segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A voz de Susan saiu como um sopro, etérea.
- É... Ensei Tankado.
Jabba virou-se para ela, espantado.
- Tankado?
Susan concordou, vagarosamente.
- Ele queria que confessássemos que o TRANSLTR existe, mas isso lhe custou...
- Confessar? - interrompeu Brinkerhoff, estupefato. - Tankado quer que confessemos que temos o TRANSLTR? Acho que é meio tarde para isso agora!
Susan abriu a boca e ia começar a dizer algo, mas Jabba se adiantou:
- Parece que Tankado possui um código de desactivação - disse ele, fitando a mensagem na tela.
Todos olharam.
- Código de desactivação? - perguntou Brinkerhoff.
Jabba assentiu.
- Isso aí. Uma senha que irá deter o verme. Resumindo: se admitirmos que temos o TRANSLTR, Tankado nos fornece a senha. Digitamos o que ele disser e salvamos o banco de dados. Bem-vindos à extorsão digital.
Fontaine permanecia rígido como uma rocha.
- Quanto tempo ainda temos?
- Cerca de uma hora. O tempo exacto de preparar uma colectiva para a imprensa e contar todos os detalhes.
- Alguma sugestão? - questionou Fontaine. - O que você propõe?
- Uma sugestão? - Jabba respondeu, irônico. - Você quer uma sugestão? Vou lhe dar uma! Pare de fazer perguntas e aceite as exigências de Tankado, é isso que você tem que fazer!
- Jabba, cuidado... - respondeu o director rispidamente.
- Director - prosseguiu Jabba, falando rápido -, neste exacto momento Ensei Tankado é dono deste banco de dados! Dê a ele o que ele quiser. Se ele quer que o mundo saiba a verdade sobre o TRANSLTR, ligue para a CNN e mostre tudo. De qualquer maneira, o TRANSLTR não passa de um buraco no chão, então por que se preocupar com isso?
Houve um silêncio. Fontaine estava avaliando suas opções. Susan começou a falar, mas Jabba a cortou de novo.
- O que você está esperando, director! Coloque Tankado na linha! Diga que vai fazer o jogo dele! Precisamos desse código de desactivação. Do contrário, isso aqui vai virar sucata.
Ninguém se moveu.
- Vocês todos ficaram loucos? - gritou Jabba. - Chamem Tankado! Digam que nos rendemos! Descubram o maldito código de desactivação! JÁ! - Jabba puxou seu telefone celular e activou-o. - Ok, deixem pra lá. Me dêem o número dele! Eu mesmo vou ligar para esse maluco!
- Não vai ser possível- disse Susan em voz baixa. - Tankado está morto.
Após alguns instantes de perplexidade, as implicações atingiram Jabba como um raio.
- Morto? Mas então... quer dizer que... nós não podemos...
- Quer dizer que precisamos de outro plano - declarou Fontaine, seco.
Jabba ainda estava se recuperando do choque quando alguém começou a gritar histericamente em um canto da sala.
- Jabba! Jabba!
Era Soshi Kuta, chefe dos técnicos. Veio correndo em direcção à plataforma de Jabba, puxando uma longa listagem. Parecia nervosa.
- Jabba - prosseguiu, sem fôlego. - O verme... Acabei de descobrir o que ele foi programado para fazer. - Soshi jogou o papel nas mãos de Jabba. - Peguei isso a partir da sonda de análise de actividade do sistema! Isolamos os comandos de execução do verme. Dê uma olhada na programação! Veja o que ele está pretendendo fazer!
Perplexo, Jabba pegou o papel e leu. Em seguida apoiou-se no anteparo.
- Meu Deus - disse Jabba, tenso. - Tankado, seu filho da mãe!
CAPÍTULO
110
Jabba olhava para o papel que Soshi havia acabado de lhe entregar. Pálido, secava sua testa com a manga da camisa.
- Director, não temos escolha. Precisamos cortar a energia do banco de dados.
- Inaceitável- respondeu Fontaine. - Você sabe que o resultado seria catastrófico.
Jabba sabia perfeitamente. Havia mais de três mil conexões ISDN ligando o banco de dados da NSA ao restante do mundo. Todos os dias militares de alta patente acessavam fotos actualizadas de satélites para observar os movimentos de seus inimigos, engenheiros acessavam projectos de novos armamentos e agentes de campo atualizavam dados sobre suas missões. O banco de dados da NSA era a espinha dorsal de milhares de operações do governo americano. Desligá-lo sem aviso prévio provocaria blecautes em diversos sectores da inteligência americana em todo o planeta, em alguns casos possivelmente fatais.
- Estou ciente das implicações, senhor, mas não vejo outra escolha - respondeu Jabba.
- Explique-se - ordenou Fontaine. Olhou rapidamente para Susan, de pé ao seu lado na plataforma. Ela parecia estar em outro mundo.
Jabba respirou fundo e secou o suor mais uma vez. Pela cara que fez, estava claro para o grupo ao seu redor que ninguém iria gostar do que tinha a dizer.
- Este verme não tem um ciclo degenerativo genérico. É um ciclo selectivo.
Em outras palavras, ele tem um paladar específico.
Brinkerhoff fez menção de perguntar alguma coisa, mas Fontaine fez um gesto para que se calasse.
- A maioria dos programas destrutivos varre um banco de dados apagando seu conteúdo - prosseguiu Jabba. - Mas este é mais complexo. Ele está programado para apagar apenas arquivos que estejam dentro de certos parâmetros.
- Você quer dizer que ele não vai atacar todo o banco de dados? – Brinkerhoff perguntou, esperançoso. - Isso é uma boa notícia, não?
- Não! - irritou-se Jabba. - É ruim! Na verdade, é uma merda completa!
- Jabba, calma - ordenou Fontaine. - Que parâmetros esse verme está buscando? Militares? Operações secretas?
Jabba sacudiu a cabeça. Olhou para Susan, que continuava vagando, distante, depois encarou novamente o director.
- Como o senhor sabe, qualquer um vindo de fora que deseje se conectar a este banco de dados precisa passar por uma série de verificações de segurança antes de ser admitido.
Fontaine balançou a cabeça. As hierarquias de acesso ao banco de dados haviam sido brilhantemente implementadas. Pessoas com autorização adequada podiam acessá-lo através de conexões via Internet. Dependendo da seqüência de autorizações, cada um acessava suas próprias zonas compartimentalizadas.
- Como estamos ligados à Internet, hackers, outros governos e os tubarões da EFF passam seus dias circulando em torno deste banco de dados tentando encontrar uma forma de quebrá-lo - explicou Jabba.
- Sim - disse Fontaine. - E o tempo todo nossos filtros de segurança os mantêm do lado de fora. Onde você quer chegar?
Jabba apontou para o papel que Soshi lhe dera.
- Quero chegar aqui. O verme de Tankado não está interessado em nossos dados. - Limpou a garganta. - Ele está atrás de nossos filtros de segurança.
Fontaine ficou branco. Entendeu as implicações: o verme estava procurando os filtros que mantinham o banco de dados da NSA confidencial e que restringiam seu acesso. Sem eles, todas as informações poderiam ser acessadas por qualquer um.
- Precisamos desligar tudo - insistiu Jabba. - Dentro de mais uma hora, qualquer estudante com um modem vai ter o mais alto nível de acesso de segurança do país.
Fontaine passou um bom tempo em silêncio.
Jabba esperou, impaciente, e finalmente virou-se para Soshi. - Soshi. Coloque uma RV na tela! Agora!
Soshi saiu correndo.
Jabba usava as RV’s muitas vezes. Para muitos profissionais de informática, RV significava "realidade virtual': Na NSA, contudo, era o termo usado para "representação visual". Em um mundo cheio de técnicos e políticos, todos com diferentes níveis de compreensão técnica, uma representação gráfica era, muitas vezes, a única maneira de esclarecer um assunto. Um gráfico costumava gerar uma reacção dez vezes maior do que a obtida por muitas páginas de planilhas. Uma RV da crise actual esclareceria sua visão rapidamente.
- RV pronta! - gritou Soshi de seu terminal.
Um diagrama gerado por computador foi exibido no painel de vídeo à frente deles. Susan olhou, ainda distante de toda a agitação que a cercava. Todos na sala seguiram o olhar de Jabba em direcção à tela.
O diagrama no painel parecia uma mira de tiro. No centro havia um círculo vermelho onde se lia "dados”. Ao seu redor havia outros cinco círculos concêntricos de diferentes espessuras e cores. O círculo mais externo estava desbotado, quase transparente.
- Temos um sistema de defesa em cinco camadas - explicou Jabba. - A camada mais externa é o servidor principal de segurança, o Bastion Host, seguido por dois conjuntos de filtros de pacotes para FTP e para o protocolo XII, depois um bloqueio por tunelamento e, finalmente, uma janela de autorização de PEM que veio directamente do projecto Truffle. A defesa externa que está desaparecendo representa o host exposto. Está praticamente destruída. Daqui a mais uma hora, as outras defesas também irão cair. Depois disso, as portas estarão abertas e todos poderão entrar. Cada byte dos dados da NSA estará em domínio público.
Fontaine estudou a RV, visivelmente irritado.
Brinkerhoff resmungou.
- Esse verme pode mesmo abrir nosso banco de dados para o mundo?
- É um brinquedo de criança para Tankado - Jabba respondeu. - O Gaundet era nossa maior protecção, mas Strathmore tomou-a inútil.
- É um acto de guerra! - grunhiu Fontaine, demonstrando rancor na voz.
Jabba sacudiu a cabeça.
- Eu sinceramente duvido que Tankado pretendesse que a coisa fosse tão longe. Acho que ele esperava estar por perto e interromper o processo a tempo.
Fontaine olhou para a tela e viu a primeira das cinco camadas de defesa desaparecer completamente.
- O Bastion Host se foi! - gritou um técnico. - O segundo escudo está exposto.
- Temos que começar a desligar tudo imediatamente - pressionou Jabba. - Pelo que a RV nos mostra, temos cerca de 45 minutos. E o processo de tirar o sistema do ar é complexo.
O banco de dados da NSA tinha sido construído de forma a jamais ficar sem energia - acidentalmente ou em caso de ataque. Diversos sistemas redundantes para comunicações e energia estavam enterrados em tubulações de aço reforçado bem fundo no solo, abaixo deles, e, além das linhas de alimentação que vinham do complexo da NSA, existiam outras fontes secundárias de energia partindo das principais redes públicas. Desligar o sistema envolvia uma série complexa de confirmações e protocolos, sendo uma tarefa bem mais complicada do que um lançamento padrão de um míssil nuclear.
- Ainda temos tempo, se nos apressarmos. Um desligamento manual deve levar cerca de 30 minutos - disse Jabba.
Fontaine continuava olhando para a RV, ponderando suas opções.
- Director! - Jabba perdeu a paciência. - Quando esses firewalls caírem, todosos usuários do planeta vão passar a ter acesso de alta prioridade! Estou falando do maior nível possível! Terão acesso aos registros de operações secretas. Aos nossos agentes no exterior. Aos nomes e localizações de todas as pessoas cobertas pelo programa federal de protecção a testemunhas. Códigos de confirmação de lançamento de mísseis. Precisamos desligar o sistema! Agora!
O director parecia não se deixar alterar.
- Tem que haver outro jeito.
- Sim - retrucou Jabba. - Claro que há! O código de desactivação! Acontece que o único sujeito que conhecia o código está morto.
- E se usarmos força bruta? - sugeriu Brinkerhoff. - Podemos descobrir o código? Jabba levantou os braços, irritado.
- Pelo amor de Deus! Os códigos de desactivação são como chaves de encriptação: completamente aleatórios! São impossíveis de adivinhar. Se você achar que pode digitar 600 trilhões de entradas nos próximos 45 minutos, o teclado é todo seu!
- O código de desactivação está na Espanha - disse Susan calmamente.
Todos se viraram para ela. Era a primeira coisa que ela dizia em muito tempo. Susan olhou para eles com os olhos turvos.
- Tankado passou-o adiante quando morreu.
Ninguém entendeu nada.
- A chave... - Susan tremia enquanto falava. - O comandante Strathmore enviou alguém para encontrá-la.
- E então? O homem de Strathmore conseguiu ou não encontrá-la? - perguntou Jabba, ansioso.
Susan tentou controlar-se, mas as lágrimas correram por seu rosto.
- Sim - soluçou -, acho que sim.
CAPÍTULO
111
Um grito estridente cortou a sala de controle.
- Tubarões! - gritou Soshi.
Jabba olhou para a RV. Duas linhas finas tinham aparecido fora dos círculos concêntricos. Pareciam espermatozóides tentando romper um óvulo relutante.
- Há sangue na água, pessoal! - Jabba virou-se para o diretor. - Preciso de uma decisão final. Ou começamos a desligar o sistema ou não vai dar tempo. Assim que esses dois invasores perceberem que o Bastion Host caiu, vão enviar um grito de guerra.
Fontaine não respondeu. Estava imerso em pensamentos. O que Susan dissera sobre a senha na Espanha parecia promissor. Olhou rapidamente para a criptógrafa nos fundos da sala. Ela parecia estar num mundo à parte, jogada em uma cadeira, a cabeça enfiada entre as mãos. O director não sabia o que havia desencadeado aquela reacção, mas, fosse o que fosse, ele não tinha tempo para lidar com aquilo naquele momento.
- Preciso de uma decisão! - pressionou Jabba. - Agora!
Fontaine olhou para ele. Falou calmamente.
- Certo, aqui está minha decisão. Não vamos desligar o sistema. Vamos esperar. Jabba ficou boquiaberto.
- O quê? Mas isso é...
- Uma aposta - cortou Fontaine. - Uma aposta que podemos ganhar.
Pegou o celular de Jabba e digitou um número. - Midge, aqui é Leland Fontaine. Preste atenção...
CAPÍTULO
112
- Director, é melhor que você saiba o que está fazendo, porque estamos prestes a perder nossa chance de desligar o sistema. - Jabba disse, em tom de desaprovação.
Fontaine não se deu ao trabalho de responder.
A porta da sala de controle se abriu e Midge entrou, apressada. Chegou quase sem fôlego à plataforma onde Fontaine e Jabba se encontravam.
- Director! A central está transferindo a conexão para cá!
Fontaine se virou e olhou para o painel de vídeo. Quinze segundos depois uma nova tela foi exibida.
A imagem inicial estava cheia de interferências e desalinhada. Aos poucos entrou em foco. Era uma transmissão em formato digital, com baixa resolução. A imagem mostrava dois homens. Um era pálido, com um corte militar de cabelo, enquanto o outro era um louro tipicamente americano. Ambos estavam sentados em frente à pequena câmera, como repórteres esperando para entrar no ar.
- Que diabos é isso? - perguntou Jabba.
- Preste atenção - ordenou Fontaine.
Os homens pareciam estar dentro de uma van cercados por cabos e equipamentos eletrônicos. A conexão de áudio entrou no ar e pôde-se ouvir um ruído de fundo.
- Estamos recebendo áudio - disse um técnico atrás deles. - Dentro de alguns segundos poderemos transmitir.
- Quem são estes? - perguntou Brinkerhoff, preocupado.
- Observação e vigilância - respondeu Fontaine, olhando para os dois homens enviados à Espanha. A precaução fora necessária. Fontaine havia confiado em quase todos os aspectos dos planos de Strathmore: a lastimável porém necessária eliminação de Ensei Tankado, reescrever o Fortaleza Digital, tudo fazia sentido. Mas uma coisa deixava Fontaine nervoso: usar Hulohot. Ele certamente era experiente, mas não passava de um mercenário. Seria confiável? Ou iria guardar a senha e usá-la em proveito próprio? O director queria que o português fosse vigiado, só por garantia, e tinha tomado suas providências.
Segundos depois, a conexão de áudio foi estabelecida, e o homem com cara de militar falou para a câmera:
- Director, sou o agente Coliander. Este é o agente Smith.
- Muito bem - respondeu Fontaine. - Relatório da situação?
CAPÍTULO
113
Nos fundos da sala, Susan Fletcher estava sentada, lutando contra uma solidão aterradora que tomara conta dela. Seus olhos estavam fechados, os ouvidos zuniam e ela estava chorando. Seu corpo parecia estar anestesiado. Toda a confusão da sala de controle fora reduzida a um murmúrio distante. As pessoas que estavam de pé sobre a plataforma ouviam atentamente o relatório do agente Smith.
- De acordo com suas ordens, director, chegamos aqui em Sevilha há dois dias para seguir o Sr. Ensei Tankado.
- Conte-me como ele morreu - abreviou Fontaine, impaciente.
Smith assentiu.
- Observamos a acção de dentro da van, a cerca de 50 metros. O assassinato foi bem executado. Hulohot obviamente era um profissional. Mas em seguida ele teve problemas. Surgiram outras pessoas. Hulohot não teve a chance de pegar o objecto.
Fontaine concordou. Os agentes fizeram contacto com ele na América do Sul, avisando-o de que algo havia saído errado. Foi então que o director decidiu retomar mais cedo da viagem.
Coliander continuou.
- Seguimos Hulohot, conforme ordenado. Contudo, ele não foi para o necrotério. Em vez disso, passou a seguir uma outra pessoa. Parecia civil, de blazer e gravata.
- Civil? - conjeturou Fontaine. Soava exactamente como uma jogada de Strathmore, sabiamente mantendo a NSA fora de cena.
- Os filtros de FTP estão falhando! - gritou um técnico.
- Precisamos do objecto - intimou Fontaine. - Onde está Hulohot agora?
Smith olhou para trás.
- Bem, está connosco, senhor.
Fontaine suspirou.
- Onde? - Era a melhor notícia que havia recebido naquele dia.
Smith aproximou sua mão da lente e ajustou-a. A câmera foi virada dentro da van e passou a mostrar dois corpos inertes encostados na parte traseira. Um deles era um homem grande, com óculos de armação de metal. O outro era mais jovem, com cabelos escuros e uma camisa ensangüentada.
- Hulohot é o da esquerda - completou Smith.
- Ele está morto? - perguntou o director.
- Sim, senhor.
Fontaine decidiu deixar as perguntas para mais tarde. Olhou para os escudos de proteção diminuindo na tela.
- Agente Smith - disse, de forma lenta e clara. - O objecto. Eu preciso dele.
Smith pareceu envergonhado.
- Senhor, ainda não sabemos o que é o objecto. Nos informaram apenas o estritamente necessário.
CAPÍTULO
114
- Então procurem de novo! - bradou Fontaine.
O director olhava, incrédulo, a imagem um pouco distorcida de seus agentes revistando os dois corpos na van atrás de uma lista de números e letras aleatórios.
Jabba estava lívido.
- Meu Deus, eles não estão encontrando a senha! Estamos acabados!
- Perdemos os filtros de FTP! - gritou uma voz. - O terceiro escudo está exposto!
O corre-corre na sala aumentou.
No painel, o agente com o corte militar levantou os braços, sem saber o que fazer.
- Senhor, a senha não está aqui. Já revistamos os dois. Bolsos. Roupas. Carteiras. Nenhum sinal. Hulohot estava com um computador Monocle, e verificamos isso também. Aparentemente jamais transmitiu nada parecido com uma lista de caracteres aleatórios, apenas a lista de pessoas assassinadas.
- Droga! - vociferou, perdendo a calma. - Tem que estar aí! Continuem procurando!
Jabba aparentemente se cansara daquilo. Fontaine havia feito uma aposta e perdido. O chefe de SegSis assumiu o controle da situação. Desceu de sua plataforma como uma avalanche. Passou por seu pequeno exército de programadores dando ordens.
- Acessem os controles auxiliares de desactivação. Comecem a desligar tudo!
Agora!
- Não vai dar tempo! - gritou Soshi em resposta. - Precisávamos de meia hora. Quando conseguirmos desligar tudo será tarde.
Jabba ia responder algo, mas foi cortado por um grito agoniado vindo dos fundos da sala.
Todos se viraram. Como uma aparição, Susan Fletcher levantou-se de onde tinha ficado curvada todo aquele tempo. Seu rosto estava branco, os olhos vidrados na imagem congelada de David Becker, imóvel e com uma mancha de sangue, jogado no chão da van.
- Vocês o mataram! - ela gritou. - Vocês o mataram! - Ela saiu andando em direcção à tela e estendeu os braços. - David...
Todos olharam para ela, confusos. Susan avançou em direção à tela, chamando por David, sem tirar os olhos do corpo dele.
- David... - ela soluçava. - David... como eles puderam...
Fontaine não estava entendendo nada.
- Você conhece esse homem?
Susan andou, trôpega, e passou pela plataforma. Parou a alguns metros do enorme painel e olhou para cima, perplexa e sem forças, repetindo sem parar o nome do homem que amava.
CAPÍTULO
115
A mente de Becker estava absolutamente vazia. Estou morto. Ainda assim, ouviu um som. Uma voz distante.
- David.
Sentia algo queimando debaixo do braço. Estava completamente tonto. Seu sangue parecia feito de lava incandescente. Meu corpo não me pertence. Ainda assim, podia ouvir uma voz baixa, distante. Mas era parte dele. Havia outras vozes também - não eram familiares, não eram importantes. Chamavam seu nome. Tentou bloqueá-las. Apenas uma voz importava. Aproximava-se, depois se afastava.
- David... eu lamento...
Surgiu uma luz, muito apagada primeiro, depois um risco cinza. Crescendo.
Becker tentou mover-se. Dor. Tentou falar. Nada. A voz continuava chamando.
Alguém levantou-o. Becker se moveu em direcção à voz. Estava chamando. Viu uma imagem iluminada. Podia ver alguma coisa em uma tela pequena. Parecia uma mulher, olhando para ele, vinda de algum outro mundo. Ela está me vendo morrer?
- David...
A voz era familiar. Era um anjo. Havia vindo buscá-lo. O anjo falou. - David, eu te amo.
Então ele soube.
Susan olhava para a tela chorando, rindo, perdida num emaranhado de emoções. Enxugava as lágrimas.
- David... Eu... eu pensei...
O agente Smith colocou David no assento em frente ao monitor.
- Ele está um pouco atordoado, senhora. Espere um minuto.
- M..mas... - Susan gaguejava. - Eu vi uma transmissão. Dizia que... Smith assentiu.
- Nós também vimos. Hulohot cantava vitória antes do tempo.
- Mas o sangue...
- Uma ferida superficial. Colocamos uma gaze sobre ela - respondeu Smith. Susan estava sem fala.
Coliander falou, fora do campo de visão:
- Nós o acertamos com o novo J23, uma arma tranqüilizante de longo alcance. Deve ter doído muito, mas nós o tiramos das ruas.
- Não se preocupe, senhora - completou Smith, em tom tranqüilizador.
- Ele vai ficar bem.
David Becker olhou para o monitor de TV à sua frente. Estava desorientado e zonzo. Na tela, via a imagem de uma sala em completo caos. Susan estava lá, de pé no meio de uma área vazia, olhando para ele.
Ela chorava e ria ao mesmo tempo.
- David! Meu Deus! Achei que tinha perdido você!
Ele esfregou a testa. Moveu-se para a frente e puxou o microfone para perto de sua boca.
- Susan?
Ela olhava para cima, em êxtase. A face de David preenchia todo o painel de vídeo. Sua voz soava estrondosa na sala.
- Susan, preciso lhe perguntar uma coisa. - A ressonância e o volume da voz de Becker fizeram com que as pessoas na sala do banco de dados parassem para observar. Todos se viraram em direcção à tela.
- Susan Fletcher, você quer casar comigo?
A sala ficou em total silêncio. Uma prancheta caiu no chão, junto com um porta-lápis. Ninguém se abaixou para pegá-los. Só era possível ouvir o leve zumbido dos ventiladores dos terminais e o som da respiração de David Becker no microfone.
- David... - Susan gaguejou, completamente alheia ao fato de que havia 37 pessoas na sala olhando para ela. - Você já me pediu em casamento, lembra-se? Cinco meses atrás. Eu disse sim.
- Eu sei - disse ele sorrindo. - Mas desta vez eu tenho um anel - estendeu sua mão esquerda para a câmera e mostrou um anel dourado em seu dedo.
CAPÍTULO
116
- Vamos, leia, Sr. Becker! - ordenou Fontaine.
Jabba sentou-se, molhado de suor, com as mãos a postos sobre o teclado.
- Isso aí, leia essa bendita inscrição.
Susan Fletcher estava com eles na plataforma, com as pernas ainda tremendo, mas radiante. Todos na sala pararam o que estavam fazendo e olharam para a enorme projecção de David Becker. O professor girou o anel entre os dedos e estudou a inscrição.
- Mas leia com cuidado! - disse Jabba, sério. - Um único erro e estamos fritos!
Fontaine olhou com uma cara feia para Jabba. Se havia algo que ele conhecia bem eram situações de alta pressão. Criar tensão adicional nunca era uma boa idéia nessas horas.
- Relaxe, Sr. Becker. Se houver algum erro, vamos digitar o código de novo, até acertar.
- Não é bem assim, Sr. Becker - interveio Jabba. - Temos que acertar da primeira vez. Os códigos de desactivação em geral têm algum tipo de penalidade para evitar que alguém tente adivinhar cegamente a senha. Se digitarmos algo errado na primeira vez, o ciclo provavelmente irá se acelerar. Mas, se digitarmos errado duas vezes, estaremos fora. Fim de jogo.
O director franziu a testa e virou-se para a tela.
- Sr. Becker? Falha minha. Leia com cuidado, então. Com extremo cuidado. Becker assentiu e estudou o anel por um instante. Depois começou a recitar calmamente a inscrição.
- Q...U...I...S...espaço...C...
Jabba e Susan interromperam a leitura ao mesmo tempo.
- Espaço? - Jabba parou de digitar. - Há um espaço?
Becker olhou o anel.
- É. Tem vários espaços.
- Qual o problema? - perguntou Fontaine. - Por que paramos?
- Senhor. É que isso é meio... - disse Susan, preocupada.
- Concordo - disse Jabba. - É estranho. Senhas nunca têm espaços. Brinkerhoff engoliu em seco.
- O que isso quer dizer, então?
- Quer dizer - retomou Susan - que talvez esse não seja o código de desactivação.
Brinkerhoff entrou em pânico.
- É claro que é o código de desactivação! O que mais poderia ser? Por que outra razão Tankado daria esse anel? Quem é que fica escrevendo letras aleatórias em um anel?
Fontaine silenciou o assistente com um olhar severo.
- Ah... pessoal? - Becker disse, em dúvida se devia ou não se meter. – Vocês estão falando o tempo todo de letras aleatórias. Acho melhor eu avisar: as letras que estão aqui não são aleatórias.
Todos os que estavam na plataforma gritaram ao mesmo tempo:
- O quê?
Becker não sabia bem como agir.
- É, eu lamento, mas há palavras aqui. Elas estão bem juntas e, à primeira vista, parecem mesmo aleatórias. Mas, olhando de perto, dá para ver que a inscrição está em latim.
Jabba arregalou os olhos.
- Você está brincando!
Becker sacudiu a cabeça.
- Não. Está escrito: Quis custodiet ipsos custodes, o que significa, em linhas gerais...
- Quem irá guardar os guardiões! - interveio Susan, completando a frase de Becker.
Becker olhou para ela, espantado.
- Susan, não sabia que você...
- É das Sátiras, de Juvenal- exclamou Susan. - Quem irá guardar os guardiões? Quem irá vigiar a NSA enquanto nós vigiamos o mundo? Era a citação predilecta de Tankado.
- Afinal - perguntou Midge -, essa é ou não a senha?
- Tem que ser a senha - declarou Brinkerhoff.
Fontaine estava em silêncio, ainda processando as novas informações.
- Não sei se esta é a senha - disse Jabba. - Me parece estranho que Tankado fosse usar uma construção não-aleatória.
- Vamos, remova os espaços e digite o maldito código! - disse Brinkerhoff, quase histérico.
- Fontaine virou-se para Susan:
- Qual a sua opinião, senhorita Fletcher?
Susan reflectiu. Não sabia dizer exactamente o que era, mas alguma coisa ali estava errada. Susan conhecia Tankado o suficiente para saber que ele era um amante da simplicidade. Os algoritmos e os programas que desenvolvia eram quase cristalinos, absolutos. A idéia de remover os espaços parecia deslocada. Era um pequeno detalhe, mas era um erro, e definitivamente não era limpo. Em resumo, não era o que Susan esperava do golpe final de Tankado.
- Acho que há algo de errado - Susan disse, após pensar. - Não acho que seja a senha.
Fontaine respirou fundo, olhando dentro dos olhos dela, como que tentando ler sua mente.
- Senhorita Fletcher, se esta não é a senha, por que Ensei Tankado a teria dado para outra pessoa? Se ele sabia que nós o havíamos assassinado, você não acha que iria querer nos punir fazendo o anel sumir?
Uma nova voz surgiu, interrompendo o diálogo.
- Ah... Director?
Todos se voltaram para a tela. Era o agente Smith, de Sevilha. Estava com a cabeça enfiada sobre o ombro de Becker, falando no microfone.
- Não sei se isto ajuda em algo, mas não estou tão certo de que o Sr. Tankado soubesse que estava sendo assassinado.
- O que você quer dizer? - perguntou Fontaine.
- Hulohot era um profissional, senhor. Vimos o ataque, estávamos a apenas 50 metros. Todas as evidências sugerem que Tankado não sabia de nada.
- Evidências? - perguntou Brinkerhoff. - Mas que evidências? Tankado deu o anel. Isso prova tudo!
- Agente Smith - Fontaine interrompeu. - O que o faz pensar que Ensei Tankado não percebeu que estava sendo assassinado?
Smith limpou a garganta.
- Hulohot usou uma bala não-invasiva. É uma pequena bala de borracha que é atirada contra o peito e que se espalha após o impacto. Silenciosa e muito limpa. O Sr. Tankado deve ter sentido apenas uma dor aguda e depois teve um ataque cardíaco.
- Uma bala de impacto - Becker murmurou para si mesmo. - Isso explica o hematoma.
- É difícil que Tankado tenha associado a sensação a um tiro – acrescentou Smith.
- Mas ainda assim ele deu seu anel- declarou Fontaine.
- É verdade, senhor. Mas não olhou em volta procurando seu agressor. Uma vítima sempre tenta localizar o agressor ao ser atingida. É instintivo.
Fontaine pensou a respeito.
- Você diz que ele não procurou Hulohot?
- Não, senhor. Temos tudo registrado em filme, se desejarem...
- O filtro XII se foi! - gritou um técnico. - O verme está na metade do caminho!
- Esqueça o filme! - intrometeu-se Brinkerhoff. - Digite o maldito código e vamos terminar com isso!
Jabba suspirou, subitamente calmo e pensativo.
- Director, se digitarmos o código errado...
- Sim - interrompeu Susan. - Se Tankado não suspeitava de nós, temos algumas perguntas no ar.
- Quanto tempo nos resta, Jabba? - perguntou Fontaine.
Jabba olhou para a RV.
- Cerca de 20 minutos. É melhor usarmos nosso tempo com sabedoria. Fontaine ficou em silêncio por alguns instantes. Depois suspirou e disse: - Tudo bem. Passem o filme.
CAPÍTULO
117
- Iniciando transmissão de vídeo dentro de 10 segundos - disse o agente Smith. - Vamos transmitir apenas um quadro a cada dois, sem áudio; assim a transmissão vai ser quase em tempo real.
Todos ficaram em silêncio, observando e esperando. Jabba digitou alguns comandos e alterou a posição das imagens no painel de vídeo. A mensagem de Tankado estava sendo exibida no canto esquerdo:
APENAS A VERDADE PODERÁ SALVÁ-LOS
À direita, no painel, havia uma imagem estática do interior da van, com Becker e os dois agentes espremidos na frente da câmera. No centro surgiu uma borda pouco definida que logo se encheu de estática. Então surgiu a imagem em preto-e-branco de um parque.
- Transmitindo - anunciou Smith.
Parecia um antigo filme mudo. A imagem era granulada e pulava, resultado do processo de compressão de dados, que reduzia pela metade a quantidade de informações enviadas e permitia uma transmissão mais rápida.
A câmera se moveu através de um enorme pátio que terminava, num dos extremos, em uma fachada semicircular: o Ayuntamiento de Sevilha. Havia árvores em primeiro plano e o parque estava vazio.
- Os XII caíram! - gritou um técnico. - Este bicho está faminto!
Smith começou a narrar. Seu comentário tinha o desprendimento de um veterano.
- Essa é uma tomada da van, a cerca de 50 metros da zona de acção. Tankado se aproxima pela direita. Hulohot está nas árvores, à esquerda.
- Estamos com pouco tempo por aqui - disse Fontaine, apressando-o.
- Vamos ao que interessa.
O agente Coliander mexeu em alguns botões e a imagem se acelerou.
Todos olharam, ansiosos, quando seu antigo colega, Ensei Tankado, entrou em cena. O vídeo acelerado fazia a imagem parecer engraçada. Tankado se movia rapidamente pelo pátio, depois parava subitamente, talvez para apreciar a paisagem. Ele protegeu os olhos do sol e olhou para cima, observando os detalhes da enorme fachada.
- É agora - avisou Smith. - Hulohot é bom. Acertou de primeira e em espaço aberto.
Notou-se um breve flash de luz saindo do meio das árvores à esquerda da tela. Pouco depois Tankado apertou o peito. Cambaleou. O zoom da câmera aproximou-se de Tankado, deixando a imagem instável, entrando e saindo de foco.
Enquanto as imagens passavam aceleradas, Smith continuava friamente sua narrativa.
- Como podem ver, Tankado teve uma parada cardíaca instantaneamente.
Susan sentiu-se mal vendo aquelas imagens. Tankado apertava o peito com suas mãos deformadas e tinha um olhar confuso de terror em seu rosto.
- Vocês podem notar - acrescentou Smith - que seus olhos estão voltados para baixo, para ele mesmo. Em nenhum momento Tankado olha em volta.
- E isso é importante? - disse Jabba, meio afirmando, meio perguntando.
- Bastante - respondeu Smith. - Se Tankado houvesse suspeitado de alguma armação, teria instintivamente olhado em volta. Mas, como vocês podem ver, ele não olhou.
Na tela, Tankado caiu de joelhos, ainda apertando o peito. Em nenhum momento olhou para cima. Ensei Tankado estava sozinho, morrendo uma morte particular e natural.
- É estranho - disse Smith, intrigado. - As balas de impacto em geral não matam tão rápido. Algumas vezes, se o alvo for uma pessoa grande, nem mesmo matam.
- Coração fraco - disse Fontaine, seco.
Smith levantou as sobrancelhas, impressionado.
- Boa escolha de arma, então.
Susan observou quando Tankado rolou para o lado e finalmente deitou-se de costas. Estava olhando para cima, ainda segurando o peito; Subitamente a câmera moveu-se e voltou-se novamente para as árvores. Um homem sorriu. Usava óculos de armação de metal e carregava uma maleta um pouco maior do que o normal. Enquanto se aproximava do pátio e de Tankado, que agonizava, seus dedos começaram a se mover, em uma estranha e silenciosa dança, sobre um mecanismo preso à sua mão.
- Ele está usando o Monocle - disse Smith. - Enviando a mensagem de que Tankado foi eliminado. - Smith virou-se para Becker. - Parece que Hulohot tinha o mau hábito de informar as mortes antes que os corpos esfriassem.
Coliander acelerou o filme um pouco mais, e a câmera seguiu Hulohot, que se aproximava de sua vítima. De repente, contudo, um homem mais velho saiu correndo de um local próximo, foi até Tankado e ajoelhou-se a seu lado. Hulohot começou a andar mais devagar. Um instante depois outras duas pessoas surgiram em cena: um homem obeso e uma mulher de cabelos vermelhos. Também se aproximaram de Tankado e ficaram a seu lado.
- Hulohot escolheu mal o local - disse Smith. - Ele achou que tinha isolado a vítima.
Na tela, o assassino observou por um momento e depois retornou para as árvores, provavelmente para esperar.
- Agora Tankado vai entregar o anel - avisou Smith. - Não havíamos notado da primeira vez.
Susan olhou para as imagens perturbadoras sendo exibidas. Tankado estava sufocando, mas tentava dizer alguma coisa para as pessoas ajoelhadas ao seu lado. Depois, desesperado, levantou a mão esquerda e quase acertou o rosto do velho. Mantinha seus dedos aleijados estendidos bem na frente dos olhos do homem. A câmera deu um zoom, focando os dedos de Tankado. Em um deles, brilhando nitidamente sob o sol da Espanha, estava o anel. Tankado fez o mesmo movimento de novo, estendendo o braço. O velho chegou para trás. Tankado então virou-se para a mulher. Colocou seus três dedos deformados bem na frente da cara dela, como se quisesse que ela entendesse algo. O anel brilhava no sol. A mulher virou o rosto. Tankado, agora tossindo e incapaz de falar, virou-se para o homem obeso e tentou mais uma vez.
O homem mais velho subitamente levantou-se e saiu correndo, provavelmente para buscar ajuda. Tankado parecia estar ficando mais fraco, porém continuava segurando o anel na cara do homem gordo. Finalmente o homem agarrou o pulso do moribundo e manteve-o firme. Tankado parecia estar olhando para seus próprios dedos, para seu anel, e depois de volta para os olhos do homem. Num último apelo antes de morrer, Ensei Tankado moveu ligeiramente a cabeça para o homem, como que dizendo sim.
Depois seu corpo ficou inerte.
- Jesus - murmurou Jabba.
A câmera voltou-se novamente para onde Hulohot tinha se escondido, mas ele já havia partido. Uma motocicleta da polícia apareceu, cruzando a Avenida Firelli. A câmera retornou ao local onde Tankado estava. A mulher que tinha ficado ajoelhada a seu lado pareceu ter ouvido as sirenes da polícia. Olhou em volta, ansiosa, e começou a puxar seu companheiro obeso, pedindo que partissem. Os dois saíram apressadamente.
A câmera deu um close em Tankado, suas duas mãos dobradas sobre o peito sem vida. O anel que estava em seu dedo havia sumido.
CAPÍTULO
118
- Isso definitivamente é uma prova - disse Fontaine, com firmeza. - Tankado queria se livrar do anel. Queria que estivesse tão longe dele quanto possível, para que não pudéssemos encontrá-lo.
- Mas, director - argumentou Susan -, não faz sentido. Se Tankado não sabia que estava sendo assassinado, por que daria o código de desactivação para outra pessoa?
- Concordo com ela - disse Jabba. - O garoto era um rebelde, mas tinha consciência. Uma coisa seria nos obrigar a admitir que tínhamos o TRANSLTR. Expor nosso banco de dados secreto é algo completamente diferente. .
Fontaine olhou para eles, hesitante.
- Vocês acham que Tankado queria parar esse verme? Acham que seus últimos pensamentos antes de morrer foram dirigidos à pobre NSA?
- Tunnel Block se desfazendo! - gritou alguém. - Estaremos completamente vulneráveis em 15 minutos, no máximo.
- Vou lhes dizer uma coisa - declarou o director, assumindo o controle.
- Dentro de 15 minutos, todos os países do Terceiro Mundo saberão como construir um míssil balístico intercontinental. Se alguém nesta sala achar que tem um candidato melhor para o código de desactivação do que este anel, sou todo ouvidos. - Olhou em volta. Ninguém falou. Ele voltou a olhar para Jabba, fixamente. - Tankado queria se livrar daquele anel por algum motivo, Jabba. Não me importa se estava tentando fazê-lo sumir ou se achava que aquele homem gordo ia correr até o telefone público e ligar para nós. Tomei minha decisão. Vamos digitar aquela citação. Agora.
Jabba respirou fundo. Fontaine estava certo, não havia nenhuma opção melhor. Além disso, o tempo estava se esgotando. Jabba sentou-se.
- Muito bem, vamos lá. - Puxou a cadeira para perto do teclado.
- Sr. Becker? A inscrição, por favor. Bem devagar.
David Becker leu a inscrição enquanto Jabba digitava. Quando acabaram, verificaram letra por letra, e Jabba retirou os espaços. Na parte central do painel estava escrito:
QUISCUSTODIETIPSOSCUSTODES
- Não estou gostando - murmurou Susan, baixinho. - Não está limpo. Jabba hesitou, com a mão sobre a tecla ENTER.
- Vá em frente - ordenou Fontaine.
Jabba pressionou ENTER. Segundos depois todos perceberam que havia sido um erro.
CAPÍTULO
119
- O verme está acelerando! - Soshi gritou lá de trás. - Esse não era o código certo!
Estavam todos perplexos, tomados por um terror silencioso.
Na tela à frente deles havia uma mensagem de erro:
ENTRADA INVÁLIDA. CAMPO NUMÉRICO APENAS.
- Que diabos! - gritou Jabba. - Apenas números! Estamos procurando um maldito número! Estamos ferrados! Esse anel não serve para nada!
- O verme dobrou de velocidade! - gritou Soshi. - Estamos sendo penalizados.
No centro da tela, logo abaixo da mensagem de erro, a RV mostrava uma imagem terrível. O terceiro firewall havia caído, e cerca de meia dúzia de linhas pretas, representando os hackers que tentavam invadir o banco de dados, avançavam incessantemente em direcção ao núcleo. A cada instante que passava surgiam novas linhas.
- Estão se multiplicando! - gritou Soshi.
- Confirmando conexões do exterior! - berrou outro técnico. – Alguém espalhou os boatos.
Susan desviou o olhar da imagem dos firewalls em colapso e olhou para o canto da tela. As cenas do assassinato de Tankado passavam repetidamente. Sempre a mesma coisa: Tankado segurando seu peito, caindo e, com uma cara de pânico e desespero, empurrando o anel na cara de alguns turistas inocentes.
Não faz sentido, pensou Susan. Se ele não sabia que nós o matamos... Susan desistiu. Era tarde demais. Deixamos de perceber algo.
Na RV, o número de hackers batendo contra os portões havia dobrado nos últimos minutos. De agora em diante, iria aumentar exponencialmente. Hackers, assim como hienas, eram uma grande família, sempre ávidos para espalhar as notícias a respeito de uma nova vítima.
Leland Fontaine aparentemente já vira o bastante.
- Desligue tudo - disse. - Desligue essa droga.
Jabba olhava em frente, como o capitão de um navio que está afundando. - Tarde demais, senhor. Os escudos vão cair.
CAPÍTULO
120
O SegSis de 180 quilos estava parado, as mãos apoiadas na cabeça, em total incredulidade. Havia ordenado que desligassem a força, mas isso levaria uns 20 minutos além do tempo que tinham. Hackers com conexões de alta velocidade poderiam fazer o download de enormes quantidades de informações secretas nesse meio tempo.
Jabba foi despertado de seu pesadelo por Soshi, que veio correndo até a plataforma com uma nova listagem.
- Descobri algo, senhor! - disse ela, animada. - Há orfãos no código-fonte! Agrupamentos de letras. Estão espalhados por todo o código!
Jabba não pareceu muito animado com a notícia.
- Estamos procurando por um número, bolas! Não uma seqüência de letras! O código de desativação é um número!
- Mas temos órfãos! Tankado é bom demais para deixar órfãos, sobretudo nesta quantidade!
O termo "órfãos" se referia a linhas adicionais de programação que não faziam parte do objectivo do programa. Não alimentavam nenhuma rotina, não faziam referência a nada, não levavam a qualquer outro ponto do código e geralmente eram apagados como parte do processo final de compilação e remoção de erros - debugging.
Jabba pegou a listagem e analisou-a.
Fontaine permanecia em silêncio.
Susan olhou a listagem por cima do ombro do chefe de SegSis:
- Estamos sendo atacados por uma versão preliminar do verme de Tankado?
- Preliminar ou final, está nos dando um couro - respondeu Jabba.
- Isso está errado - argumentou Susan. - Tankado era um perfeccionista, e você sabe disso. Ele não teria deixado órfãos em seu programa.
- Há muitos deles! - disse Soshi. Ela tirou a listagem das mãos de Jabba e mostrou a Susan. - Olhe!
Susan percorreu a listagem. A cada 20 ou 30 linhas de código havia quatro caracteres soltos.
A C N E
E E R N
D A T M
- Agrupamentos de quatro bytes cada - ela disse, pensativa. - Definitivamente não fazem parte do programa.
- Deixem isso de lado - grunhiu Jabba. - Isso não tem a menor importância!
- Não acho, não. Muitas técnicas de encriptação usam agrupamentos de quatro bytes. Isto pode ser um código - disse Susan.
- É, pode sim - resmungou Jabba. - Significa: "He, he. Vocês estão ferrados." - Olhou para cima, consultando a RV: - Dentro de nove minutos, para ser mais específico.
Susan ignorou Jabba e virou-se para Soshi.
- Quantos órfãos há no código?
Soshi deu de ombros. Ela se aproximou do terminal de Jabba e digitou todos os agrupamentos. Quando acabou, afastou-se do terminal. Todos na sala olharam para o painel.
ACNE EIOT
EERN NOIS
DATM SIOA
IPRE PSSG
FREN OPHA
RMSO SRMA
EAES AHAK
NElR V I E I
Susan era a única que estava sorrindo.
- De fcato, é bem familiar. Blocos de quatro, exactamente como na Enigma. O director assentiu. A Enigma, criada pelos nazistas, era a mais famosa máquina de escrever códigos da História. Encriptava as mensagens em blocos de quatro.
- Óptimo - resmungou Fontaine. - Por acaso você teria uma delas à mão?
- Essa não é a questão! - disse Susan, subitamente animada. Afinal, aquilo era sua especialidade. - A questão é que se trata de um código. Tankado nos deixou uma pista! Ele está nos gozando, nos desafiando a descobrir a senha a tempo. Deixou pistas bem na nossa cara!
- Isso é absurdo! - retrucou Jabba. - Tankado só nos deu uma saída: revelar a existência do TRANSLTR. Ponto final. Era nossa única saída. Perdemos a chance.
- Sou forçado a concordar com ele - completou Fontaine. - Não acho que Tankado fosse nos dar uma outra forma de escapar dessa deixando pistas para seu código de desactivação.
Susan ficou pensativa, lembrando-se de como Tankado havia deixado o anagrama NDAKOTA bem na cara deles. Olhou para as letras, pensando se aquele não seria outro de seus jogos.
- Tunnel Block pela metade! - disse um técnico.
Na RV, uma massa de linhas escuras de conexões penetrava mais fundo nos dois escudos que restavam.
David tinha ficado sentado em silêncio, observando o drama que se desenrolava no monitor à sua frente.
- Susan? Eu tenho uma idéia. Esse texto está em 16 agrupamentos de quatro?
- Ah, mas que droga - grunhiu Jabba, baixinho. - Agora todo mundo vai querer brincar?
Susan ignorou o comentário irônico e contou os agrupamentos.
- Sim, há 16 deles.
- Remova os espaços - disse Becker, com firmeza.
- David - respondeu Susan, ligeiramente desconfortável. - Acho que você não entendeu. Os agrupamentos de quatro são...
- Remova os espaços - ele repetiu.
Susan hesitou, depois fez um gesto para Soshi. Soshi removeu os espaços. O resultado permanecia obscuro.
ACNEEERNDATMSIOAIPREPSSGFRENOPHAEIOTNOISRMSOSRMAEAESAHAKNELRVIEI
Jabba teve um ataque.
- CHEGA! O recreio acabou! Essa coisa está duas vezes mais rápida! Temos cerca de oito minutos e estamos procurando um número, não um bando de letras sem pé nem cabeça.
- Quatro vezes 16 - David prosseguiu calmamente. - Faça as contas, Susan.
Susan olhou para David, na tela. Faça as contas? Ele é péssimo em contas!
Sabia que David podia memorizar conjugações verbais e vocabulário de outros idiomas como se fosse uma copiadora, mas... matemática?
- Tabelas de multiplicação - ele completou.
Tabelas de multiplicação? Do que ele está falando?, pensava Susan.
- Quatro vezes 16 - continuou. - Tive que decorar a tabuada no colégio.
- Sessenta e quatro - respondeu, sem entender. - E daí?
David inclinou-se em direção à câmera. Sua face encheu a tela. - Sessenta e quatro letras...
- Sim, são... - Susan ficou muda.
- Um quadrado perfeito - disse David.
- Meu Deus! David, você é um gênio!
CAPÍTULO
121
- Sete minutos! - gritou um técnico.
- Oito fileiras de oito! - gritou Susan animada.
Soshi digitou. Fontaine observava, em silêncio. O penúltimo escudo estava quase desaparecendo.
- Sessenta e quatro letras! - Susan estava agora no controle da situação. – É um quadrado perfeito!
- Um quadrado perfeito? - perguntou Jabba. - E daí?
Dez segundos depois, Soshi havia reordenado as letras aparentemente aleatórias. Estavam em oito fileiras de oito. Jabba olhava para aquilo e sacudia a cabeça, sem compreender. A nova disposição era tão esquisita quanto a anterior.
A C N E E E R N
D A T M S I O A
I P R E P S S G
F R E N O P H A
E I O T N O I S
R M S O S R M A
E A E S A H A K
N E L R V I E I
- Claro como o breu - resmungou Jabba.
- Srta. Fletcher, você pode explicar o que está acontecendo? – exigiu Fontaine. Todos se voltaram para Susan.
Susan estava olhando para o bloco de texto. Inicialmente balançou a cabeça, depois abriu um enorme sorriso.
- David, parabéns!
As pessoas olhavam umas para as outras sem entender.
David piscou para a pequena imagem de Susan que estava na tela à sua frente.
- Sessenta e quatro letras. Júlio César ataca novamente.
Midge parecia perdida.
- Do que vocês estão falando?
- A Caixa de César - disse Susan, contente. - Leia por colunas, de cima para baixo. Tankado nos deixou uma mensagem.
CAPÍTULO
122
- Seis minutos! - avisou um técnico.
Susan dava ordens:
- Digite novamente, de cima para baixo! Leia na vertical e não na horizontal! Soshi percorria rapidamente as colunas, redigitando o texto.
- Júlio César enviava seus códigos desta forma! - explicou Susan em meio à confusão. - As letras de suas mensagens sempre formavam um quadrado perfeito.
- Feito! - gritou Soshi.
Todos olharam para as letras, agora reordenadas em uma única linha de texto no painel de vídeo.
- Continua me parecendo lixo - disse Jabba, zombando. - Olhem para isso. É só um bando de letras aleatórias... - Engasgou-se com suas palavras. Seus olhos se arregalaram. - Uau. Minha nossa...
Fontaine também já havia visto. Levantou as sobrancelhas, obviamente impressionado. Midge e Brinkerhoff repetiram, quase ao mesmo tempo:
- Minha nossa...
As 64 letras agora podiam ser lidas como:
ADIFERENCAPRIMAENTREOSELEMENTOSRESPONSAVEISPORHIROSHIMAENAGASAKI
- Coloque os espaços de volta - ordenou Susan. - Temos uma charada para resolver.
CAPÍTULO
123
Um técnico subiu na plataforma, pálido.
- O Tunnel Block não vai durar muito.
Jabba olhou para a RV no vídeo. Os atacantes continuavam avançando, com muito pouco separando-os do quinto e último escudo. O banco de dados iria ficar exposto em pouco tempo.
Susan bloqueou o caos que havia em torno dela. Leu a estranha mensagem de Tankado diversas vezes.
A DIFERENCA PRIMA ENTRE OS ELEMENTOS RESPONSAVEIS POR HIROSHIMA E NAGASAKI
- Isso nem mesmo é uma pergunta! - gritou Brinkerhoff. - Como podemos encontrar uma resposta?
- Precisamos de um número -lembrou Jabba. - A senha é numérica.
- Silêncio - disse Fontaine, sem se alterar. Virou-se e falou com Susan.
- Srta. Fletcher, você nos trouxe até aqui. O que sugere?
Susan respirou fundo.
- O campo do código de desactivação só aceita números. Eu diria, então, que essa mensagem é algum tipo de pista com relação ao número certo. O texto menciona Hiroshima e Nagasaki, as duas cidades japonesas que foram atingidas por bombas atômicas. Talvez o código de desactivação esteja relacionado ao número de mortes, o valor estimado dos danos materiais... - Ela parou um instante, relendo a pista de Tankado. - A diferença principal entre Hiroshirna e Nagasaki. Tankado considera que os dois casos foram diferentes de alguma forma.
A expressão de Fontaine não se alterou. As esperanças estavam se esvaindo rapidamente. Parecia que as questões políticas em torno das duas explosões mais devastadoras da História precisavam ser analisadas, comparadas e traduzidas em um número mágico. Tudo isso nos próximo cinco minutos.
CAPÍTULO
124
- O último escudo está sob ataque!
Na RV, a programação de autorização PEM começava a diminuir. Linhas pretas envolviam o último escudo protector e começavam a forçar passagem em direcção ao núcleo.
Os hackers agora estavam chegando de todos os lugares do mundo. O número praticamente dobrava a cada minuto. Em pouco tempo, qualquer um que dispusesse de um computador - espiões estrangeiros, radicais, terroristas teria acesso a todas as informações secretas do governo norte-americano.
Enquanto os técnicos tentavam em vão cortar a força, o grupo reunido sobre a plataforma estudava a mensagem. Até mesmo David e os dois agentes da NSA estavam tentando quebrar o código em sua van, na Espanha.
A DIFERENCA PRIMA ENTRE OS ELEMENTOS RESPONSAVEIS POR HIROSHIMA E NAGASAKI
Soshi estava pensando em voz alta.
- Os elementos responsáveis por Hiroshima e Nagasaki... Pearl Harbor? A recusa de Hirohito em...
- Precisamos de um número - repetiu Jabba - e não de teorias políticas. Estamos falando de matemática, não de história!
Soshi ficou em silêncio.
- O que vocês acham da carga de explosivos? - tentou Brinkerhoff. - Mortes? Danos materiais? .
- Estamos procurando por um número exacto - lembrou Susan. - As estimativas quanto aos danos não serão exactas. - Olhou para a mensagem. – Os elementos responsáveis...
A cinco mil quilômetros de distância, David Becker teve um estalo.
- Elementos! Tankado está brincando com as palavras!
Todos se voltaram para a janela com as imagens da Espanha.
- A palavra elementos tem diversos significados! - prosseguiu Becker.
- Explique sua teoria, Sr. Becker - retrucou Fontaine.
- Ele está falando de elementos químicos, não de elementos sociopolíticos! Ninguém entendeu exactamente o que Becker estava querendo dizer.
- Elementos! - insistiu. - A tabela periódica! Elementos químicos! Nenhum e vocês assistiu ao filme Fat Man and Little Boy, sobre o Projecto Manhattan? As duas bombas atômicas eram diferentes. Usavam combustíveis diferentes: elementos diferentes!
Soshi deu pulinhos de alegria, empolgada.
- Isso! Ele está certo! Eu li sobre isso! Uma das bombas usava urânio e a utra, plutônio! Dois elementos diferentes!
Um silêncio tomou conta da sala.
- Urânio e plutônio! - exclamou Jabba, subitamente esperançoso. - A pista que ele deixou pede a diferença entre os dois elementos! - Virou-se para seu pequeno exército de programadores. - A diferença entre urânio e plutônio! Alguém sabe qual é?
Todos olhavam espantados.
- Vamos lá! - disse Jabba. - Vocês não foram ao colégio? Alguém! Qualquer um! Preciso saber a diferença entre plutônio e urânio.
Nenhuma resposta.
Susan virou-se para Soshi.
- Preciso acessar a Internet. Você tem um browser em sua estação?
Soshi assentiu.
- Sim, é claro.
Susan puxou-a pela mão.
- Venha. Vamos navegar.
CAPÍTULO
125
- Quanto tempo nos resta? - perguntou Jabba.
Nenhum dos técnicos respondeu. Olhavam, assoberbados, para a RV. O último escudo estava prestes a se desfazer.
Um pouco abaixo de Jabba, Susan e Soshi olhavam os resultados obtidos no programa de busca.
- Outlaw Labs? Quem são eles? - perguntou Susan.
Soshi encolheu os ombros.
- Você quer que eu abra a página?
- Com certeza. Seiscentas e quarenta e sete referências textuais a urânio, plutônio e bombas atômicas. Parece ser nossa melhor chance.
Soshi abriu o link. Uma mensagem de aviso foi exibida:
As informações contidas neste arquivo são apenas para uso acadêmico. Qualquer leigo que se disponha a construir qualquer um dos dispositivos aqui descritos corre o risco de envenenamento por radiação e/ou auto-explosão.
- Auto-explosão? Nossa - disse Soshi.
- Pesquisem - retrucou Fontaine, olhando para trás. - Vamos ver se achamos algo.
Soshi mergulhou no documento. Passou por uma fórmula para criar nitrato de uréia, um explosivo 10 vezes mais poderoso que a dinamite. A informação apareceu na tela como uma receita para bolo.
- Plutônio e urânio - repetiu Jabba. - Vamos manter o foco.
- Volte - ordenou Susan. - O documento é grande demais. Ache o índice.
Soshi retornou até encontrá-lo:
I.
Mecanismo de uma Bomba Atômica a Altímetro
b. Detonador por Pressão do Ar
c. Cabeças Detonadoras
d. Cargas Explosivas
e. Defletor de Urânio
f. Urânio e Plutônio
g. Escudo de Chumbo
h. Fusíveis
II. Fissão Nuclear I Fusão Nuclear
a. Fissão (bomba A) & Fusão (bomba H)
b. U-235, U-238 e Plutonio
III. História das Armas Atômicas
a. Desenvolvimento (Projeto Manhattan)
b. Explosões
i. Hiroshima
ii. Nagasaki
iii. Efeitos Colaterais das Explosões Atômicas
iv. Zonas de Impacto
- A secção dois! - exclamou Susan. - Urânio e plutônio! Vamos!
Soshi localizou a seção correta.
- Está aqui - disse ela. - Esperem um pouco. - Começou a ler rapidamente os dados. - Há muita informação. Uma tabela inteira. Como vamos saber qual é a diferença que estamos procurando? Um ocorre naturalmente, o outro é fabricado pelo homem. O plutônio foi descoberto pela primeira vez por...
- Um número -lembrou Jabba. - Precisamos de um número.
Susan leu novamente a mensagem de Tankado. A diferença prima entre os elementos... a diferença entre... precisamos de um número...
- Esperem! A palavra diferença também tem múltiplos sentidos. Precisamos de um número, então estamos falando de matemática. É outro dos jogos de palavra de Tankado. Diferença quer dizer subtração.
- Isso! - concordou Becker, na tela. - Talvez os elementos tenham um número diferente de prótons ou algo assim? Se subtrairmos...
- Ele está certo! - disse Jabba, virando-se para Soshi. - Há números nessa tabela? Contagem de prótons? Meia-vida? Algo que nós possamos subtrair?
- Três minutos! - gritou um técnico.
- Que tal a massa supercrítica? - perguntou Soshi. - Aqui diz que a massa supercrítica do plutônio é de 16 kg.
- Óptimo! - disse Jabba. - Verifique o urânio! Qual é a massa supercrítica do urânio?
Soshi procurou.
- Ah... 50 quilos.
- Cinqüenta? - Jabba pareceu esperançoso. - A diferença é então...
- Trinta e quatro - completou Susan, na mesma hora. - Mas eu não acho que... - Saiam da frente! - gritou Jabba, dirigindo-se para o teclado. Esse tem que ser o código de desactivação! A diferença entre as massas críticas! Trinta e quatro!
- Espere - disse Susan, olhando para a tela de Soshi. - Há outros valores aqui. Pesos atômicos. Contagem de nêutrons. Técnicas de extração. - Ela varreu com os olhos a tabela. - O urânio se divide em bário e criptônio; o plutônio age de outra forma. O urânio possui 92 prótons e 146 nêutrons, mas...
- Precisamos encontrar a diferença mais óbvia - sugeriu Midge. - A pista diz: a diferença primária entre os elementos.
- Mas que diabos! - praguejou Jabba. - Como vamos saber o que Tankado achava que fosse a diferença primária?
Foi a vez de David interromper.
- Na verdade, ele disse prima, não primária.
A palavra pegou Susan em cheio.
- Primo! - exclamou. - Primo! - Voltou-se para Jabba. - O código de desactivação é um número primo! Pense nisso. Faz todo o sentido!
Jabba sabia que Susan tinha razão. Ensei Tankado havia construído sua carreira em cima dos números primos. Eles eram os fundamentos para a criação de todos os algoritmos de encriptação. Valores únicos que não possuíam outros divisores a não ser 1 e eles mesmos. Números primos funcionavam bem para gerar códigos porque os computadores não tinham como adivinhá-los usando o método típico de factoramento.
Soshi resolveu manifestar-se.
- Sim! É perfeito! Os números primos são essenciais para a cultura japonesa. Os haikai usam primos. Três linhas com contagens de sílabas de cinco, sete, cinco. Todos são primos. E os templos de Kyoto têm...
- Basta! - ordenou Jabba. - Mesmo se o código for um número primo, e daí? Há infinitas possibilidades!
Susan concordou. Como há infinitos números, é sempre possível encontrar um outro número primo. Mesmo considerando-se apenas os números entre zero e um milhão, havia mais de 70.000 primos. Tudo dependeria do valor escolhido por Tankado para seu número primo. Quanto maior fosse, mais difícil seria de adivinhar.
- Deve ser enorme - resmungou Jabba. - Seja lá qual for o primo que Tankado escolheu, com certeza é monstruoso.
Alguém lá atrás na sala gritou:
- Alerta de dois minutos!
Jabba olhou para a RV, sentindo-se derrotado. O último escudo começava a desaparecer. Os técnicos estavam correndo de um lado para o outro.
Susan, contudo, sentia que estavam próximos.
- Vamos lá, podemos resolver isso! - declarou, assumindo o controle. – De todas as diferenças entre o urânio e o plutônio, aposto que há somente uma que possa ser representada por um número primo! Esta é nossa última pista. Estamos procurando por um número primo!
Jabba olhou para a tabela de urânio e plutônio no monitor e jogou os braços para o alto.
- Deve haver centenas de entradas aí! Não há como subtrair todas elas e verificar quais vão dar em primos.
- Muitas das entradas não são numéricas - disse Susan, tentando manter o moral elevado. - Podemos ignorar todas elas. O urânio é natural, o plutônio é criado pelo homem. O urânio precisa de um detonador, o plutônio usa a implosão. Essas coisas não são números, então são irrelevantes!
- Prossigam - ordenou Fontaine. Na RV, a última camada de proteção estava fina como um ovo.
Jabba passou a mão pela testa.
- Tudo bem, vamos lá. Comecem a subtrair. Eu pego a primeira parte. Susan, você fica com o meio. Todo mundo trabalha no resto. Estamos procurando por uma diferença que resulte em um número primo.
Dentro de alguns segundos... ficou claro que nunca iriam conseguir. Os números eram enormes e, em muitos casos, as unidades não eram equivalentes.
- Estamos comparando maçãs com laranjas, que droga! - disse Jabba. - Temos raios gama contra pulso electromagnético. Fissionável contra não-fissionável. Alguns são valores. Outros são porcentagens. Está um caos!
- Tem que estar aqui - disse Susan com firmeza. - Temos que pensar. Deve haver uma diferença simples entre o plutônio e o urânio que não estejamos percebendo! Algo simples!
- Ahn... pessoal? - disse Soshi. Ela havia aberto uma segunda janela com o mesmo documento do Outlaws Lab e estava lendo alguns trechos.
- O que é? Você encontrou algo? - perguntou Fontaine.
- É... bem... de certa forma, sim - ela parecia constrangida. Sabem quando eu disse que a bomba de Nagasaki tinha sido feita com plutônio?
- Sim - responderam todos ao mesmo tempo.
- Bem... - Soshi respirou fundo. - Parece que cometi um erro.
- O quê! - vociferou Jabba. - Estivemos procurando pela coisa errada? Soshi apontou para a tela. Todos se aproximaram e leram o texto:
...O engano freqüente de que a bomba de Nagasaki foi feita com plutônio. Na verdade, a bomba usava urânio, assim como sua irmã, a bomba de Hiroshima.
- Mas... - Susan hesitou. - Se os dois elementos eram urânio, como poderemos encontrar uma diferença entre eles?
- Talvez Tankado tenha cometido um engano - sugeriu Fontaine. - Pode ser que ele não soubesse que as duas bombas eram iguais.
- Não - suspirou Susan. - Ele nasceu aleijado por conta dessas bombas. Com certeza sabia de tudo isso e muito mais.
CAPÍTULO
126
- Um minuto!
Jabba olhou para a RV.
- A autorização PEM está indo embora rápido. É nossa última linha de defesa, e há um bocado de gente querendo entrar.
- Concentrem-se! - ordenou Fontaine.
Soshi sentou-se em frente ao navegador e começou a ler em voz alta:
...a bomba de Nagasaki não usou plutônio, mas um isótopo de urânio-238, saturado de nêutrons e artificialmente fabricado.
- Que droga! - vociferou Brinkerhoff. - As duas bombas usaram urânio. Ambos os elementos responsáveis por Hiroshima e Nagasaki eram urânio. Não há diferença alguma!
- Estamos fritos - murmurou Midge.
- Espere. Leia essa última parte novamente - disse Susan, dirigindo-se a Soshi.
Soshi repetiu o texto que acabara de ler:
- ...um isótopo de urânio -238, saturado de nêutrons e artificialmente fabricado.
- 238? - exclamou Susan. - Não acabamos de ler algo que dizia que a bomba de Hiroshima usava um outro isótopo de urânio?
Trocaram olhares perplexos. Soshi procurou agitadamente o texto e encontrou o ponto anterior.
- Sim! Diz aqui que a bomba de Hiroshima usava um outro isótopo de urânio!
Midge exclamou, animada:
- Então ambos são urânio, mas ainda assim são diferentes!
- Ambos são urânio? - Jabba moveu-se e olhou para o terminal. - Maçãs e maçãs! Perfeito!
- Qual a diferença entre os dois isótopos? - perguntou Fontaine. - Deve ser algo bem básico.
Soshi procurava no documento, lendo o mais rápido que podia.
- Esperem... estou procurando... achei...
- Quarenta e cinco segundos!
Susan olhou para cima. O último escudo mal podia ser visto.
- Está aqui! - gritou Soshi.
- Leia! - Jabba suava em profusão. - Qual a diferença? Tem que haver alguma diferença entre os dois!
- Sim, olhem! - disse Soshi, apontando para seu monitor.
Eles leram o texto:
...as duas bombas usavam dois tipos de combustível diferentes... características químicas absolutamente idênticas. Nenhum processo de extração química pode separar os dois isótopos. Eles são, descontando-se pequenas diferenças em seus pesos atômicos, completamente idênticos.
- O peso atômico! - disse Jabba, animado. - Tem que ser isto! A única diferença está nos pesos! Esta é a chave! Me dê os pesos, vamos subtraí-los!
- Vamos lá... - disse Soshi, avançando no texto. - Quase... Aqui! – Olharam para o texto, procurando o valor.
...a diferença nos pesos é muito pequena...
...difusão gasosa para separá-los...
...1O,032498X10^134 por oposição a 19,39484X10^23.*
- É isso! - gritou Jabba. - São estes os pesos!
- Trinta segundos!
- Rápido! - disse Fontaine em voz baixa. - Subtraia os valores.
Jabba pegou sua calculadora e começou a digitar os números.
- O que significa o asterisco? - perguntou Susan. - Há um asterisco após o número. Jabba prosseguiu, ignorando o comentário. Digitava furiosamente em sua calculadora.
- Cuidado! - disse Soshi. - Precisamos de um número exacto.
- O asterisco - repetiu Susan. - Há uma nota de pé de página.
Soshi clicou para chegar ao final do parágrafo. Ao ler a nota referente ao asterisco, Susan ficou pálida.
- Ah... Deus!
Jabba olhou para ela.
- O que foi?
Todos olharam para a tela e deram um suspiro de derrota. Na pequena nota estava escrito:
* 12% de margem de erro. Os valores publicados variam de acordo com o laboratório em que foi feita a medição.
CAPÍTULO
127
Um silêncio pesado tomou conta do grupo que estava sobre a plataforma. Era como se estivessem observando um eclipse ou uma erupção vulcânica: uma cadeia incrível de acontecimentos sobre a qual não tinham controle. A sensação é de que o tempo passava devagar, quase parando.
- Estamos perdendo o escudo! - gritou um técnico. - Conexões! Em todas as linhas!
Na extrema esquerda do painel, David e os agentes Smith e Coliander olhavam para a câmera inexpressivamente. Na RV, o último firewall era apenas uma folha fina. Uma massa de traços negros o rodeava, milhares de linhas esperando para se conectar. A direita, as imagens de Tankado, em seus últimos momentos, continuavam sendo repetidas. Aquele olhar de desespero, os dedos levantados para o céu, o anel brilhando no sol.
Susan olhava para esse clipe entrando e saindo de foco. Observava os olhos de Tankado: pareciam cheios de arrependimento. Ele não queria que isso fosse tão longe, pensava. Ele queria nos salvar. Ainda assim, a cada vez o mesmo gesto se repetia. Tankado levantava os dedos, colocando o anel na cara das pessoas. Tentava dizer algo, mas não conseguia falar. Apenas projetava seus dedos para cima.
Em Sevilha, a mente de Becker continuava revirando todos os dados. Pensou consigo mesmo:
- O que eles disseram sobre os dois isótopos? U-238 eU...? – suspirou pesadamente. Não importava. Ele era um professor de línguas, não um físico.
- Conexões externas prontas para iniciar autenticação!
- Jesus! - Jabba gritou, frustrado. - Qual a maldita diferença entre os dois isótopos? Ninguém sabe?! - Não houve resposta. Todos os técnicos na sala estavam com os olhos grudados na RV sem poder fazer nada. Jabba balançou a cabeça.
- Onde estão os físicos nucleares quando se precisa deles?
Susan olhou para o vídeo de Tankado no visor, consciente de que estava tudo acabado. Em câmara lenta, via Tankado morrer, sucessivas vezes. Ele estava tentando falar, engasgando em suas palavras, projectando sua mão deformada... tentando comunicar algo. Estava tentando salvar o banco de dados, Susan pensou. Mas agora já não temos como saber.
- Temos companhia na entrada!
Jabba olhou para a tela.
- Bem, lá vamos nós! - ele suava.
Na tela central, a linha tênue do último firewall havia praticamente desaparecido. A massa preta de linhas em volta do núcleo estava opaca e piscava. Midge virou-se para não ver. Fontaine manteve-se de pé, rígido, olhando para a frente. Brinkerhoff parecia prestes a passar mal.
- Dez segundos!
Os olhos de Susan não desgrudavam da imagem de Tankado. O desespero. O arrependimento. Suas mãos esticadas, repetidamente, o anel brilhando, os dedos deformados apontados para a cara dos estranhos que o cercavam. Ele está querendo lhes dizer algo. O que é?
Na tela, David estava profundamente concentrado.
A diferença... - continuava repetindo para si mesmo. - A diferença entre U-238 e U-235. Tem que ser algo simples.
Um técnico começou uma contagem regressiva.
- Cinco. Quatro. Três.
A palavra chegou na Espanha em menos de um décimo de segundo.
Três... Três...
Como se Becker tivesse sido atingido novamente pela arma tranqüilizante, seu mundo parou por completo. Três... três... três. 238 menos 235! A diferença é três! Em câmara lenta, aproximou-se do microfone.
No mesmo momento, Susan estava olhando para a mão estendida de Tankado. Subitamente, ela enxergou além do anel, além do ouro com uma inscrição, até chegar à carne que estava embaixo... até chegar aos dedos. Três dedos. Não era o anel. Eram os dedos. Tankado não estava dizendo para eles, estava mostrando para eles. Estava contando seu segredo, revelando o código de desativação. Implorando para que alguém compreendesse, rezando para que seu segredo pudesse chegar até a NSA a tempo.
- Três - murmurou Susan, atônita.
- Três! - gritou Becker, da Espanha.
Mas, em meio ao caos, ninguém pareceu ouvir.
- Os escudos caíram! - gritou um técnico.
A RV começou a piscar na tela e o núcleo sucumbiu em meio a um dilúvio de conexões externas. Sirenes começaram a tocar na sala.
- Dados sendo transmitidos.
- Conexões de alta velocidade em todos os sectores!
Susan moveu-se como se estivesse num sonho. Foi até o teclado de Jabba. Enquanto virava, seu olhar estava fixo em seu noivo. A voz dele se espalhou novamente pela sala.
- Três! A diferença entre 238 e 235 é três!
Todos olharam.
- Três! - gritou Susan, em meio à cacofonia ensurdecedora de sirenes e técnicos. Ela apontou para a tela. Os outros olharam na mesma direção e viram Tankado, com os três dedos esticados, acenando desesperadamente sob o sol de Sevilha.
Jabba ficou paralisado.
- Meu Deus! - Compreendeu, naquele instante, que o gênio deformado havia tentado dar a resposta para eles o tempo todo.
- Três é um primo! - metralhou Soshi. - Três é um número primo!
Fontaine olhou, perplexo.
- Pode ser algo assim tão simples?
- Dados sendo extraídos! - gritou um técnico. - Estamos perdendo nossos dados rapidamente!
Todos na plataforma se atiraram para o terminal ao mesmo tempo, uma massa de braços estendidos. Em meio àquelas pessoas, Susan conseguiu uma brecha e chegou primeiro ao alvo. Digitou o número “3”. Todos se voltaram para o painel.
DIGITE A SENHA: 3
- Sim! - ordenou Fontaine. - Vá em frente!
Susan segurou a respiração e pressionou a tecla ENTER. O computador emitiu um bipe. Ninguém se moveu. Três segundos de infinita agonia depois nada havia acontecido. As sirenes continuavam tocando. Cinco segundos. Seis segundos.
- Dados sendo removidos!
- Nenhuma alteração!
Então Midge apontou para a tela, excitada. - Vejam!
Uma nova mensagem estava sendo exibida.
CODIGO DE DESAcTIVAÇÃO CONFIRMADO
- Levantem os firewalls! - ordenou Jabba.
Mas Soshi estava um passo à frente e já enviara o comando.
- Saída de dados interrompida! - gritou um técnico.
- Conexões interrompidas!
Na RV acima deles, o primeiro dos cinco firewalls começou a aparecer. As linhas pretas que atacavam o núcleo foram imediatamente interrompidas.
- Reactivação! - Jabba gritou. - Essa porcaria está se reactivando!
Por um segundo eles temeram que o sistema de segurança fosse cair aos pedaços a qualquer momento. Mas então o segundo firewall foi novamente exibido e depois o terceiro. Após alguns instantes, a série de filtros foi completamente reinstalada. O banco de dados estava novamente seguro.
A sala rompeu em comemorações. Os técnicos se abraçavam, jogando listagens de computador para o ar. As sirenes silenciaram. Brinkerhoff abraçou Midge. Soshi chorava.
- Jabba, quanto eles conseguiram pegar? - perguntou Fontaine
- Muito pouco - respondeu Jabba, olhando para seu monitor. – Muito pouco. E nada que estivesse completo.
Fontaine exibiu um ligeiro sorriso no canto da boca. Olhou em volta, procurando Susan, mas ela já estava andando para a frente da sala, em direcção à imagem de Becker, que enchia a tela.
- David?
- Oi, querida! - disse ele sorrindo.
- Volte para casa. Já.
- Te encontro no Stone Manor? - perguntou.
Ela concordou, as lágrimas escorrendo pelo rosto.
- Combinado.
- Agente Smith? - chamou Fontaine.
Smith apareceu na tela, por trás de Becker.
- Senhor?
- Parece que o Sr. Becker tem um compromisso. Providencie para que ele volte para casa imediatamente.
Smith assentiu.
- Nosso jacto está em Málaga. - Deu uns tapinhas nas costas de Becker. – Você vai ter uma bela surpresa, professor. Já voou em um Learjet 60?
Becker riu.
- Não, hoje ainda não.
CAPÍTULO
128
Quando Susan acordou, o sol brilhava. Os raios eram filtrados pelas cortinas, iluminando sua cama com acolchoado de penas de ganso. Ela virou-se, procurando David. Estou sonhando? Seu corpo continuava preguiçoso, cansado, ainda tomado pelo torpor da noite anterior.
- David? - murmurou.
Ele não respondeu. Ela abriu os olhos aos poucos, a pele ainda formigando.
O outro lado do colchão estava frio. David tinha saído.
Estou sonhando. Sentou-se. O quarto era decorado no estilo vitoriano, cheio de rendas e antiguidades - o melhor quarto de Stone Manor. Sua valise estava jogada no chão de tábuas corridas e sua lingerie em uma cadeira Queen Anne ao lado da cama.
David já havia chegado? Ela tinha lembranças: seu corpo contra o dela, acordando-a com beijos doces. Tinha sido parte do sonho? Virou-se para a mesinha ao lado da cama, onde havia uma garrafa vazia de champanhe e dois copos.
Esfregando os olhos, Susan enrolou-se no edredom. Viu um movimento no canto. Em um sofá suntuoso, aproveitando o sol da manhã, enrolado em seu grosso roupão, David estava sentado em silêncio, olhando-a. Ela estendeu a mão, chamando-o de volta para a cama.
- Você ficará feliz em saber que durante meu vôo de volta liguei para o reitor da universidade - disse ele.
Susan olhou-o, cheia de esperança.
- Por favor, me diga que você pediu demissão do posto de chefe do departamento.
David assentiu.
- Estarei de volta às aulas no próximo semestre.
Susan suspirou aliviada.
- É onde você deve estar.
David sorriu levemente.
- Sim, acho que a Espanha me fez pensar nas coisas que realmente importam.
- Então você vai voltar a partir o coração de suas alunas? - Susan deu-lhe um beijinho no rosto. - Bem, pelo menos terá tempo de me ajudar a editar meu manuscrito.
- Que manuscrito?
- Decidi publicá-lo.
- Publicar? - David olhou para ela espantado. - Publicar o quê?
- Ah, algumas idéias que tenho sobre protocolos de filtros variantes e resíduos quadráticos.
Ele resmungou:
- Tenho certeza de que vai entrar na lista dos mais vendidos.
Ela riu.
- Você ainda vai se surpreender...
David procurou algo dentro de seu roupão e tirou um pequeno objeto.
- Feche os olhos. Tenho uma surpresa para você.
Susan fechou os olhos.
- Vamos ver se adivinho... Um reluzente anel de ouro com uma inscrição em latim?
- Não - disse David, rindo. - Entreguei o anel a Fontaine, para que ele o mandasse para o Japão junto com os outros pertences de Tankado. - Pegou a mão de Susan e colocou algo em seu dedo.
- Mentiroso! - ela riu, abrindo os olhos. - Eu sabia que era...
Ficou em silêncio. O anel em seu dedo realmente não era o de Tankado. Era uma armação de platina com um belo diamante solitário brilhando sobre ela.
Susan ficou sem palavras.
Olhando em seus olhos, David perguntou:
- Você quer se casar comigo?
Susan ficou sem ação. Olhou para ele, depois de volta para o anel. Seus olhos se encheram de água.
- David, não sei o que dizer...
- Basta dizer sim.
EPÍLOGO
Dizem que, quando chega a hora da morte tudo se torna claro. Tokugen Numataka sabia agora que isso era verdade. De pé em frente ao caixão na alfândega de Osaka, viu-se tomado por uma compreensão amarga que nunca sentira antes. Sua religião falava de círculos, da forma como tudo na vida estava interconectado, mas Numataka jamais teve tempo para ser religioso.
Os funcionários da alfândega lhe deram um envelope com formulários de adopção e registros de nascimento.
- Você é o único parente vivo deste rapaz. Tivemos muito trabalho para localizá-lo - disseram.
A mente de Numataka voltou-se para aquela noite chuvosa, há 32 anos, e para o hospital do qual saiu correndo, abandonando seu filho deformado e sua mulher moribunda. Fez aquilo em nome do menboku - a honra -, uma sombra vazia agora.
Havia um anel dourado junto com os papéis. Nele estavam gravadas palavras que Numataka não compreendia. Não fazia diferença, as palavras já não tinham sentido algum para Numataka. Ele havia abandonado seu único filho. Agora um destino cruel os havia reunido pela última vez.

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