segunda-feira, 9 de agosto de 2010

- Mas o que aconteceu?
- Entreguei para uma garota, perto do parque.
Becker sentiu as pernas ficarem bambas. Não é possível!
Rodo sorriu timidamente e apontou para o alemão.
- Él queria guardarlo. Ele queria que eu o guardasse, mas eu disse que não.
Tenho sangue cigano, e nós, além de termos os cabelos vermelhos, somos muito supersticiosos. Um anel dado por um homem que está morrendo traz azar.
- Você conhecia a garota? - perguntou Becker.
Rodo arregalou os olhos.
- Vaya. Você realmente quer esse anel, não é?
Becker concordou, abatido.
- Para quem você deu o anel?
O enorme alemão continuava sentado na cama, perplexo. Sua noitada romântica estava sendo arruinada, e ele não tinha idéia do que estava acontecendo.
- Was passiert? O que está acontecendo? - perguntou, ainda nervoso. Becker ignorou-o.
- Tentei vendê-lo, mas a garota não tinha dinheiro. Acabei dando o anel para ela. Claro que, se soubesse de sua generosa oferta, eu o teria guardado para você.
- Por que você saiu do parque? - perguntou Becker. - Uma pessoa tinha morrido. Por que você não esperou pela polícia para entregar o anel para eles?
- Há muitas coisas que desejo, senhor Becker, mas problemas não estão em minha lista. Além disso, aquele velho parecia ter total controle da situação.
- O canadense?
- Sim. Ele chamou a ambulância, então decidimos partir. Não vi motivos para me envolver ou deixar que meu cliente se visse envolvido com a polícia.
Becker continuava aturdido. Ainda tentava digerir essa inesperada virada do destino. Ela deu o maldito anel!
- Tentei ajudar o homem que estava morrendo - explicou Rodo. - Mas ele não parecia querer ajuda. Começou com essa história do anel, não parava de empurrá-lo em nossas caras. Seus dedos eram deformados, e ele ficava apontando para cima. Estendia sua mão em nossa direção, para que pegássemos o anel.
Eu não queria, mas meu amigo aqui finalmente o pegou. Depois o sujeito morreu.
- E você tentou uma massagem cardíaca? - perguntou Becker.
- Não. Ninguém tocou nele. Meu amigo ficou assustado. Ele é grande, mas covarde. - Ela sorriu de forma sedutora para Becker. - Não se preocupe, ele não fala uma palavra de espanhol.
Becker contraiu o rosto. Continuava intrigado com a mancha azulada que havia visto no peito de Tankado.
- Os para-médicos tentaram uma ressuscitação?
- Não tenho idéia. Como acabei de dizer, saímos antes que chegassem.
- Você quer dizer: saíram após roubar o anel- disse Becker, com desdém. Rodo olhou para ele, quase ofendida.
- Não roubamos o anel. O homem estava morrendo. Suas intenções eram claras. Atendemos seu último desejo.
Becker relaxou um pouco. Rodo estava certa, ele provavelmente teria feito a mesma coisa.
- Mas você tinha que dar o anel para a primeira pessoa que encontrou?
- Já disse que aquele anel me deixava nervosa. A garota estava com um monte de jóias, achei que iria gostar do anel.
- E ela não viu nada de estranho nisso? Você chegar do nada e lhe dar um anel?
- Não. Eu lhe disse que havia encontrado o anel no parque. Achei que fosse me oferecer dinheiro em troca, mas não me deu nada. Não importava, eu sé queria me livrar dele.
- A que horas foi isso?
- Hoje à tarde. Cerca de uma hora depois de termos pegado o anel.
Becker olhou para o relógio. Eram l1h08 da noite. A pista estava fria, já haviam se passado oito horas. Que diabo ainda estou fazendo aqui? Deveria estar descansando nas montanhas. Ele suspirou e fez a única pergunta em que ainda podia pensar:
- Como era essa garota?
- Era uma punk - disse Rodo.
- Punk?
- Isso, uma punk. Mucha joyería. Muitas jóias. Um brinco estranho em uma orelha. Acho que era uma caveira.
- Há punks em Sevilha?
Rodo sorriu.
- Todo bajo el sol. Tudo que houver sob o sol. - Esse era o slogan do Ofício de Turismo de Sevilha.
- Ela lhe disse seu nome?
-Não.
- Disse para onde estava indo?
- Não. Falava espanhol muito mal.
- Então não era espanhola? - perguntou Becker.
- Não. Talvez inglesa. Estava usando um cabelo estranho, pintado de vermelho, branco e azul.
Becker espantou-se, imaginando a figura bizarra.
- Não poderia ser americana? - perguntou.
- Acho que não. Estava usando uma camiseta que se parecia com a bandeira da Inglaterra.
- Certo. Temos então: cabelo vermelho, branco e azul, uma camiseta com a bandeira da Inglaterra e uma caveira como brinco. Mais alguma coisa?
- Nada, só uma punk normal.
Punk normal? De onde Becker vinha, quase todos usavam agasalhos com o emblema da universidade e cortes de cabelo tradicionais. Mal podia visualizar a figura que Rodo estava descrevendo.
- Há mais alguma coisa de que você possa se lembrar?
Rodo pensou por algum tempo.
- Não, isso é tudo.
Nesse instante ouviram um rangido alto, vindo da cama. O cliente de Rodo estava inquieto. Becker virou-se para ele e falou, em alemão:
- Noch et was? Mais alguma coisa? Algo que possa me ajudar a encontrar a roqueira punk com o anel?
Houve um longo silêncio, como se o gigante quisesse dizer algo, mas não soubesse muito bem como. Seus lábios começaram a se mover, depois pararam, e finalmente ele falou. As palavras que saíram de sua boca definitivamente eram em inglês, mas quase não era possível entendê-las por baixo daquele forte sotaque alemão.
- Fock off.
Becker olhou para ele, surpreso. - Como?
- Fock off - repetiu o homem, batendo sua palma esquerda contra o roliço antebraço direito, uma aproximação grosseira do gesto italiano para "vá se foder':
Becker estava cansado demais para se ofender com o que quer que fosse. Me foder? O que aconteceu com El Covardón? Virou-se para Rodo e disse, em espanhol:
- Acho que meu tempo se esgotou.
- Não se preocupe com ele - disse ela rindo. - Está apenas um pouco frustrado. Mas ele vai receber aquilo que quer. - Ela sacudiu os cabelos e piscou.
- Mais alguma coisa? Qualquer coisa que possa me ajudar? - insistiu Becker. Rodo balançou a cabeça.
- Não. Mas você nunca irá encontrá-la. Sevilha é uma cidade grande, pode ser muito traiçoeira.
- Vou fazer o melhor possível. - É uma questão de segurança nacional...
- Se não conseguir, volte aqui - disse Rodo, olhando para o grosso envelope no bolso de Becker. - Meu amigo estará dormindo, com toda a certeza. Bata devagar. Eu encontrarei um quarto extra onde possamos ficar. Você verá um lado da Espanha que jamais irá esquecer - falou, maliciosamente.
Becker se esforçou para retribuir com um sorriso gentil.
- Tenho que ir. - Pediu desculpas ao alemão por ter atrapalhado sua noite. O gigante sorriu, timidamente.
- Keine Ursache.
Becker saiu e puxou a porta. Sem problemas? O que aconteceu com o "vá se foder"?
CAPÍTULO
36
Cancelamento manual? Susan olhava para sua tela, atônita.
Ela tinha certeza de que não havia digitado nenhum comando para um cancelamento manual, pelo menos não intencionalmente. Tentou pensar se teria digitado um comando por acidente.
Impossível, murmurou. De acordo com o histórico, o comando para cancelamento fora enviado há menos de 20 minutos. A única coisa que Susan havia digitado nesse intervalo era seu código pessoal quando saiu para falar com o comandante, o que jamais poderia ser interpretado como um cancelamento.
Mesmo sabendo que era uma total perda de tempo, ela abriu o histórico de seu ScreenLock para verificar se o código pessoal havia sido digitado correctamente. Obviamente que sim.
- Então de onde - perguntou ela, irritada -, de onde essa coisa conseguiu tirar um cancelamento manual?Ainda irritada, fechou a tela do ScreenLock. Contudo, naquele pequeno instante em que a janela se fechava, uma coisa chamou sua atenção. Ela abriu novamente a janela e analisou os dados. Não faziam sentido. Havia uma entrada para o lock - travamento - correspondente à hora em que ela deixou o Nodo 3, mas a hora do comando de unlock - destravamento - parecia estranha. Segundo os registros, havia uma diferença de apenas dois minutos entre as duas entradas. Susan tinha certeza de que a conversa com o comandante tinha demorado mais do que isso.
Ela continuou examinando a página e o que viu deixou-a desnorteada. Havia duas outras entradas, cinco minutos depois, de um lock seguido por um unlock. De acordo com o histórico, alguém havia destravado seu terminal enquanto ela estava fora da sala.
"Impossível!”, exclamou Susan. A única pessoa que ficou lá foi Greg Hale, e Susan tinha certeza absoluta de que não tinha dado seu código pessoal a ele. Seguindo os procedimentos adequados de criptografia, ela escolhera um código aleatório e nunca o escreveu em lugar algum. Era completamente impossível que Hale tivesse adivinhado a seqüência alfanumérica correcta - o número de combinações possíveis era 36 elevado à quinta potência, ou seja, mais de 60 milhões de possibilidades.
Mas as entradas do histórico do ScreenLock eram bastante claras. Susan continuou olhando para a tela, pensativa. De alguma forma, Hale tinha usado seu terminal enquanto ela estava do lado de fora. Só ele poderia ter dado um comando manual de cancelamento para o tracer.
As perguntas sobre como rapidamente deram lugar às perguntas sobre por quê? Hale não tinha nenhum motivo para invadir seu terminal. Nem mesmo sabia que Susan estava executando um tracer. E mesmo se soubesse, pensou, por que iria se importar com o facto de ela estar procurando um sujeito chamado North Dakota?
As perguntas sem resposta se multiplicavam em sua mente.
Melhor começar pelo começo, pensou. Iria lidar com Hale em seguida. Concentrando-se no problema que tinha em mãos, Susan enviou novamente seu tracer. O terminal emitiu um bipe e uma mensagem foi exibida no monitor:
TRACER ENVIADO
Susan sabia que o programa levaria algumas horas até retomar. Ela amaldiçoou Hale, tentando imaginar como ele teria obtido o código pessoal dela e que interesse teria no tracer.
Susan levantou-se e foi rapidamente até o terminal de Hale. A tela estava preta, mas ela podia ver que o terminal não havia sido travado - o monitor exibia um leve brilho nas bordas. Os criptógrafos raramente travavam seus terminais, excepto quando deixavam o Nodo 3 à noite. Em vez disso, simplesmente reduziam o brilho de seus monitores - uma convenção conhecida por todos e parte do código de honra de que ninguém deveria mexer no terminal.
Susan sentou-se em frente ao terminal de Hale.
Dane-se o código de honra, pensou em voz alta. Que diabos você está querendo? Olhando rapidamente para o salão deserto da Criptografia, Susan retomou ao normal o brilho do monitor de Hale. A tela, contudo, estava inteiramente vazia. Susan olhou para ela, pensativa. Sem saber muito bem como proceder, chamou um programa de pesquisa de dados e digitou:
PESQUISAR: "TRACER"
As chances de que isso funcionasse eram pequenas, mas, se houvesse qualquer referência a seu tracer no computador de Hale, ela iria encontrá-la. Poderia ajudar a explicar por que ele havia decidido abortar o programa. Segundos depois, o resultado foi exibido:
NENHUM ITEM ENCONTRADO
Susan pensou um pouco, sem nem mesmo saber exactamente o que estava procurando. Tentou novamente.
PESQUISAR: "SCREENLOCK"
O programa retomou uma pequena lista de referências sem importância. Nada que indicasse que Rale tinha uma cópia do código pessoal de Susan em seu computador.
Ela suspirou. Então quais são os programas que ele esteve usando hoje? Foi até o menu de "aplicativos recentes" de Rale para ver qual o último programa que ele havia usado. Era o programa de e-mail. Susan procurou no disco rígido de Rale e acabou encontrando sua pasta de e-mails discretamente escondida dentro de alguns outros diretórios. Ela a abriu e outras pastas surgiram. Aparentemente, Rale tinha diversas identidades e contas de e-mail. Susan notou, sem se surpreender, que uma delas era uma conta anônima. Ela abriu o directório, clicou em uma das mensagens recebidas e leu o conteúdo.
Levou um susto. O texto da mensagem dizia:
PARA: NDAKOTA@ara.anon.org
DE: ET@doshisha.edu
GRANDES PROGRESSOS! FORTALEZA DIGITAL ESTÁ QUASE PRONTO.
ESSE PROGRAMA IRÁ FAZER COM QUE A NSA VOLTE DÉCADAS ATRÁS!
Como se estivesse em um sonho, Susan leu a mensagem várias vezes, sem acreditar. Depois, tremendo, abriu uma outra.
PARA: NDAKOTA@ara.anon.org
DE: ET@doshisha.edu
A FUNÇÃO DE MENSAGEM CLARA CIRCULAR FUNCIONA!
CADEIAS DE CARACTERES MUTANTES SÃO A RESPOSTA!
Era impensável. No entanto, lá estava a prova. E-mails de Ensei Tankado. Ele havia escrito diversas vezes para Greg Rale. Os dois estavam trabalhando juntos. Susan ficou paralisada, defrontando-se com a terrível verdade à sua frente, no terminal.
Greg Rale é NDAKOTA?
Os olhos de Susan se fixaram na tela. Sua mente tentava desesperadamente encontrar outra explicação, mas não havia nenhuma. Aquilo era uma prova, directa e sem recurso possível. Tankado havia usado cadeias de caracteres mutantes para criar uma função de mensagem clara circular e Hale havia conspirado com ele para acabar com a NSA.
Não é possível, pensou Susan. Mas sua conversa recente com Hale ecoava em sua mente: Tankado e eu trocamos alguns e-mails... Alguma hora vou cair fora daqui.
Ainda assim, Susan não podia aceitar o que estava vendo. Greg podia ser grosseiro e arrogante, mas isso não fazia dele um traidor. Ele sabia o que o Fortaleza Digital faria com a NSA. Não é possível que estivesse envolvido em uma trama para lançá-lo na Internet!
Susan pensou, contudo, que não havia nada que o impedisse. Nada a não ser a honra e a decência. Ela pensou no algoritmo Skipjack. Greg Hale já havia arruinado os planos da NSA daquela vez. O que o impediria de tentar novamente?
Mas Tankado, por que uma pessoa tão paranóica quanto ele iria confiar em alguém tão imprevisível quanto Hale?
Nada daquilo importava naquele instante. O fundamental era falar com Strathmore. Por uma coincidência irônica, o parceiro de Tankado estava bem ali, na frente deles. Ela ficou imaginando se Hale já sabia que Tankado estava morto.
Começou a fechar rapidamente os e-mails de Hale para deixar o terminal exactamente como ele o havia encontrado. Ele não podia suspeitar de nada, ainda não. A chave do Fortaleza Digital provavelmente estava ali mesmo, escondida naquele computador.
Exactamente quando Susan fechava os últimos arquivos, uma sombra passou por fora da janela do Nodo 3. Ela olhou rapidamente para trás e viu que Hale se aproximava. Sentiu a adrenalina aumentar. Ele estava quase na porta.
Mas que droga, pensou, irritada, calculando a distância que a separava de sua cadeira. Sabia que não chegaria a tempo; Hale estava bem próximo.
Sua mente disparou, percorrendo o Nodo 3 à procura de opções. As portas atrás dela fizeram um clique e em seguida o mecanismo de abertura entrou em ação. Seu instinto prevaleceu e, afundando os pés no tapete, deslizou em passos largos e rápidos na direcção da despensa. Quando as portas se abriram, Susan havia chegado até a geladeira, abrindo-a com um puxão forte. Um jarro de vidro que estava em cima ameaçou cair, balançou um pouco e parou no mesmo lugar.
- Com fome? - perguntou Hale, entrando no Nodo 3 e andando na direção dela. Sua voz era calma e levemente sedutora. - Quer dividir um pouco de tofu?
Susan expirou e virou-se para ele.
- Não, obrigado. Acho que eu vou ... - mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Ela ficou branca.
Hale olhou-a, sem entender.
- O que há de errado?
Susan mordeu o lábio e encarou-o.
- Nada - conseguiu dizer. Mas era mentira. Um pouco mais à frente, a tela do terminal de Hale estava acesa. Ela se esquecera de reduzir o brilho.
CAPÍTULO
37
De volta ao saguão do Alfonso XIII, Becker, cansado, dirigiu-se até o bar. Um barman nanico colocou um guardanapo à sua frente.
- Qué bebe Usted? O que você quer beber?
- Nada, obrigado - disse Becker. - Você sabe se há algum clube na cidade para roqueiros punk?
O barman olhou para ele com estranheza.
- Clubes? Para punks?
- Sim. Há algum lugar na cidade onde eles costumem se juntar?
- No lo sé, señor. Não sei. Mas certamente não seria aqui! - sorriu. - Então, que tal uma bebida?
Becker teve vontade de sacudir o homem. Nada estava saindo da forma como ele havia planejado.
- Deseja beber algo? - repetiu o barman. - Fino? Jerez?
Ao fundo ouvia-se música clássica. Concerto de Brandenburgo, pensou Becker. Número quatro. Ele e Susan viram a orquestra de câmara da Academy of St. Martin in the Fields tocar os concertos de Brandenburgo na universidade, no ano anterior. Becker desejou que a namorada estivesse com ele naquele momento. Um leve sopro vindo de uma saída de ar-condicionado acima dele fez com que se lembrasse de como estava a temperatura lá fora. Teria que andar pelas ruas infernais e cheias de drogados de Triana procurando uma punk usando uma camisa com a bandeira da Inglaterra. Pensou em Susan outra vez.
- Zumo de arándano - ouviu sua própria voz dizer mecanicamente. - Suco de mirtilo.
O barman ficou confuso.
- Solo? - O suco de mirtilo era popular nos drinques da Espanha, mas tomá-lo sozinho era inusitado.
- Sí. Solo.
- Echo un poco de Smirnoff? - insistiu o barman. - Um pouco de vodca?
- No, gracias.
- Gratis? Por conta da casa?
Com o cérebro latejando, Becker pensou nas ruas sujas de Triana, no calor sufocante e na longa noite que tinha pela frente.
- Sí, échame un poco de vodca - concordou.
O barman pareceu ter ficado feliz com a resposta e virou-se para preparar o drinque. Becker percorreu com os olhos o balcão ornamentado do bar pensando se estava sonhando. Qualquer coisa faria mais sentido do que a verdade.
Sou um professor universitário em uma missão secreta.
O barman retomou, fez um ligeiro floreio e lhe entregou o drinque.
- A su gusto, señor. Mirtilo com um pouco de vodca.
Becker agradeceu e pegou o drinque. Tomou um gole e engasgou-se. Isso é um pouco?
CAPÍTULO
38
Hale parou na metade do caminho para a despensa do Nodo 3 e ficou olhando para Susan.
- Algo de errado, Sue? Você me parece estranha.
Susan lutou contra o medo que tomava conta dela. A três metros de distância, o monitor de Hale cintilava.
- Eu estou... estou bem - conseguiu dizer, trêmula.
Hale continuava olhando para ela sem entender.
- Você quer um copo de água?
Susan não conseguiu responder e xingou a si mesma. Droga! Como pude me esquecer de reduzir o brilho daquele monitor? Se Hale percebesse que ela havia bisbilhotado seu terminal poderia suspeitar também de que ela conhecia sua verdadeira identidade: North Dakota. Tinha medo de que ele chegasse a extremos para manter aquela informação em segredo.
Susan pensou se deveria correr para a porta. Mas não pôde sequer tentar. Subitamente alguém começou a bater no vidro. Ela e Hale se assustaram. Era Chartrukian. Estava socando o vidro novamente com as mãos suadas. Pela sua expressão, parecia ter visto o fim do mundo.
Hale olhou com cara feia para o SegSis enlouquecido do outro lado do vidro, depois voltou-se para Susan.
- Já volto. Tome algo, você parece pálida. - Ele se virou e saiu.
Susan se recompôs e foi rapidamente até o terminal de Hale. Inclinou-se e ajustou os controles de brilho. O monitor voltou a ficar escuro.
Sua cabeça latejava. Tentou ver o que estava acontecendo lá fora, no salão da Criptografia. Pelo visto, Chartrukian não tinha ido para casa. O jovem SegSis parecia em pânico, contando o que descobrira para Greg Hale. Susan sabia que não importava, pois Greg já sabia de tudo.
Tenho que chegar até Strathmore, pensou. E rápido.
CAPÍTULO
39
No quarto 301, Rocío Eva Granada estava nua em frente ao espelho. Aquele era o momento no qual tentara não pensar durante todo o dia. O alemão estava na cama esperando por ela. Ele era o cliente mais gordo que já havia atendido.
Relutantemente, pegou uma pedra gelo que estava no balde de champanhe e esfregou-a em seus mamilos, enrijecendo-os. Esse era seu dom: fazer os homens se sentirem desejados. Era isso que fazia com que eles voltassem. Percorreu com as mãos seu corpo delineado e bronzeado. Esperava que ele agüentasse os três ou quatro anos que ainda precisava trabalhar antes que pudesse parar. O señor Roldán ficava com a maior parte de seu pagamento, mas, se não fosse por ele, ela sabia que acabaria como as outras prostitutas, pegando bêbados em Triana. Ao menos seus clientes tinham dinheiro. Nunca batiam nela e se satisfaziam com pouco. Ela colocou sua lingerie, respirou fundo e abriu a porta do banheiro.
Quando Rodo entrou no quarto, o alemão arregalou os olhos. Ela estava usando um robe preto. Sua pele macia, cor de avelã, parecia radiante na luz suave e seus mamilos protuberantes transpareciam sob o tecido leve.
- Komm doch hierher - disse ele, avidamente, retirando o roupão e deitando-se de costas.
Rodo deu um sorriso forçado e foi em direcção à cama. Olhou discretamente para o enorme alemão. Soltou um risinho de satisfação: ele tinha um pau pequeno.
Ele a segurou e arrancou fora o robe. Seus dedos gorduchos agarravam cada pedaço de seu corpo. Ela se jogou por cima dele, gemendo e esfregando seu corpo, fingindo estar excitada. Quando ele se virou para ficar por cima dela, Rodo ficou com medo de ser esmagada. Tentava encontrar espaço para respirar, torcendo para que aquilo terminasse logo.
- Sí, sí - gemeu ela diante das investidas do alemão. Cravou as unhas nas costas dele para demonstrar desejo. Pensamentos aleatórios cruzavam sua mente: as faces dos muitos homens com quem já estivera, tectos que observara durante horas no escuro, o sonho de ter filhos...
Subitamente o corpo do alemão arqueou-se, enrijeceu-se e logo em seguida caiu por cima dela. Isso é tudo?, pensou, surpresa e aliviada.
Tentou sair debaixo dele.
- Querido - sussurrou -, me deixa ficar por cima. - Mas o homem não se movia.
Ela moveu seus braços e empurrou seus ombros carnudos. .
- Querido, eu... eu não estou conseguindo respirar! - Começou a ficar tonta, sem ar. Sentiu uma pressão enorme sobre seus quadris, como se fossem quebrar. - Despiértate! - Seus dedos instintivamente começaram a puxar os cabelos do homem. - Acorda, vamos!
Foi então que ela sentiu um líquido quente e gosmento. Estava impregnado nos cabelos dele, escorria pelas bochechas dela, caindo em sua boca. Tinha um gosto salgado. Ela se remexeu vigorosamente sob o peso do homem. Acima dela, um estranho raio de luz iluminou o rosto contorcido do alemão. O buraco de bala em sua testa fazia o sangue jorrar sobre ela. Tentou gritar, mas não havia ar em seus pulmões. O peso do homem era esmagador. Já meio delirante, ela se arrastou em direcção ao raio de luz que vinha da porta. Viu uma mão. Uma arma com silenciador. Um clarão. Depois não viu mais nada.
CAPÍTULO
40
Do lado de fora do Nodo 3, Chartrukian parecia desesperado. Estava tentando convencer Hale de que o TRANSLTR estava com problemas sérios. Susan passou correndo por eles com uma única coisa em mente encontrar Strathmore.
O SegSis, em pânico, segurou o braço de Susan.
- Senhorita Fletcher! Temos um vírus! Eu tenho certeza absoluta! Você tem que...
Susan soltou seu braço com um puxão e olhou para ele, enfezada.
- Achei que o comandante tivesse dito para você ir para casa.
- Mas e o monitor de execução?! Está registrando 18 horas...
- O comandante Strathmore disse que você deveria ir para casa!
- Foda-se Strathmore! - gritou Chartrukian, suas palavras ressoando pelo domo.
Uma voz grave ecoou, vinda de cima:
- Sr. Chartrukian?
Os três funcionários da Criptografia pararam, congelados. Strathmore estava de pé na plataforma de metal que ficava do lado de fora e um pouco acima de seu escritório.
Por alguns instantes, o único som dentro do domo era o zumbido grave e cíclico dos geradores abaixo do solo. Susan tentou desesperadamente atrair o olhar de Strathmore. Comandante! Hale é North Dakota!
Mas Strathmore olhava fixamente para o jovem SegSis. Ele desceu a escada sem piscar, encarando Chartrukian o tempo todo. Atravessou o salão da Criptografia e parou a 15 centímetros do técnico, que agora tremia visivelmente.
- O que você disse?
- Senhor, o TRANSLTR está com problemas - disse Chartrukian, gaguejando.
- Comandante? - interrompeu Susan. - Será que eu poderia... Strathmore fez sinal para que ela se calasse. Seus olhos continuavam fixos no SegSis.
Phil continuou, atrapalhando-se com as palavras:
- Temos um arquivo infectado, senhor. Eu tenho certeza!
O rosto de Strathmore ficou vermelho.
- Senhor Chartrukian, já tivemos essa conversa. Não há arquivo algum infectando o TRANSLTR!
- Sim, há algo lá! - insistiu o outro. - E se conseguir abrir caminho até o banco de dados principal....
- E onde está esse arquivo infectado? - rugiu Strathmore. - Mostre-me! Chartrukian hesitou:
- Não posso.
- Claro que não! O arquivo não existe!
Susan fez outra tentativa.
- Comandante, eu preciso...
Novamente, Strathmore fez um sinal ríspido para que se calasse.
Susan olhava para Hale, nervosa. Ele parecia estar observando tudo com um ar superior e distante. Faz sentido, pensou ela. Hale não estaria preocupado com um vírus. Ele sabe o que está acontecendo de fato dentro do TRANSLTR.
Chartrukian era persistente.
- O arquivo infectado existe, senhor. Mas o Gauntlet não o pegou.
- Se o Gauntlet não o pegou, como você pode saber que ele existe? - disse Strathmore, enfurecido.
Chartrukian respondeu, agora mais confiante:
- Cadeias de caracteres mutantes, senhor. Fiz uma análise completa e encontrei cadeias de caracteres mutantes.
Susan podia entender agora por que o técnico estava tão preocupado. Cadeias de caracteres mutantes, pensou. Seqüências de códigos de programação capazes de corromper dados de formas extremamente complexas. Eram muito comuns em vírus de computador, em particular nos vírus que alteravam grandes blocos de dados. Susan também sabia, pelo que Tankado havia dito no e-mail, que as cadeias de caracteres mutantes encontradas por Chartrukian eram inofensivas e faziam parte do código do Fortaleza Digital.
O SegSis foi em frente.
- Quando encontrei as cadeias pela primeira vez, senhor, pensei que os filtros do Gauntlet haviam falhado. Mas então executei alguns testes e descobri que... - ele fez uma pausa, sentindo-se bastante constrangido. - Eu descobri que alguém havia ordenado manualmente que o Gauntlet fosse contornado.
Sua última declaração gerou um profundo silêncio. O rosto de Strathmore ficou mais vermelho ainda. Não havia dúvida sobre quem Chartrukian estava acusando. Em toda a Criptografia, apenas o terminal de Strathmore possuía o nível de acesso necessário para ordenar que os filtros do Gauntlet fossem contornados.
Então com voz gélida e cortante, Strathmore falou:
- Senhor Chartrukian, isso definitivamente não é problema seu, mas fui eu que ordenei que o Gauntlet fosse contornado - continuou, no limite da irritação, quase perdendo o controle. - Como lhe disse antes, estou executando um diagnóstico muito avançado. As cadeias de caracteres mutantes que você está vendo no TRANSLTR são parte desse diagnóstico. Estão lá porque eu as coloquei lá. O Gauntlet não permitiu que eu carregasse o arquivo, então ordenei que seus filtros fossem contornados. - O olhar de Strathmore concentrou-se sobre Chartrukian como um par de lasers. - Há algo mais que você queira dizer antes de partir?
Agora tudo estava claro para Susan. Quando Strathmore baixou da Internet o algoritmo encriptado do Fortaleza Digital e tentou usar o TRANSLTR para descodificá-lo, as cadeias de caracteres mutantes activaram os filtros do Gauntlet. Ansioso para saber se o Fortaleza Digital era realmente indecifrável ou não, Strathmore decidiu contornar os filtros.
Em uma situação normal, ordenar que o Gauntlet fosse contornado era impensável. Naquele caso específico, contudo, não havia perigo algum, pois o comandante sabia exactamente o que era o arquivo e de onde vinha.
- Com todo o respeito, senhor, nunca ouvi falar de um diagnóstico que utilize cadeias de caracteres mutan... - protestou Chartrukian.
- Comandante, eu realmente preciso... - interrompeu Susan, ansiosa para ter uma oportunidade de conversar a sós com ele.
Desta vez suas palavras foram cortadas pelo som agudo do celular de Strathmore. O comandante pegou o aparelho.
- Quem é? - gritou. Depois ficou em silêncio e ouviu o que estavam dizendo do outro lado da linha.
Susan esqueceu-se de Hale por alguns instantes. Ela desejava que fosse David ligando. Diga-me que ele está bem. Diga-me que encontrou o anel! Mas Strathmore viu seu olhar e balançou discretamente a cabeça. Não era David.
Susan sentiu-se desmoronar. Tudo que ela queria saber era se o homem que amava estava a salvo. Strathmore - ela supunha - estava impaciente por outras razões: se David demorasse muito, ele teria que mandar reforços: agentes da NSA. Era um jogo que ele certamente queria evitar.
- Comandante? - disse Chartrukian, com urgência em sua voz. - Eu realmente acho que deveríamos verificar...
- Só um instante - disse Strathmore à pessoa do outro da linha. Cobriu o fone e lançou um olhar feroz para o jovem SegSis. - Sr. Chartrukian, esta discussão está terminada. Você deve sair da Criptografia. Agora. Isto é uma ordem - vociferou.
Chartrukian ficou paralisado.
- Mas, senhor, as cadeias de caracteres mut...
- AGORA! - berrou Strathmore.
Chartrukian olhou para ele por um segundo, sem fala. Depois saiu furioso na direção do laboratório de SegSis.
Strathmore então virou-se e olhou para Hale com curiosidade. Susan entendeu por que o comandante estava tão espantado. Hale havia ficado absolutamente quieto. Demasiadamente quieto, na verdade, embora soubesse muito bem que não havia nenhum diagnóstico que usasse cadeias de caracteres mutantes, muito menos um que pudesse manter o TRANSLTR ocupado durante 18 horas. Ainda assim, Hale não havia emitido um som. Parecia completamente indiferente àquela agitação toda. Strathmore obviamente estava pensando por quê. E Susan tinha a resposta.
- Comandante, se eu pudesse falar com o senhor - insistiu ela.
- Me dê apenas um minuto - respondeu, ainda olhando para Hale com curiosidade. - Preciso responder a essa chamada. - Em seguida, foi para o seu escritório.
Susan chegou a abrir a boca, mas as palavras ficaram presas na ponta da língua. Hale é North Dakota! Ela ficou em pé, dura, incapaz de respirar. Sentiu que Hale a olhava. Virou-se. Ele deu um passo para trás e fez um gesto gentil, apontando para a porta do Nodo 3.
- As damas primeiro, Sue.
CAPÍTULO
41
Dentro de um armário de limpeza no terceiro andar do Alfonso XIII, uma arrumadeira jazia inconsciente no chão. O homem com óculos de armação de metal estava recolocando uma chave-mestra no bolso dela. Ele não havia ouvido seu grito quando a atingiu, nem poderia: era surdo desde os 12 anos.
Ele colocou a mão no pequeno dispositivo rectangular que carregava em seu cinto com uma espécie de reverência. Aquela máquina, que tinha sido um presente de um cliente, havia mudado sua vida. Agora podia ser contactado em qualquer parte do mundo. Todas as comunicações chegavam até ele instantaneamente e era impossível rastreá-las.
Ficou satisfeito quando activou a unidade e a tela embutida em seus óculos voltou a ser exibida. Mais uma vez seus dedos fizeram pequenos gestos no ar e ele começou a inserir os dados.
Como sempre, havia anotado o nome de suas vítimas - era uma informação fácil de obter, bastava procurar dentro de uma carteira ou bolsa. As letras surgiram nas lentes de seus óculos como se flutuassem no ar.
ALVO: ROCÍO EVA GRANADA - ELIMINADA
ALVO: HANS HUBER – ELIMINADO
Lá embaixo, David Becker pagou sua conta e andou pelo saguão do hotel, segurando o copo com o que sobrara do seu drinque. Foi até a varanda pegar um pouco de ar fresco. Entrar e sair, pensou consigo mesmo. As coisas não tinham acontecido como esperava. Tinha uma decisão a tomar: deveria desistir e voltar para o aeroporto? Uma questão de segurança nacional. Ele praguejou. Por que, então, enviaram um professor universitário?
Becker certificou-se de que o barman não podia vê-lo e jogou o resto do drinque em um jarro com jasmins. A vodca o deixara ligeiramente tonto. A pessoa mais fácil de embebedar de todos os tempos, Susan costumava dizer. Encheu o pesado copo de cristal em um bebedouro e tomou um longo gole de água.
Esticou-se algumas vezes, tentando expulsar o leve torpor que tomara conta dele. Então deixou o copo em um canto e atravessou o saguão.
Quando passou pelo elevador, suas portas se abriram. Havia um homem dentro. Tudo que Becker viu foram óculos de metal com grossas lentes. O homem pegou um lenço e assoou o nariz. Becker sorriu educadamente e andou em direção à porta, saindo do hotel para o calor sufocante da noite de Sevilha.
CAPÍTULO
42
Dentro do Nodo 3, Susan andava freneticamente de um lado para o outro. Queria ter denunciado Hale quando teve oportunidade.
Ele sentou-se em seu terminal.
- O stress mata, Sue. Você quer desabafar?
Susan fez um esforço e sentou-se. Ela achava que, a essa altura, Strathmore já teria terminado a ligação e estaria vindo falar com ela, mas ele não apareceu. Olhou para o terminal, tentando manter a calma. O tracer ainda estava sendo executado. Já não importava mais, pois ela sabia qual o endereço que o programa encontraria: GHALE@cripto.nsa.gov.
Susan olhou de relance para o terminal de Hale. Ela não podia esperar mais, era melhor interromper a ligação do comandante. Levantou-se e foi andando em direcção à porta.
Hale pareceu não se sentir muito confortável com esse comportamento estranho de Susan e também se levantou, chegando à porta antes dela. Cruzou os braços e ficou no meio do caminho, bloqueando a saída.
- Susan, me diga o que está acontecendo - ele perguntou. - Tem alguma coisa anormal aqui hoje. O que é?
- Deixe-me sair - disse Susan, da forma mais tranqüila possível, embora estivesse se sentindo ameaçada.
- Vamos, me conte - insistiu Hale. - Strathmore praticamente demitiu Chartrukian por estar fazendo seu trabalho. O que está rodando dentro do TRANSLTR? Não temos nenhum diagnóstico que demore 18 horas. Isso é besteira e você sabe disso. Então me diga o que está acontecendo.
Susan olhou para Hale, possessa. Você sabe muito bem o que está acontecendo! - Saia da frente, Greg - exigiu. - Preciso ir ao banheiro.
Hale sorriu ironicamente. Ficou parado por algum tempo, depois abriu caminho. - Está bem, Sue. Só estou tentando entender...
Susan abriu caminho e saiu do Nodo 3. Quando passou pela porta de vidro, pôde sentir os olhos de Hale acompanhando seus passos.
Contrariada, dirigiu-se ao banheiro. Seria preciso fazer um desvio antes de chegar até o comandante Strathmore.
CAPÍTULO
43
Chad Brinkerhoff tinha 45 anos. Bem-vestido, bem-cuidado e bem-informado, fazia o tipo dinâmico e animado. Sua pele bronzeada, assim como o terno impecavelmente passado, não tinha uma ruga. Seus cabelos eram louros e cheios - todos seus! -, e seus olhos, de um azul brilhante, sutilmente realçados pelo pequeno artifício das lentes de contato coloridas.
Chad estava sentado, olhando para seu escritório e pensando que sua carreira na NSA já tinha chegado ao auge. A sala dele ficava no nono andar, conhecido como Mahogany Row, a "ala de mogno': por seus escritórios luxuosos com móveis e estantes de madeira. A ala da directoria.
Era sábado à noite, e Mahogany Row estava quase totalmente deserta. Seus executivos já tinham saído há muito tempo e deviam estar se divertindo com um desses passatempos que as pessoas influentes adoram. Brinkerhoff sempre sonhou com um cargo "de verdade" na agência, mas acabou se tornando um "assistente pessoal' que era o nome oficial para o cargo de puxa-saco na impiedosa corrida pela ascensão política. O facto de estar trabalhando lado a lado com o homem mais poderoso de toda a comunidade de inteligência americana não era grande consolo. Brinkerhoff havia se graduado com honras em Andover e Williams, mas lá estava ele, na meia-idade, sem nenhum poder real, nenhum desafio verdadeiro. Passava seus dias organizando a agenda de outra pessoa.
Naturalmente o cargo de assistente pessoal do director lhe trazia alguns privilégios. Brinkerhoff tinha um escritório luxuoso, bem como acesso a todos os departamentos da NSA e uma certa notoriedade por conta das pessoas com quem andava. Executava tarefas corriqueiras para aqueles que ocupavam os mais altos escalões do poder. No fundo, Brinkerhoff sabia que havia nascido para ser assistente. Era suficientemente inteligente para anotar o que fosse importante, bonito o bastante para conduzir as entrevistas colectivas e adequadamente preguiçoso para se contentar com isso.
O suave toque de seu relógio marcou o fim de mais um dia de sua existência patética. Droga, pensou. Cinco da tarde de sábado. Que diabos estou fazendo aqui?
- Chad? - o rosto de uma mulher apareceu em sua porta.
Brinkerhoff olhou para ela. Era Midge Milken, a analista de segurança interna de Fontaine. Tinha 60 anos, era gordinha e, para espanto de Brinkerhoff, bastante sedutora. Uma eterna namoradeira, já tendo sido casada três vezes, Midge transitava pelas seis salas da ala da diretoria com um ar atrevido. Era inteligente, tinha uma enorme intuição, trabalhava muito e diziam que nem mesmo Deus conhecia melhor o funcionamento interno da NSA.
Mas que coisa!, pensou Brinkerhoff, admirando o vestido de caxemira cinza que ela estava usando. Ou estou ficando mais velho ou ela parece mais jovem.
- Aqui estão os relatórios semanais - disse Midge, sorrindo e lhe mostrando um maço de papel. - Você precisa conferir os valores.
Brinkerhoff percorreu o corpo dela com um olhar indiscreto.
- Observando daqui me parece que está tudo em cima.
- Fala sério, Chad - respondeu, rindo. - Eu poderia ser sua mãe.
Nem me faça lembrar disso, pensou ele.
Midge entrou e ficou de pé ao lado de sua mesa.
- Estou de saída, mas o director quer que estes dados estejam compilados quando voltar da América do Sul. Ou seja, segunda bem cedo. - Deixou as folhas impressas sobre a mesa.
- Ei, por acaso fui transferido para a contabilidade?
- Não, querido, você é um animador de cruzeiros marítimos. Achei que já tinha percebido.
- Então por que tenho que lidar com todos esses números?
Ela passou a mão carinhosamente nos cabelos dele.
- Você disse que queria ter mais responsabilidades. Aí estão elas.
Olhou-a com uma cara triste.
- Midge... minha vida é um grande vazio.
Ela apontou para o papel e disse:
- Esta é sua vida, Chad Brinkerhoff. - Depois olhou para ele e falou com uma voz meiga: - Mais alguma coisa que eu possa fazer antes de sair?
Chad fez cara de cachorro abandonado e esticou o pescoço para um lado e para o outro.
- Meus ombros estão tensos, sabe?
- Você quer uma aspirina? - Midge não se alterou.
- Não vou ganhar uma massagem? - perguntou, amuado.
- A revista Cosmopolitan diz que dois terços das massagens nos ombros terminam em sexo - sacudiu a cabeça.
Brinkerhoff respondeu, indignado:
- Mas as nossas nunca terminam!
- Exactamente - retrucou Midge com uma piscadela. - Este é o problema.
- Midge...
- Boa noite, Chad - ela interrompeu, andando em direcção à porta.
- Você realmente vai embora?
- Você sabe que eu ficaria, mas ainda tenho algum orgulho. Sabe, odeio servir de estepe. Sobretudo para uma adolescente.
- Minha esposa não é uma adolescente! - defendeu-se Brinkerhoff. – Ela apenas age como se fosse uma.
Midge respondeu com um tom irônico:
- Ah, não estava falando de sua esposa. - Piscou os olhos para realçar a ironia. - Estava falando de Carrrmen. - Pronunciou o nome com um forte sotaque porto-riquenho.
Brinkerhoff engasgou.
- Quem?
- Carmen. Aquela moça que trabalha na cantina.
Ele corou. Carmen Huerta era uma chef de 27 anos que trabalhava na cantina da NSA. Brinkerhoff havia passado várias horas - supostamente secretas divertindo-se com ela no estoque, após o expediente.
Midge deu uma piscadela maldosa.
- Lembre-se, Chad... O Big Brother tudo sabe, tudo vê.
Big Brother? Brinkerhoff engoliu em seco. Então o Big Brother também vigia o estoque?
O Big Brother era um Centrex 333 que ficava em um canto ao lado da sala principal da ala dos directores. Era o universo de Midge. Recebia dados de 148 câmeras de vídeo internas, 399 portas eletrônicas, 377 escutas telefônicas e 212 pontos de escuta espalhados por todo o complexo da NSA.
Os directores da NSA haviam aprendido, da pior forma, que 26 mil funcionários não eram apenas um grande trunfo, mas também um grande perigo. Todos os vazamentos de informação na história da NSA tinham partido de dentro. Como analista de segurança interna, o trabalho de Midge era vigiar tudo que acontecia dentro da agência. Inclusive, pelo que Chad acabara de descobrir, aquilo que acontecia dentro do estoque da cantina.
Brinkerhoff se levantou para tentar se defender, mas Midge já havia passado da porta e estava se preparando para ir embora.
- Mantenha as duas mãos sobre a mesa - ela disse, sem se virar. - Não faça nada estranho depois que eu sair. Lembre-se de que as paredes têm olhos.
Ele se sentou e ficou ouvindo o ruído dos saltos dela se afastando ao longo do corredor. Pelo menos sabia que Midge não iria contar a ninguém. Ela também tinha suas pequenas fraquezas, incluindo algumas sessões de massagem nos ombros de Brinkerhoff.
Pensou em Carmen. Lembrou-se de seu corpo macio com pernas morenas e firmes e da salsa quente de San Juan que ela gostava de ouvir no rádio, no volume máximo. Ele sorriu. Quem sabe não faço uma boquinha quando terminar aqui?
Olhou para o primeiro relatório impresso.
CRIPTOGRAFIA - PRODUÇÃO / GASTOS
Relaxou. Midge havia lhe dado um presente. O relatório da Criptografia era sempre trivial. Tecnicamente, ele deveria compilar todos os dados, mas a única coisa que interessava ao director era o CMD - Custo Médio por Desencriptação. O CMD representava o valor estimado gasto pelo TRANSLTR para quebrar cada um dos códigos. Contanto que esse número ficasse abaixo de mil dólares, Fontaine não se importava. Mil pratas por corrida. Brinkerhoff sorriu. É nosso dinheiro de impostos circulando.
Começou a percorrer os números, verificando os CMDs diários, enquanto imagens de Carmen Huerta lambuzada de mel e açúcar de bolo começaram a passar em sua mente. Trinta segundos depois já estava quase no final. Os dados da Criptografia estavam perfeitos, como sempre.
Contudo, pouco antes de passar para o próximo relatório, uma coisa chamou sua atenção. No final da folha havia um CMD bem estranho. O número era tão grande que havia ultrapassado a largura da coluna e invadido a próxima, transformando a página em um caos visual. Brinkerhoff olhou para o valor, atônito.
999.999.999? Levou um susto. Um bilião de dólares? As imagens de Carmen se foram. Um código de um bilhão de dólares?
Brinkerhoff ficou sentado, paralisado, por alguns segundos. Depois, em um surto de pânico, saiu a toda pelo corredor.
- Midge, volte aqui!
CAPÍTULO
44
Phil Chartrukian havia voltado ao laboratório de SegSis. Furioso, as palavras de Strathmore ecoavam em sua mente: Saia agora! Isto é uma ordem! Ele chutou uma lata de lixo e ficou praguejando no laboratório vazio.
- Papo-furado essa história de diagnóstico! Desde quando o vice-director decide contornar os filtros do Gauntlet?
Os SegSis eram bem pagos para proteger os computadores na NSA, e Chartrukian tinha aprendido que só havia dois requisitos fundamentais para o cargo: ser absolutamente brilhante e completamente paranóico.
Droga, continuou, irritado, isso não é paranóia! A merda do ExeMon já está em 18 horas!
Era um vírus. Seus instintos lhe diziam isso. Para ele, estava bem claro o que tinha acontecido: Strathmore havia cometido um erro ao contornar os filtros e agora estava tentando livrar sua cara com essa história mal contada de "diagnóstico':
Chartrukian não estaria tão preocupado se o TRANSLTR fosse a única coisa em jogo, mas não era. Apesar de sua imponência, o grande gigante descodificador não estava sozinho. Ainda que os criptógrafos acreditassem que o Gauntlet havia sido construído com o único objectivo de proteger a máquina suprema da descodificação, os SegSis sabiam que a verdade era um pouco mais complexa. Os filtros do Gauntlet serviam a um deus muito superior: o banco de dados central da NSA.
Chartrukian tinha um fascínio particular pela história por trás da construção do banco de dados. Apesar dos esforços do Departamento de Defesa para manter a Internet apenas para seu uso interno, no final dos anos 1970 ela era uma ferramenta tão útil que não podia deixar de atrair universidades e empresas. As universidades foram as primeiras a conseguir um espaço na rede, e pouco depois vieram os servidores comerciais. Os portões se abriram e o público entrou em massa. No início dos anos 1990, a Internet, que já havia sido uma rede segura do governo, havia se transformado em uma selva congestionada de e-mails, ciber-pornografia e sites pessoais.
Após algumas invasões não divulgadas, mas altamente desastrosas, aos computadores do Escritório de Inteligência Naval, ficou claro que os segredos do governo americano não estavam mais a salvo em computadores que estivessem conectados à sempre crescente Internet. O presidente dos EUA, em conjunto com o Departamento de Defesa, aprovou um decreto secreto para financiar uma nova rede governamental totalmente segura, destinada a substituir a já corrompida Internet e a funcionar como elo entre as agências de inteligência do governo norte-americano. Para prevenir novos furtos de segredos governamentais armazenados em computadores, todos os dados importantes foram transferidos para uma única localização altamente secreta: o recém-construído banco de dados da NSA, o "Forte Knox" dos dados de inteligência norte-americanos.
Literalmente, milhões de fotos, gravações, documentos e vídeos secretos foram digitalizados e transferidos para essa imensa central de armazenamento e, depois, as cópias físicas foram destruídas. O banco de dados era protegido por uma camada tripla de no-breaks, que garantiam energia permanente, e por um sistema com redundância múltipla para manutenção de cópias de segurança dos dados. Para protegê-lo de campos magnéticos e de possíveis explosões, ele foi colocado em um subterrâneo, 70 metros abaixo da superfície. As actividades dentro da sala de controle eram designadas como Top Secret Umbra - o mais alto grau de segurança dos Estados Unidos.
Os segredos do país estavam mais seguros do que nunca. Esse banco de dados inexpugnável continha projetos de armas avançadas, listas do programa de proteção a testemunhas, codinomes dos agentes secretos, análises militares e detalhes de propostas para operações de inteligência, entre outras coisas. Não haveria mais invasões de hackers que pudessem criar problemas para os serviços de inteligência americanos.
Por outro lado, é claro que os dados armazenados só tinham valor se pudessem ser acessados. O verdadeiro desafio em relação ao banco de dados da NSA não era concentrar e proteger os dados secretos, mas garantir que só pudessem ser acessados pelas pessoas certas. Todas as informações armazenadas possuíam uma classificação de segurança e, de acordo com o nível da classificação, eram acessadas por membros do governo de forma compartimentalizada. Um comandante de submarino podia acessar os dados para ver as fotos mais recentes dos portos da Rússia, mas não teria acesso, por exemplo, aos planos de uma missão contra os cartéis de drogas da América do Sul. Os analistas da CIA poderiam acessar os dados de assassinos já fichados, mas não teriam acesso aos códigos de lançamento de mísseis nucleares, que eram exclusivos do presidente.
Os SegSis naturalmente não possuíam acesso às informações do banco de dados, mas eram responsáveis por sua segurança. Como todos os bancos de dados - de companhias de seguros aos de universidades -, o da NSA estava constantemente sob ataque de hackers que tentavam acessar os segredos armazenados nele. Contudo, os programadores de sistemas de segurança da NSA eram os melhores do mundo.
Ninguém jamais havia invadido o banco de dados da agência, e a NSA não acreditava que isso um dia fosse acontecer.
Dentro do laboratório de SegSis, Chartrukian, angustiado, não conseguia decidir se devia ou não partir. Um problema com o TRANSLTR significava também um problema com o banco de dados, e a total falta de preocupação de Strathmore era perturbadora.
O TRANSLTR e o banco de dados central da NSA estavam intrinsecamente conectados. Uma vez decifrados, os códigos eram enviados, através de um cabo de fibra óptica de 400 metros, da Criptografia para o banco de dados da agência, onde seriam armazenados. O local sagrado de armazenamento de dados tinha poucas portas de entrada e o TRANSLTR era uma delas. O Gauntlet era o guardião supostamente intransponível deste portal. Só que Strathmore havia aberto o portal.
Chartrukian podia sentir seu coração acelerado. O TRANSLTR está rodando o mesmo código há 18 horas! A idéia de que um vírus de computador pudesse entrar no supercomputador e percorrer livremente os porões da NSA era intolerável.
Tenho que relatar isso!, decidiu.
Em uma situação como essa, Chartrukian sabia que só havia uma pessoa para a qual ligar: o oficial sênior de SegSis da NSA, o irritadiço guru de informática de 180 quilos que havia construído o Gauntlet. Seu apelido era Jabba. Ele era um semideus na NSA: percorria os corredores, furioso, pondo fim a crises no mundo virtual e amaldiçoando a fraqueza de pensamento dos ineptos e ignorantes. Quando Jabba soubesse que Strathmore havia permitido que os filtros do Gauntlet fossem contornados, os portões do inferno iriam se abrir. Azar, pensou ele, esse é um trabalho que precisa ser feito. Pegou o telefone e discou para o celular de Jabba, ligado 24 horas por dia.
CAPÍTULO
45
David Becker vagou sem destino pela Avenida del Cid, tentando pensar. Chutava pedrinhas no chão enquanto andava. Ainda estava um pouco tonto por causa da vodca. Nada em sua vida parecia estar em foco naquele momento. Não parava de pensar em Susan, sem saber se ela já teria ou não ouvido sua mensagem na secretária eletrônica.
Alguns metros à frente, um ônibus de Sevilha parou ruidosamente em seu ponto. Becker levantou os olhos. As portas do ônibus se abriram, mas ninguém saiu. O motor a diesel voltou a roncar, mas, quando o ônibus estava começando a acelerar, três adolescentes saíram de um bar na rua e foram atrás dele gritando e gesticulando. O motorista parou e os garotos subiram rapidamente.
De onde estava, Becker observou, pasmo. Seus olhos estavam novamente focados, mas seu cérebro insistia que aquilo que via era impossível. Uma chance em um milhão.
Estou alucinando.
Quando as portas do ônibus se abriram, os rapazes se juntaram em torno dela para subir. Becker olhou de novo e, desta vez, teve certeza. Claramente iluminada pela luz de um poste ele viu a garota.
Os passageiros entraram e o motorista deu novamente a partida. Becker saiu em disparada com aquela estranha imagem fixada em sua mente - batom preto, sombra escura em torno dos olhos e o cabelo fixado com gel em três pontas rígidas: vermelho, branco e azul.
O ônibus começou a se mover enquanto Becker corria alucinadamente pela rua envolto em uma nuvem de monóxido de carbono.
- Espera! - gritou.
Os sapatos de Becker escorregavam no asfalto. Infelizmente, parecia ter perdido a incrível habilidade que demonstrava no squash. Seu cérebro estava tendo problemas para controlar os pés. Ele se desequilibrou. Amaldiçoou o barman do hotel e o jet lago.
O ônibus era um dos velhos modelos a diesel ainda em circulação e, para sorte de Becker, a primeira marcha era longa e penosa para o motor. Ele sentiu que estava se aproximando. Tinha que alcançar o ônibus antes que o motorista passasse a segunda.
O cano de descarga cuspiu uma nuvem densa de fumaça quando o motorista acelerou, preparando-se para trocar de marcha. Becker tentou correr mais rápido. Quando estava quase tocando o pára-choque traseiro, moveu-se para a direita, ficando ao lado do ônibus. Agora podia ver as portas traseiras. Como em quase todos os ônibus de Sevilha, estavam abertas: ventilação barata.
Fixou os olhos na porta e ignorou a sensação de queimação nas pernas. Os pneus estavam a seu lado, girando cada vez mais rápido. Tentou agarrar a barra de segurança da porta, mas errou e quase caiu. Correu ainda mais rápido.
Ouviu o barulho da caixa de marchas sendo acionada.
Ele vai passar a segunda! Não vou conseguir!
Mas, quando o giro do motor caiu enquanto a embraiagem era pressionada, o ônibus perdeu um pouco de velocidade. Becker pulou. O motorista soltou a embraiagem pouco depois de ele ter conseguido segurar a barra metálica. O ombro de Becker quase foi deslocado quando o motor tomou força novamente. Ele foi jogado para dentro do ônibus.
Becker estava estirado no chão do ônibus. Todo aquele esforço tinha feito com que a vodca se dissipasse em seu organismo. Sentia dores nas pernas e no ombro. Com dificuldade ficou de pé e começou a andar dentro do ônibus escuro. Naquela multidão de silhuetas, alguns assentos à frente ele podia ver o cabelo peculiar.
Vermelho, branco e azul. Consegui!
Imaginou o anel, o Learjet à sua espera e, no final disso tudo, Susan. Quando estava quase ao lado do assento da garota, pensando no que iria lhe dizer, o ônibus passou por outro poste, iluminando o rosto dela por alguns instantes.
Becker ficou chocado. A maquiagem estava toda borrada. E não era uma garota, e sim um rapaz. Ele usava um piercing no lábio superior, uma jaqueta de couro preto e estava sem camisa.
- Que porra você quer? - perguntou o adolescente, com uma voz grosseira. Seu sotaque era nova-iorquino.
Com a mesma sensação vertiginosa de estar caindo em um poço sem fundo, Becker olhou para os passageiros do ônibus que haviam se voltado para encará-lo. Todos eram punks. Pelo menos a metade usava cabelos pintados de vermelho, branco e azul.
- Siéntate! Senta aí! - gritou o motorista.
Becker estava demasiado zonzo para ouvir.
- Siéntate! - gritou novamente o motorista.
David olhou, distraído, para o rosto zangado que aparecia no espelho retrovisor. Mas já tinha demorado demais.
Irritado, o motorista deu uma pisada forte no freio, fazendo com que Becker perdesse o equilíbrio. Ele tentou segurar-se em um banco, mas não deu tempo. Por um breve instante pairou no ar. Logo em seguida, contudo, aterrissou com força no chão áspero.
Na Avenida del Cid, uma figura emergiu das sombras. Ajustou seus óculos de armação de metal e olhou para o ônibus que partia. David Becker havia escapado, mas não por muito tempo. De todos os ônibus em circulação em Sevilha, ele havia tomado justamente o infame 27.
A linha 27 tinha um único destino.
CAPÍTULO
46
Phil Chartrukian bateu o fone no gancho. A linha de Jabba estava ocupada. O chefe de SegSis dizia que os serviços de chamada em espera eram uma jogada suja que havia sido inventada pela AT&T para aumentar seus lucros, porque permitiam que todas as chamadas fossem completadas. O mísero tempo gasto com a mensagem "Estou em outra linha, ligarei mais tarde" gerava milhões para as companhias telefônicas a cada ano. A recusa de Jabba em manter um serviço de chamada em espera era sua maneira de protestar contra a imposição da NSA de que andasse, o tempo todo, com um celular para atender às emergências.
Chartrukian virou-se e olhou para o salão deserto da Criptografia. O zumbido dos geradores no subterrâneo parecia mais alto a cada minuto. Ele sentia que o tempo estava se esgotando. Havia recebido ordens directas para sair, mas o mantra dos SegSis começou a ressoar em sua mente: aja primeiro, explique depois.
No campo de alto risco da segurança de sistemas, muitas vezes poucos minutos representavam a diferença entre salvar um sistema ou perdê-lo. Raramente havia tempo para justificar um procedimento de defesa antes de implementá-lo. Os SegSis eram pagos por sua experiência técnica e por seus instintos.
Aja primeiro, explique depois. Chartrukian tinha tomado uma decisão e sabia que, quando a poeira assentasse, haveria apenas duas alternativas: ou ele seria o herói da NSA ou teria que procurar um novo emprego.
O SegSis não tinha dúvida de que o venerável computador estava com um vírus. Só havia, então, uma escolha sensata a fazer: desligar a máquina.
Havia apenas duas formas de desligar o TRANSLTR. Uma era a partir do terminal pessoal do comandante, que estava trancado no escritório dele e, portanto, fora de alcance. A outra era uma chave de desligamento manual localizada em um dos andares no subsolo da Criptografia.
Chartrukian engoliu em seco, pois odiava o subsolo. Só tinha ido lá uma vez durante o treinamento. Era uma espécie de cenário de ficção científica, com suas longas passarelas metálicas, dutos de fréon e uma queda de 40 metros até os geradores no nível mais baixo.
De todos os lugares possíveis, aquele era o último onde desejaria estar, e Strathmore era a última das pessoas que ele desejaria enfrentar; mas seu dever exigia ambas as coisas. Irão me agradecer amanhã, pensou, apesar de duvidar seriamente dessa idéia.
Tomou coragem e abriu o armário dos SegSis seniores. Sobre uma prateleira onde havia algumas placas de computador soltas, oculta atrás de um roteador de rede e de um testador de cabos, estava uma caneca com a insígnia de Stanford. Sem tocar a borda, colocou a mão dentro dela e pegou a chave Medeco que estava lá dentro.
É impressionante, pensou, o quanto o pessoal de Segurança de Sistemas não entende nada a respeito de segurança.
CAPÍTULO
47
- Um Código de um bilião de dólares? - Midge falou, controlando-se para não rir, enquanto acompanhava Brinkerhoff de volta ao escritório. - Preciso ver isso.
- Eu juro - respondeu ele.
Ela lançou-lhe um olhar dúbio.
- É melhor que isso não seja alguma idéia louca para me passar uma cantada...
- Midge, eu jamais... - disse ele, na defensiva.
- Eu sei, Chad. Não precisa me lembrar.
Poucos segundos depois, Midge estava sentada na cadeira de Brinkerhoff, estudando o relatório da Criptografia.
- Está vendo? - ele disse, passando o braço por cima dela e apontando para o número em questão. - É este CMD aqui. Um bilião de dólares!
Midge riu.
- De facto parece estar ligeiramente acima do normal, não é?
- É, ligeiramente - resmungou Chad.
- Me parece uma divisão por zero.
- Uma o quê?
- Uma divisão por zero - repetiu, enquanto verificava o restante dos dados.
- O cálculo do CMD é feito dividindo-se a despesa total pelo número de códigos decifrados.
- Sim, claro - assentiu Brinkerhoff, distante, esforçando-se para não enfiar os olhos dentro do decote de Midge.
- Se o denominador for zero - continuou ela -, o resultado da divisão tende a infinito. E, como computadores odeiam "infinito' eles preenchem os espaços com uma fileira de noves. - Ela apontou para outra coluna. - Você está vendo isso aqui?
- Sim - disse Brinkerhoff, concentrando-se novamente no papel.
- É o total bruto da produção de hoje. Olhe só o número de códigos decifrados. Brinkerhoff seguiu obedientemente o dedo dela ao longo da coluna.
CÓDIGOS DECIFRADOS = O
Midge bateu com o dedo sobre o valor.
- Exactamente o que eu pensava. É uma divisão por zero.
Brinkerhoff olhava, espantado.
- Isso quer dizer que está tudo bem?
Ela deu de ombros.
- Quer dizer apenas que não quebramos nenhum código hoje. O TRANSLTR deve estar de folga.
- De folga? - Brinkerhoff olhou para ela, pensando se aquilo era uma ironia. Ele estava trabalhando com o director há bastante tempo e sabia que "folgas" não faziam parte de seu vocabulário. Especialmente quando se tratava do TRANSLTR. Fontaine pagou dois biliões de dólares por aquela formidável máquina de quebrar códigos e queria o maior retorno possível desse investimento. Cada segundo que o supercomputador ficasse parado era como queimar dinheiro.
- Midge, nós dois sabemos que o TRANSLTR não "tira folga". Ele trabalha dia e noite sem parar.
Ela olhou para ele com uma expressão vaga e disse:
- Talvez Strathmore não estivesse com vontade de trabalhar ontem à noite para preparar o lote de arquivos a serem processados no fim de semana. Provavelmente sabia que Fontaine estaria longe e resolveu sair mais cedo para ir pescar.
- Midge, vá com calma. - Brinkerhoff olhou para ela sério. - Deixe o homem em paz.
Todos sabiam que Midge Milken não gostava de Trevor Strathmore. O comandante havia tentado uma jogada esperta ao reescrever o algoritmo Skipjack, mas acabou sendo pego no acto. Apesar de sua iniciativa corajosa e bem-intencionada, a NSA havia pago caro. A EFF ganhou força, Fontaine perdeu credibilidade junto ao Congresso e, pior de tudo, a agência saiu do anonimato. De um instante para outro surgiram donas-de-casa no interior do país reclamando com seus provedores de Internet que a NSA
poderia estar lendo seus e-mails. Como se a NSA estivesse preocupada com uma receita secreta para torta de maçã.
O fiasco de Strathmore custou caro à NSA, e Midge se sentia responsável por isso. Não que ela pudesse ter previsto a jogada arriscada do comandante, mas porque uma acção não autorizada havia sido executada bem nas costas de Fontaine. E Midge era paga justamente para proteger essas costas. A atitude um pouco distante do director o tornava susceptível, coisa que, por sua vez, deixava Midge tensa. Mas esse era o estilo de Fontaine: ele se afastava e deixava que pessoas com potencial trabalhassem cada uma do seu jeito. Era assim que lidava com Strathmore.
- Midge, você sabe muito bem que Strathmore não está fazendo corpo mole - argumentou Brinkerhoff. - Ele trabalha como um condenado.
Midge assentiu. No fundo ela sabia que acusar Strathmore de negligência não tinha sentido. O comandante era uma das pessoas mais dedicadas que ela conhecia. Tão dedicado, na verdade, que isso havia se tornado um defeito. Ele tomava todos os pecados do mundo como uma cruz pessoal. O plano da NSA para o Skipjack havia sido idéia de Strathmore, uma tentativa extremada de mudar o mundo. Infelizmente, como tantas outras cruzadas divinas, essa também acabou em crucificação.
- Está certo - concordou. - Estou sendo um pouco mais dura do que deveria.
- Um pouco? A fila de arquivos que Strathmore tem para processar é enorme. Ele definitivamente não iria deixar o TRANSLTR parado durante todo o fim de semana.
- Tudo bem, tudo bem. Falei bobagem. - Levantou a sobrancelha e ficou pensando por que o TRANSLTR não teria quebrado nenhum código durante todo o dia. - Deixa eu ver uma coisa - disse ela, e começou a vasculhar as páginas do relatório. Encontrou o que estava procurando e examinou os números. - Você tem razão, Chad. O TRANSLTR está funcionando a pleno vapor. Na verdade o consumo de energia está um pouco acima do normal: já passamos de um milhão de quilowatts/hora desde a meia-noite passada.
- Então o que pode estar acontecendo?
- Não sei, nada disso faz sentido - disse ela.
- Você quer recalcular os dados?
Ela o olhou com ar de reprovação. Havia duas coisas a respeito de Midge Milken que não deviam ser questionadas. Uma delas eram seus dados. Brinkerhoff esperou enquanto Midge estudava os números.
- Humm - resmungou ela, após algum tempo. - As "estatísticas de ontem estavam normais: 237 códigos foram quebrados. CMD, U$874. Tempo médio por código: cerca de seis minutos. Consumo de energia: na média. Último código a ser enviado para o TRANSLTR... - ela parou.
- O que é?
- Estranho. O último arquivo no histórico de ontem foi submetido às 23h37.
- E daí?
- E daí que o TRANSLTR quebra um código a cada seis minutos, aproximadamente. O último arquivo de cada dia em geral é processado em torno da meia-noite. Definitivamente não parece que... - Midge parou no meio da frase, perplexa.
Brinkerhoff aproximou-se.
- O que foi?
Midge estava olhando para o relatório, boquiaberta.
- Sabe o tal arquivo? O que foi submetido ao TRANSLTR ontem à noite?
- Sim?
- Ainda não foi quebrado. Foi submetido às 23:37:08, mas não há nenhum horário de descodificação. - Midge revirou algumas páginas. - Nem ontem nem hoje!
Brinkerhoff continuava sem entender.
- Talvez eles estejam rodando um diagnóstico complexo.
Midge sacudiu a cabeça.
- Complexo o suficiente para tomar 18 horas? Isso é bem difícil. Além disso, o arquivo veio de fora. Temos que falar com Strathmore.
- Ligar para a casa dele? - assustou-se Brinkerhoff. - Numa noite de sábado?
- Não. Se conheço Strathmore, ele está a par de tudo. Aposto um bom jantar como ele está aqui agora. Apenas um palpite. - Os palpites de Midge eram a outra coisa que nunca devia ser questionada. - Vamos - disse ela, levantando-se. - Vamos ver se estou certa.
Brinkerhoff seguiu Midge até sua sala, onde ela se sentou diante do Big Brother e começou a digitar sobre os teclados como uma pianista. Ele olhou para a parede onde estavam embutidos monitores de vídeo com legendas.
Todas as telas mostravam agora o selo da NSA.
- Você vai espionar a Criptografia? - perguntou, nervoso.
- Infelizmente não posso. A Criptografia é completamente selada. Não temos vídeo nem som. Nada. Ordens de Strathmore. Tudo que tenho são estatísticas de entrada e coisas básicas sobre o TRANSLTR. Na verdade temos sorte por ter ao menos isso. Strathmore queria isolamento total, mas Fontaine insistiu no básico.
Brinkerhoff continuava um pouco perplexo.
- A Criptografia não tem monitoração por vídeo?
- Por quê? - perguntou ela, sem tirar os olhos de seu monitor. - Você e Carmen estão procurando um local mais discreto?
Brinkerhoff resmungou algo incompreensível, enquanto Midge digitava.
- Estou verificando os registros do uso do elevador de Strathmore. – Ela observou sua tela por alguns instantes e depois deu um tapinha na mesa com o dedo. - Ele está aqui - disse, confiante. - Está na Criptografia neste exacto instante. Olha só. Isso é que é um plantão... ele chegou ontem de manhã, bem cedo, e não entrou de novo no elevador desde então. Não há qualquer registro do cartão magnético dele no portão principal. Então ele está lá, com toda a certeza.
Brinkerhoff soltou um suspiro de alívio.
- Bem, se Strathmore está lá, isso quer dizer que está tudo bem, certo? Midge pensou um pouco.
- Talvez.
- Como assim, "talvez"?
- Melhor ligarmos para verificar.
- Midge, ele é o vice-director. Com certeza tem a situação sob controle. Não vamos nos precipitar e... - resmungou Brinkerhoff.
- Ora, Chad, deixe de ser infantil. Estamos apenas fazendo nosso trabalho. Temos um ponto fora da curva nas estatísticas e estamos verificando o que está acontecendo. Além disso, é sempre bom lembrar a Strathmore que o Big Brother está vigiando. Isso talvez faça com que ele pense um pouco mais antes de planejar outra de suas aventuras insanas para salvar o mundo.
Midge pegou o telefone e começou a discar. Brinkerhoff estava se sentindo desconfortável com a situação.
- Você tem certeza de que deve perturbá-lo?
- Ah, eu não vou perturbá-lo - disse Midge, passando o fone para ele.
- Você vai.
CAPÍTULO
48
- O quê? - Midge bradou, incrédula. - Strathmore teve a ousadia de dizer que nossos dados estão incorrectos?
Brinkerhoff disse que sim, enquanto colocava o fone de volta no gancho.
- Ele negou que o TRANSLTR esteja parado em um único arquivo durante as últimas 18 horas?
- Na verdade ele foi bem simpático - Brinkerhoff sorria, feliz consigo mesmo por ter sobrevivido àquele telefonema. - Ele me assegurou que o TRANSLTR está funcionando perfeitamente bem. Disse que continua quebrando códigos a cada seis minutos, neste exacto momento. E ainda me agradeceu por ter ligado para ver como ele estava.
- Está mentindo - retrucou Midge. - Tenho rodado essas estatísticas sobre a Criptografia nos últimos dois anos. Os dados nunca saíram errados.
- Bem, há sempre uma primeira vez para tudo, suponho - disse ele casualmente. Ela lançou-lhe um olhar furioso.
- Eu verifico todos os dados duas vezes.
- Sim, mas... você sabe o que dizem sobre computadores, não? Mesmo quando erram, eles o fazem de forma consistente!
Midge virou-se e encarou-o de frente.
- Isso não é engraçado, Chad. O vice-director acabou de contar uma mentira ridícula para o pessoal do director. E eu quero saber por quê!
Brinkerhoff começou a questionar se tinha sido uma boa idéia pedir que ela voltasse. A reacção de Strathmore deixou Midge ainda mais intrigada. Desde a história com o Skipjack, sempre que ela tinha a sensação de que algo suspeito estava acontecendo, deixava de ser levemente insinuante para se tornar completamente obsessiva. Não havia nada que a fizesse parar enquanto não resolvesse o assunto, fosse o que fosse.
- Midge, e se os nossos dados estiverem incorrectos? - perguntou Brinkerhoff, preocupado. - Pense bem: que tipo de arquivo poderia manter o TRANSLTR ocupado durante 18 horas? Não faz sentido. Vá para casa, já está tarde.
Ela lhe devolveu um olhar altivo, colocando o relatório sobre a mesa.
- Eu confio nos dados. Meus instintos dizem que estão correctos. Brinkerhoff fechou a cara. Nem mesmo o director questionava os instintos de Midge nos últimos tempos - por algum estranho motivo, em geral ela estava certa.
- Há algo de errado e pretendo descobrir o que é - declarou.
CAPÍTULO
49
Becker conseguiu se levantar do chão do ônibus e se jogou em um assento vazio.
- Ei, mandou bem, seu merda. - O rapaz com o corte de cabelo com três pontas para cima falou, zombando dele. Era o garoto que ele havia perseguido até o ônibus. Olhou, desanimado, para o contingente de cabeleiras vermelhas. brancas e azuis.
- Por que esses cabelos? - perguntou Becker, percorrendo com os olhos o interior do ônibus. - Estão todos usando...
- Vermelho, branco e azul? - completou o garoto.
Becker tentou não ficar olhando para a perfuração infeccionada no lábio superior do rapaz.
- Judas Taboo - disse ele.
Becker não tinha idéia de quem fosse.
O punk cuspiu no corredor, claramente desdenhando a ignorância de Becker.
- Quem é Judas Taboo? O maior punk desde Sid Vicious? Estourou os miolos aqui, há um ano. É seu aniversário.
Becker assentiu vagamente, sem compreender o que uma coisa tinha a ver com a outra.
- Taboo tinha pintado seu cabelo assim no dia em que resolveu pular fora. - O garoto cuspiu novamente. - Qualquer fã que se preze está usando o mesmo cabelo hoje.
Durante algum tempo, Becker não disse nada. Lentamente, como se houvesse tomado uma injecção de tranqüilizantes, virou-se e olhou para a frente, examinando o grupo que estava no ônibus. Todos eram punks. A maioria olhava para ele.
Todos os fãs estão usando o mesmo estilo de cabelo hoje.
Becker levantou-se e puxou a corda que sinalizava ao motorista para parar.
Estava na hora de se mandar. Puxou novamente. Nada aconteceu. Puxou mais forte. Nada.
- Eles desligam isso na linha 27. - O garoto cuspiu mais uma vez. – Assim não torramos o saco deles.
Becker se virou.
- Quer dizer que não posso descer?
O punk riu.
- Só no final da linha.
Cinco minutos depois, o ônibus seguia por uma estrada sem iluminação, já fora da cidade. David virou-se para o garoto que estava atrás dele.
- Essa coisa vai parar alguma hora?
- Faltam uns quilômetros ainda.
- Para onde estamos indo?
O rosto dele se abriu em um sorriso debochado.
- Você não sabe?
Becker sacudiu os ombros.
O garoto começou a rir histericamente.
- Puta merda, cara, você vai adorar!
CAPÍTULO
50
A apenas alguns metros do TRANSLTR, Phil Chartrukian parou em cima de uma inscrição no chão, em letras brancas:
SUBSOLO DA CRIPTOGRAFIA
SOMENTE PESSOAL AUTORIZADO
Ele definitivamente não era parte do "pessoal autorizado”. Olhou rapidamente para o escritório de Strathmore. As cortinas continuavam fechadas. Chartrukian havia visto Susan Fletcher saindo na direcção dos banheiros, então ela também não seria um problema. A única questão era Hale. O SegSis olhou na direção do Nodo 3 pensando se o criptógrafo estaria observando.
Dane-se, pensou.
Sob seus pés, no chão, as bordas de um alçapão de acesso eram quase invisíveis. Chartrukian pegou a chave que tinha retirado do laboratório de SegSis.
Ajoelhou-se, inseriu a chave em um buraco no chão e girou-a. A fechadura embaixo dele abriu-se com um dique. Então girou a grande trava externa e desbloqueou o acesso. Olhando mais uma vez em volta, nervosamente, agachou-se e puxou a tampa do alçapão. A porta era pequena, com cerca de um metro quadrado, mas pesada. Quando se abriu, o SegSis quase caiu para trás.
Uma lufada de ar quente saiu lá de dentro. O ar tinha o odor peculiar do gás fréon. Pequenas nuvens de vapor saíam pela abertura, iluminadas pela luz vermelha de emergência dos andares inferiores. O zumbido distante dos geradores passou a ser um ruído audível. Chartrukian levantou-se e olhou para dentro da portinhola. Parecia mais um portal do inferno do que uma entrada de manutenção de um computador. Uma escada estreita conduzia até uma plataforma no subsolo. Abaixo desta havia outras escadas, mas tudo que ele podia ver era uma névoa vermelha turbilhonante.
Greg Hale estava de pé atrás do vidro espelhado do Nodo 3. Ficou observando enquanto Phil Chartrukian descia a escada em direção aos subníveis. De onde Hale estava olhando a cena, parecia que a cabeça do técnico havia sido cortada e deixada sobre o chão da Criptografia. Depois ela sumiu dentro da névoa avermelhada.
Corajoso, esse rapaz, murmurou Hale. Sabia para onde Chartrukian estava indo. Um desligamento manual de emergência do TRANSLTR era uma acção lógica a tomar se ele acreditava que havia um vírus. Infelizmente, também era uma forma de fazer com que a Criptografia se enchesse de técnicos de SegSis cerca de dez minutos depois. Qualquer acção de emergência iria disparar alertas no quadro de monitoração principal. E uma investigação da Criptografia pelo pessoal de SegSis era algo que Hale não podia permitir. Ele deixou o Nodo 3 e dirigiu-se para o alçapão. Precisava impedir Chartrukian de levar a cabo sua tentativa.
CAPÍTULO
51
Jabba se parecia muito com um enorme girino. Assim como o personagem de cinema que lhe valera o apelido, o homem parecia uma esfera careca. Como anjo da guarda residente de todos os sistemas de computadores da NSA, Jabba marchava de um departamento para outro ajustando, fixando, reprogramando e reafirmando sua crença de que a prevenção era o melhor remédio. Nenhum computador da NSA havia sido infectado durante o reinado de Jabba, e ele pretendia que as coisas permanecessem assim.
A base de Jabba era uma sala ligeiramente elevada de onde podia ver o banco de dados subterrâneo e ultra-secreto da NSA. Era lá que um vírus poderia causar o maior estrago e era lá que ele passava a maior parte do tempo. Naquele exacto instante, contudo, Jabba estava de folga, comendo calzones na cantina da NSA, aberta 24 horas por dia. Estava a ponto de atacar seu terceiro calzone quanto o celular tocou.
- Manda - ele disse, tossindo enquanto engolia de uma só vez o grande pedaço que estava em sua boca.
- Jabba - falou carinhosamente uma voz feminina. - É Midge.
- Ei! A Rainha dos Dados! - respondeu o grandalhão, animado. Ele tinha um carinho especial por Midge Milken. Ela era inteligente, além de ser a única mulher que Jabba já havia conhecido que flertava com ele. - Como vão as coisas?
- Tudo bem.
Ele limpou a boca. - Você está na área?
-Sim.
- Quer vir comer um calzone?
- Adoraria, Jabba, mas tenho que vigiar a cintura.
- Sério? - brincou. - Posso vigiar com você?
- Mau menino...
- Você nem faz idéia!
- Que bom que achei você, estou precisando de uns conselhos.
Ele tomou um longo gole de refrigerante.
- Manda ver.
- Pode não ser nada demais, mas tem algo de estranho nas estatísticas que chegaram da Criptografia. Você talvez possa me ajudar.
- O que temos aí? - disse, tomando outro gole.
- Um relatório dizendo que o TRANSLTR está trabalhando sobre o mesmo arquivo há 18 horas e ainda não conseguiu decifrá-la.
Jabba cuspiu refrigerante por cima do calzone.
- O quê?
- Alguma idéia?
- Que relatório é esse? - perguntou, enquanto tentava secar o calzone com um guardanapo.
- Relatório de produção. Basicamente análises de custo. - Midge explicou rapidamente o que ela e Brinkerhoff haviam encontrado.
- Vocês ligaram para Strathmore?
- Sim, e ele disse que está tudo bem por lá. Segundo ele, nossos dados estão errados e o TRANSLTR está funcionando a pleno vapor.
Jabba passou um dedo em sua testa rechonchuda.
- Bom, qual é o problema? Seu relatório está errado? - Midge não respondeu.
Jabba entendeu o silêncio. - Você não acha que seja um erro no relatório?
- Isso.
- Então Strathmore estaria mentindo?
- Não é isso - disse Midge, com diplomacia, sabendo que estava pisando num terreno delicado. - Mas essas estatísticas sempre foram exactas. Achei que seria bom ouvir outra opinião.
- Bem, não me sinto feliz por ter que te dar essa notícia, mas acho que seus dados estão equivocados.
- É o que você pensa?
- Poderia apostar meu emprego. - Jabba mordeu uma grande fatia de calzone ainda molhado de refrigerante e continuou falando com a boca cheia. – O tempo mais longo que um arquivo conseguiu resistir dentro do TRANSLTR foi de três horas. E isso inclui diagnósticos, testes de capacidade máxima, tudo o que você possa imaginar. A única coisa que poderia parar aquela máquina durante 18 horas seria um vírus. É a única opção.
- Vírus?
- Sim, algum tipo de código cíclico. Algo que entrasse nos processadores, criasse um loop e basicamente parasse a máquina toda.
- Olha, Strathmore está na Criptografia há 36 horas, directo - prosseguiu ela.
- Você acha que ele está tentando lidar com um vírus?
Jabba riu.
- Strathmore está lá há 36 horas? Pobre coitado. A mulher dele provavelmente proibiu-o de voltar para casa. Me falaram que ela tem perturbado bastante o sujeito.
Midge pensou um pouco. Ela também tinha ouvido aquela fofoca. Ficou pensando se não estava sendo um pouco paranóica.
- Midge, escuta. - Jabba respirou fundo e tomou outro longo gole. - Se o brinquedinho de Strathmore estivesse com um vírus, ele teria me ligado. O comandante é um crânio, mas não entende nada desse
negócio de vírus. O TRANSLTR é tudo para ele. Ao primeiro sinal de problema, ele teria apertado o botão vermelho e, nessa área, isso significa "eu". - Jabba puxou com a boca um pedaço de mozarela. - Além disso, não há a menor chance de que tenha entrado um vírus no TRANSLTR. O Gaundet é a melhor barreira de filtragem que eu já escrevi. Nada passa por ele.
Depois de um longo silêncio, Midge suspirou.
- Alguma outra possibilidade?
- Sim. Seus dados estão incorrectos.
- Você já disse isso.
- Certo.
Ela pensou.
- E você não ouviu nenhum boato? Absolutamente nada?
Jabba riu ruidosamente.
- Midge, olha aqui... Eu sei que aquela história com o Skipjack foi péssima. Strathmore enfiou os pés pelas mãos. Mas sai dessa, já passou, chega. - Houve um outro silêncio longo na linha. Jabba percebeu que tinha ido longe demais. - Desculpe, Midge. Eu sei que sobrou para você naquela história. Strathmore fez besteira, e sei como você se sente em relação a ele.
- Isso não tem nada a ver com o Skipjack - respondeu ela, ríspida.
Tá bom, pensou Jabba.
- Olha, eu não tenho nada contra nem a favor de Strathmore. Para mim, o cara é apenas um criptógrafo e todos são um bando de boçais egocêntricos. Sempre precisam de tudo "para ontem': Cada um dos arquivos em que trabalham é o que vai salvar o mundo.
- Aonde você quer chegar?
- Só estou dizendo que Strathmore é tão maluco quanto todos os outros. Mas também é um sujeito que ama o TRANSLTR acima de tudo, até mais do que a própria mulher. Se houvesse um problema por lá, ele teria me ligado.
Midge ficou em silêncio um longo tempo. Finalmente ela suspirou e disse, relutante:
- Então você quer dizer que meus dados estão errados?
- Temos um eco aí? - Jabba riu.
Ela também riu do outro lado da linha.
- Bom, faz o seguinte. Me manda uma ordem de serviço. Na segunda-feira passo por lá para verificar a máquina. Até lá, sugiro que você vá para casa. Hoje é sábado à noite! Arrume alguém para sair ou algo assim.
Ela suspirou.
- Estou tentando Jabba, juro que estou.
CAPÍTULO
52
O Club Embrujo - "Feiticeiro" - ficava nos subúrbios da cidade, no final da linha do ônibus 27. Parecia-se mais com uma fortificação do que com um clube nocturno. Era cercado por um muro alto de cimento no qual haviam sido embutidos cacos de garrafas de cerveja. Era um sistema de segurança primitivo que impedia qualquer um de entrar ilegalmente sem deixa; para trás um pedaço da própria carne.
Durante a viagem, Becker chegou à conclusão de que havia falhado. Era hora de ligar para Strathmore e contar-lhe as más notícias. A busca tinha sido em vão. Ele fez o melhor possível, mas estava na hora de voltar para casa.
No entanto, ao olhar para a massa de adolescentes se empurrando para entrar no clube, Becker não tinha mais tanta certeza de que sua consciência lhe permitiria abandonar a busca. Estava olhando para o maior grupo de punks que já vira. Havia cabelos vermelhos, brancos e azuis por toda parte.
Becker avaliou as opções possíveis. Olhando para todos aqueles jovens, pensou: Onde mais ela poderia estar neste sábado à noite? Amaldiçoando sua sorte, desceu do ônibus.
A entrada do Club Embrujo era por um corredor estreito de pedras. Assim que se aproximou, foi sugado pelo fluxo de adolescentes se comprimindo para entrar.
- Sai da frente, babaca! - disse uma alfineteira humana, abrindo caminho com uma cotovelada em Becker.
- Ei, bonita gravata. - Alguém deu um puxão na gravata de Becker.
- E aí, quer transar? - Uma adolescente olhou para ele, parecendo saída de A noite dos mortos-vivos.
A escuridão do corredor se abriu em uma grande pista de dança de cimento impregnada pelo cheiro de álcool e suor. A cena era surreal - uma caverna na montanha dentro da qual centenas de corpos se moviam como um só. Pulavam para cima e para baixo, como uma onda humana, braços colados ao corpo, cabeças balançando como protuberâncias sem vida no topo de espinhas rígidas. Os mais ensandecidos mergulhavam de um palco, caindo em um mar de corpos humanos. Corpos eram rolados de um lado para outro como se fossem bolas de praia. No tecto, luzes estroboscópicas faziam com que a cena lembrasse um velho filme mudo.
Do outro lado da pista, torres de alto-falantes chacoalhavam com tanta intensidade que nem o mais corajoso dos punks conseguia ficar muito perto.
Becker tapou os ouvidos com os dedos e começou a procurar em meio à multidão. Para onde quer que olhasse havia outra cabeça vermelha, branca e azul. Os corpos formavam uma massa tão compacta que era impossível discernir as camisas. Não viu nada que se parecesse com uma bandeira da Inglaterra. Era óbvio que ele não conseguiria se misturar à multidão sem ser pisoteado. Alguém começou a vomitar perto dele.
Que óptimo, grunhiu Becker. Saiu em direção a um corredor cujas paredes estavam cobertas de grafites.
O corredor virou um estreito túnel espelhado que dava para um pátio com mesas e cadeiras. O pátio também estava cheio de punks, mas, para Becker, era como a entrada de Shangrilá. O céu de verão abriu-se sobre ele e o ruído ensurdecedor da música ficou distante.
Sem dar atenção aos olhares curiosos, saiu andando em meio à multidão. Afrouxou a gravata e deixou-se cair em uma cadeira na primeira mesa vazia que encontrou. Parecia que uma vida inteira havia se passado desde que Strathmore ligara pela manhã.
Após colocar no chão algumas garrafas de cerveja vazias que estavam na mesa, Becker pousou a cabeça nas mãos. Apenas alguns minutos, pensou.
A cerca de dez quilômetros dali, o homem de óculos com armação de metal estava sentado no banco de trás de um táxi, percorrendo uma estrada para fora da cidade.
- Embrujo - resmungou.
O motorista olhou para seu curioso passageiro pelo espelho retrovisor e concordou.
Embrujo, murmurou para si mesmo. A cada noite esse lugar fica mais estranho.
CAPÍTULO
53
Tokugen Numataka estava nu, deitado sobre uma mesa de massagem em seu escritório. A massagista estava relaxando a musculatura tensionada de seu pescoço. Foi descendo com as palmas das mãos pela musculatura tensa da coluna, lentamente, até chegar à toalha que cobria sua bunda. Suas mãos deslizaram
um pouco mais, para baixo da toalha. Numataka mal notou. Sua mente estava longe. Esperava que o telefone tocasse, mas ele continuava em silêncio.
Alguém bateu na porta.
- Entre - ordenou Numataka.
A massagista rapidamente tirou as mãos debaixo da toalha.
A operadora da mesa telefônica entrou e fez uma reverência.
- Honorável presidente?
- Fale.
A operadora curvou-se novamente.
- Falei com a central telefônica local. A chamada veio do código de área 1. Estados Unidos.
Numataka sorriu. A chamada veio dos Estados Unidos. Era verdadeira.
- De que parte do país?
- Ainda estão tentando descobrir, senhor.
- Muito bom. Me avise quando tiver novidades.
A operadora curvou-se novamente e saiu.
Numataka sentiu sua musculatura relaxar-se. Código de área 1. Enfim, uma boa notícia.
CAPÍTULO
54
Susan Fletcher andava impacientemente de um lado para o outro do banheiro da Criptografia e contava lentamente até 50. Sua cabeça estava latejando. Só mais um pouco, disse a si mesma. Hale é North Dakota!
Susan estava tentando imaginar quais seriam os planos de Hale. Será que ele iria divulgar a chave? Ou seria ganancioso e tentaria vender o algoritmo? Ela não podia mais agüentar a espera. Era hora. Tinha que falar com Strathmore.
Cuidadosamente entreabriu a porta e olhou para o vidro espelhado do outro lado da Criptografia. Não tinha como saber se Hale a estava observando. Ela precisava chegar o mais rápido possível ao escritório de Strathmore. Sem correr, pois não podia deixar que Hale suspeitasse que estava em seu encalço. Estava prestes a abrir a porta quando ouviu algo. Vozes masculinas.
As vozes estavam saindo de um duto de ventilação próximo ao chão. Ela soltou a porta e aproximou-se da saída de ar. As palavras chegavam abafadas pelo zumbido dos geradores no subsolo. Pelo som, parecia que a conversa estava vindo das plataformas do subsolo. Uma das vozes soava estridente e irritada. Parecia ser Phil Chartrukian.
- Então você não acredita em mim? Ouviu sons de discussão.
- Nós estamos com um vírus! Depois o som de um grito áspero. Temos que chamar Jabba!
Então ela ouviu sons de luta.
- Me solte!
O ruído que se seguiu mal parecia humano. Foi como um longo uivo agudo de horror, como um animal torturado que está prestes a morrer. Susan sentiu seu sangue gelar. O ruído cessou de forma tão abrupta quanto havia começado. E depois houve apenas silêncio.
Um instante depois, como um evento cronometrado em um filme barato de horror, as luzes do banheiro enfraqueceram. Depois piscaram e se apagaram. Susan Fletcher viu-se em meio à escuridão completa.
CAPÍTULO
55
- Ei, sai daí! Você está no meu lugar, imbecil.
Becker levantou a cabeça, que havia recostado sobre a mesa. Será que ninguém fala espanhol neste país?
De pé ao lado dele estava um adolescente baixo, com espinhas no rosto e cabelo raspado. Metade de sua careca estava vermelha, a outra metade estava roxa. Parecia um ovo da Páscoa.
- Eu disse que você está no meu lugar, idiota.
- É, ouvi da primeira vez - disse Becker, levantando-se. Não estava querendo brigar. Hora de partir.
- Onde foi que você colocou as minhas garrafas? - gritou o garoto, raivoso.
Ele usava um alfinete de segurança no nariz.
Becker apontou para as garrafas vazias que havia colocado no chão.
- Estão todas vazias.
- Essas porras são as minhas garrafas vazias!
- Mil perdões - disse Becker, virando-se para ir.
O punk barrou seu caminho.
- Pegue as garrafas.
Becker olhou para ele, profundamente cansado.
- Você está brincando, não? - Ele era uns dois palmos mais alto e provavelmente uns 30 quilos mais pesado que o rapaz.
- Eu lá tenho cara de quem está brincando, porra?
Becker não disse nada.
- Pega essa merda!
Becker mais uma vez tentou passar, mas o garoto bloqueou seu caminho.
- Já te disse pra pegar a porra das garrafas!
Nas mesas em volta, punks com os olhos vidrados começaram a se virar para observar a confusão.
- Melhor parar com isso, garoto - disse Becker, tentando manter a calma.
- Tô te avisando! - ameaçou o outro. - Essa mesa é minha! Venho aqui toda noite. Agora pegue as garrafas!
Becker perdeu a paciência. Deveria estar nas montanhas com Susan. O que estava fazendo na Espanha discutindo com um adolescente alucinado?
Com um golpe rápido, pegou o garoto por baixo dos braços, levantou-o no ar e jogou-o de costas sobre a mesa.
- Olha aqui, seu baixote de nariz furado. Ou você sai da minha frente agora ou vou arrancar esse alfinete do seu nariz e fechar a sua boca com ele.
O garoto ficou lívido.
Becker continuou segurando-o por alguns instantes, depois soltou-o. Sem tirar os olhos do rapaz apavorado, ele se agachou, pegou as garrafas e colocou-as de volta na mesa.
- Já se resolveu?
O punk estava sem fala.
- Não há de quê - retrucou Becker. Esse cara é uma propaganda viva a favor do controle de natalidade.
- Vá pro inferno! - gritou o garoto, ao perceber que seus amigos estavam rindo dele. - Bundão!
Becker não se moveu. Estava lembrando de uma coisa que o garoto havia dito: eu venho aqui toda noite. Becker pensou que ele talvez pudesse ajudá-lo.
- Desculpe, mas eu não ouvi seu nome...
- Meio-a-Meio - sibilou, como se estivesse proferindo uma sentença de morte.
- Meio-a-Meio? - ironizou Becker. - Deixa eu adivinhar... é por causa da careca?
- Não me diga, Sherlock.
- Nome interessante. Foi você quem inventou?
- Isso aí - disse, orgulhoso. - Vou patentear.
Becker devolveu com sarcasmo.
- Você quer dizer registrar os direitos?
O garoto olhou de volta, confuso.
- Você precisa de direitos autorais para um nome, não uma patente.
- Ah, que se dane! - respondeu o punk, perdido na conversa.
A diversificada aglomeração de punks bêbados ou drogados das mesas em volta ria histericamente. Meio-a-Meio levantou-se e confrontou Becker.
- Que porra você quer de mim?
Becker pensou: Queria que você lavasse a cabeça, parasse de falar palavrões e arrumasse um emprego. Concluiu que era coisa demais para pedir num primeiro encontro.
- Preciso de uma informação.
- Vai se danar.
- Estou procurando alguém.
- Vi ele não.
- Eu não o vi. - Corrigiu Becker, enquanto fazia sinal para uma garçonete que passava. Comprou duas cervejas Aguila e deu uma garrafa para Meio-a-Meio. O garoto não sabia bem o que fazer. Tomou um gole de cerveja e olhou para Becker, desconfiado.
- Tá dando em cima de mim, ô cara?
Becker sorriu.
- Estou atrás de uma garota.
Meio-a-Meio deu uma risadinha histérica.
- Não vai arrumar nada de interessante com essa roupa aí.
Becker olhou para ele, sério.
- Não estou querendo arrumar nada. Só quero conversar com ela. Talvez você pudesse me ajudar a encontrá-la.
Meio-a-Meio colocou sua garrafa na mesa.
- Você é tira?
- Cara, eu sou de Maryland. Se fosse um tira, estaria meio fora da minha jurisdição, não acha?
O garoto não sabia o que responder.
- Meu nome é David Becker - sorriu, estendendo a mão sobre a mesa.
O punk se afastou, enojado.
- Não encosta em mim, seu veado.
Becker deixou o braço pender.
- Vou te ajudar, mas vai te custar uma grana - disse ele, com escárnio.
- E quanto seria isso?
- Mil pratas.
- Bom, eu só tenho pesetas - respondeu Becker.
- Que seja. Mil pesetas, então.
Obviamente a conversão de moedas não era um dos fortes de Meio-a-Meio. Mil pesetas equivaliam a pouco menos de dez dólares americanos.
- Fechado! - disse Becker, batendo com sua garrafa na mesa.
O garoto sorriu pela primeira vez.
- Fechado.
- Bom - prosseguiu Becker em um tom de voz mais baixo. - Acho que a garota deve estar por aqui. Ela tem cabelo vermelho, branco e azul.
Meio-a-Meio riu.
- Ei, hoje é aniversário de Judas Taboo. Todo mundo está usando...
- Ela também está usando uma camiseta com a bandeira da Inglaterra e tem uma caveira pendurada na orelha.
Uma vaga sensação de reconhecimento cruzou o olhar do rapaz. Becker percebeu e ficou animado. Mas, um segundo depois, Meio-a-Meio fechou a cara. Socou a mesa com a garrafa e agarrou Becker pela camisa.
- Ela está com o Eduardo, seu imbecil! Melhor se cuidar! Se você encostar nela, ele te mata.
CAPÍTULO
56
Midge Milken entrou irritada na sala de reuniões que ficava próxima ao seu escritório. Além da mesa de mogno de dez metros de comprimento com o selo da NSA entalhado na madeira, a decoração incluía três aquarelas de Marion Pike, uma samambaia, um pequeno bar com bancada de mármore e, naturalmente, o indefectível bebedouro. Midge pegou um copo de água, esperando que a ajudasse a se acalmar um pouco.
Enquanto bebericava, olhou pela janela. O luar passava pelos espaços entre as venezianas e traçava contornos sobre a mesa. Ela sempre achou que essa sala seria mais adequada para o director do que o actual escritório dele, na parte frontal do prédio. A sala de Fontaine dava para o estacionamento, enquanto da sala de reuniões podia-se ver a maioria das instalações da NSA, inclusive o domo da Criptografia, uma ilha de alta tecnologia separada do prédio principal, flutuando numa área de 12 mil metros quadrados de florestas. Estratégicamente construída atrás da protecção natural proporcionada por uma aléia de bordos, não era fácil avistar a Criptografia da maioria das janelas do complexo da NSA, mas a visão a partir da ala da directoria era perfeita. Para Midge, a sala de reuniões era o ponto estratégico ideal para que um rei supervisionasse seus domínios. Ela já havia sugerido a Fontaine que mudasse seu escritório para lá, mas o director respondera apenas: “Nos fundos, não” Fontaine era o tipo de homem que não gostava de ficar por trás.
Midge abriu totalmente as persianas. Olhou para fora, para as montanhas. Com um suspiro de lamentação, virou-se na direcção da Criptografia. Midge sempre havia achado reconfortante observar o domo, um feixe de luz brilhando, não importa qual fosse a hora. Naquela noite, contudo, quando olhou para fora, não havia nada de reconfortante. Em vez disso, encontrou apenas a escuridão. Colou o rosto contra o vidro, assustada. A Criptografia havia desaparecido.
CAPÍTULO
57
Os banheiros da Criptografia não tinham janelas e, na mais completa escuridão, Susan não conseguia ver nada. Ficou imóvel por alguns instantes, tentando se orientar, ao mesmo tempo em que percebia o pânico crescente que tomava conta dela. Aquele grito horrível saído do duto de ventilação parecia continuar ecoando à sua volta. Apesar de seus esforços para manter o controle, o medo era mais forte e apoderou-se dela.
Em total desespero, andou sem rumo pelo banheiro, tacteando nervosamente as pias e portas dos sanitários. Desorientada, moveu-se pela escuridão, as mãos erguidas à frente, tentando encontrar a porta.
Derrubou uma lata de lixo e deu de cara contra uma parede. Seguindo a parede com a mão, andou aos tropeços até encontrar a porta e procurou nervosamente a maçaneta. Abriu-a e saiu para o salão da Criptografia.
Tomou um segundo susto.
A Criptografia também estava às escuras e todas as luzes do tecto, apagadas. Tudo o que se via era o contorno acinzentado do TRANSLTR destacando-se contra a pálida luz do céu nocturno que entrava pelo domo. Nem mesmo os teclados eletrônicos das portas estavam acesos.
Quando seus olhos se adaptaram à escuridão, ela notou que a única luz existente na Criptografia saía da portinhola aberta no chão. Era um leve brilho avermelhado das luzes de segurança do subsolo. Moveu-se nessa direcção. O ar cheirava a ozono.
Quando chegou perto da portinhola, ajoelhou-se e olhou para baixo. As válvulas de escape do fréon deixavam sair uma névoa atravessada pela luz vermelha. Pelo zumbido um pouco mais agudo vindo lá de baixo, Susan percebeu que os geradores de emergência tinham sido activados e estavam alimentando o TRANSLTR. Através da névoa esparsa, pôde ver Strathmore de pé na plataforma logo abaixo. Ele estava debruçado sobre um corrimão, olhando para o fundo do poço de onde vinha o ruído dos geradores.
- Comandante!
Nenhuma resposta.
Susan começou a descer pela escada, cuidadosamente. O ar quente que subia entrou por baixo de sua saia. Os degraus e o corrimão estavam escorregadios devido ao vapor. Ela chegou até a passarela logo abaixo.
- Comandante?
Strathmore não se virou. Ele continuava olhando para baixo, com uma expressão vazia, como se estivesse em transe. Susan aproximou-se e olhou na mesma direção, por sobre o corrimão. Inicialmente, pôde ver apenas as nuvens de vapor. Subitamente, ela viu. Um corpo. Seis andares abaixo. Apareceu brevemente em meio à fumaça. Sumiu. Depois apareceu novamente. Uma massa disforme de membros retorcidos. Quarenta metros abaixo deles, Phil Chartrukian jazia sobre as barbatanas finas de aço do gerador. Seu corpo estava escuro e parecia queimado. Ao cair, havia provocado um curto no gerador principal da Criptografia.
A imagem mais apavorante, contudo, não era a do corpo de Chartrukian, mas a de um outro vulto, uma pessoa, a meio caminho na escadaria abaixo, agachado, escondendo-se nas sombras. Mesmo na escuridão, o físico atlético não deixava dúvidas: era Greg Hale.
CAPÍTULO
58
O punk gritou para Becker:
- Megan está com meu amigo Eduardo! Fique longe dela!
- Onde ela está? - o coração de Becker estava acelerado.
- Vá se danar!
- É uma emergência! - explodiu Becker, agarrando o garoto pela camisa.
- Ela está com um anel que me pertence. Eu pago por ele! E pago bem! Meio-a-Meio parou, atônito, depois teve um ataque de risos.
- Ei, quer dizer que aquele pedaço de merda dourada, feio como o cão, é seu?
Becker arregalou os olhos.
- Você o viu?
Meio-a-Meio balançou a cabeça, concordando.
- Onde está agora? - perguntou Becker, ansioso.
- Menor idéia. - Meio-a-Meio sorriu. - Megan esteve por aqui tentando ganhar alguma grana com aquele troço.
- Ela estava tentando vender o anel?
- É, mas não se grila, ela se deu mal. Você tem um gosto de merda em relação a jóias.
- Tem certeza de que ninguém o comprou?
- Tá brincando? Por 400 paus? Eu disse que dava 50, mas ela queria mais. Era para comprar uma passagem de avião.
Becker ficou branco, sentindo suas esperanças se frustrarem de novo.
- Para onde?
- Connecticut - respondeu Meio-a-meio.
- Connecticut?
- É, porra. Vai voltar para a casa do papai e da mamãe. Não suportou a família espanhola do intercâmbio. Três irmãos hispanos sempre dando em cima dela. E sem água quente.
Becker sentiu um nó apertando a garganta.
- A que horas ela vai partir?
- Vai? - Ele riu. - Já foi embora há muito tempo. Saiu para o aeroporto horas atrás. Melhor lugar para passar o anel, com os turistas ricos e tudo mais. Assim que conseguisse a grana, ela ia pegar o avião.
Uma onda de enjôo percorreu o corpo de David. Isso só pode ser uma grande piada de mau gosto!
- Qual o sobrenome dela?
Meio-a-Meio pensou um pouco a respeito. Depois deu de ombros.
- Que vôo ela ia pegar?
- O corujão do fim de semana: Sevilha, Madri e depois La Guardia. A galera gosta dele porque é barato. Acho que sentam lá no fundo e ficam numa boa.
Genial. Becker estava exausto. Passou a mão pelo cabelo, pensativo.
- A que horas sai o vôo?
- Duas da madrugada, em ponto, todo sábado à noite. Já deve estar no meio do Atlântico a esta altura.
Becker consultou seu relógio. Era lh45 da madrugada. Ele olhou para Meio a-Meio, sem entender nada.
- Você disse que o vôo sai às duas?
O punk balançou a cabeça, rindo.
- É, cara, parece que você se ferrou.
Becker sacudiu o relógio na frente do garoto, irritado.
- Mas ainda faltam 15 para as duas!
Meio-a-Meio olhou para o relógio, perplexo. Depois soltou uma risada.
- Putz, que viagem. Em geral só fico tão doidão lá pelas quatro da manhã!
- Qual o caminho mais rápido para o aeroporto? - perguntou David, apressado.
- Pega um táxi lá na frente.
Becker pegou uma nota de mil pesetas e colocou na mão de Meio-a-Meio.
- Aí, cara, valeu! - O punk falou, enquanto Becker saía correndo. - Se você encontrar Megan, diz que eu mandei um beijo! - David já estava longe.
Meio-a-Meio tomou mais um trago e voltou, zonzo, para a pista de dança. Estava bêbado demais para notar o homem usando óculos com armação de metal que o seguia.
Do lado de fora, Becker olhou para o estacionamento, procurando um táxi. Não havia nenhum. Correu até um dos seguranças na entrada.
- Um táxi!
O segurança sacudiu a cabeça.
- Demasiado temprano. Cedo demais.
Cedo demais? Becker praguejou. Já são duas da manhã!
- Pídame uno! Chame um para mim!
O homem puxou um walkie-talkie do bolso. Disse alguma coisa, depois desligou. - Veinte minutos.
- Vinte minutos?! i Y el autobus?
O segurança fez uma expressão vaga e chutou.
- Uns 45 minutos.
Perfeito, pensou Becker, dando um tapa na própria testa, irritado.
O ruído de um pequeno motor fez com que ele virasse a cabeça. Parecia o som de uma motosserra. Um adolescente grandalhão e sua acompanhante cheia de correntes pararam no estacionamento e desceram de uma Vespa 250. Becker correu até eles. Não acredito que vou fazer isso, pensou. Odeio motocicletas. Gritou para o garoto:
- Eu te pago dez mil pesetas para me levar até o aeroporto.
O garoto ignorou-o e desligou a Vespa.
- Vinte mil! Eu preciso chegar até o aeroporto! - disse Becker, freneticamente. O rapaz olhou para ele.
- Scusi? - Era italiano.
- Aeropórto! Per favore. Sulla Vespa! Venti mille pesete!
O italiano olhou para sua pequena motoneta vagabunda e riu.
- Venti mille pesete? La Vespa?
- Cinquanta mille! Cinqüenta mil! - Becker aumentou a oferta para cerca de 500 dólares.
O italiano riu, duvidando que ele estivesse falando sério.
- Dov' é la plata? Onde está o dinheiro?
Becker puxou cinco notas de dez mil pesetas do bolso e mostrou para ele. O italiano olhou para o dinheiro, depois para sua namorada. A menina pegou as notas e colocou dentro da blusa.
- Grazie! - disse o italiano, sorridente. Jogou as chaves da Vespa para Becker.
Depois puxou sua namorada pela mão e saíram correndo para dentro do prédio.
- Aspetta! Espere! - gritou Becker. - Eu só queria uma boleia!
CAPÍTULO
59
Susan segurou a mão do comandante Strathrnore, que a puxou para fora da escada, de volta ao salão da Criptografia. A imagem de Phil Chartrukian morto sobre os geradores estava gravada em sua mente e a idéia de que Hale estava agora se escondendo nas entranhas da Criptografia a deixava tonta. A verdade era incontestável: Hale havia empurrado Chartrukian.
Susan andou, cambaleante, em direcção à porta principal da Criptografia - a mesma por onde havia entrado horas atrás. Batia freneticamente no teclado sem energia, mas a maciça porta giratória não se movia. A Criptografia havia se transformado em uma prisão, e Susan estava dentro dela. O domo era como um satélite a 100 metros do complexo principal da NSA, e a única entrada era a porta principal. Como a Criptografia gerava sua própria energia, o quadro de alarmes principal provavelmente nem teria sinalizado que estavam com problemas.
- A força principal caiu - disse Strathmore, vindo em sua direção. - Estamos usando os geradores auxiliares.
O sistema de geradores auxiliares da Criptografia fora desenhado para que o TRANSLTR e seus sistemas de resfriamento tivessem precedência sobre todo o resto, inclusive a iluminação e o controle das portas. Dessa forma, uma falta de energia não iria interromper o trabalho do TRANSLTR durante uma operação importante. Também significava que seu sistema de resfriamento a gás fréon continuaria funcionando, o que impediria que o calor gerado pelos três milhões de processadores atingisse níveis
críticos, provocando um superaquecimento e queimando os circuitos em volta e as placas onde estavam instalados. Uma catástrofe inimaginável.
Susan lutava para recuperar o controle e livrar-se do pânico. Seus pensamentos estavam presos à imagem do técnico caído sobre os geradores. Ela se virou para o comandante e gritou:
- Interrompa a execução!
Se o TRANSLTR parasse de procurar a chave do Fortaleza Digital, seus circuitos iriam consumir menos energia e haveria uma sobra suficiente para que as portas voltassem a funcionar.
- Calma, Susan - disse Strathmore, colocando a mão sobre seu ombro.
O gesto tranqüilizador do comandante tirou-a de seu transe. Ela se lembrou do motivo pelo qual tinha saído para procurá-lo. Em tom de urgência, disse:
- Comandante! Greg Hale é North Dakota!
Um profundo silêncio tomou conta da escuridão. Finalmente Strathmore respondeu. Soou confuso, mas não espantado.
- Do que você está falando?
- Hale... - Susan falou, baixinho. - Ele é North Dakota.
Mais uma pausa enquanto Strathmore pesava as palavras de Susan.
- O tracer? - Ele parecia perturbado. - Ele apontou para Hale?
- O tracer não voltou. Hale abortou o programa!
Susan explicou a Strathmore que Hale havia interrompido a execução do tracer e que ela tinha encontrado os e-mails de Tankado na conta de Greg. Outro longo silêncio seguiu-se. Strathmore sacudiu a cabeça:
- Não é possível que Hale seja o guardião de Tankado! Isso é absurdo! Tankado jamais confiaria em Hale.
- Mas, comandante, Hale já nos causou problemas uma vez com o Skipjack. Tankado confiava nele.
Strathmore não sabia o que dizer.
- Interrompa a execução do TRANSLTR - pediu Susan outra vez. - Já temos North Dakota. Chame a segurança interna. Vamos sair daqui.
Strathmore levantou a mão, pedindo silêncio para que pudesse pensar por um instante.
Susan olhava, nervosa, na direcção do alçapão. A abertura estava fora do seu campo de visão, mas o brilho avermelhado se espalhava pela cerâmica polida como fogo sobre gelo. Vamos, chame a segurança. Interrompa o TRANSLTR. Nos tire daqui!
Strathmore finalmente decidiu o que fazer.
- Siga-me - ele disse, partindo em direção à portinhola.
- Comandante! Hale é perigoso! Ele...
Mas Strathmore já havia sumido na escuridão. Susan apressou-se para não perder sua silhueta de vista. O comandante deu a volta por trás do TRANSLTR e chegou até a abertura no chão. Examinou o poço enevoado. Silenciosamente, olhou em volta para o salão da Criptografia, mergulhado em escuridão. Então agachou-se e, com esforço, levantou a pesada tampa do alçapão. Ela descreveu um arco curto e, quando ele a soltou, caiu ruidosamente sobre a abertura, fechando-a com um ruído seco. A Criptografia voltou a ser uma caverna silenciosa e escura. Aparentemente North Dakota estava aprisionado. Strathmore girou
a pesada tranca manual. A porta foi lacrada. O subsolo estava novamente isolado.
Nem ele nem Susan ouviram o leve ruído de passos na direcção do Nodo 3.
CAPÍTULO
60
Meio-a-Meio foi na direcção do corredor espelhado que servia como passagem entre o pátio e a pista de dança. Quando se virou para ver como estava seu alfinete de segurança no espelho, sentiu um vulto se aproximando por trás. Virou-se, mas era tarde. Um par de braços sólidos como uma rocha colaram seu rosto contra o espelho na parede.
O punk tentou se virar.
- Eduardo? Aí, cara, é você? - Meio-a-Meio sentiu uma mão pegando sua carteira pouco antes que o homem apertasse firmemente suas costas contra a parede. - Eddie! - gritou. - Deixa de sacanagem! Um cara esteve aqui procurando a Megan.
O outro sujeito o segurava firmemente.
- Ei, cara, me solta! - Mas, quando Meio-a-Meio conseguiu olhar pelo espelho, viu que o sujeito que o segurava não era nem de longe seu amigo.
O rosto era todo marcado de varíola e coberto de cicatrizes. Dois olhos vidrados o fitavam, inexpressivos, por trás dos óculos de armação de metal. O homem chegou mais perto, colocando a boca bem perto do ouvido de Meio-a-Meio. Uma voz estranha falou:
- Adónde fué? Para onde foi o americano? - As palavras soavam distorcidas.
O rapaz ficou paralisado de medo.
- Para o aeroporto. Aeropuerto. - Meio-a-Meio gaguejava, sem ar.
- Aeropuerto? - repetiu o homem, observando atentamente os lábios de Meio-a-Meio pelo espelho.
O punk assentiu.
- Tenía el anillo? Ele estava com o anel?
Morrendo de medo, Meio-a-Meio balançou a cabeça.
- Não.
- Viste el anillo? Você viu o anel?
Meio-a-Meio pensou. Qual era a resposta certa aqui?
- Viste el anillo? - repetiu a voz.
Meio-a-Meio fez que sim, esperando que a honestidade fosse uma boa saída. Não era. Poucos segundos depois estava caído no chão, com o pescoço quebrado.
CAPÍTULO
61
Jabba estava de costas, enfiado até a metade do corpo em um mainframe - um computador de grande porte. Segurava uma pequena lanterna na boca, um ferro de soldar na mão e tinha um grande diagrama de circuitos aberto sobre sua barriga. Acabara de soldar um novo conjunto de chips em uma placa quando seu celular se manifestou.
- Merda! - praguejou, enquanto tentava pegar o aparelho em meio a um amontoado de cabos. - Jabba falando.
- Jabba, é Midge.
Ele abriu um sorriso.
- Puxa, duas vezes na mesma noite? As pessoas vão começar a notar.
- A Criptografia está com problemas. - A voz de Midge estava tensa.
- Olha, já discutimos isso, certo?
- Problemas de energia.
- Não sou electricista. Ligue para a Engenharia.
- O domo está todo escuro.
- Você está vendo coisas. Vai pra casa. - Jabba voltou a atenção para seu diagrama de circuitos.
- Está completamente às escuras! - ela gritou.
Ele suspirou e colocou sua lanterna de lado.
- Midge, em primeiro lugar, eles têm um gerador auxiliar por lá. Jamais poderia estar completamente às escuras. Segundo, neste exacto momento, Strathmore tem uma visão um pouco melhor da Criptografia do que eu. Por que você não liga para ele?
- Porque isso tem a ver com ele. Está escondendo algo.
Jabba olhou para cima, impaciente.
- Querida, estou chafurdando em cabos aqui. Se estiver precisando de companhia, vou agora. Do contrário, ligue para a Engenharia.
- Jabba, isso é sério. Eu posso sentir que é.
Ela pode sentir? Confirmado, então, pensou Jabba. Midge está mesmo em um de seus "dias”.
- Se o Strathmore não está preocupado, eu também não estou.
- Mas que diabos, a Criptografia está toda escura!
- Talvez Strathmore esteja querendo ver as estrelas.
- Jabba! Estou falando sério!
- Tá bom, tá bom - ele resmungou, apoiando-se num cotovelo. - Talvez um dos geradores tenha sofrido um curto. Assim que eu terminar aqui, dou uma passada pela Criptografia e...
- E os geradores auxiliares? - continuou Midge, exasperada. - Por que os geradores de emergência não estão fornecendo energia?
- Não sei. Talvez Strathmore esteja executando algo no TRANSLTR e toda a força esteja sendo desviada para lá.
- Então por que ele não interrompe a execução? Talvez seja um vírus. Você mesmo disse antes que podia ser um vírus.
- Que diabos, Midge! - Jabba perdeu a calma. - Já te disse, não tem vírus nenhum na Criptografia. Então vamos parar com essa paranóia!
Houve um longo silêncio.
- Putz, que droga, Midge, me desculpe. Acho melhor eu explicar isso por partes. Primeiro, temos o Gauntlet. Nenhum vírus poderia passar por ele. Segundo, se houver uma queda de energia, tem que estar relacionada ao hardware. Um vírus não pode desligar a energia, ele ataca o software e os dados. Seja lá o que for que está acontecendo na Criptografia, não é um vírus.
Silêncio.
- Midge? Você está aí?
A resposta dela foi fria e seca.
- Jabba, eu tenho uma função aqui e acho errado que alguém grite comigo quando estou tentando fazer meu trabalho. Quando ligo para perguntar por que um prédio de alguns biliões de dólares está no escuro, o mínimo que espero é uma resposta profissional.
- Sim, senhora.
- Basta dizer sim ou não. É possível que o problema na Criptografia esteja relacionado a um vírus?
- Midge, eu já disse que...
- Sim ou não. O TRANSLTR pode estar com um vírus?
Jabba suspirou, resignado.
- Não, Midge, é completamente impossível.
- Obrigado.
Ele soltou um risinho forçado e tentou esfriar os ânimos.
- A menos, claro, que você ache que o próprio Strathmore tenha escrito um e contornado meus filtros.
A linha ficou muda novamente. Quando Midge voltou a falar, sua voz tinha um tom soturno.
- Strathmore tem o poder de contornar o Gauntlet?
- Era uma brincadeira, Midge. - Mas Jabba sentiu que era tarde demais.
CAPÍTULO
62
O comandante e Susan estavam ao lado da porta principal, ainda fechada, discutindo sobre o que fazer a seguir.
- Phil Chartrukian está morto lá embaixo - argumentou Strathmore. – Se pedirmos socorro, a Criptografia vai virar um pandemônio.
- O que você propõe então? - perguntou Susan, que naquele momento só queria sair dali.
Strathmore pensou. Olhando para a portinhola que agora estava trancada, disse:
- Não sei como isso aconteceu, mas parece que, acidentalmente, localizamos e neutralizamos North Dakota. - Ele sacudiu a cabeça, sem acreditar. - Uma sorte incrível, a meu ver. - Ainda parecia atônito com a idéia de que Hale estivesse envolvido no plano de Tankado. - Suponho que Hale tenha escondido a chave em algum lugar de seu terminal e talvez tenha uma outra cópia em casa. De qualquer forma, ele está trancado lá embaixo.
- Então por que não chamamos a segurança e deixamos que o levem?
- Ainda não. Se o pessoal de segurança de sistemas olhar as estatísticas de tempo de execução do TRANSLTR, teremos novos problemas. Quero que todos os rastros do Fortaleza Digital sejam apagados antes de abrirmos as portas.
Susan concordou relutantemente. Era um bom plano. Quando a segurança tirasse Hale do subsolo e o acusasse da morte de Chartrukian, ele provavelmente iria ameaçar contar para todos sobre o Fortaleza Digital. Mas as provas já teriam sido apagadas, e Strathmore podia se fazer de bobo. O TRANSLTR estava processando um arquivo há 18 horas? Um algoritmo inquebrável? Mas isso é um absurdo! Hale certamente conhece o Princípio de Bergofsky.
Strathmore delineou calmamente o seu plano:
- Vamos fazer o seguinte: primeiro apagamos toda a correspondência de Hale com Tankado, depois todos os registros de minha ordem para que o Gauntlet fosse contornado, todas as análises de SegSis feitas por Chartrukian, os registros do ExeMon, tudo. O Fortaleza Digital terá sumido do mapa. Nunca existiu, nunca esteve aqui. Damos sumiço na chave de Hale e aí temos que torcer para que David consiga encontrar a cópia de Tankado.
David, lembrou-se Susan. Fez força para não pensar nele. Precisava se concentrar naquela situação complicada.
- Vou cuidar do laboratório de SegSis - disse Strathmore. - As estatísticas do ExeMon, análise de actividade de mutação, o que houver por lá. Você cuida do Nodo 3. Apague todos os e-mails de Hale. Qualquer registro da correspondência com Tankado, qualquer coisa que diga respeito ao Fortaleza Digital.
- Ok - respondeu Susan, concentrando-se. - Vou apagar todo o disco de Hale. Reformatar tudo.
- Não! - interrompeu Strathmore, bruscamente. - Não faça isso. Hale provavelmente tem uma cópia da chave guardada lá dentro. Eu quero essa cópia. Susan olhou para ele, aturdida.
- Você quer a chave? Achei que a idéia por trás de tudo era destruir as chaves!
- Com certeza. Mas eu quero uma cópia. Quero abrir esse maldito arquivo e olhar o programa de Tankado.
Susan compartilhava da curiosidade de Strathmore, mas seus instintos lhe diziam que abrir o algoritmo do Fortaleza Digital não era uma decisão sábia, não importava o quão interessante pudesse ser. No momento, o perigoso programa estava trancado, em total segurança, dentro de sua própria encriptação. Era absolutamente inócuo. Contudo, assim que fosse desencriptado...
- Comandante, tem certeza de que não seria melhor se nós...
- Eu quero a chave - respondeu.
Susan admitia que, desde que ouvira falar no Fortaleza Digital, havia sentido uma certa curiosidade profissional em saber como Tankado conseguira escrever o programa. Sua própria existência ia contra as regras mais básicas da criptografia. Ela olhou para o comandante, séria.
- Você irá apagar o algoritmo assim que o analisarmos?
- Não vai sobrar nenhum vestígio.
Susan ficou tensa. Achar a chave de Hale não seria assim tão rápido.
Localizar uma chave em um dos discos rígidos do Nodo 3 era como tentar encontrar uma pedra específica em todo o Texas. Pesquisas em computadores só funcionam quando se sabe o que se está procurando, mas aquela chave era aleatória. Felizmente, como a Criptografia lidava exactamente com material aleatório, Susan e outros criptógrafos tinham desenvolvido um processo conhecido como pesquisa de não-conformidade. Em termos genéricos, a pesquisa pedia ao computador para analisar cada uma das cadeias de caracteres em seu disco, comparando-as com um enorme dicionário e então separando todas as cadeias que parecessem sem sentido ou aleatórias. Refinar os parâmetros continuamente era um trabalho subtil, mas possível.
Essa era, para Susan, a forma mais lógica para encontrar a chave. Ela suspirou, esperando não se arrepender de sua decisão.
- Se tudo correr bem, levarei cerca de uma hora.
- Então vamos ao trabalho - disse Strathmore, colocando uma mão em seu ombro e conduzindo-a em meio à escuridão de volta para o Nodo 3.
Acima deles, um céu estrelado cintilava sobre o domo. Susan pensou se David estaria vendo as mesmas estrelas em Sevilha.
Quando chegaram diante das pesadas portas de vidro do Nodo 3, Strathmore praguejou. O teclado do Nodo 3 estava apagado e as portas não se moveram.
- Que droga! Sem energia, as portas não vão se abrir.
O comandante observou as portas deslizantes de vidro. Colou as palmas de suas mãos ao vidro, depois inclinou-se para o lado, tentando forçá-las a se abrirem. Suas mãos estavam suadas e escorregaram. Ele secou-as nas calças e tentou de novo. Dessa vez as portas se moveram, deixando uma fresta.
Sentindo que poderia funcionar, Susan postou-se atrás de Strathmore e empurraram juntos. As portas correram cerca de cinco centímetros. Conseguiram segurar durante algum tempo, mas a pressão era muito grande. As portas se fecharam de novo.
- Espere aí - disse Susan, trocando de lugar e se posicionando dessa vez em frente de Strathmore. - Ok, vamos tentar de novo.
Fizeram força juntos. Mais uma vez, as portas se abriram alguns centímetros. Uma leve luz azulada emanava de dentro do Nodo 3. Os terminais ainda estavam ligados. Como eram considerados críticos para a operação do TRANSLTR, estavam recebendo energia dos geradores auxiliares.
Susan fincou a ponta de seu sapato no chão e fez mais força. As portas começaram a se mover. Strathmore mudou de posição para encontrar um ângulo melhor. Centrando suas palmas no painel esquerdo, ele empurrou directamente para trás. Susan empurrava o painel direito na direcção oposta.
Lentamente, com grande esforço, as portas começaram a se abrir. Agora a abertura já tinha uns 30 centímetros.
- Não solte - disse Strathmore ofegante enquanto empurravam com mais força ainda. - Só mais um pouco.
Susan se ajeitou de forma que seu ombro estava apoiado na extremidade de uma das portas. Ela empurrou de novo, dessa vez com um ângulo melhor. As portas estavam pressionando, tentando fechar-se novamente.
Antes que o comandante pudesse detê-la, ela conseguiu se enfiar dentro da abertura. Strathmore reclamou, mas ela estava decidida. Queria sair da Criptografia e conhecia Strathmore o bastante para saber que ela não iria a lugar algum enquanto a chave de Hale não fosse encontrada.
Colocou-se no meio da abertura e usou toda a sua força. As portas pareciam estar empurrando de volta. Subitamente, Susan perdeu o ponto de apoio. As portas correram em sua direcção. Strathmore lutou para segurá-las, mas, sozinho, não tinha força suficiente. Pouco antes de as portas se fecharem novamente, Susan conseguiu se enfiar pela abertura e caiu do outro lado.
O comandante fez força para abrir uma fresta nas portas e, colocando o rosto na abertura, perguntou:
- Nossa, Susan. Você está bem?
Ela se levantou e arrumou a roupa.
- Tudo bem.
Susan olhou em volta. O Nodo 3 estava deserto, iluminado apenas pelos monitores dos computadores. As sombras azuladas davam ao lugar uma aparência fantasmagórica. Ela virou-se para Strathmore, que mantinha a cara na fresta entre as portas. Sua face parecia pálida e doentia na luz azul.
- Susan, me dê uns 20 minutos para apagar os arquivos no laboratório de SegSis. Quando todas as pistas tiverem sido apagadas, vou até meu terminal e interrompo a execução do TRANSLTR.
- Acho bom mesmo! - disse Susan, observando as pesadas portas de vidro. Enquanto o TRANSLTR não parasse de consumir a energia auxiliar, ela ficaria presa dentro do Nodo 3.
Strathmore soltou as portas e elas se fecharam. Susan ficou olhando através do vidro enquanto o comandante sumia na escuridão da Criptografia.
CAPÍTULO
63
A Vespa recém-comprada por Becker ia aos trancos e barrancos pela via de acesso ao aeroporto de Sevilha. Durante toda a viagem, as juntas dos dedos de Becker estavam brancas, tamanha a pressão que ele fazia. De acordo com seu relógio, passava um pouco de duas da manhã no horário local.
Quando se aproximou do terminal principal, subiu com a Vespa na calçada e pulou da moto ainda em movimento. Ela quicou pelo chão e finalmente parou. Becker correu, com as pernas trêmulas, e passou pelas portas giratórias. Nunca mais, ele jurou para si mesmo.
O terminal tinha uma aparência estéril e era mal iluminado. Excepto por um faxineiro encerando o chão, o lugar estava completamente deserto. Do outro lado do salão, uma funcionária estava fechando o balcão da Iberia Airlines. Mau sinal, pensou Becker, correndo para falar com a moça.
- EI vuelo a los Estados Unidos?
A atraente espanhola do outro lado do balcão olhou para ele e sorriu.
- Acaba de salir. Você perdeu o vôo. - Essas palavras ficaram flutuando no ar por algum tempo.
Eu perdi o vôo. Becker deixou cair os ombros, abatido.
- Havia algum assento vago?
- Vários - disse a mulher, ainda sorrindo. - Estava quase vazio. Mas amanhã há um outro vôo às oito da manhã que também...
Preciso saber se uma amiga conseguiu embarcar nesse vôo.
- Lamento, senhor, mas temos a obrigação de manter a privacidade de...
- É muito importante - insistiu Becker, em tom de urgência. - Só preciso saber se ela conseguiu pegar o avião. Só isso.
A mulher inclinou ligeiramente a cabeça, atenciosa:
- Problemas amorosos?
Becker pensou por um instante. Depois fez cara de tímido, deu um sorrisinho e disse:
- Está tão na cara assim?
Ela piscou um olho.
- Qual o nome dela?
- Megan - disse ele, com tristeza na voz.
A moça no balcão sorriu.
- Você poderia me dar o sobrenome?
Becker expirou lentamente. Sim, se eu ao menos soubesse!
- Olha, na verdade a situação é meio complicada. Você me disse que o avião estava quase vazio. Talvez você pudesse...
- Sem um sobrenome eu realmente não...
- Desculpe, mas... - Becker fez uma pausa, tendo pensado em outra coisa.
- Você ficou de plantão a noite inteira?
- Sim, estou de plantão desde ontem à tarde.
- Então é possível que você a tenha visto. É uma garota, deve ter 15 ou 16 anos. Seu cabelo... - Antes de completar a frase, ele percebeu seu erro.
A moça fechou a cara.
- Sua namorada tem 15 anos?
- Não! - Becker se engasgou. - Quero dizer... Merda!, falou para si mesmo.
- Se você puder me ajudar, é realmente importante.
- Lamento - disse a atendente, ríspida.
- Não é o que parece. Se você pudesse apenas...
- Boa noite, senhor. - A mulher puxou a grade de metal que fechava o balcão e sumiu dentro de uma sala nos fundos.
Becker soltou grunhidos de raiva. Perfeito, David, perfeito. Ele olhou em volta procurando alguém no saguão do aeroporto. Nada. Ela deve ter conseguido vender o anel e embarcou no vôo. Foi na direcção do faxineiro.
- Has visto a una nina? - gritou por cima do barulho da enceradeira. – Você viu uma garota?
O homem se abaixou e desligou a máquina.
- Eh?
- Una nina? Pelo rojo, azul y blanco. Cabelo vermelho, azul e branco.
O faxineiro riu.
- Qué fea. Parece feia. - Sacudiu a cabeça e voltou a trabalhar.
David Becker ficou parado no meio do saguão do aeroporto deserto, pensando no que faria a seguir. A noite havia sido uma comédia de erros. As palavras de Strathmore ressoavam em sua mente: Não ligue enquanto não tiver o anel. Uma profunda exaustão tomou conta dele. Se Megan tivesse mesmo vendido o anel e tomado o avião, não havia como saber quem estaria com ele agora.
Becker fechou os olhos e tentou se concentrar. O que vou fazer agora? Decidiu pensar no assunto com calma. Primeiro precisava urgentemente fazer algo que estava adiando há algum tempo: ir ao banheiro.
CAPÍTULO
64
Susan estava sozinha no silêncio do Nodo3, iluminado apenas pelos monitores. Sua tarefa era clara: acessar o terminal de Hale, localizar sua chave e depois apagar todos os vestígios de comunicação com Tankado. Não podia sobrar qualquer pista do Fortaleza Digital.
No entanto, Susan continuava perturbada com a idéia de guardar a chave e desencriptar o Fortaleza Digital. Ela se sentia desconfortável, achava que não deviam brincar com a sorte. Estavam se saindo bem até o momento. North Dakota tinha aparecido milagrosamente ao lado deles e fora aprisionado. A única questão em aberto era David: ele precisava encontrar a outra chave. Susan desejou que ele estivesse bem.
Enquanto andava lentamente pelo Nodo 3, ela tentou clarear sua mente. Era peculiar se sentir desconfortável em um espaço tão familiar. Tudo no Nodo 3 parecia diferente no escuro. Mas havia alguma coisa ali. Susan hesitou, momentaneamente, e olhou para as portas fechadas. Não havia como fugir. Vinte minutos, pensou.
Quando se virou na direcção do terminal de Hale, notou um estranho cheiro, algo penetrante e que definitivamente não pertencia ao Nodo 3. Pensou se seria algum problema com o desionizador, que poderia estar parado. O cheiro era vagamente familiar e trazia consigo uma lembrança incômoda. Pensou em Hale trancado lá embaixo em sua enorme cela, cheia de vapor. Será que ele colocou fogo em alguma coisa? Olhou para os dutos de ventilação e tentou identificar o cheiro, que parecia vir de um lugar próximo.
Ela olhou para as portas de treliça da quitinete. Reconheceu o cheiro quase instantaneamente. Era colônia... e suor.
Curvou-se sobre si mesma, instintivamente, mas não estava preparada para o que viu a seguir. Por trás das treliças, dois olhos a encaravam. Deparou-se, então, com a terrível verdade. Greg Hale não estava trancado no subsolo: ele estava ali, dentro do Nodo 3! Devia ter subido pela escada antes que Strathmore fechasse a tampa do alçapão. Tivera força suficiente para abrir as portas sozinho.
Susan já tinha ouvido dizer que, em estado de completo terror, as pessoas geralmente ficam paralisadas. Descobriu que aquilo era um mito. No mesmo instante em que compreendeu o que estava acontecendo, começou a se mover. Saiu aos tropeções no escuro com um único pensamento: fugir.
O ruído de madeira se quebrando atrás dela veio quase ao mesmo tempo. Hale, que estivera sentado em silêncio sobre o fogão, empurrou suas pernas como duas marretas. As portas voaram longe. Ele saltou para o chão e saiu correndo na direcção de Susan com passadas largas.
Susan derrubou uma luminária no caminho, tentando fazer com que Hale tropeçasse, mas sentiu que ele pulou por cima do obstáculo sem dificuldade aproximando-se rapidamente.
Quando seu braço direito agarrou a cintura de Susan por trás, ela se sentiu como se tivesse batido em uma barra de ferro. Ficou sem ar, por conta da pancada. Os bíceps de Hale puxaram-na pelo quadril.
Susan tentou resistir e começou a se debater ferozmente, acertando o nariz de Hale com o cotovelo. Ele a soltou e caiu de joelhos no chão, as mãos segurando o nariz.
- Sua filha da... - gritou, com dor.
Susan correu até as portas, com uma esperança vã de que Strathmore restaurasse a energia naquele momento e as portas se abrissem à sua frente. Contudo, isso não aconteceu, e ela ficou socando inutilmente o vidro.
Hale se moveu pesadamente em sua direcção, com o nariz cheio de sangue. Em pouco tempo agarrou-a de novo, uma das mãos prendendo-a firmemente na altura do peito esquerdo e a outra segurando sua cintura. Puxou-a para longe da porta.
Ela gritou, com a mão esticada em uma tentativa fútil de impedi-lo.
Ele puxou-a para trás, com a fivela de seu cinto machucando sua coluna. Susan estava assustada com sua força. Ele arrastou-a pelo carpete, e os sapatos dela saíram. Com um gesto ágil, Hale levantou-a no ar e jogou-a no chão perto de seu terminal.
Susan estava agora com as costas apoiadas no chão, a saia levantada até a metade de suas coxas. O botão superior de sua blusa tinha aberto durante a briga e seu peito arfava pesadamente sob a luz azulada do monitor. Ela olhou apavorada quando ele se lançou sobre ela, prendendo-a entre suas pernas. Não conseguia decifrar o que estava por trás dos olhos dele. Parecia medo, mas podia igualmente ser raiva. Quando Hale percorreu com os olhos seu corpo, Susan sentiu uma nova onda de pânico invadi-la.
Hale sentou-se firmemente sobre sua cintura, encarando-a com um olhar gélido. Susan tentava se lembrar de tudo que havia aprendido sobre autodefesa. Tentava lutar, mas estava presa, sem acção. Fechou os olhos.
Ai, meu Deus, por favor, não!
CAPÍTULO
65
Brinkerhoff andava de um lado para o outro no escritório de Midge.
- Ninguém pode contornar o Gauntlet. É impossível!
- Engano seu. Acabei de falar com Jabba. Ele disse que instalou um dispositivo para contorno manual no ano passado.
Brinkerhoff estava confuso.
- Nunca tinha ouvido falar disso.
- Ninguém ouviu. Foi tudo feito às escondidas.
- Midge, Jabba é obsessivo no que diz respeito à segurança! – Brinkerhoff argumentou. - Ele jamais instalaria um dispositivo de contorno para...
- Strathmore fez com que fosse instalado - ela disse, interrompendo. Brinkerhoff quase podia ouvir a mente dela maquinando.
- Você lembra, no ano passado, quando o comandante estava trabalhando no caso daquele grupo terrorista anti-semita da Califórnia?
Brinkerhoff lembrava. Havia sido uma das acções mais bem-sucedidas de Strathmore no ano anterior. Usando o TRANSLTR para decifrar um código interceptado, ele descobriu um plano para colocar uma bomba em uma escola judaica de Los Angeles. Descodificou a mensagem dos terroristas apenas 12 minutos antes da explosão e, com alguns telefonemas urgentes, salvou 300 crianças que estavam na escola.
- Agora ouça isso - disse Midge, abaixando o tom de voz, como se alguém pudesse ouvi-los. - Jabba disse que Strathmore havia interceptado o código dos terroristas seis horas antes que a bomba explodisse.
- Mas, então, por que ele esperou...
- Porque não conseguia fazer com que o TRANSLTR desencriptasse o arquivo. Ele tentou, mas o Gauntlet o rejeitava sucessivamente. Estava encriptado com um novo algoritmo de chave pública que os filtros ainda não haviam encontrado. Jabba levou quase seis horas para ajustá-los.
Brinkerhoff ficou atônito.
- Strathmore, obviamente, ficou furioso. Então fez com que Jabba instalasse um dispositivo para contornar o Gauntlet, caso algo do gênero acontecesse novamente.
- Nossa - Brinkerhoff assobiou, impressionado. - Eu não sabia dessa.
- Depois olhou para ela, curioso. - Onde exactamente você quer chegar?
- Acho que Strathmore usou o dispositivo hoje para processar um arquivo que o Gauntlet havia rejeitado.
- Qual é o problema? É para isso que serve o dispositivo, certo?
Midge sacudiu a cabeça.
- Não se o arquivo em questão for um vírus.
- Um vírus? E quem falou em vírus?
- É a única explicação - disse ela. - Jabba disse que um vírus seria a única coisa capaz de parar o TRANSLTR durante tanto tempo, então...
- Espere aí! Strathmore nos disse que estava tudo bem por lá!
- Ele está mentindo.
Brinkerhoff não estava entendendo.
- Você quer dizer que Strathmore deixou um vírus entrar no TRANSLTR de propósito?
- Não! Não acho que ele soubesse que fosse um vírus. Acho que foi enganado.
Brinkerhoff não sabia o que dizer. Definitivamente, o que Midge Milken dizia não estava fazendo muito sentido.
- Isso explicaria muita coisa! - insistiu ela. - Explicaria, por exemplo, o que ele está fazendo lá a noite toda.
- Colocando novos vírus em seu próprio computador?
- Não! - disse ela, irritada. - Tentando encobrir o erro que cometeu. E agora não pode interromper a execução do TRANSLTR e restaurar a força porque o vírus está bloqueando os processadores.
Brinkerhoff revirou os olhos. Midge já tinha tido alguns "ataques" no passado, mas não como este agora. Ele tentou acalmá-la.
- Jabba não me parece muito preocupado.
- Jabba é um tolo - disse ela, entredentes.
Brinkerhoff ficou surpreso. Ninguém jamais havia chamado Jabba de tolo.
Talvez já tivessem dito que era porco, mas nunca tolo.
- Você está dando mais importância à sua intuição feminina do que à enorme experiência de Jabba em técnicas de programação defensiva?
Ela lhe lançou um olhar fulminante.
O assistente levantou as mãos, dando-se por vencido.
- Ok, eu retiro o que disse. - Ele não queria ouvir outro monólogo sobre a inusitada habilidade de Midge para perceber desastres iminentes. - Eu sei que você odeia Strathmore, mas...
- Já disse que isso não tem nada a ver com Strathmore! - Midge estava soltando fumaça. - A primeira coisa que precisamos fazer é confirmar se Strathmore ordenou que o Gauntlet fosse contornado. Depois entramos em contato com o director.
- Óptimo - resmungou Brinkerhoff. - Vou ligar para o comandante e pedir que nos envie uma declaração com sua assinatura.
- Não - ela retrucou, ignorando o sarcasmo da resposta. - Strathmore já nos contou uma mentira hoje. - Ela sondou seus olhos. - Você tem as chaves do escritório de Fontaine?
- Claro. Sou seu assistente.
- Preciso delas.
Brinkerhoff ficou parado.
- Midge, não vou deixar você entrar no escritório de Fontaine de forma alguma.
- Mas é necessário! - exigiu. Ela se virou e começou a digitar no teclado do Big Brother. - Estou pedindo um relatório dos comandos enviados ao TRANSLTR. Se Strathmore ordenou um contorno manual, irá aparecer no relatório. .
- E o que isso tem a ver com o escritório do Fontaine?
- Essa listagem só pode ser enviada para a impressora de Fontaine. Você sabe disso!
- É porque ela é secreta, Midge!
- Estamos em meio a uma emergência. Eu preciso ver essa listagem.
Brinkerhoff colocou suas mãos nos ombros dela.
- Por favor, sente-se e acalme-se. Você sabe que não posso...
Ela virou-se novamente para o teclado.
- Estou mandando imprimir a listagem. Vou entrar, pegá-la e sair. Agora me dê as chaves.
- Midge.
Ela terminou de digitar e encarou-o.
- Chad, o relatório leva apenas 30 segundos para ser impresso. Vamos fazer um acordo. Você me dá a chave. Se Strathmore de facto tiver ordenado um contorno do Gauntlet, chamamos a segurança. Se eu estiver errada, vou embora e você pode ir brincar de passar mel em Carmen Huerta. - Ela lhe lançou um olhar malicioso e estendeu a mão para pegar as chaves. - Estou esperando.
Brinkerhoff grunhiu, arrependido de tê-la chamado de volta para verificar o relatório da Criptografia. Ele olhou para a mão dela.
- Você está me pedindo para lhe dar acesso a informações secretas dentro da sala do director. Você tem idéia do que acontecerá se formos pegos?
- O director está na América do Sul.
- Me desculpe. Não posso fazer isso. - Brinkerhoff cruzou os braços e saiu andando em direção a seu escritório.
Midge olhou enfurecida para ele.
- Ah, mas você pode sim - ela murmurou. Depois voltou-se para o Big Brother e acessou os arquivos de vídeo.
Midge vai superar isso, pensou Brinkerhoff, sentando-se em sua mesa para olhar os outros relatórios. Ela não podia esperar que ele lhe desse as chaves da sala do director toda vez que tivesse um de seus acessos de paranóia.
Ele tinha acabado de verificar as análises de COMSEC quando sua concentração foi interrompida pelo som de vozes vindas da outra sala. Deixou o relatório na mesa e caminhou até a porta.
A sala principal estava escura, exceto por um pequeno brilho de luz acinzentada que saía da porta semi-aberta de Midge. Ele escutou com atenção. As vozes persistiam. Pareciam animadas.
- Midge?
Nenhuma resposta.
Atravessou o corredor escuro até chegar à sala de Midge. As vozes lhe eram familiares. Abriu a porta. A sala estava vazia e não havia ninguém na cadeira de Midge. O som vinha de cima. Brinkerhoff olhou na direção dos monitores de vídeo e sentiu um enorme mal-estar. A mesma imagem estava sendo exibida em cada uma das 12 telas, numa espécie de balé perversamente coreografado. Brinkerhoff apoiou-se nas costas da cadeira de Midge e ficou olhando, horrorizado.
- Chad? - a voz soou atrás dele. Ele se virou e apertou os olhos para enxergar na escuridão. Midge estava sentada em um canto, do outro lado da recepção da ala principal, em frente às portas duplas do diretor. Sua mão continuava estendida. - As chaves, Chad.
Brinkerhoff ficou vermelho. Virou-se para os monitores, tentando bloquear as imagens, mas não conseguiu. Ele estava nas telas, gemendo de prazer enquanto acariciava avidamente os pequenos seios cobertos de mel de Carmem Huerta.
CAPÍTULO
66
Becker atravessou o saguão em direcção aos banheiros, mas, ao chegar à porta onde estava escrito CABALLEROS, viu que estava bloqueada por um cone amarelo e um carrinho de limpeza cheio de detergentes e panos. Olhou para o lado. DAMAS. Foi até lá e bateu na porta com força.
- Hola? - disse alto, abrindo ligeiramente a porta do banheiro das mulheres.
- Con permiso?
Silêncio.
Entrou.
O banheiro era típico: perfeitamente quadrado, cerâmica branca, uma lâmpada incandescente no tecto. Como sempre, havia um reservado e um urinol. O facto de um urinol ser ou não útil em um banheiro feminino era irrelevante. Colocá-lo lá fazia com que os empreiteiros economizassem a construção de um reservado adicional.
Becker olhou, enojado, para o resto do banheiro. Estava sujo. A pia estava entupida e cheia de uma água marrom e fedorenta. Havia toalhas de papel sujas espalhadas por toda parte. O chão estava molhado. O velho secador de mãos eléctrico na parede estava todo sujo e com marcas esverdeadas de dedos.
Becker foi até o espelho e suspirou. Seus olhos, que normalmente demonstravam uma clareza aguda, pareciam fora de foco naquela noite. Há quanto tempo estou andando por esta cidade?, pensou. Era incapaz de fazer as contas. Por puro hábito, ajeitou o nó de sua gravata sobre o colarinho. Depois foi até o urinol.
Enquanto estava lá, ficou pensando se Susan já teria voltado para casa. Onde será que ela foi? Para Stone Manor, sem mim?
- Ei! - disse uma voz feminina atrás dele, zangada.
Becker se assustou.
- Eu, eu... - balbuciou, tentando fechar o zíper rapidamente. - Desculpe, eu...
Virou-se para olhar a garota que tinha acabado de entrar. Era uma jovem sofisticada e parecia ter saído de uma revista de moda para adolescentes. Usava calças de tecido quadriculado com pregas e uma blusa branca sem mangas. Carregava uma bolsa de lona da marca L.L. Bean e seu cabelo louro tinha um penteado perfeito.
- Mil desculpas - Becker murmurou, enquanto abotoava o cinto. - O sanitário masculino estava... enfim... estou saindo.
- Porra de maluco!
Becker olhou de novo. O palavreado não combinava muito com o resto. Mas, enquanto Becker olhava para ela, percebeu que não era tão fina quanto tinha achado de início. Seus olhos estavam inchados e vermelhos e a pele do antebraço direito, arroxeada.
Deus, pensou Becker, drogas intravenosas. Quem diria.
- Saia daqui! - gritou. - Saia já!
Por alguns instantes Becker deixou de lado a história do anel, a NSA, tudo.
Ficou de coração partido com a jovem. Seus pais certamente a haviam enviado para a Espanha com uma bolsa de estudo e um cartão de crédito, e ela tinha ido parar ali, sozinha em um banheiro, no meio da noite, se drogando.
- Você está bem? - perguntou ele, enquanto ia em direcção à porta.
- Estou. - A voz tinha um tom de desprezo. - Saia, agora.
Becker virou-se para sair. Lançou um último olhar entristecido para o ante-braço da garota. Não há nada que você possa fazer, David. Deixe-a aí.
- Agora! - ela gritou.
Ao passar pela porta, Becker virou-se uma última vez, deu um sorriso tristonho e disse:
- Cuide-se.
CAPÍTULO
67
- Susan? - Hale estava ofegante, com o rosto próximo ao dela.
Ele estava sentado, com as pernas por cima dela, todo o peso de seu corpo jogado sobre o abdômen de Susan. A bacia de Hale estava dolorosamente apoiada no púbis dela através do tecido fino da saia. O nariz dele pingava sangue. Ela sentiu um gosto de vômito no fundo da garganta. As mãos dele estavam sobre seu peito.
Em seguida, não sentiu mais nada. Ele está me bolinando? Levou algum tempo para que Susan compreendesse que Hale estava abotoando sua blusa e ajeitando sua roupa.
- Susan - Hale continuou, sem ar. - Você tem que me tirar daqui.
Ela parecia estar em transe. Nada fazia sentido.
- Você precisa me ajudar! Strathmore matou Chartrukian! Eu vi tudo!
As palavras entravam por seus ouvidos, mas o cérebro ainda tentava encaixar uma coisa na outra. Strathmore matou Chartrukian? Hale com certeza não sabia que Susan o vira no subsolo.
- Strathmore sabe que eu o vi! - continuou Hale, apressado. - Ele vai me matar também!
Se não estivesse com tanto medo, teria rido na cara dele. Ela reconheceu a táctica de dividir para conquistar típica de um ex-marine. Inventar mentiras, jogar seus inimigos um contra o outro.
- É verdade! - ele gritou. - Temos que pedir ajuda! Acho que ambos corremos perigo!
Ela não acreditava em nada do que ele dizia.
A perna musculosa de Hale estava sem circulação e ele mudou de posição para se apoiar na outra perna. Abriu a boca para continuar falando, mas não teve tempo.
Assim que Hale levantou um pouco o corpo, Susan sentiu o sangue voltar às suas próprias pernas. Antes que soubesse o que acontecera, com um reflexo instintivo deu a joelhada mais forte que pôde no saco de Hale. Sentiu seu joelho esmagando o tecido fino entre as pernas dele.
Hale gemeu de dor e jogou-se para o lado, contorcendo-se. Susan foi em direcção à porta, sabendo que jamais conseguiria abri-la. Tomando uma decisão rápida, ela se posicionou atrás da mesa de reuniões de madeira e enfiou seus pés fundo no carpete. Felizmente a mesa tinha rodas. Reunindo todas as suas forças, empurrou a mesa à sua frente na direção da parede de vidro curvo. Graças às rodas, a mesa corria bem sobre o carpete. Na metade do caminho já tinha tomado uma boa velocidade.
A pouco mais de um metro de distância do vidro, Susan empurrou a mesa com força e soltou-a. Jogou-se no chão e cobriu a cabeça. Após um estalo forte, a parede explodiu em uma chuva de pequenos cacos de vidro. Os sons do salão da Criptografia entraram no Nodo 3 pela primeira vez desde sua construção.
Susan abriu os olhos. Pelo buraco irregular, ela podia ver a mesa correndo pelo salão e girando sobre si mesma até desaparecer na escuridão. Ela enfiou o pé de volta em seu Ferragamo, já bastante torcido, deu uma última olhada para Greg Hale, que continuava no chão, e saiu correndo pelo mar de cacos para a Criptografia.
CAPÍTULO
68
- Então, não foi fácil? - disse Midge, em tom zombeteiro, quando Brinkerhoff lhe entregou as chaves do escritório de Fontaine.
Ele estava arrasado.
- Vou apagar as fitas antes de sair - prometeu Midge. - A menos, claro, que você e sua mulher as queiram para sua colecção pessoal.
- Entre lá e pegue a maldita impressão - respondeu ele, irritado. – E depois saia!
- Sí, señor - ironizou Midge. Ela piscou e dirigiu-se para as portas duplas que davam acesso ao escritório de Fontaine.
A sala de Leland Fontaine não se parecia nem um pouco com o restante da ala da directoria. Não havia pinturas, nem cadeiras sofisticadas, vasos com fícus ou relógios antigos. Todo o espaço tinha sido projectado para o máximo de eficiência. A mesa com tampo de vidro e a cadeira de couro preto ficavam em frente à sua enorme janela panorâmica. Em um canto, perto de uma pequena mesa com uma cafeteira francesa, havia três gavetões de arquivos. A lua estava bem alta no céu de Fort Meade e sua luz suave entrando pela janela acentuava o ascetismo funcional da decoração do director.
Estou ferrado, pensava Brinkerhoff.
Midge correu até a impressora e agarrou a listagem. Ela forçou os olhos para enxergar na escuridão da sala.
- Não consigo ler direito. Acenda as luzes!
- Você vai ler isso lá fora! Ande, vamos.
Mas Midge aparentemente estava se divertindo bastante. Ela brincou com Brinkerhoff, indo até a janela e posicionando o papel para conseguir ler melhor. - Midge...
Ela continuava lendo.
Brinkerhoff olhava nervosamente de um lado para o outro, de pé junto à porta.
- Vamos, Midge. Essa é a sala do director.
- Está aqui, eu sei que está aqui - murmurou, estudando a listagem.
- Strathmore contornou o Gauntlet, tenho certeza. - Moveu-se para mais perto da janela.
Brinkerhoff começou a suar. E Midge continuou lendo.
Poucos instantes depois, ela gritou:
- Eu sabia! Strathmore mentiu! Ele realmente ordenou um contorno! Que idiota! - ela brandia o papel. - Olha aqui, ele contornou o Gauntlet!
Brinkerhoff ficou parado um instante, incrédulo, depois atravessou correndo o escritório do director. Juntou-se a Midge em frente à janela. Ela estava apontando para o final da listagem.
Ele leu, perplexo.
- Mas que diabos?
A listagem mostrava os últimos 36 arquivos processados pelo TRANSLTR.
Depois de cada arquivo vinha um código de permissão do Gauntlet. Contudo, o último não possuía código algum. Apenas trazia a seu lado as palavras: CONTORNO MANUAL.
Meu Deus, pensou Brinkerhoff. Midge acertou de novo.
- Que idiota! - disse Midge, eufórica. - Olhe isso! Gauntlet rejeitou o arquivo duas vezes! Tinha cadeias de caracteres mutantes! E ainda assim ele ordenou um contorno. O que Strathmore estava pensando?
Brinkerhoff sentiu que suas pernas estavam trêmulas. Ficou pensando como é que Midge sempre acertava essas coisas. Em meio à excitação, nenhum dos dois notou o reflexo que apareceu na janela ao lado deles. Uma figura imponente estava parada na porta do escritório de Fontaine.
- Uau! Você acha que é um vírus? - disse Brinkerhoff.
Midge suspirou.
- Não pode ser outra coisa.
- Talvez seja algo que não diga respeito a nenhum de vocês - falou uma voz estrondosa atrás deles.
Midge bateu com a cabeça na parede. Brinkerhoff perdeu o equilíbrio, esbarrou na cadeira do director e andou em direção à voz. Ele sabia de quem era aquela silhueta.
- Senhor director! - engasgou-se Brinkerhoff. Aproximou-se e estendeu a mão. - Bem-vindo, senhor.
O enorme homem ignorou-o.
- Eu... Eu pensei que... - gaguejou Brinkerhoff, soltando o braço. – Pensei que o senhor estivesse na América do Sul.
Leland Fontaine olhou de cima a baixo seu ajudante, com um olhar fulminante.
- Sim, e agora estou de volta.
CAPÍTULO
69
- Ei, senhor!
Becker tinha saído do banheiro e se dirigia a uma fileira de telefones públicos. Parou e virou-se. Atrás dele vinha a garota que ele encontrara no banheiro.
Ela fez sinal para que ele esperasse. .
O que ela quer agora?, resmungou Becker para si mesmo. Vai me acusar de invasão de privacidade?
A garota puxava sua bolsa na direção de Becker. Quando chegou até ele, estava com um grande sorriso.
- Me desculpe por ter gritado lá no banheiro. É que você me assustou.
- Sem problemas - disse Becker, intrigado. - Digamos que eu estava no lugar errado.
- Olha, isso vai parecer meio louco, mas... - ela disse, piscando os olhos avermelhados. - Você por acaso não teria algum dinheiro para me emprestar?
Becker olhou para ela, surpreso.
- Dinheiro? Para quê? - Não vou financiar suas drogas, se é isso que você está querendo.
- Estou tentando voltar para casa - disse a loura. - Você pode me ajudar?
- Perdeu o vôo?
Ela fez que sim.
- Perdi meu bilhete e não me deixaram entrar. Essas companhias aéreas são um saco. Não tenho grana para comprar outra passagem.
- E seus pais? - perguntou Becker.
- Nos Estados Unidos.
- Você não pode falar com eles?
- Não. Já tentei. Acho que foram passar o fim de semana no iate de alguém. Becker fez uma rápida inspecção visual nas roupas de grife que ela usava.
- E você não tem um cartão de crédito?
- Tenho, mas meu pai cancelou. Ele acha que estou tomando drogas.
- Você está tomando drogas? - perguntou Becker, a seco, olhando para o antebraço machucado.
A garota lançou um olhar feroz.
- Claro que não! - Becker pensou se ela não estaria querendo usá-lo.
- Puxa, você parece um cara cheio de dinheiro. Não dá para me dar uma grana para eu voltar para casa? Eu devolvo depois.
Becker pensou que qualquer dinheiro que desse para a garota iria acabar nas mãos de um traficante de drogas em Triana.
- Olha, para começar, não sou rico, sou um professor. Mas tem uma coisa que eu posso fazer... - Posso ver se você está blefando, é isso que vou fazer.
- Por que você não deixa que eu compre a passagem para você?
A loura olhou para ele, desconcertada.
- Uau! Você faria isso? - Seus olhos brilhavam. - Você compraria uma passagem de volta para mim? Puxa vida, obrigada!
Becker ficou sem fala. Aparentemente ele havia julgado mal a situação. A moça abraçou-o.
- Esse verão foi uma merda - ela soluçou, quase chorando. - Puxa vida, obrigada, eu tenho que dar o fora daqui.
Ele devolveu o abraço sem muita convicção. Quando a garota se afastou um pouco, Becker voltou a olhar para o braço dela. Ela seguiu o olhar dele até a marca azulada na pele.
- Feio, né?
- Achei que você tinha dito que não estava tomando drogas.
- É marcador permanente! Quase tive que arrancar a pele tentando fazer essa coisa sumir. A tinta se espalhou - explicou a garota, rindo.
Becker olhou mais de perto. Sob a luz fluorescente do aeroporto, ele podia ver, borradas sob a mancha avermelhada no braço dela, as linhas tênues de algumas palavras rabiscadas no braço.
- Mas os seus olhos... - disse Becker, que começava a se sentir um idiota.
- Estão vermelhos!
- Eu estava chorando. Já disse, perdi meu vôo.
Becker tentou ler as palavras que estavam no braço dela.
- Ah... Acho que ainda dá para ler, não é? - ela franziu o rosto, envergonhada. Becker chegou ainda mais perto. Quando conseguiu ler as palavras esmaecidas, as últimas 12 horas passaram diante de seus olhos.
Era como se David estivesse de volta ao quarto do Alfonso XIII. O alemão obeso estava batendo no próprio antebraço e falando em inglês precário: Fock off.
- Você está bem? - perguntou a garota, olhando para Becker, que havia entrado em uma espécie de transe.
Sem pestanejar, continuou olhando para o braço dela. Ele estava zonzo. As palavras borradas traziam uma mensagem simples: Fuck off. Vá se foder.
A garota olhou para o próprio braço, constrangida.
- Pois é, foi um amigo que escreveu esse troço. É meio idiota, não?
Ele continuava sem fala. Fock off. Agora fazia sentido. O alemão não estava tentando insultá-lo, pelo contrário, queria ajudá-lo. Becker levantou o rosto devagar e examinou a garota. Sob a luz fluorescente do saguão, ele podia ver um resto de tinta vermelha e azul nos cabelos louros.
- Você... ah... - Becker titubeava, observando as orelhas dela, que não eram furadas. - Você por acaso usa brincos?
Ela o encarou meio espantada. Pegou um pequeno objecto que estava em seu bolso e segurou-o. Becker olhou para a caveira que balançava entre os dedos dela.
- Um brinco de pressão?
- Putz, é. Nunca tive coragem de furar as orelhas.
CAPÍTULO
70
David Becker sentiu as pernas ficarem trêmulas. Sabia que sua busca havia terminado. A garota tinha lavado os cabelos e mudado de roupa - talvez na esperança de conseguir vender o anel -, mas não chegou a partir para Nova York.
Becker tentou se manter calmo. Sua jornada alucinada estava chegando ao fim. Ele olhou para os dedos dela, mas ela não estava usando nenhum anel. Então olhou para a bolsa. Tem que estar aí dentro, pensou. Tem que estar!
Ele sorriu, mal disfarçando sua animação.
- Isso vai soar um pouco estranho, mas eu acho que você tem algo de que preciso.
- É? - Megan ficou insegura.
Becker pegou a carteira.
- Claro que eu irei pagar. - Ele olhou para baixo e começou a contar as notas.
Enquanto ele contava o dinheiro, Megan estremeceu, interpretando mal as intenções de Becker. Olhou, apavorada, para a porta de saída do aeroporto. Mediu a distância, cerca de 50 metros.
- Posso lhe dar dinheiro suficiente para você comprar sua passagem para casa se...
- Não precisa dizer - cortou Megan, com um sorriso forçado. - Acho que sei exactamente do que você precisa. - Ela se inclinou e começou a revirar a bolsa.
David ficou esperançoso. Ela está com o anel! Não sabia como a garota poderia saber que ele estava atrás do anel, mas estava cansado demais para se preocupar com isso. Todos os músculos de seu corpo relaxaram. Visualizou-se entregando o anel ao sorridente vice-director da NSA. Então ele e Susan iriam se deitar na enorme cama com dosséis do Stone Manor e recuperar o tempo perdido.
A garota finalmente encontrou o que estava procurando: seu PepperGuard, um spray de pimenta feito de uma poderosa mistura de pimenta-de-caiena com chili. Com um gesto rápido, disparou um jacto directo nos olhos de Becker, pegou sua bolsa e saiu correndo em direção à porta. Quando se virou para olhar, Becker estava caído no chão, segurando o rosto e gemendo de dor.
CAPÍTULO
71
Tokugen Numataka acendeu seu quarto charuto seguido e continuou andando de um lado para o outro. Pegou o telefone e discou o ramal da telefonista.
- E então? Alguma novidade sobre aquele número de telefone? – perguntou antes mesmo que a telefonista pudesse dizer algo.
- Nada ainda, senhor. Está levando mais tempo do que esperávamos. A chamada veio de um celular.
Um celular, pensou Numataka. Típico. Felizmente para a economia japonesa os americanos tinham um apetite insaciável por aparelhos eletrônicos.
- A estação receptora está situada no código de área 202. Mas ainda não temos o número - acrescentou a telefonista.
- 202? Onde fica isso? - Em que parte do vasto território americano esse misterioso North Dakota está se escondendo?
- Algum lugar próximo a Washington, D. C., senhor.
Numataka arregalou os olhos.
- Me ligue assim que tiver o número.
CAPÍTULO
72
Susan Fletcher saiu tropeçando pelo salão escuro da Criptografia na direção das escadas que levavam ao escritório do comandante. Era o lugar mais distante de Hale que poderia encontrar dentro do complexo ainda trancado.
Quando chegou ao topo da escada de estrutura metálica encontrou a porta do escritório entreaberta, já que a fechadura eléctrica havia sido desactivada pela falta de energia. Ela entrou.
- Comandante? - A única luz vinha da tela dos monitores de Strathmore.
- Comandante? - Ela chamou mais uma vez. - Comandante!
Só então Susan lembrou-se de que Strathmore estava no laboratório de SegSis. Andou em círculos pela sala vazia, ainda em pânico por sua luta recente com Hale. Tinha que sair da Criptografia. Com ou sem Fortaleza Digital, era hora de agir. Era preciso interromper a execução do TRANSLTR e fugir. Olhou para os monitores do chefe e correu em direcção à mesa. Colocou a mão sobre o teclado. Interromper o TRANSLTR! A tarefa era simples agora que ela estava em um terminal com autorização. Susan chamou a janela de comando e digitou:
INTERROMPER EXECUÇÃO
Ia apertar a tecla ENTER quando ouviu uma voz, gritando da porta.
- Susan! - Passou por alguns segundos de pânico achando que fosse Hale, mas era Strathmore. Ele estava de pé, pálido e fantasmagórico, sob a luz dos monitores, respirando pesadamente. - Que diabos está acontecendo?
- Com... Comandante! - Susan ainda estava sem ar. - Hale está no Nodo 3! Ele acabou de me atacar!
- Como? É impossível! Ele está trancado lá embaixo.
- Não, não está! Ele se soltou! Precisamos que a segurança venha para cá agora! Estou interrompendo a execução do TRANSLTR. - Moveu novamente sua mão em direcção ao teclado.
- NÃO TOQUE NISSO! - Strathmore pulou na direção do terminal e tirou as mãos de Susan de perto do teclado.
Susan se retraiu, assustada. Olhou para o comandante e, pela segunda vez naquele dia, não o reconheceu. Sentiu uma solidão profunda.
Strathmore viu as manchas de sangue na blusa de Susan e arrependeu-se de ter sido tão agressivo.
- Meu Deus, está tudo bem?
Ela não respondeu.
Ele lamentou ter pulado sobre ela sem necessidade. Seus nervos estavam em frangalhos, pois estava lidando com problemas demais ao mesmo tempo. Havia muitas coisas que apenas ele sabia, coisas que não contara para Susan e esperava nunca ter que contar.
- Peço desculpas - disse, mais calmo. - Me diga o que aconteceu.
Ela lhe deu as costas.
- Não importa. O sangue não é meu. Apenas me tire daqui.
- Você está machucada? – Strathmore colocou a mão sobre seu ombro. Ela se contraiu, afastando-se ligeiramente. Ele deixou cair o braço e olhou para baixo. Quando voltou a encarar Susan, ela estava olhando sobre seus ombros para algo na parede.
Ali, em meio à escuridão, um pequeno teclado numérico brilhava intensamente. Strathmore seguiu o olhar dela e franziu a testa. Ele esperava que ela não notasse o painel iluminado que controlava seu elevador privativo. Strathmore e seus convidados das altas esferas do poder usavam aquele elevador para entrar e
sair da Criptografia sem serem vistos pelo restante da equipe. Ele descia 50 metros abaixo do domo da Criptografia e depois se movia lateralmente por uns 100 metros, através de um túnel subterrâneo reforçado, saindo no subsolo do complexo principal da NSA. O elevador recebia energia do complexo central e, portanto, estava funcionando apesar da falta de luz na Criptografia.
O comandante sabia o tempo todo que ele estava funcionando, mas, mesmo quando Susan estivera socando a saída principal lá embaixo, ele não disse nada. Strathmore não podia deixar que Susan saísse; ainda não. Ponderou o quanto teria que lhe contar para fazer com que ela se dispusesse a ficar.
Susan o empurrou e correu para a parede onde estava o elevador. Apertou furiosamente os botões iluminados.
- Por favor, vamos - ela implorou. Mas a porta não se abriu.
- Susan, esse elevador requer uma senha - disse Strathmore, ainda com voz baixa e controlada.
- Uma senha? - repetiu ela, com raiva, olhando para os controles. Abaixo do teclado numérico principal havia um segundo teclado, menor, com botões pequenos. Cada um deles estava marcado com uma letra do alfabeto. Susan voltou-se para o comandante. - Me diga qual é a senha!
Strathmore pensou um pouco e depois suspirou pesadamente.
- Susan, sente-se.
Ela olhou para ele perplexa, sem acreditar no que estava ouvindo.
- Sente-se - repetiu ele, com voz firme.
- Deixe-me sair daqui! - disse Susan, olhando preocupada para a porta da sala, que permanecia aberta.
Strathmore percebeu o estado de pânico de Susan e calmamente se dirigiu até a porta do escritório. Deu um passo para fora e olhou para o salão da Criptografia. Hale não estava em nenhum lugar visível. O comandante voltou ao escritório e puxou a porta. Colocou uma cadeira encostada contra ela para mantê-la fechada. Foi até sua mesa e pegou algo em uma gaveta. Na pálida luz azulada dos monitores, Susan viu o que ele estava segurando e ficou lívida. Era uma arma.
Strathmore puxou duas cadeiras para o meio da sala. Virou-as de forma que ficassem de frente para a porta fechada do escritório. Depois sentou-se. Apontou a pistola Beretta para a porta e estabeleceu uma mira firme. Colocou a arma em uma posição conveniente no seu colo.
Voltou a falar, agora de forma solene.
- Susan, estamos seguros aqui. Precisamos conversar. Se Hale decidir atravessar essa porta... - deixou a frase terminar em silêncio.
Susan estava imóvel. Strathmore olhou para ela sob a luz tênue de seu escritório e deu uns tapinhas na cadeira a seu lado.
- Por favor, sente-se. Eu tenho que lhe contar uma coisa. - Ela não se moveu. - Quando eu terminar, lhe dou a senha para o elevador. Você decidirá, então, se quer ou não sair.
Houve um longo silêncio. Em um transe, Susan sentou-se ao lado do comandante.
- Não fui inteiramente honesto com você - disse Strathmore.
CAPÍTULO
73
David Becker sentia o rosto pegando fogo, como se tivesse sido encharcado com terebintina e incendiado. Rolou pelo chão, tentando enxergar alguma coisa. Com o pouco da visão central que lhe sobrara, viu a garota a meio caminho da porta de saída. Ela estava correndo, assustada, arrastando a bolsa. Becker tentou levantar-se, mas não conseguia. Estava praticamente cego, os olhos ardiam como se estivessem em brasas. Ela não pode fugir! Tentou gritar, mas não tinha ar em seus pulmões, sentia apenas uma dor terrível.
- Não - ele tossiu. O som mal saiu de seus lábios.
Becker sabia que, se ela atravessasse aquela porta, iria desaparecer para sempre. Tentou chamá-la de novo, mas sua garganta parecia seca e incapaz de emitir qualquer som.
A garota estava quase chegando até a porta. Becker conseguiu ficar de pé, tonto e sem ar. Saiu tropeçando atrás dela. Ainda puxando a bolsa, a moça se atirou no primeiro segmento da porta giratória. Uns 20 metros atrás, Becker caminhava cegamente na mesma direção.
- Espere, espere... - disse, com a voz engasgada.
A loura empurrou a porta furiosamente, mas, depois de girar um pouco, ela emperrou. Assustada, a garota virou-se e viu que a bolsa tinha ficado presa na abertura. Ajoelhou-se e puxou-a com toda a força para tentar soltá-la.
Becker fixou sua visão tênue no tecido que saía pela porta. Quando se jogou no chão, tudo que conseguia ver era o náilon vermelho saindo pela fresta. Voou em direcção a ele com os braços esticados.
Caiu no chão, sua mão a apenas alguns centímetros de distância, mas a bolsa deslizou pela abertura e sumiu. Seus dedos se fecharam sobre o nada e a porta girou. A garota saltou para a rua carregando a bolsa.
- Megan! - Becker gritou, deitado no chão. Sentia-se como se seus olhos estivessem sendo perfurados por agulhas. Sua visão ficou completamente negra e uma nova onda de náusea o invadiu. Sua voz ecoou na escuridão. Megan!
David Becker não tinha idéia de quanto tempo passara no chão antes que percebesse o zumbido das lâmpadas fluorescentes acima dele. Tudo mais estava em silêncio e, em meio ao silêncio, havia uma voz. Alguém estava chamando. Tentou levantar a cabeça. O mundo parecia estar fora de foco e torto. Mais uma vez, ouviu a voz. Entreabriu os olhos e, a cerca de 20 metros de distância no saguão, viu um vulto.
- Senhor?
Becker reconheceu a voz. Era a garota. Ela estava novamente dentro do aeroporto, em outra porta, mais à frente, segurando com força a mochila contra o peito. Parecia ainda mais assustada agora do que antes.
- Senhor? - ela perguntou novamente, com a voz trêmula. - Eu nunca lhe disse meu nome. Como você sabe meu nome?
CAPíTULO
74
O director Leland Fontaine tinha 63 anos e era um homem corpulento. Usava os cabelos bem curtos, no estilo militar, e tinha uma postura rígida no trabalho. Seus olhos pretos pareciam carvão em brasa quando ficava irritado, O que queria dizer "quase sempre”. Ele havia subido na hierarquia da NSA à custa de muito trabalho, de um bom planejamento e do respeito que seus antecessores tinham por ele. Era o primeiro director negro da NSA, mas ninguém mencionava isso. A conduta de Fontaine era absolutamente neutra no que dizia respeito à raça, e sua equipe agia da mesma forma.
Fontaine deixou Midge e Brinkerhoff de pé enquanto executava um silencioso ritual de preparar uma caneca de café forte. Depois sentou-se diante da escrivaninha, ainda deixando-os de pé, e interrogou-os como se fossem crianças no gabinete do director da escola.
Midge falou, explicando a seqüência inusitada de eventos que os levara a violar a privacidade do escritório de Fontaine.
- Um vírus? - questionou o director, secamente. - Os dois acham que temos um vírus?
Brinkerhoff estremeceu.
- Sim, senhor - respondeu prontamente Midge.
- Isso porque Strathmore mandou contornar o Gauntlet? – perguntou Fontaine, olhando para a impressão à sua frente.
- Sim - ela disse. - E há um arquivo sendo executado no TRANSLTR há mais de 20 horas, sem que tenha sido descodificado.
Fontaine franziu a testa.
- Ou pelo menos é o que seus dados dizem.
Midge ia contra-argumentar, mas segurou a língua. Em vez disso, deu outra informação:
- Há um apagão na Criptografia.
Fontaine olhou-a, surpreso.
Ela confirmou com um aceno curto de cabeça.
- Toda a energia caiu. Jabba acredita que talvez...
- Você falou com Jabba?
- Sim, senhor, eu...
- Com Jabba? - Fontaine levantou-se, furioso. - Por que diabos você não ligou directamente para Strathmore?
- Ligamos! - Midge defendeu-se. - Mas ele disse que estava tudo bem. Fontaine se levantou. Prosseguiu, friamente:
- Então não temos razão para duvidar dele, não é? - Havia um leve tom de intimidação em sua voz. Sentou-se e tomou um gole de café. - Agora, se me derem licença, preciso terminar um trabalho.
Midge não estava acreditando.
- Como?
Brinkerhoff caminhou em direcção à porta, mas Midge continuou parada no mesmo lugar.
- Eu disse "boa noite", senhorita Mi1ken - repetiu Fontaine. - Vocês estão dispensados.
- Mas, mas senhor... - ela hesitou. - Eu devo protestar. Creio que...
- Você deve protestar? - O director bateu a caneca de café na mesa. – Eu protesto! Protesto contra sua presença em minha sala. Protesto contra suas insinuações de que o vice-director desta agência está mentindo. Protesto contra...
- Temos um vírus, senhor. Meus instintos me dizem...
- Seus instintos estão errados desta vez, senhorita Mi1ken! Uma vez na vida, estão errados!
- Mas, senhor! O comandante Strathmore mandou contornar o Gauntlet! - Midge respondeu rapidamente.
Fontaine levantou-se e andou até ficar bem em frente a Midge, mal contendo sua raiva.
- Isso é prerrogativa dele! Eu pago você para vigiar analistas e o pessoal de apoio. Não para espionar meu vice-director! Se não fosse por ele, ainda estaríamos quebrando códigos usando lápis e papel! Agora saia! - Virou-se para Brinkerhoff, que estava parado na porta, pálido e trêmulo. - Vocês dois, saiam!
- Com o devido respeito, senhor - insistiu Midge. - Gostaria de recomendar que enviássemos uma equipa de SegSis para a Criptografia só para termos certeza de que...
- Não vamos enviar equipa alguma.
Houve uma pausa tensa. Finalmente, Midge concordou.
- Sim, senhor. Boa noite, senhor. - Virou-se e saiu. Quando passou por Brinkerhoff, ele pôde ver em seus olhos que ela não tinha a menor intenção de deixar o assunto morrer. Pelo menos enquanto sua intuição não estivesse satisfeita.
O assistente olhou para o chefe, do outro lado da sala, imponente e irritado atrás de sua mesa. Não era esse o director que ele conhecia. Fontaine normalmente era apegado a detalhes e gostava de ver as coisas esclarecidas. Sempre encorajava sua equipa a examinar e passar a limpo quaisquer inconsistências nos procedimentos mais triviais. Ainda assim, ele acabara de pedir que esquecessem uma série de coincidências particularmente estranhas.
O director obviamente estava escondendo algo, mas Brinkerhoff era pago para apoiar e não para questionar. Fontaine havia demonstrado diversas vezes que sempre lutava pelo bem-estar de todos. Se, naquele momento, apoiá-lo significava fazer vista grossa, então que fosse. Infelizmente, Midge era paga para questionar, e Brinkerhoff temia que ela tivesse se encaminhado para a Criptografia a fim de fazer justamente isso.
Melhor atualizar meu currículo e procurar outro emprego, Brinkerhoff pensou enquanto se virava para sair.
- Chad! - gritou Fontaine, que também notara o olhar de Midge ao sair.
- Não a deixe sair deste prédio.
Brinkerhoff assentiu e saiu correndo atrás de Midge.
Fontaine suspirou e apoiou a cabeça entre as mãos. Seus olhos estavam pesados. Havia sido uma longa e inesperada viagem de volta. Durante todo o último mês ele tinha vivido uma intensa expectativa. Naquele momento estavam acontecendo muitas coisas dentro da NSA que iriam mudar a História e, ironicamente, o director só as havia descoberto recentemente por sorte.
Três meses atrás, Fontaine havia sido informado de que a mulher do comandante Strathmore estava pedindo o divórcio. Também lhe relataram que o vice-director estava trabalhando um número enorme de horas e parecia prestes a sucumbir ao stress. Apesar das divergências entre eles, Fontaine sempre teve grande estima e respeito por Strathmore. Ele era brilhante, um dos melhores vice-directores que a NSA já tivera. Ao mesmo tempo, desde o fracasso do Skipjack, Strathmore vivia sob grande stress. Isso deixava Fontaine em uma posição desconfortável, pois o comandante tinha muitas atribuições e prestígio na NSA. O director, por sua vez, tinha que proteger a agência.
Fontaine precisava de alguém que mantivesse Strathmore sob constante observação, para ter certeza de que ele estava bem. É claro, contudo, que isso não era simples. O comandante era um homem poderoso e orgulhoso. Fontaine precisava encontrar uma forma de vigiá-lo sem arruinar sua confiança ou credibilidade.
Acabou decidindo, em grande parte por respeito a Strathmore, que ele mesmo faria o trabalho. Fez com que um "grampo" invisível fosse instalado na conta do vice-director na Criptografia, de forma que podia acessar seu e-mail, sua correspondência interna, os planos desenvolvidos no BrainStorm, absolutamente tudo. Assim, se Strathmore de facto fosse perder o controle, o director perceberia os indícios monitorando seu trabalho. No entanto, em vez de descobrir sinais de um colapso nervoso iminente, Fontaine se deparou com um intenso trabalho de preparação para um dos mais impressionantes planos de inteligência que já havia visto. Não era surpresa que o comandante estivesse se matando de trabalhar - se realmente conseguisse executar seu plano, o ganho seria centenas de vezes mais significativo do que as perdas resultantes do fracasso do Skipjack.
Fontaine acabou concluindo que Strathmore estava muito bem, trabalhando a 110% - esperto, inteligente e patriótico como sempre fora. A melhor coisa que o director poderia fazer era abrir caminho e deixar que ele fizesse o trabalho do seu jeito. O comandante havia elaborado um plano, e Fontaine não tinha a menor intenção de interrompê-lo.
CAPÍTULO
75
Strathmore passou os dedos na Beretta que estava em seu colo. Apesar de estar furioso, havia sido treinado para pensar com clareza. O facto de que Greg Hale ousara tocar em Susan Fletcher o deixava revoltado, mas saber que tinha sido por sua culpa só tornava as coisas piores. Afinal, a idéia de deixar Susan sozinha no Nodo 3 tinha sido dele. Strathmore era experiente o bastante para compartimentalizar
suas emoções. Elas não podiam, de forma alguma, interferir em sua estratégia para lidar com o Fortaleza Digital. Ele era o vice-director da NSA. E seu trabalho, naquele dia, era ainda mais crítico do que de costume.
Strathmore controlou sua respiração.
- Susan - sua voz soava eficiente e clara. - Você chegou a apagar o e-mail de Hale?
- Não - respondeu ela, confusa.
- Conseguiu a chave?
Ela balançou a cabeça.
O comandante contraiu o rosto, tenso. Sua mente vasculhava as possibilidades. Ele tinha um dilema em suas mãos. Poderia muito bem dar a senha de seu elevador, e Susan iria embora. Mas precisava dela para encontrar a chave de Hale. Obter a chave era muito mais que uma questão de interesse acadêmico - era um imperativo absoluto. Strathmore acreditava que podia executar a pesquisa de não-conformidade e encontrar a chave por conta própria, mas ele já tivera problemas antes ao tentar executar o tracer. Não queria se arriscar a cometer o mesmo erro de novo.
- Susan - respirou fundo, pensando qual rumo tomar. - Gostaria que me ajudasse a encontrar a chave de Hale.
- Como? - Ela se levantou, os olhos arregalados.
Strathmore lutou contra o desejo de levantar-se também. Conhecia bem as técnicas de negociação e sabia que a posição de poder era sempre de quem estava sentado. Esperou que Susan se sentasse novamente, mas ela não o fez.
- Sente-se, por favor.
Ela o ignorou.
- Sente-se. - Era uma ordem.
Susan permaneceu de pé.
- Comandante, se você ainda tem algum profundo desejo de saber o que está dentro do algoritmo de Tankado, pode continuar sozinho. Eu estou fora.
Strathmore deixou a cabeça pender e respirou profundamente. Estava claro que seria necessário explicar algumas coisas. Ela merece as explicações, pensou. Tomou uma decisão: era hora de contar tudo para Susan. Esperava não estar cometendo um grande erro.
- Susan, eu não esperava ter que chegar a este ponto. Há algumas coisas que eu não lhe contei. Algumas vezes, um homem em minha posição deve... - O comandante hesitou, como se estivesse fazendo uma confissão difícil. - Algumas vezes, um homem em minha posição é forçado a mentir para as pessoas que ama. Hoje foi assim. - Olhou para ela com uma expressão triste. - Vou lhe contar algo que eu não esperava ter que dizer... nem para você, nem para ninguém.
Susan sentiu um arrepio. O comandante estava com uma expressão séria. Estava claro que havia alguma coisa em seus planos que ela ignorava. Sentou-se.
Seguiu-se uma longa pausa. Strathmore olhou para o teto, tentando colocar em ordem seus pensamentos. Depois prosseguiu, com a voz abatida:
- Não tenho mais família - voltou a olhar para ela. - Não tenho mais casamento. Minha vida tem sido meu amor por este país. Minha vida tem sido meu trabalho aqui na NSA.
Susan ouvia, em silêncio.
- Como você deve ter percebido, eu planejo me aposentar em breve. Mas queria me aposentar de forma digna. Queria me aposentar sabendo que de facto fiz uma diferença.
- Mas é claro que fez! - interrompeu Susan quase involuntariamente. – Você construiu o TRANSLTR.
Strathmore continuou, imerso em seus pensamentos.
- Nos últimos anos, nosso trabalho aqui na NSA ficou cada vez mais difícil. Temos enfrentado inimigos completamente inesperados. Estou falando de nossos próprios cidadãos. Os advogados, os fanáticos pelos
direitos civis, a EFF, todos eles contribuíram, mas vai além disso. São as pessoas. Elas perderam a fé. Tornaram-se paranóicas. Subitamente passaram a nos ver como se fôssemos o inimigo. Pessoas como você e eu, que realmente dão valor àquilo que é mais importante para a nação, subitamente têm que lutar pelo direito de servir ao país. Não somos mais guardiões da paz. Somos bisbilhoteiros, voyeurs, violadores dos direitos civis. - Strathmore suspirou. - Infelizmente há muita gente ingênua neste mundo, que não pode imaginar os horrores que enfrentaria se não estivéssemos aqui para intervir. Eu acredito, honestamente, que é nosso dever salvar essas pessoas de sua própria ignorância.
Susan esperou que ele concluísse seu pensamento. O comandante olhou para o chão, desgastado, e depois continuou.
- Ouça o que tenho a dizer. - Falou, sorrindo de forma carinhosa para ela. - Ouça até o fim, por mais estranho que soe. Há dois meses eu venho desencriptando o e-mail de Tankado. Como você pode imaginar, fiquei chocado quando li as primeiras mensagens para North Dakota a respeito de um algoritmo indecifrável chamado Fortaleza Digital. Não acreditei que fosse possível. Contudo, a cada nova mensagem que eu interceptava, Tankado parecia mais convincente. Quando li que ele havia usado cadeias de caracteres mutantes para escrever uma chave circular, percebi que estava anos-luz à nossa frente. Era uma abordagem que nenhum de nós havia tentado.
- E por que teríamos tentado? - perguntou Susan. - A coisa toda mal faz sentido.
Strathmore levantou-se e andou de um lado para o outro, mantendo-se atento à porta.
- Há algumas semanas, quando ouvi falar no leilão do Fortaleza Digital, aceitei o facto de que Tankado estava falando sério. Claro que, se vendesse o algoritmo para uma empresa de software japonesa, estaríamos acabados, então pensei em formas de detê-lo. Poderia mandar matá-lo, mas, com toda a publicidade em torno do algoritmo e suas recentes alegações públicas sobre a existência do TRANSLTR, seríamos os principais suspeitos. Foi então que mudei de perspectiva. - Virou-se para Susan. - Compreendi que não deveria tentar deter a criação do Fortaleza Digital.
Susan olhou para ele, sem entender muito bem aonde queria chegar.
- Subitamente percebi que essa poderia ser uma oportunidade única. Com algumas mudanças, o Fortaleza Digital poderia trabalhar para nós e não contra nós.
Ela estava achando aquilo completamente absurdo. O Fortaleza Digital era indecifrável. Poderia destruí-los.
- Se... - continuou Strathmore - se eu pudesse fazer uma pequena alteração no algoritmo antes que fosse lançado... - deu uma piscadela marota para ela.
O comandante notou que os olhos de Susan se iluminaram. Continuou a explicar seu plano, entusiasmado.
- Se eu pudesse obter a chave, poderia desencriptar nossa cópia do Fortaleza Digital e inserir uma modificação.
- Uma back door, um acesso de programador! - disse Susan, deixando de lado as mentiras que o comandante já lhe contara antes. Uma onda de excitação a invadiu. - Exactamente como no caso do Skipjack.
- Poderíamos substituir o arquivo de Tankado disponível na Internet por nossa versão alterada. Como o Fortaleza Digital é um algoritmo japonês, ninguém iria suspeitar de que a NSA poderia ter mexido nele. Bastaria fazer a troca - explicou Strathmore.
Susan compreendeu que o plano não era apenas engenhoso. Era puramente... Strathmore. Ele planejava possibilitar o lançamento e disseminação de um algoritmo que a NSA poderia quebrar!
- Teremos acesso absoluto - prosseguiu ele. - O Fortaleza Digital se tornará o padrão global de encriptação imediatamente.
- Imediatamente? - perguntou Susan. - Como assim? Mesmo se o Fortaleza Digital estiver disponível gratuitamente para todos, muitos usuários irão continuar usando seus algoritmos antigos apenas por conveniência. Por que todos iriam usar o Fortaleza Digital?
Strathmore sorriu, maquiavélico.
- Bem, vamos supor que haja um vazamento "acidental" de informações, e as pessoas descubram que a NSA tem o TRANSLTR...
Susan deixou cair o queixo.
- É tudo muito simples, Susan. Basta deixarmos que a verdade se espalhe.
Contaremos ao mundo que a NSA possui um computador capaz de quebrar todos os algoritmos existentes. Todos, excepto o Fortaleza Digital.
Susan estava realmente impressionada.
- Sim, os usuários passariam a usar o Fortaleza Digital sem saber que somos capazes de decifrá-lo!
- Exacto! - Houve um longo silêncio. - Lamento ter mentido para você, mas foi necessário. Tentar reescrever o Fortaleza Digital é uma aposta alta e não queria que você estivesse envolvida. Mentir era a única forma de deixá-la fora do circuito.
- Eu... eu entendo - respondeu lentamente, ainda impressionada com a genialidade do plano.- E quantas pessoas sabem disso?
- Estamos todos aqui.
Susan sorriu pela primeira vez em uma hora.
- Foi o que pensei. - Strathmore também sorriu. - Quando o Fortaleza Digital estiver "pronto”, vou falar com o director.
Susan estava maravilhada. O plano de Strathmore era um golpe na comunidade de inteligência de todo o planeta, com uma magnitude nunca antes tentada. Ele tinha cuidado de tudo sozinho e ainda assim era provável que se saísse bem. A senha estava logo ali, na outra sala. Tankado estava morto e seu parceiro havia sido localizado.
Foi neste ponto que Susan parou.
Tankado está morto. Continuava soando um pouco conveniente demais. Pensou em todas as outras mentiras que o comandante já havia lhe contado e sentiu um arrepio desagradável. Olhou desconfiada para ele e perguntou:
- Você matou Ensei Tankado?
Strathmore pareceu surpreso. Balançou a cabeça.
- Claro que não. Não havia motivos para isso. Na verdade, seria melhor se ele estivesse vivo. Sua morte pode lançar alguma suspeita sobre o Fortaleza Digital. Queria que esta alteração no algoritmo fosse feita da forma mais tranqüila e discreta possível. O plano original era fazer a troca e deixar que Tankado vendesse sua chave.
Fazia sentido, pensou Susan. Tankado não teria razão para suspeitar de que o algoritmo na Internet não era o original. Ninguém mais tinha acesso a ele, a não ser o próprio Tankado e North Dakota. A menos que Tankado resolvesse analisar novamente o algoritmo depois do seu lançamento, jamais descobriria o acesso de programador. Ele já havia trabalhado no Fortaleza Digital durante tanto tempo que provavelmente nunca mais teria vontade de revisar a programação.
Ela deixou as coisas se assentarem em sua mente. Entendeu por que o comandante precisava tanto manter a privacidade na Criptografia. A tarefa que ele tinha em mãos era delicada e requeria tempo. Escrever um acesso de programador oculto em um algoritmo complexo e fazer uma troca na Internet sem deixar rastros não eram tarefas simples. Não deixar rastros da operação era essencial. A mera suposição de que o Fortaleza Digital havia sido alterado arruinaria o plano do comandante.
Somente então ficou claro por que ele havia decidido deixar o TRANSLTR executando a tarefa durante todo aquele tempo. Se o Fortaleza Digital vai ser o novo brinquedo da NSA, Strathmore quer ter a certeza de que o algoritmo é impossível de ser quebrado.
- Você ainda quer ir embora? - ele perguntou.
Susan olhou para ele. Enquanto esteve sentada ali, envolta na escuridão, ao lado do grande Trevor Strathmore, seu medo desaparecera. Reescrever o Fortaleza Digital era uma chance de entrar para a História, uma chance de fazer um grande bem, e ela certamente podia ajudar. Relutantemente, Susan forçou um sorriso e perguntou:
- Qual nossa próxima jogada?
Strathmore se aproximou e colocou a mão sobre o ombro dela.
- Obrigado - sorriu, voltando logo em seguida a pensar na estratégia que usaria. - Vamos descer juntos. Você irá fazer a pesquisa no terminal de Hale. Eu ficarei lá para lhe dar cobertura - disse, segurando a Beretta.
Susan ficou tensa diante da idéia de voltar lá para baixo.
- Não podemos esperar que David obtenha a cópia de Tankado?
- Não. Quanto mais cedo fizermos a troca, melhor. Nem mesmo temos uma garantia de que David conseguirá achar a outra cópia. Se, por algum incidente, a outra chave cair em mãos erradas por lá, prefiro que já tenhamos trocado os algoritmos. Dessa forma, quem quer que obtenha a chave irá fazer o download da nossa versão do algoritmo. - Strathmore colocou o dedo no gatilho da arma e ficou de pé. - Precisamos encontrar a chave de Hale.
Susan ficou em silêncio. O comandante tinha razão, precisavam daquela chave já. Quando se levantou, suas pernas estavam bambas. Arrependeu-se de não ter batido em Hale com mais força. Olhou para a arma na mão de Strathmore e sentiu-se mal. - Você realmente pretende atirar em Hale?
- Não - respondeu Strathmore sério, dirigindo-se para a porta. - Mas vamos torcer para que ele acredite que vou.
CAPÍTULO
76
Um táxi estava parado do lado de fora do aeroporto de Sevilha com o taxímetro rodando. O passageiro, usando óculos de armação de metal, observava a cena que se desenrolava do lado de dentro do terminal iluminado. Havia chegado a tempo.
Ele podia ver uma garota loura. Ela estava ajudando David Becker a sentar-se em uma cadeira. Aparentemente ele estava com dores. Ele ainda não sabe o que é dor, pensou o passageiro.
A jovem tirou um pequeno objecto de dentro do bolso e entregou-o a David, que o examinou contra a luz e o colocou em um de seus dedos. Ele pegou um maço de notas em seu bolso e pagou a garota. Conversaram por mais alguns minutos. Depois ela abraçou-o, despedindo-se, colocou a bolsa no ombro e saiu andando pelo saguão.
Finalmente, pensou o homem no táxi. Finalmente.
CAPÍTULO
77
Strathmore saiu de seu escritório com a arma em punho. Susan o seguia bem de perto, pensando se Hale ainda estaria no Nodo 3.
Vindo por trás, a luz do monitor de Strathmore criava sombras fantasmagóricas de seus corpos pela plataforma gradeada. Susan se aproximou ainda mais do comandante.
À medida que se afastaram da porta, a luz foi diminuindo até eles mergulharem na escuridão. A única claridade no salão da Criptografia vinha das estrelas acima e da leve luminosidade que saía pela janela quebrada do Nodo 3.
Strathmore avançava com cautela, procurando o local onde a escadaria estreita começava. Passando a arma para a mão esquerda, segurou o corrimão com a direita. Calculou que sua mira provavelmente seria igualmente ruim com a mão esquerda e precisava da direita para apoiar-se. Uma queda daquela escada poderia deixar alguém paralítico, e os sonhos de Strathmore para sua aposentadoria não incluíam uma cadeira de rodas.
Sem enxergar nada devido à escuridão no domo, Susan descia as escadas com a mão no ombro de Strathmore. Mesmo a meio metro de distância, ela não conseguia ver a silhueta do comandante. Ao pisar em cada degrau de metal, movimentava levemente o pé procurando a extremidade.
Já estava arrependida de ter aceitado voltar ao Nodo 3 para obter a senha de Hale. O comandante insistia que Hale não teria coragem de atacá-los, mas ela não tinha tanta certeza. Ele estava desesperado e tinha apenas duas opções: escapar da Criptografia ou ir para a prisão.
Uma voz interior não parava de dizer que deveriam esperar pelo chamado de David e usar a senha dele, mas não havia garantias de que ele seria capaz de encontrá-la. Tentou imaginar a razão pela qual David estava demorando tanto. Controlando sua tensão, Susan seguiu em frente.
Strathmore descia silenciosamente. Não queria alertar Hale. Perto do final da escada, Strathmore reduziu o passo, tacteando com o pé para encontrar o último degrau. O salto de seu sapato bateu na superfície rígida do assoalho de cerâmica. Susan sentiu-o contrair o ombro. Haviam chegado na zona perigosa. Hale poderia estar em qualquer lugar.
Do outro lado, agora escondido por trás do TRANSLTR, estava o ponto de destino, o Nodo 3. Susan rezou para que Hale ainda estivesse lá, deitado no chão, gemendo de dor como o cão desprezível que era.
Strathmore soltou o corrimão e passou a arma de volta para a mão direita. Moveu-se na escuridão no mais absoluto silêncio. Susan segurou firme em seu ombro. Se ela se perdesse, a única forma de encontrá-Io seria chamando-o, e Hale poderia ouvi-Ios. À medida que se moviam para longe da segurança das escadas, Susan lembrou-se das brincadeiras de pique-esconde, tarde da noite, quando era criança. Ela havia deixado a base e estava em terreno aberto. Vulnerável.
O TRANSLTR era a única ilha na vasta escuridão. Strathmore avançava alguns passos, depois parava e ouvia atentamente, arma em punho. O único som, contudo, vinha dos geradores abaixo deles. Susan desejou puxá-Io de volta, retomar à segurança da base. Para onde quer que olhasse, parecia haver rostos na escuridão.
A meio caminho em direção ao TRANSLTR, o silêncio da Criptografia foi quebrado. Em algum lugar na escuridão, aparentemente acima deles, um bipe agudo rasgou a noite. Strathmore virou-se e Susan perdeu o contacto. Com medo, ela tacteou ao seu redor, tentando encontrá-Io. Mas o comandante tinha sumido. Havia apenas espaço vazio em torno dela. Ela deu mais alguns passos incertos para a frente.
O bipe intermitente continuava. Estava próximo. Susan avançou na escuridão. Ouviu um ruído de tecido sendo remexido, depois o bipe cessou. Susan congelou. Um instante depois, como algo que se materializasse de seus piores sonhos da infância, uma visão surgiu. Uma face se materializou bem à frente dela, fantasmagórica e verde. Era a face de um demônio, com sombras cortantes projetando-se por cima da feição deformada. Ela saltou para trás. Tentou correr, mas seu braço foi agarrado.
- Não se mexa! - disse a voz.
Susan pensou ter visto Hale naqueles olhos demoníacos. A voz, contudo, não era a dele. E o toque era suave demais. Era Strathmore. Um objecto brilhante que ele havia retirado do bolso estava iluminando seu rosto por baixo. Ela soltou um suspiro profundo de alívio. Sentiu o ar retomando a seus pulmões. O objeto que o comandante segurava tinha um visor electrônico que era a fonte da luz esverdeada.
- Diabos - Strathmore amaldiçoou em um murmúrio. - Meu novo pager. - Olhou irritado para o SkyPager em sua mão. Ele tinha comprado o dispositivo em uma loja de produtos eletrônicos próximo ao trabalho. Pagou em dinheiro, pois sabia o quão bem a NSA vigiava seu próprio pessoal, e as mensagens digitais enviadas e recebidas por aquele pager eram algo que Strathmore definitivamente precisava manter em segredo.
Susan tentou enxergar alguma coisa à sua volta, nervosa. Se Hale não tivesse percebido até aquele momento que eles estavam se aproximando, agora ele sabia.
Strathmore apertou alguns botões e leu a mensagem. Resmungou. Más notícias vindas da Espanha. Não de David Becker, mas da outra fonte que ele havia enviado para Sevilha.
A cinco mil quilômetros de distância, uma van de vigilância móvel cruzava em alta velocidade as ruas de Sevilha à noite. Tinha sido requisitada pela NSA sob o código de segurança Umbra e partido de uma base militar em Rota. Os dois homens no seu interior estavam tensos. Não era a primeira vez que recebiam ordens urgentes de Fort Meade, mas as ordens em geral não vinham de alguém tão alto na hierarquia.
- Localizou nosso homem? - o agente ao volante perguntou ao parceiro. Sem tirar os olhos do monitor da câmera com grande-angular posicionada no tecto, o parceiro respondeu:
- Não, vamos em frente.
CAPÍTULO
78
Jabba estava suando, enfiado sob uma maçaroca de cabos. Ainda estava de costas no chão, segurando uma pequena lanterna entre os dentes. Tinha se acostumado a trabalhar durante os fins de semana. Esses dias mais calmos na NSA eram freqüentemente as poucas vezes em que podia fazer manutenção no hardware. Movia-se com enorme cuidado enquanto manipulava o ferro de soldar em brasa nos espaços exíguos do labirinto de cabos acima dele. Se o revestimento isolante de um cabo fosse danificado, seria desastroso.
Só mais alguns milímetros... A tarefa estava demorando mais do que ele previra. Quando estava colocando a ponta do ferro contra a última gota de solda, seu telefone celular tocou abruptamente. Jabba assustou-se e um pingo de solda caiu em seu braço. Chumbo líquido.
- Merda! - Deixou cair o ferro de soldar e praticamente engoliu a pequena lanterna. - Merda! Merda! Merda!
Esfregou vigorosamente o braço queimado. O pingo de chumbo deixara uma grande marca. O chip que ele estava tentando soldar caiu da placa e foi bater em sua cabeça.
- Mas que droga!
O telefone de Jabba continuava tocando. Ignorou-o.
- Midge - vociferou. Que se dane! A Criptografia está bem!
O telefone continuou tocando. Jabba retomou à sua tarefa de fixar o chip na placa. Pouco depois o chip já estava no lugar, mas o celular não parava de tocar. Mas que coisa, Midge! Esqueça isso! O telefone tocou mais alguns segundos e finalmente parou. Jabba suspirou, aliviado.
Um minuto depois o intercomunicador da sala onde estava entrou em acção. "Pedimos que o chefe do Departamento de Segurança de Sistemas entre em contato com a central telefônica."
Jabba estava achando que aquilo era um pouco demais. Ela realmente não vai desistir? Ignorou o chamado.
CAPÍTULO
79
Strathmore colocou seu pager de volta no bolso e olhou, no escuro, em direção ao Nodo 3.
- Vamos - disse ele, esticando o braço para pegar a mão de Susan.
O gesto, contudo, foi interrompido.
Um longo grito gutural ecoou na escuridão. Como um trovão, uma silhueta se materializou, um bólido sem freios saído do nada. Logo em seguida houve um choque, e Strathmore saiu rolando pelo chão.
Era Hale. O pager havia denunciado a presença deles.
Susan ouviu a arma cair. Por alguns instantes ficou estática, sem saber para onde correr ou o que fazer. Seus instintos diziam que ela deveria fugir, mas não tinha o código do elevador. Seu coração dizia que deveria ajudar Strathmore, mas como? Enquanto tentava pensar, desesperada, esperava ouvir os ruídos de uma luta de vida ou morte no chão, mas nada aconteceu. Havia apenas silêndo. Como se Hale tivesse acertado o comandante e depois desaparecido novamente dentro da noite.
Susan esperou, forçando os olhos para tentar ver algo na escuridão e torcendo para que Strathmore não estivesse ferido. Depois do que pareceu ser uma eternidade, chamou em voz baixa:
- Comandante?
Enquanto pronunciava a palavra, percebeu seu erro. No instante seguinte sentiu o cheiro de Hale próximo a ela. Virou-se, mas era tarde. Estava presa, quase sufocando, a cabeça prensada em uma chave de braço contra o peito de Hale.
- Você não tem idéia do quanto seu pontapé ainda dói - disse ele, arfando em seu ouvido.
Os joelhos de Susan se dobraram. As estrelas no domo giravam em sua cabeça.
CAPÍTULO
80
Hale segurou firme o pescoço de Susan e gritou:
- Comandante, estou com sua queridinha. Quero sair daqui!
A resposta foi o silêncio. Hale apertou ainda mais.
- Vou quebrar o pescoço dela!
Uma arma foi engatilhada diretamente atrás deles. A voz de Strathmore estava calma e segura.
- Solte-a.
Susan gritou em meio à dor.
- Comandante!
Hale virou o corpo de Susan na direção do som.
- Se você atirar, vai atingir sua querida Susan. Quer mesmo arriscar?
A voz de Strathmore aproximou-se.
- Solte-a.
- Não. Você irá me matar.
- Não vou matar ninguém.
- Ah, é? Diga isso para Chartrukian!
Strathmore aproximou-se ainda mais.
- Chartrukian está morto.
- Não me diga! É claro, você o matou. Eu vi!
- Desista, Greg - Strathmore insistiu, com a mesma voz calma.
Hale puxou Susan e sussurrou em seu ouvido:
- Strathmore empurrou Chartrukian. Eu juro!
- Ela não vai cair em sua técnica de dividir para conquistar. Solte-a – disse Strathmore, ainda mais perto.
Hale falou, sarcástico, dirigindo-se à escuridão em volta:
- Chartrukian era só um garoto! Por que você fez aquilo? Para proteger seu segredo?
Strathmore manteve a calma.
- E que segredo seria esse?
- Você sabe perfeitamente bem de que merda de segredo estou falando! O Fortaleza Digital!
- Ora, ora... - Strathmore resmungou condescendente, a voz fria como um iceberg. - Então quer dizer que você sabe que o Fortaleza Digital existe? Eu estava começando a pensar que você iria negar até mesmo isso.
- Vá se danar!
- Mas que defesa brilhante.
- Você é um tolo - disparou Hale. - Não percebeu que o TRANSLTR está superaquecendo?
- É mesmo? - respondeu Strathmore, em tom gozador. - Deixe-me adivinhar: devo abrir as portas e chamar a equipa de SegSis?
- Isso mesmo. Seria muito burro de sua parte não fazê-lo - Hale retrucou.
Dessa vez Strathmore soltou uma gargalhada.
- Então essa é sua carta na manga? O TRANSLTR está superaquecendo, abra as portas e nos deixe sair?
- Mas que diabos, é verdade! Eu estive no subsolo! A energia auxiliar não está conseguindo bombear gás fréon suficiente.
- Obrigado pela dica. Mas o TRANSLTR possui um sistema de desligamento automático. Se ele estiver superaquecendo, o Fortaleza Digital será interrompido automaticamente.
Hale respondeu desdenhosamente:
- Você está louco. Estou pouco me lixando se o TRANSLTR vai queimar ou não. Essa máquina maldita deveria ser proibida de qualquer forma.
Strathmore suspirou.
- Greg, Greg, psicologia infantil só funciona com crianças. Vamos, solte-a.
- Para que você possa atirar em mim?
- Não vou atirar em você. Só quero a senha.
- Que senha?

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