetivos do que os 600 homens inicialmente propostos pelo Governo Federal. Lembremos que se trata de desarmar pelo menos 7 mil combatentes muito bem armados.
Passeatas como a que recentemente se fez, dizendo um “Não às Armas” (mas não às drogas), só fazem rir os bandidaços que comandam o narcotráfico nos morros cariocas. O fato de altos funcionários do governo Lula terem participado da mencionada passeata, faz pensar que não há muita vontade política para fazer a guerra ao narcotráfico, com a contundência necessária. Desarmamento? Sim, claro, mas começando pelos narcoterroristas. A intervenção federal que proponho é no sentido de conseguir esse desarmamento. Não desarmar os bandidos e dizer que o problema da violência é das armas que estão em poder de cidadãos honestos, é pura demagogia. Não podemos cair na esparrela de criar uma cortina de fumaça que impeça ver a causa real da violência: o narcotráfico.

Uma vez feita a intervenção federal no Rio e desarmados os bandidos, deveria ser aplicada, integralmente, a proposta de segurança pública apresentada pelo prefeito César Maia. É uma proposta realista, sensata, que ataca os problemas da violência e da insegurança ali onde eles ocorrem: onde moramos, nos distritos ou seja, nos bairros que compõem o nosso município.

Narcotráfico na América do Sul: Histórico e Plano Colômbia II, por Eduardo Detofol e Paulina Cho
20/08/2010neicolaboradorDeixar um comentárioIr para os comentários
Efeitos da implementação do Plano Colômbia na região

Após a apresentação de histórico da relação Brasil-Colômbia, no contexto do estabelecimento do Plano Colômbia, passaremos, agora, à análise dos efeitos de sua implementação.

A implementação da ação militar na região obteve, ainda, outros reflexos, dentre eles uma maior visibilidade a problemas entre vizinhos andinos, instigando conflitos que permaneciam dormentes. Primeiramente as ações de destruição de cultivos na Colômbia passam a repercutir no Peru e na Bolívia, onde o cultivo de coca passa a apresentar crescimento. O conflito colombiano se mostra um foco de irradiação de tensão regional que passa a criar problemas de segurança nas fronteiras com todos seus vizinhos.

Primeiramente conflitos entre os guerrilheiros das Farcs, os paramilitares das Autodefesas da Colômbia (AUC) e os narcotraficantes passam a pressionar as fronteiras com Equador, Peru e Bolívia, com zonas de cultivo de coca e atuação militar muito próxima das mesmas.

No caso do Equador, os grupos guerrilheiros foram forçados a recuar progressivamente em direção a suas fronteiras, em função da política denominada de “segurança democrática”, do agora ex-presidente colombiano Álvaro Uribe e amparada por Washington, pela qual não se distingui o combate ao narcotráfico do combate à guerrilha, forçando a última a utilizar o território equatoriano como retaguarda.

Uma das conseqüências do avanço do conflito para a fronteira equatoriana está no fato de, em função da mesma ser particularmente vulnerável ao tráfico de drogas e armamentos, esta terminar por se tornar um importante canal do transporte ilícito de tais mercadorias. Autoridades colombianas alegam que pelo menos 50% da munição que entra na Colômbia alcança seu destino através do Equador. Ademais a intensificação do conflito armado provoca um fluxo migratório para o território equatoriano de cidadãos colombianos que procuram no país maior segurança, emprego ou refúgio.

Problemas semelhantes são ainda verificados nas fronteiras com Peru e Bolívia, onde redes de corrupção, como a descoberta nas Forças Armadas do Peru no segundo mandato de Alberto Fujimore (1995 – 2001), funcionam como pontes de negociação entre insurgentes colombianos e grupos de traficantes de armas. Ainda na fronteira peruana funcionam também laboratórios de morfina e cocaína.

A Venezuela, por sua vez, com aproximadamente 2000km, converteu-se, na década de 1990 no segundo maior ponto de embarque de cocaína destinada aos EUA e à Europa. Na sua região fronteiriça agrupam-se também acampamentos militares das Farcs e do Exército de Libertação Nacional (ELN), onde passa a se intensificar também o tráfico de armas.

Outro fator relevante para o aumento da pressão na fronteira venezuelana está no fato de o país ser o de maior concentração de colombianos no mundo, com mais de 1,5 milhão de indivíduos, gerando um previsível fluxo migratório com a intensificação do conflito armado na Colômbia.

Dos conflitos irradiados pelo foco colombiano está o receio dos efeitos sociais dos desequilíbrios nas fronteiras, dentre eles a o aumento da violência, do desemprego e da xenofobia. Trata-se, portanto, como observou Socorro Ramírez, da deterioração de uma relação sólida que constituía as bases da primeira zona de integração do marco do andino.

A relação entre Colômbia e Venezuela teve sua história marcada, em muitos pontos, por divergências no âmbito da política e cooperação externa. A posição de neutralidade de Hugo Chávez, ainda no governo de Andrés Pestrana, fez surgir críticas e oposições no meio oficial colombiano em relação ao posicionamento ambíguo da Venezuela frente às Farcs. No governo de Uribe, senadores colombianos requisitaram à Organização dos Estados Americanos (OEA) a aplicação da Carta Democrática, ao tempo que deputados venezuelanos denunciaram a existência de uma “corrida armamentista” na Colômbia.

Em 2004 ocorreu novo incidente diplomático, quando o governo venezuelano deteve, nas proximidades de Caracas, um grupo de paramilitares colombianos que, de acordo com o governo da Venezuela, constituía a força armada de uma conspiração contra Hugo Chávez relacionada com grupos locais de extrema direita, com financiamento proveniente de Miami.

Contudo, principalmente a partir do segundo semestre de 2004 ambos os lados passaram a recorrer, freqüentemente, à diplomacia presidencial direta, tendo os mesmos suposto esse o melhor caminho. Como consequência foram promovidos dois encontros presidenciais em menos de três meses, tendo sido assinados importantes acordos em matéria energética e de infra-estrutura.



Em relação ao Peru, após o governo de Fujimore, com a posse de Alejandro Toledo, as relações entre os países apresentaram melhoras diplomáticas. Toledo e Uribe assinaram acordos visando o combate a atividades ilícitas na área de fronteira comum e a cooperação na patrulha do tráfego aéreo de narcóticos. Ademais, Toledo apóia o Plano Colômbia e a política de “segurança democrática” de Uribe. Outra preocupação que afeta os vizinhos colombianos, está na intensa ajuda militar estadunidense à Colômbia, podendo resultar em um desequilíbrio militar regional. Preocupação que afeta, principalmente, a Venezuela, a qual tem pendências fronteiriças ainda não resolvidas com a Colômbia.

Da mesma forma, a suspeita de uma militarização nas regiões andina e amazônica a partir da Colômbia afeta também o Brasil, o qual aponta quatro observações principais acerca de possíveis desdobramentos do Plano Colômbia, como observa André Dunhan Maciel Sianes de Castro:

Não se aceita eventual transferência do teatro de operações de qualquer ator armado para o território brasileiro;
Refuta-se qualquer participação militar no conflito colombiano;
Mesmo entendendo que a possibilidade de cenários adversos para a Amazônia brasileira é pequena, o Brasil procura proteger-se de eventuais desdobramentos;
O aprimoramento de capacidade de resposta dos órgãos estatais brasileiros na Amazônia se dá exclusivamente nesse contexto defensivo.
Outra relação que passa a ser vista com reserva pelos governos andinos é a política dúbia de Uribe em relação ao tratamento dirigido a paramilitares e à guerrilha. Enquanto aos paramilitares colombianos é direcionada uma política de incentivo, com possibilidades de incorporação à vida civil e política, o mesmo não ocorre em relação às Farcs e ao ELN, que são alvos de uma política dura e enérgica. Tal atitude ambígua tem resultado em críticas e desconfiança, baseadas na hipótese de o governo de Uribe estar utilizando os paramilitares na consolidação de diversas regiões recuperadas pelo Exército colombiano. Conforme esclarece o cientista político colombiano Francisco Gutiérrez Sanín, “os paramilitares tem elaborado nos últimos 20 anos uma densa rede de cumplicidade com organismos de segurança dos Estados (…) [e também existem] fortes vínculos entre os paramilitares e o poder político legal”.

Com respeito à participação do Brasil no processo de negociação de paz colombiano, o posicionamento nacional se fundamenta nos seguintes pontos:

A busca de uma saída negociada ao conflito;
A adoção da mediação internacional do conflito, observando o princípio de não intervenção, devendo a mediação ocorrer a partir de solicitação formal da Colômbia;
Recusa de reconhecimento das Farcs e outros grupos guerrilheiros como terroristas.
Com a chegada ao poder dos presidentes Lula e Uribe, pode-se dizer que houve uma maior aproximação da visão dos países em relação ao conflito. O Brasil fora visitado por Uribe e seu território fora oferecido para um diálogo entre o governo colombiano e as Farcs, além do governo brasileiro ter proposto a mediação do secretário geral da ONU no conflito.

Conforme atenta André Dunhan Maciel Sianes de Castro: “A força das posições dos EUA implica em obstáculos ao projeto de integração sul-americana proposto pelo Brasil (…) Os objetivos e estratégias dos EUA podem não estar atendendo nem aos seus próprios interesses e certamente não atendem aos do Brasil, que são o equacionamento do conflito, o investimento em democracia como forma de combater o conflito interno”.

A política externa brasileira entende que a democracia é a opção viável na região para atingir, ou amenos amenizar, os problemas de segurança regional que podem decorrer da “militarização da política regional andina”, por meio da negociação e do entendimento pacífico.

O terrorismo e o narcotráfico: correlações possíveis
O terrorismo e o narcotráfico: correlações possíveis

Por: Elson Lima*

Os trabalhos que se detêm sobre o estudo do terrorismo freqüentemente procuram diferenciá-lo de outros fenômenos cuja violência – promoção de danos materiais ou psicológicos – aparece como variável definidora. É o caso, por exemplo, da guerrilha, do narcotráfico, da guerra, e das ações do crime comum em geral.

No entanto, o terrorismo e o narcotráfico serão estudados nesse trabalho como esferas que guardam relações estreitas, e não como instâncias autônomas. Pois assim fazendo estaremos conduzindo a reflexão para um aspecto daquela forma de violência até então pouco explorado, ou seja, oferecer uma crítica às abordagens que tratam o terrorismo como uma manifestação “pura” de uso da violência, sendo, aliás, recorrentes os esforços para enquadrá-lo juridicamente numa forma especifica de criminalidade. Quando na verdade, por estar imerso num dado contexto social, ele aparece sempre como expediente para atingir determinada finalidade. Nesse sentido, aqui reside a sua complexidade, pois ele acaba sendo um recurso inscrito no interior de outras manifestações/conflitos sociais.

Não sendo a ocasião mais adequada para apresentar as correlações do terrorismo ao longo da história, por tratar-se de breve ensaio, destacamos todavia a existência de sólida discussão historiográfica sobre as relações que o terrorismo estabeleceu historicamente com outros fenômenos. Especificamente com o anarquismo do século XIX, com a resistência francesa no contexto da II Guerra Mundial (1939-1945), com os movimentos de libertação nacional durante a Guerra Fria, bem como com as guerrilhas urbanas – de inclinação marxista-leninista – das décadas de 1970 e 1980. Sem esquecer os estreitar de laços com o fundamentalismo islâmico que acabou desencadeando uma equivocada guerra global contra o terrorismo 1.

A lista de relações que o terrorismo estabeleceu com outras esferas é tão grande quanto complexa. Porém cabe chamar a atenção para uma delas: há uma crescente aproximação da criminalidade comum, ligada ao comércio de entorpecentes, com a prática do uso da violência historicamente conhecida como terrorismo. E não estamos falando simplesmente da retórica desprovida de fundamentos, que encontra eco nos discursos do atual presidente americano George W. Bush, ao dizer que o ‘narcotráfico financia o terrorismo’. Acreditamos – e este ensaio é apenas um experimento inicial para uma reflexão mais pormenorizada – que a natureza dessas correlações sejam bem mais complexa.

Nessa direção podemos citar as constantes e atuais denúncias do envolvimento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) com o comércio de ilícito na região amazônica, incluindo as áreas de fronteira com o Brasil. Em outro exemplo, já nas últimas décadas do século passado, relata o general peruano Nicolás de Bari Hermoza Ríos, o grupo terrorista de fundamentação maoísta, Sendero Luminoso, cobrava taxas por cada aterrissagem de aviões dos cartéis colombianos em seus domínios 2. Porém é no México que se apresenta um caso típico de avanço da confluência entre terrorismo e narcotráfico, já que as organizações de tráfico de ilícito empregam o terrorismo largamente nesse país como instrumento dissuasivo contra seus opositores 3.

A partir do ensaio oferecido por Gerardo Rodríguez Sanchez Lara e Mario Arroyo Juárez sobre as correlações entre terrorismo, guerrilha e narcotráfico no território mexicano, faremos um paralelo destacando as possibilidades de comparação com o ambiente brasileiro.

Enquanto no México tiveram algumas modificações institucionais, particularmente na sua estrutura jurídica no que tange a imigração, no Brasil o tratamento conferido ao terrorismo não trouxe grandes novidades em decorrência do impacto dos atentados de 11 de setembro de 2001, ocorridos nos EUA. Uma explicação inicial para tal desacordo reside no fato de serem países que mantêm relações diferenciadas com os EUA, principalmente em termos geoestratégicos. Enquanto o México representa a principal ligação fronteiriça da América com seus vizinhos latino-americanos, o Brasil está bem distante do Tio San. Além de o país vir se afirmando como grande liderança no cone sul, contrapondo-se à histórica influência estadunidense a partir da criação de acordos comerciais e expandido a colaboração com seus vizinhos latinos, em especial a Argentina.

Com legislações diferenciadas para reprimir o crime de terrorismo, cada qual a sua maneira, esses países se vêem de frente com um problema: como conter a paulatina aproximação entre esta prática terrorista e os agentes do narcotráfico? No Brasil especificamente, defendemos inclusive que os agentes são os mesmos, ou seja, os atores sociais que praticam o comércio de ilícito são os mesmos que se valem da estratégia terrorista como recurso/maneira de alcançar suas finalidades operacionais. Vide as ações de comandos ou facções criminosas conhecidas como CV (Comando Vermelho) e PCC (Primeiro Comando da Capital), que para garantir o controle e distribuição do comércio ilícito de drogas, em ocasiões de crise – como em maio e dezembro de 2006 4–, desencadeiam uma onda de ataques, nos moldes do terrorismo no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Porém sigamos os passos que Lara e Juárez percorreram. Para a discussão do caso mexicano ofereceu-se uma possível definição de terrorismo tomada de empréstimo de Paul R. Pillar, que o enxerga como sendo o uso da violência premeditada, com motivação política e contra alvos civis. Os atentados terroristas, via de regra, trazem uma intenção de atemorizar a população, e as ações são realizadas por agentes clandestinos. 5 Para uma avaliação do caso brasileiro, essa definição oferecida pelos autores é fulcral, na medida em que será possível através dela chamar a atenção para o caráter específico das correlações entre terrorismo e narcotráfico no Brasil, ou seja, a simbiose de dois fenômenos reunidos num mesmo agente social.

Apresentemos o caso mexicano. Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, não havia indicio para que o México colocasse em prática uma agenda nacional alarmista de combate ao terrorismo internacional, já que ao contrário de outros países a Al Qaeda não parecia ter colocado este país como escopo de sua “guerra santa”. Tampouco células islâmicas aparecem como ameaça potencial, infiltradas nas fileiras da criminalidade comum.

As explicações resultam de indícios, quer dizer, não há dentro do México atualmente nenhuma diáspora (ou comunidades) de outros países com laços estreitos com a Al Qaeda ou bin Laden; também não há interesses geoestratégico mexicanos manifesto na região do Oriente Médio; e por fim, não houve fatos que comprovassem a hipóteses de que o terrorismo islâmico poderia usar a crime organizado local para infiltrar-se nos EUA.

Mas há os que argumentam o contrário, ou seja, que o México seria um ‘prato cheio’ para perpetração de ações terrorista, por duas razões básicas: primeira, o México mantém relações de interdependência econômica com os EUA, além da questão geoestratégica, que coloca aquele como a principal porta de entrada para a América 6. Segunda, os mexicanos não dispõem de um sistema de segurança nacional eficaz no combate ao terrorismo. A bem dizer da verdade, nenhum país na atualidade pode dizer-se preparado efetivamente – em termos de segurança – para fazer frente ao terrorismo. Principalmente porque um dos elementos constituídores do novo terrorismo, de ‘marca’ Al Qaeda, tem na imprevisibilidade 7 o caráter de sua força, sendo, portanto, uma de suas razões de ser.

Sem esquecer a presença de grupos guerrilheiros. Mesmo que chamássemos a atenção para a possibilidade do terrorismo de matiz interna, como aqueles em atividade iniciada nos anos 1970, notaríamos serem irrisórias as suas ações no momento. Grupos como a Liga Comunista 23 de Setembro e o Exercito Revolucionário do Povo Insurgente representam uma vertente de prática terrorista que, em termos sistemáticos, nunca se valeram desse tipo de violência como ferramenta para alcançar seus objetivos políticos. Ainda que esse tipo de guerrilha esteja passando por uma espécie de reciclagem, como mostra o Exército Popular Revolucionário, que há anos vem desafiando a capacidade do Estado mexicano em garantir a estabilidade político-econômica 8.

A essas alturas há de se perguntar, porém o que faz do México um possível estudo de caso a ser comparado com o Brasil. Já foi possível deduzir algumas semelhanças, como o fato de não haver repercussões do terrorismo de viés islâmico no território brasileiro. Assim como o México, após os ataques de 11 de setembro, nós também não colocamos o combate ao terrorismo internacional como uma prioridade de nossa agenda política, pelas mesmas razões. E diferentemente daquele país, nós sequer temos um grupo armado em franca oposição ao Estado, malgrado os esforços de grupos ligados à direita militante ou não, quererem enquadrar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) com a marca terrorista.

Há porém um elemento central que aproxima ambos os países no que se refere à questão do terrorismo. O combate ao narcotráfico ganhou sistematicamente um lugar de destaque na pauta dos debates sobre segurança pública, e mesmo nas discussões sobre defesa. Acreditamos que isso se deve à natureza da violência que se vem observando atrelada ao comércio de ilícito. No caso mexicano, a guerra entre cartéis promoveu uma verdadeira transformação qualitativa na forma pela qual a violência se manifesta no seio dos conflitos, adquirindo os contornos do fenômeno conhecido como narcoterrorismo 9.

Não muito diferente, mas sem a magnitude do contexto apresentado no México, o Brasil se ver hoje no circuito internacional do tráfico de drogas. O curioso disso é que boa parte da discussão que chega a opinião pública se restringe em apresentar o narcotráfico como um problema que encontra origem nas comunidades de baixo poder aquisitivo e precárias condições de políticas públicas, onde a dinâmica local do tráfico por si só gera violência.

Foi possivelmente em decorrência dessa visão estreita que as ações operadas por comandos do Rio de Janeiro e de São Paulo são tão difíceis de serem compreendidas como atos de terrorismo.
Voltando um pouco para se fazer uma contextualização da abordagem, lembremos que nas últimas décadas do século passado, o mundo viveu uma mudança naquilo que constituía algumas das atribuições do Estado e da estrutura econômica. Em nome das políticas neoliberais – restringindo a participação do Estado a alguns setores – adotadas por países como Brasil e México, tudo sob o signo do aclamado processo de transição democrática, verificou-se na verdade uma perigosa descentralização de responsabilidades 10.

Um Estado que deixou de se preocupar com emprego, com a geração de postos de trabalhos, inclusive no campo já que é nesse âmbito que a plantação de coca e maconha ganharia expansão em virtude da industrialização e mecanização da produção de alimentos, deixando o lavrador tradicionalmente envolvido com a cultura de subsistência sem emprego 11.

Nesse sentido, o que se segue é uma incapacidade de incorporação desses sujeitos nas fileiras do trabalho regular, uma vez que o Estado deixou de ser o gestor principal das esferas tradicionalmente sob sua responsabilidade.

Na medida em que o bem-estar social deixou de ser uma das garantias, abriu se um precedente para mudanças no mundo do crime. Ainda mais, quando se sabe que essas transformações foram galvanizadas pelos “ventos” da globalização, trazendo sentido para explicar fenômenos estritamente locais. A globalização é o paradigma da comunicação em rede e em tempo real que permite ao terrorismo e ao narcotráfico perderem o localismo e assumirem uma dimensão transnacional. O ônus disso é que, por exemplo, o combate ao terrorismo e ao narcotráfico deixa de ser uma questão restrita de segurança pública, e passa a envolver defesa nacional e cooperação entre Estados. Ou seja, nada impede que os recursos da tecnologia da informação possam ser incorporados às fileiras do crime organizado, cuja dinâmica passa a operar sob a forma reticular, com uma estrutura mole, moldando-se flexivelmente e dificultando o combate dado pelas forças do poder público.

Nesse sentido que, ao realizar um estudo sobre as origens e relações sociais das facções criminosas do Rio de Janeiro e São Paulo, Alba Zaluar indica mudanças nos quadros do narcotráfico, principalmente no papel e no discurso desses comandos, revela que as novas organizações apresentam um “discurso mais político e afinado com as propostas do narcoterrorismo das FARC”, em que o exemplo pode ser dado pelo contato direto de Fernandinho Beira-Mar com esta. Reparem que o formato é muito semelhante ao que vem ocorrendo no México, ou seja, uma violência que se manifesta em “modestas ações terroristas”, 12 além de assassinatos de figuras do poder público, tudo relacionado aos recursos da lavagem de dinheiro, à corrupção de figuras públicas, ao seqüestro, à tortura, à prostituição internacional dentre outros crimes. Quer dizer, mesmo em realidade e contextos diferenciados, como são os casos de Brasil e México, o crime passa a valer-se do terrorismo e complexifica sua estrutura comercial – decorrente dos recursos que a era da informação oferece –, além de ensaiar discurso de ordem política.

Lembrando que a escolha do caso mexicano posto em perspectiva com o estudo do cenário brasileiro é um esforço preliminar no sentido de experimentar a hipótese de trabalho que enxerga o narcotráfico e seus expedientes de lavagem de dinheiro como sendo não apenas fontes de financiamento do terrorismo no mundo, mas sobretudo como fenômenos (terrorismo e narcotráfico) capazes de se manifestarem através de único ator social – traficantes de drogas incorporando práticas terroristas. Causando com isso um verdadeiro desafio teórico para os trabalhos que sempre enxergaram ou insistem em ver o terrorismo como uma manifestação “pura” de uso da violência, pois valem-se das categorias jurídicas para diferenciá-lo do crime comum.

Encerro esse ensaio sem uma conclusão propriamente dita, no lugar deixo, entretanto, um ponto a ser debatido em trabalho de maior alcance: no contexto brasileiro, podemos afirmar que o terrorismo foi um recurso utilizado pelo narcotráfico quando os mecanismos de corrupção se mostravam insuficientes na defesa dos interesses em questão? Ou seja, aumentar o poder de barganha dos líderes traficantes presos, cujas regalias e possibilidades de comandar suas facções diretamente do cárcere encontravam-se sob risco operacional? No caso mexicano, seria preciso um estudo mais consistente para validar uma hipótese sobre essa correlação. Porém uma reflexão que destaque o fundamento dessa correlação atual entre terrorismo e narcotráfico, acreditamos, trará novidades para as discussões no âmbito da segurança pública e defesa nacional.

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