quinta-feira, 12 de agosto de 2010

ANJOS E DEMÔNIOS

ANJOS e DEMÔNIOS
DAN BROWN
Publicado originalmente com o título: Angels & Demons
Tradução: Maria Luiza Newlands da Silveira
Preparo de originais: Virginie Leite
Revisão: José Tedin Pinto, Sérgio Bellinello Soares
Diagramação: Valéria Teixeira
Capa: Raul Fernandes
Fotolitos: RR Donnelley América Latina
Impressão e acabamento: Geográfica e Editora Ltda.
Contra capa do livro
"Anjos e Demônios é escrito em estilo irresistível e acessível. Você prefere não
dormir só para ler mais um pouquinho. Ele trata de questões que passam pela
cabeça de todos: a existência de Deus, a possibilidade de se ter fé em um
Universo que parece ter profunda indiferença por nós, a reconciliação entre o
científico e o espiritual. Só que o livro leva o conflito entre razão e fé a uma
conflagração apocalíptica."
Orelha da capa do livro
Antes de decifrar O Código Da Vinci, Robert Langdon, o famoso professor de
Simbologia de Harvard, vive sua primeira aventura em Anjos e Demônios,
quando tenta impedir que uma antiga sociedade secreta destrua a Cidade do
Vaticano.
Às vésperas do conclave que vai eleger o novo Papa, Langdon é chamado às
pressas para analisar um misterioso símbolo marcado a fogo no peito de um físico
assassinado em um grande centro de pesquisas na Suíça. Ele descobre indícios de
algo inimaginável: a assinatura macabra no corpo da vítima – um ambigrama,
uma palavra que pode ser lida tanto de cabeça para cima quanto de cabeça para
baixo - é dos Illuminati, uma poderosa fraternidade considerada extinta há 400
anos.
A antiga sociedade ressurgiu disposta a levar a cabo a lendária vingança contra a
Igreja Católica, seu inimigo mais odiado. De posse de uma nova arma
devastadora, roubada do centro de pesquisas, ela ameaça explodir a Cidade do
Vaticano e matar os quatro cardeais mais cotados para a sucessão papal.
Correndo contra o tempo, Langdon voa para Roma junto com Vittoria Vetra, uma
bela cientista italiana. Numa caçada frenética por criptas, igrejas e catedrais, os
dois desvendam enigmas e seguem uma trilha que pode levar ao covil dos
Illuminati - um refúgio secreto onde está a única esperança de salvação da Igreja
nesta guerra entre ciência e religião.
Em Anjos e Demônios, Dan Brown demonstra novamente sua extraordinária
habilidade de entremear suspense com fascinantes informações sobre ciência,
religião e história da arte, despertando a curiosidade dos leitores para os
significados ocultos deixados em monumentos e documentos históricos.
Orelha da contracapa
Caro leitor,
Obrigado por transformar O Código Da Vinci em um sucesso tão grande.
O livro que você tem agora nas mãos é o precursor de O Código Da Vinci e conta
a aventura do simbologista Robert Langdon na Cidade do Vaticano um ano antes
da sua fatídica visita ao Louvre.
Anjos e Demônios foi o livro em que eu dei vida ao personagem de Langdon e me
entreguei com prazer à sua paixão por arte, por simbologia, por códigos e
sociedades secretas, assim como pela área nebulosa entre o bem e o mal. Eu
acredito que você irá achar os enigmas de Anjos e Demônios tão visualmente
arrebatadores quanto aqueles presentes nos quadros de Leonardo da Vinci.
E, com certeza, também encontrará aqui uma enorme variedade de mistérios,
histórias secretas, suspense e reviravoltas inesperadas.
Espero sincera mente que você se divirta tanto ao ler a primeira aventura de
Robert Langdon quanto eu me diverti ao escrevê-la.
Com os melhores votos e meus agradecimentos,
Dan Brown
"Uma aventura de tirar o fôlego... Excitante, rápida, com um QI acima da média."
San Francisco Chronicle
"Uma trama bem amarrada e com um ritmo explosivo. Repleta de intrigas do
Vaticano e drama hi-tech, a história contada por Dan Brown é costurada com
reviravoltas e surpresas que mantêm o leitor ligado até a revelação final."
Publishers Weekly
“Anjos e Demônios é um livro infernal: intrigante, criativo e cheio de
suspense.”
Dan Brown, escritor que figurou 12 vezes na lista de mais vendidos do
New York Times
"Uma das melhores leituras jamais vistas. Se Tom Clancy e Umberto Eco
fossem fundidos, o resultado seria Dan Brown."
eBooknet.com
Dan Brown é o consagrado autor de O Código Da Vinci, publicado no Brasil pela
Editora Sextante. Todos os seus quatro livros - O Código Da Vinci, Anjos e
Demônios, Fortaleza Digital e Deception Point - já estiveram ao mesmo tempo na
lista de mais vendidos do New York Times.
Dan é casado com a pintora e historiadora de arte Blythe, que colabora para as
pesquisas de seus livros. Ele mora em New England, nos Estados Unidos.
FATO
O maior estabelecimento de pesquisa científica do mundo - Conseil Européen
pour la Recherche Nucléaire (CERN) -, na Suíça, recentemente conseguiu
produzir as primeiras partículas de antimatéria. A antimatéria é idêntica à matéria
física, exceto por ser composta de partículas cujas descargas elétricas são inversas
àquelas encontradas na matéria normal.
A antimatéria é a mais poderosa fonte de energia conhecida pelo homem. Libera
energia com 100 por cento de eficiência (a fissão nuclear é 1,5 por cento
eficiente). A antimatéria não é poluente nem radioativa, e bastaria uma gota para
abastecer a cidade de Nova York de energia por um dia inteiro.
Há, porém, uma ressalva...
A antimatéria é extremamente instável. Incendeia-se ao entrar em contato com
qualquer coisa, inclusive o ar. Um único grama de antimatéria contém energia
igual à de uma bomba nuclear de 20 quilotons - o tamanho da bomba que caiu
sobre Hiroshima.
Até bem recentemente, a antimatéria tinha sido criada apenas em quantidades bem
reduzidas (alguns átomos por vez). Agora, porém, o CERN começou a trabalhar
com o novo desacelerador de antiprótons - um avançado aparelho que promete
criar antimatéria em quantidades maiores.
Resta uma pergunta: será que essa substância tão volátil vai salvar o mundo ou
será usada para gerar a mais mortífera arma de todos os tempos?
NOTA DO AUTOR
Todas as referências a obras de arte, a arquitetura, a túneis e a tumbas em Roma
são inteiramente factuais (assim como suas localizações exatas). Essas obras e
monumentos ainda podem ser vistos hoje. A fraternidade dos Illuminati também é
factual.
PRÓLOGO
O físico Leonardo Vetra sentiu cheiro de carne queimada e sabia que era a sua.
Levantou os olhos, aterrorizado, para a figura sombria que o dominava.
- O que você quer?
- La chiave - respondeu a voz rascante. - A senha.
- Mas eu não...
O intruso curvou-se de novo para a frente, pressionando com mais força o objeto
em brasa no peito de Vetra. Ouviu-se um chiado de carne grelhando. Vetra gritou
alto, agoniado.
- Não existe senha nenhuma! - E sentiu que mergulhava na inconsciência.
O rosto do homem encheu-se de uma fúria contida.
- Ne avevo paura. Era o que eu temia.
Vetra esforçou-se para manter os sentidos, mas a escuridão envolvia-o pouco a
pouco. Seu único consolo era saber que o agressor jamais obteria o que viera
buscar. Um momento mais tarde, porém, o homem fez aparecer uma lâmina e
ergueu-a diante do rosto de Vetra. A lâmina adejou no ar. Precisa. Cirúrgica.
- Pelo amor de Deus! - gritou Vetra.
Mas era tarde demais.
CAPÍTULO 1
Do alto da pirâmide de Gizé, a jovem riu e voltou-se para ele, lá embaixo,
chamando-o.
- Ande, Robert! Devia ter me casado com um homem mais moço! - O sorriso dela
era mágico.
Ele tentou acompanhá-la, mas suas pernas pesavam como se fossem feitas de
pedra.
- Espere - pediu. - Por favor...
Enquanto subia, sua vista começou a turvar-se. Seus ouvidos latejavam.
Preciso alcançá-la! Mas, quando olhou de novo para cima, a mulher desaparecera.
Em seu lugar havia um velho de dentes estragados. O homem encarou-o, os lábios
torcendo-se em uma careta melancólica. E ele deixou escapar um grito de angústia
que ressoou pelo deserto.
Robert Langdon acordou sobressaltado do pesadelo. O telefone ao lado de sua
cama estava tocando. Tonto, levou-o ao ouvido.
- Alô?
- Gostaria de falar com Robert Langdon - disse uma voz masculina.
Langdon sentou-se na cama e tentou clarear sua mente.
- Aqui... é Robert Langdon - e apertou os olhos para o mostrador do relógio
digital. Eram 5h18 da madrugada.
- Preciso encontrá-lo imediatamente.
- Quem está falando?
- Meu nome é Maximilian Kohler. Sou um físico de Partículas Discretas.
- Um o quê? - Langdon mal conseguia se concentrar. - Tem certeza de que
procurou o Langdon certo?
- O senhor é professor de Simbologia Religiosa na Universidade de Harvard.
Escreveu três livros sobre simbologia e...
- Sabe que horas são?
- Peço desculpas. Há uma coisa que precisa ver. Não posso explicar pelo telefone.
Um resmungo conformado escapou dos lábios de Langdon. Aquilo já acontecera
antes. Um dos perigos de se escrever livros sobre simbologia religiosa era o
chamado de fanáticos querendo que ele confirmasse o último sinal que haviam
recebido de Deus. No mês anterior, uma stripper de Oklahoma prometera a
Langdon a melhor sessão de sexo de sua vida se ele pegasse um avião até cidade
dela para verificar a autenticidade de uma figura cruciforme que parecera
magicamente nos lençóis de sua cama. O sudário de Tulsa, como Langdon a
chamara.
- Como conseguiu o número do meu telefone? - Langdon tentou ser amável,
apesar da hora.
- Na Internet. No site do seu livro.
Langdon franziu a testa. Tinha certeza de que o número do telefone de sua casa
não constava do site de seu livro. O homem obviamente estava mentindo.
- Preciso vê-lo - a voz do outro lado insistiu. - Vou pagar bem.
Agora Langdon estava ficando furioso.
- Sinto muito, mas eu...
- Se sair agora, pode estar aqui por volta de...
- Não vou a lugar nenhum! São cinco horas da manhã!
Langdon desligou e caiu de volta na cama. Fechou os olhos e tentou adormecer
novamente. Não adiantou. O sonho estava entranhado em sua mente. Relutante,
vestiu um roupão e desceu.
Robert Langdon perambulou descalço por sua casa deserta, uma construção
Vitoriana em Massachusetts, segurando seu remédio habitual contra a insônia:
uma caneca de chocolate instantâneo fumegante. O luar de abril filtrava-se pelas
janelas da sacada e formava desenhos nos tapetes orientais. Os colegas de
Langdon sempre brincavam que o lugar parecia mais um museu de antropologia
do que uma casa. As prateleiras estavam cheias de artefatos religiosos de todo o
mundo - um akuaba de Gana, uma cruz dourada da Espanha, um ídolo cicladense
do Egeu e um ainda mais raro boccus de Bornéu, o símbolo da perpétua juventude
de um jovem guerreiro.
Sentado em uma arca de latão maharishi e saboreando o chocolate quente, deu
com o seu reflexo nas vidraças das janelas. A imagem estava distorcida e pálida..
como a de um fantasma. Um fantasma envelhecido, pensou, sendo cruelmente
lembrado de que o seu espírito da mocidade vivia dentro de um invólucro mortal.
Apesar de não ser propriamente bonito no sentido clássico, Langdon, com seus
quarenta e cinco anos, possuía o que as colegas do sexo feminino classificavam de
um encanto "erudito" - mechas grisalhas misturadas ao espesso cabelo castanho,
perspicazes olhos azuis, uma voz grave atraente e o sorriso forte e despreocupado
de um atleta universitário. Membro da equipe de mergulho da faculdade, Langdon
ainda tinha um corpo de nadador, um metro e oitenta de boa forma, que ele
mantinha cuidadosamente com 2.500 metros diários de exercício na piscina da
universidade.
Seus amigos sempre o viram como uma espécie de enigma - um homem que
pertencia a séculos diferentes. Nos fins de semana, viam-no andando pelo pátio da
universidade vestido de jeans e conversando sobre computação gráfica e história
religiosa com os alunos; outras vezes, aparecia com seu paletó de tweed e colete
paisley nas páginas de importantes revistas de arte em aberturas de exposições de
museus para as quais era convidado a dar palestras.
Mesmo sendo um professor rigoroso e muito severo quanto à disciplina, Langdon
era o primeiro a acolher o que chamava de "a arte perdida de uma boa
brincadeira" Apreciava os momentos de divertimento com um fanatismo
contagiante, o que lhe valera uma aceitação fraternal entre seus alunos. Seu
apelido no campus, "Golfinho", era uma referência tanto à sua natureza afável
quanto à sua lendária capacidade de mergulhar em uma piscina e confundir a
estratégia de toda a equipe adversária em um jogo de pólo aquático.
Enquanto estava ali, sozinho, olhando distraído para a escuridão, o silêncio da
casa foi quebrado novamente, dessa vez pelo toque da máquina de fax. Exausto
demais para se incomodar, Langdon forçou uma risadinha cansada.
O povo de Deus, pensou. Dois mil anos de espera pelo Messias e eles ainda são de
uma persistência infernal.
Entediado, deixou a caneca vazia na cozinha e foi andando devagar para seu
escritório revestido de painéis de carvalho. O fax recém-chegado estava na
bandeja da máquina. Suspirando, pegou a folha de papel e olhou para ela. No
mesmo instante foi tomado por uma onda de náusea.
A imagem na página era a de um cadáver humano. O corpo fora despido e a
cabeça fora torcida, virada completamente para trás. No peito da vítima havia uma
terrível queimadura. O homem fora marcado a fogo... com uma única palavra.
Uma palavra que Langdon conhecia bem, muito bem. Ele olhou fixamente,
incrédulo, para as letras desenhadas. Illuminati
- Illuminati - ele gaguejou, o coração batendo forte. - Não pode ser...
Lentamente, temendo o que estava para presenciar, Langdon girou o papel 180
graus. Olhou para a palavra de cabeça para baixo.
E quase perdeu o fôlego. Era como se tivesse sido atropelado por um caminhão.
Mal acreditando em seus olhos, virou a folha de novo, lendo a palavra nas duas
posições.
- Illuminati - murmurou.
Aturdido, deixou-se cair em uma cadeira. Ficou ali por um momento, totalmente
desnorteado. Aos poucos, sua atenção voltou-se para a luz vermelha que piscava
na máquina. Quem mandara o fax ainda estava na linha.. esperando para falar.
Langdon contemplou durante longo tempo o ponto luminoso piscando.
Depois, trêmulo, levantou o fone.
CAPÍTULO 2
- Vai me dar atenção agora? - disse o homem quando Langdon finalmente atendeu
o telefone.
- Sim, senhor, com certeza, agora vou. Pode explicar melhor?
- Foi o que tentei lhe contar antes - a voz era rígida, mecânica. - Sou físico.
Dirijo uma organização de pesquisas. Aconteceu um crime e o senhor viu o fax.
- Como me encontrou? - Langdon mal conseguia se concentrar na
conversa. Sua mente estava na imagem no fax.
- Já lhe disse. Na Internet, no site de seu livro A arte dos Illuminati.
Langdon procurou reunir seus pensamentos. Seu livro era praticamente
desconhecido nos círculos literários convencionais mas tivera uma repercussão
bastante significativa on-line. Ainda assim, a explicação não fazia sentido.
- A página não traz informações para contato - Langdon desafiou-o.
- Tenho certeza disto.
- No laboratório tenho gente que é especialista em extrair informações sobre os
usuários da Internet.
Langdon ainda estava meio cético.
- Parece que seu laboratório sabe tudo sobre a Internet.
- Claro - o outro disparou -, fomos nós que a inventamos.
Algo na voz do homem dizia que ele não estava brincando.
- Preciso vê-lo - insistiu. - Não é assunto para se tratar pelo telefone. Meu
laboratório fica a apenas uma hora de vôo de Boston.
Na penumbra de seu escritório, Langdon analisou o fax que tinha em mãos. A
imagem era estarrecedora, talvez representasse a maior descoberta epigráfica do
século, uma década de suas pesquisas confirmada em um único símbolo.
- É urgente - a voz pressionou-o.
Os olhos de Langdon estavam fixos na queimadura. Illuminati, ele lia sem parar.
Seu trabalho sempre se baseara no equivalente simbólico dos fósseis -
documentos antigos e boatos históricos -, mas aquela imagem diante dele
representava o hoje. O tempo presente. Sentia-se como um paleontólogo que dá
de cara com um dinossauro vivo.
- Tomei a liberdade de mandar um avião buscá-lo - disse a voz. - Vai estar em
Boston dentro de 20 minutos.
Langdon sentiu a boca seca. Uma hora de vôo...
- Por favor, desculpe minha impertinência - continuou o homem. – Preciso do
senhor aqui.
Langdon olhou outra vez para a imagem no fax - um antigo mito confirmado em
preto-e-branco. As implicações eram assustadoras. Levantou um olhar ausente
para as janelas. Os primeiros vestígios da aurora insinuavam-se por entre os
galhos das bétulas dos fundos de sua casa, mas a vista de alguma forma parecia
diferente naquela manhã. À medida que uma estranha mistura de medo e
animação ia tomando conta dele, Langdon percebeu que não tinha escolha.
- O senhor me convenceu - falou ele. - Agora me diga onde encontrar o avião.
CAPÍTULO 3
A milhares de quilômetros dali, dois homens encontravam-se. O aposento era
escuro. Medieval. De pedra.
- Benvenuto - disse o encarregado. Estava sentado nas sombras, fora de visão. -
Foi bem-sucedido?
- Si - respondeu o vulto. - Perfectamente. - Suas palavras soavam duras como as
paredes de pedra.
- E não haverá dúvidas quanto à responsabilidade?
- Nenhuma.
- Excelente. Trouxe o que pedi?
Os olhos do assassino brilharam, negros como petróleo. Pegou um pesado
aparelho eletrônico e colocou-o sobre a mesa.
O homem nas sombras pareceu satisfeito.
- Você se saiu bem.
- Servir à fraternidade é uma honra - disse o assassino.
- A fase dois vai começar logo. Procure descansar um pouco. Esta noite vamos
mudar o mundo.
CAPÍTULO 4
O Saab 900S de Robert Langdon saiu do túnel Callahan no lado leste do porto de
Boston, perto da entrada para o Aeroporto Logan. Verificando o endereço,
Langdon encontrou a Aviation Road e dobrou à esquerda depois do prédio da
Eastern Airlines. Na estrada de acesso, uns 300 metros adiante, um hangar surgiu
na escuridão. Pintado nele, um grande número "4". Langdon parou no
estacionamento e saiu do carro. Um homem de rosto redondo vestindo um
uniforme azul de vôo saiu de trás da construção.
- Robert Langdon? - indagou.
A voz era amigável, com um sotaque peculiar que Langdon não conseguiu
identificar.
- Eu mesmo - respondeu ele, trancando o carro.
- Cálculo perfeito - disse o homem. - Acabei de aterrissar. Venha comigo, por
favor.
Ao rodearem o prédio, Langdon sentiu-se tenso. Não estava acostumado a receber
telefonemas enigmáticos nem a marcar encontros secretos com estranhos.
Sem saber o que esperar, envergara seu traje habitual de dar aulas - calças de
algodão, camisa de gola rolê e um paletó de tweed. Enquanto caminhavam,
pensou no fax no bolso de seu paletó, ainda incapaz de acreditar na imagem que
apresentava.
O piloto pareceu perceber a ansiedade de Langdon.
- Voar não é problema para o senhor, ou é?
- De jeito nenhum - Langdon replicou. Corpos marcados a fogo é que são. Voar
não é nada.
O homem conduziu Langdon até o outro lado do hangar. Contornaram um dos
cantos e saíram na pista de pouso.
Langdon estacou, boquiaberto diante da aeronave estacionada na pista.
- Vamos nisso aí?
O homem sorriu.
- Gostou dele?
Langdon ficou parado olhando algum tempo.
- Dele? Que diabos é isso?
O avião era enorme. Lembrava um pouco o ônibus espacial, exceto pelo topo, que
parecia ter sido raspado fora, deixando-o perfeitamente plano.
Estacionado ali, parecia uma cunha gigantesca. A primeira sensação de Langdon
foi a de que estava sonhando. O veículo dava a impressão de ser tão capaz de voar
quanto um Buick. As asas praticamente não existiam - apenas dois atarracados
estabilizadores verticais na traseira da fuselagem. Um par de pequenos lemes
dorsais erguia-se na ré. O resto do avião era apenas casco - cerca de sessenta
metros de ponta a ponta -, sem janelas, nada mais além de casco.
- Pesa 250 toneladas com o tanque de combustível cheio - adiantou-se o piloto,
como um pai se gabando do filho recém-nascido. - Movido a hidrogênio. O casco
é feito de um molde de titânio com fibras de carbureto de silício. Arremete com
um coeficiente de empuxo de 20:1; a maioria dos jatos só chega a 7:1. O diretor
deve estar com uma pressa danada de encontrar o senhor. Ele não costuma
mandar o possante assim à toa.
- Essa coisa voa? - espantou-se Langdon.
O piloto riu.
- Se voa!
Conduziu Langdon pela pista na direção do avião.
- Chega a assustar, eu sei, mas é bom ir se acostumando. Daqui a cinco anos, é só
o que se vai ver - os HSCT, High Speed Civil Transports (Transporte Civil de
Alta Velocidade). Nosso laboratório é um dos primeiros a ter um.
Deve ser um tremendo laboratório - pensou Langdon.
- Este é um protótipo do Boeing X-33 - continuou o piloto -, mas existem dezenas
de outros: o National Aero Space Plane, o Scramjet dos russos, o Hotol dos
ingleses. O futuro está aqui, só vai levar algum tempo para chegar ao setor
público. Pode ir se despedindo dos jatos convencionais.
Langdon examinou o avião com ar desconfiado.
- Acho que teria preferido um jato convencional.
O piloto apontou para a escada de embarque.
- Vamos subir, por favor, senhor Langdon. Cuidado com os degraus.
Minutos depois, Langdon estava sentado dentro da cabine vazia. O piloto
instalou-o na primeira fila e encaminhou-se para a frente do avião.
Surpreendentemente, a cabine em si parecia-se com a de um grande jato comercial
comum. A única exceção era o fato de não possuir janelas, o que incomodava
Langdon bastante. A vida inteira fora perseguido por uma leve claustrofobia,
vestígio de um incidente de infância jamais superado por completo.
Sua aversão por espaços fechados não chegava a atrapalhar, mas sempre fora
causa de algumas frustrações. Manifestava-se de formas sutis. Ele evitava a
prática de esportes de quadras fechadas, como o squash, e pagara de bom grado
uma pequena fortuna por sua casa vitoriana, arejada e com pé-direito alto, embora
houvesse pronta disponibilidade de moradia mais econômica para professores da
universidade. Às vezes, suspeitava que sua atração pelo mundo da arte desde
muito jovem devia-se ao seu gosto pelos amplos espaços abertos dos museus.
Os motores roncaram sob os seus pés causando um estremecimento profundo que
percorreu todo o corpo do avião. Langdon engoliu em seco e aguardou. Sentiu o
avião começar a taxiar. Acima de sua cabeça espalhou-se suavemente o som de
música country com instrumentos de sopro.
Um telefone na parede a seu lado tocou duas vezes. Langdon pegou o fone e
levou-o ao ouvido.
- Alô?
- Está confortável, senhor Langdon?
- Nem um pouco.
- Procure relaxar. Vamos chegar lá em uma hora.
- E onde exatamente é lá? - perguntou Langdon, percebendo que não tinha noção
de para onde estavam indo.
- Genebra - respondeu o piloto, acelerando os motores. - O laboratório é em
Genebra.
- Genebra - repetiu Langdon, sentindo-se um pouco melhor. - No norte do estado
de Nova York. Tenho parentes perto do lago Seneca. Não sabia que havia um
laboratório de Física em Genebra.
O piloto deu uma risada.
- Não é a Genebra de Nova York, senhor Langdon. Estamos indo para a Genebra
da Suíça.
A palavra demorou um longo momento para ser assimilada.
- Suíça? - O pulso de Langdon acelerou-se. - Mas você não disse que o laboratório
ficava só a uma hora de viagem?
- E fica, senhor Langdon. - Ele deu mais uma risadinha. - Este avião voa a
Mach 15.
CAPÍTULO 5
Em uma movimentada rua européia, o assassino deslocava-se de maneira sinuosa
através da multidão. Era um homem vigoroso. Moreno e forte. De uma agilidade
dissimulada. Seus músculos ainda estavam tensos pela emoção do encontro.
Correu tudo bem, disse a si mesmo. Embora seu empregador não tivesse em
nenhum momento mostrado o rosto, o assassino sentia-se honrado por estar em
sua presença. Fazia realmente apenas 15 dias que haviam feito o primeiro
contato? O assassino ainda lembrava cada palavra da conversa...
- Meu nome é Janus - dissera a pessoa que telefonara. - Estamos de certa forma
ligados pelos mesmos laços. Temos um inimigo comum. Soube que se pode
contratar seus serviços profissionais.
- Depende de quem você representa - replicou o assassino.
O interlocutor disse um nome.
- Não acho graça nessa brincadeira.
- Vejo que já ouviu falar de nós - observou o homem.
- Claro que sim. A fraternidade é lendária.
- E mesmo assim noto que você duvida que eu seja um membro genuíno.
- Todos sabem que os irmãos foram reduzidos a pó.
- Um ardil para desviar a atenção. O inimigo mais perigoso é aquele que
ninguém teme.
O matador mostrou-se cético.
- A fraternidade ainda subsiste?
- Mais às ocultas do que nunca. Nossas raízes estão infiltradas em tudo o que você
vê... até na fortaleza sagrada de nosso inimigo mais declarado.
- Impossível. Eles são invulneráveis.
- Nosso braço é longo.
- Nenhum braço chega tão longe.
- Logo você vai acreditar. Uma demonstração irrefutável do poder da fraternidade
já veio a público. Um único ato de traição e de prova.
- O que vocês fizeram?
O homem contou-lhe.
O matador arregalou os olhos.
- Uma tarefa impossível.
No dia seguinte, os jornais do mundo inteiro estampavam a mesma manchete. O
matador passou a acreditar.
Agora, 15 dias depois, a fé do matador consolidara-se além de qualquer sombra de
dúvida. A fraternidade subsiste, pensou. Hoje à noite eles virão à tona para revelar
seu poder.
Caminhando pelas ruas, seus olhos negros brilhavam, cheios de expectativa. Uma
das fraternidades mais ocultas e temidas que já haviam existido neste mundo
convocara seus serviços. Escolheram com sabedoria, refletiu. Sua reputação de
saber guardar segredo só era superada pela de infalibilidade.
Até ali, servira-os nobremente. Fizera a execução e entregara o objeto a Janus
como fora solicitado. Agora, cabia a Janus lançar mão de seu poder para
providenciar a instalação do objeto. A instalação...
O assassino se perguntava como Janus realizaria aquela tarefa tão assombrosa. O
homem certamente tinha contatos lá dentro. Os domínios da fraternidade pareciam
ilimitados.
Janus, pensou ele. Um codinome, sem dúvida. Seria uma referência, ocorreu-lhe,
ao deus romano de duas faces... ou à lua de Saturno? Não que fizesse qualquer
diferença. Janus exercia um poder insondável. Dera provas irrefutáveis disso.
Enquanto andava, o assassino imaginava seus próprios ancestrais rindo para ele.
Ele estava lutando a mesma batalha deles, era o mesmo inimigo contra o qual
haviam lutado durante séculos, talvez desde o século XI... quando os exércitos dos
cruzados haviam começado a pilhar suas terras, violentando e matando seu povo,
declarando-o impuro, despojando seus templos e deuses.
Seus antepassados haviam formado um pequeno mas mortífero exército para se
defender. Esse exército tornou-se famoso na região, seus membros eram vistos
como protetores - hábeis carrascos que percorriam o país trucidando o inimigo
onde quer que o encontrassem. Eram afamados não só por seus extermínios
brutais, como por celebrá-los entregando-se ao entorpecimento causado pelo uso
de drogas. A droga escolhida era uma potente substância inebriante a que
chamavam de hashish, o haxixe.
À medida que sua notoriedade se espalhava, esses homens letais passaram a ser
conhecidos por uma única denominação: Hassassin - literalmente, "os seguidores
do haxixe" O nome Hassassin tornou-se sinônimo de morte em quase todas as
línguas da terra. A palavra ainda é usada hoje, até nas línguas modernas...
porém, assim como a arte de matar, o termo evoluiu.
Hoje pronuncia-se assassino.
CAPÍTULO 6
Sessenta e quatro minutos se passaram e um incrédulo e ligeiramente nauseado
Robert Langdon desceu a escada do avião na pista banhada pelo sol. Uma brisa
fresca fez ondular as lapelas de seu paletó de tweed. A sensação de espaço aberto
era maravilhosa. Ele apertou os olhos para ver melhor o vale coberto de verde e,
acima, os picos cobertos de neve que rodeavam inteiramente o local onde
estavam.
Estou sonhando, disse a si mesmo. Vou acordar a qualquer momento.
- Bem-vindo à Suíça - gritou o piloto acima do ruído dos motores HEDM do X-33
por trás deles.
Langdon conferiu o horário. Eram 7h07 da manhã.
- O senhor acabou de cruzar seis fusos horários - explicou o piloto. – Já passa um
pouco de uma hora da tarde aqui.
Langdon acertou o relógio.
- Como está se sentindo?
Ele esfregou o estômago.
- Como se tivesse comido um pedaço de isopor.
O piloto assentiu.
- Por causa da altitude. Estávamos a 60 mil pés. A gente fica 30 por cento mais
leve lá. Sorte que foi apenas um pulinho de nada. Se tivéssemos ido para Tóquio,
eu teria subido o máximo possível - mais de 160 mil metros. Isso é que deixa o
estômago embrulhado para valer.
Langdon fez um gesto cansado de cabeça e apreciou a sua boa sorte. De modo
geral, o vôo fora surpreendentemente comum. Exceto pela sensação de
esmagamento acelerado nos ossos do corpo durante a decolagem, o movimento no
interior do avião fora bem característico - uma leve turbulência de vez em quando,
umas poucas mudanças de pressão enquanto ganhavam altura, mas nada que
indicasse que estavam cortando o espaço a uma atordoante velocidade de 20 mil
quilômetros por hora.
Uma porção de técnicos aproximou-se correndo para cuidar do X-33. O piloto
acompanhou Langdon até um Peugeot sedã preto estacionado atrás da torre de
controle. Pouco depois, seguiam por uma estrada asfaltada que se estendia através
da parte baixa do vale. Um amontoado indistinto de construções delineava-se à
distância. Do lado de fora do carro, os campos relvados passavam depressa, um
borrão verde.
Langdon observou espantado o piloto fazer o velocímetro alcançar 170
quilômetros por hora.
Qual seria o problema daquele sujeito com relação à velocidade? - ponderou ele.
- São cinco quilômetros até o laboratório - disse o piloto. - Vai estar lá em dois
minutos.
Langdon procurou em vão o cinto de segurança. Por que não em três minutos para
chegarmos vivos? O carro seguia em disparada.
- O senhor gosta de Reba? - perguntou o piloto, empurrando uma fita cassete no
toca-fitas do carro.
Uma mulher começou a cantar: "É só o medo de estar só..."
Esse medo eu não tenho, pensou Langdon, distraído. Suas colegas costumavam
caçoar que sua coleção de peças de museu não passava de uma tentativa evidente
de encher uma casa vazia, uma casa que, segundo elas, seria muito favorecida
pela presença de uma mulher. Langdon sempre ria disso, lembrando-lhes que já
tinha três amores em sua vida: a simbologia, o pólo aquático e o celibato, sendo o
último uma liberdade que lhe permitia viajar pelo mundo, dormir até a hora que
bem entendesse e desfrutar de noites sossegadas em casa com uma bebida e um
bom livro.
- Aqui é como se fosse uma cidade pequena - explicou o piloto, arrancando
Langdon de seu devaneio. - Não existe só o laboratório. Temos supermercados,
um hospital e até um cinema.
Langdon balançou vagamente a cabeça e voltou a atenção para o aglomerado de
construções que se aproximava.
- Na realidade - o piloto acrescentou -, temos aqui a maior máquina do mundo.
- É mesmo? - Langdon correu os olhos pelo campo.
- Não dá para vê-la daqui, senhor. - O homem sorriu. - Está enterrada a uns 20
metros de profundidade.
Langdon não teve tempo de perguntar mais nada. Sem avisar, o piloto pisou firme
no freio. O carro derrapou e parou junto a uma cabine reforçada de segurança.
Langdon leu a placa diante deles: SECURITE. ARRÊTEZ. Foi tomado por uma
súbita onda de pânico ao se dar conta de onde estava.
- Meu Deus! Eu não trouxe meu passaporte!
- Não é necessário - o motorista garantiu. - Temos um acordo com o governo
suíço.
Langdon, pasmo, viu seu motorista entregar um cartão de identificação ao guarda,
que o passou em um aparelho eletrônico de autenticação. Uma luz verde se
acendeu na máquina.
- Nome do passageiro?
- Robert Langdon - respondeu o motorista.
- Convidado de quem?
- Do diretor.
O guarda arqueou as sobrancelhas. Virou-se e examinou uma lista impressa,
conferindo o que lera nos dados da tela de seu computador. Depois, voltou para a
janela.
- Boa estada, senhor Langdon.
O carro disparou outra vez, acelerando mais uns 200 metros em torno de um
amplo acesso circular que levava à entrada principal das instalações. Diante deles
erguia-se uma estrutura retangular ultramoderna toda feita de vidro e aço.
Langdon admirou a notável construção transparente. Sempre fora um grande
apreciador de arquitetura.
- A Catedral de Vidro - explicou seu acompanhante.
- Uma igreja?
- Que nada. Igreja é uma coisa que não temos aqui. A religião deste lugar é a
Física. Pode usar o nome de Deus em vão quanto quiser - riu ele -, mas não se
atreva a falar mal de quarks nem de mésons.
O motorista fez a curva e parou na frente do prédio de vidro. Langdon estava
atônito. Quarks e mésons? Fronteira sem controle? Jato Mach 15? QUEM são
esses caras, afinal? E leu a resposta gravada em uma placa de granito na fachada
do prédio:
CERN
Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire
- Pesquisa nuclear? - perguntou Langdon, certo de que traduzira corretamente.
O motorista não respondeu. Inclinado para o painel do carro, ocupava-se em
ajustar o toca-fitas.
- O senhor fica aqui. O diretor vem encontrá-lo nesta entrada.
Langdon viu um homem em uma cadeira de rodas saindo do prédio. Parecia ter
pouco mais de 60 anos.
Magro e pálido, inteiramente calvo e com um rosto severo, vestia um jaleco
branco e calçava sapatos sociais, que apoiava com firmeza no suporte da cadeira.
Mesmo de longe, seus olhos pareciam sem vida, como duas pedras cinzentas.
- É ele? - Langdon perguntou.
O motorista ergueu os olhos, virou-se e deu um sorriso agourento para Langdon.
- Falando do diabo...
Sem saber muito bem o que o esperava, Langdon desceu do carro.
O homem da cadeira de rodas apressou-se na direção de Langdon e estendeu-lhe a
mão fria e úmida.
- Senhor Langdon? Fui eu quem falou com o senhor ao telefone. Meu nome é
Maximilian Kohler.
CAPÍTULO 7
Pelas costas, Maximilian Kohler, diretor-geral do CERN, era chamado de König -
rei, em alemão. O título devia-se mais ao medo do que à reverência pela figura
que governava o seu domínio sentado em um trono de rodas. Embora poucos o
conhecessem pessoalmente, a horrível história da maneira como ficara aleijado
era uma lenda no CERN, e também poucos ali o culpavam por sua amargura... ou
por sua dedicação declarada à pura ciência.
Apenas alguns minutos na presença de Kohler bastaram para fazer Langdon notar
que o diretor era um homem que se mantinha à distância. Langdon quase precisou
correr para acompanhar a cadeira elétrica em direção à entrada principal. Era um
tipo de cadeira de rodas que ele nunca vira antes - equipada com uma bancada de
aparelhos eletrônicos, como um telefone com diversas linhas, um sistema de
pager, uma tela de computador e até uma pequena câmara de vídeo destacável. O
centro eletrônico de comando do rei Kohler. Passaram por uma porta mecânica e
entraram no descomunal saguão principal do CERN.
A Catedral de Vidro, Langdon refletiu, levantando os olhos para o alto.
Lá em cima, o teto de vidro azulado cintilava ao sol da tarde, lançando raios que
formavam padrões geométricos no ar e davam ao local uma sensação de
grandiosidade. Sombras angulares projetavam-se em forma de veias na cerâmica
das paredes e no piso de mármore. O ar tinha um cheiro limpo, esterilizado.
Havia alguns cientistas circulando por ali, apressados, o som de suas passadas
ecoando no espaço.
- Venha por aqui, senhor Langdon, por favor. - A voz soava quase
computadorizada. Seu sotaque era rígido e preciso como os traços severos de seu
rosto. Kohler tossiu e enxugou a boca em um lenço branco, fixando os olhos
cinzentos e mortiços em Langdon. - Por favor, vamos depressa. - A cadeira de
rodas parecia saltar sobre as lajotas do chão.
Langdon seguiu-o por incontáveis corredores que se ramificavam a partir do
saguão principal. Todos esses corredores fervilhavam de atividade. Os cientistas
que cruzavam com Kohler pareciam surpresos e olhavam para Langdon tentando
imaginar quem seria ele para estar em tal companhia.
Langdon tentou puxar conversa.
- Confesso que estou encabulado por nunca ter ouvido falar do CERN.
- Não é de espantar - replicou Kohler, a resposta cortante soando áspera e
eficiente. - A maioria dos americanos não vê a Europa como líder mundial em
pesquisa científica e sim como um pitoresco distrito de compras, nada mais do
que isso. O que é estranho, considerando-se as nacionalidades de homens como
Einstein, Galileu e Newton.
Langdon ficou sem saber muito bem o que responder. Tirou o fax do bolso.
- Esse homem na fotografia, o senhor poderia...
Kohler interrompeu-o com um gesto.
- Por favor. Aqui, não. Estou levando o senhor até onde ele está agora. - Estendeu
a mão. - Talvez seja melhor eu ficar com isso.
Langdon entregou-lhe o fax e continuou a caminhar em silêncio.
Kohler dobrou à esquerda bruscamente e enveredou por um corredor largo em
cujas paredes estavam pendurados prêmios e comendas. Uma placa de bronze
particularmente grande dominava a entrada.
Quando passaram por ela, Langdon diminuiu o ritmo para ler o que estava
gravado.
PRÊMIO ARS ELETRÔNICA
Por Inovação Cultural na Era Digital
Concedido a Tim Berners Lee e ao CERN
pela invenção da WORLDWIDE WEB
Diabo! O sujeito não estava brincando! - pensou Langdon ao ler o texto. Sempre
pensara que a Internet fosse uma invenção norte-americana. No entanto, seu
conhecimento a respeito limitava-se ao site de seu próprio livro e a uma ocasional
exploração do Louvre e do Prado em seu velho Macintosh.
- A Internet começou aqui - disse Kohler, tossindo novamente e enxugando a boca
- como uma rede interna de computadores. Permitia a cientistas de diferentes
departamentos partilhar as descobertas diárias uns com os outros. É claro, o
mundo inteiro imagina que a Internet é tecnologia norte-americana.
Langdon seguia-o pelo corredor.
- Por que não esclarecem essa questão?
Kohler deu de ombros, aparentemente desinteressado.
- Um equívoco insignificante a respeito de uma tecnologia insignificante. O
CERN é muito maior do que uma conexão global de computadores. Nossos
cientistas produzem milagres quase todos os dias.
Langdon lançou-lhe um olhar interrogador.
- Milagres? - A palavra "milagre" não fazia parte do vocabulário dos
freqüentadores do Edifício de Ciências Fairchild, em Harvard. Milagres eram com
a Escola de Teologia.
- O senhor parece cético - disse Kohler. - Pensei que fosse um simbologista
religioso. Não acredita em milagres?
- Sou um tanto indeciso quanto a milagres - Langdon respondeu.
Principalmente quanto aos que se realizam em laboratórios científicos.
- Talvez milagre não seja a palavra certa. Eu estava simplesmente tentando falar a
sua língua.
- Minha língua? - Langdon de repente se sentiu incomodado. - Não quero
desapontá-lo, senhor, mas estudo simbologia religiosa. Sou um acadêmico, não
um sacerdote.
Kohler diminuiu a velocidade e se virou, o olhar suavizando-se um pouco.
- É claro. Que tolice a minha. Não é preciso ter câncer para se analisar os sintomas
da doença.
Langdon nunca ouvira a questão ser apresentada daquela forma.
Enquanto seguiam pelo corredor, Kohler fez um leve gesto de aceitação com a
cabeça.
- Acho que vamos nos entender perfeitamente, senhor Langdon. De alguma
forma, Langdon duvidava disso.
À medida que os dois avançavam, Langdon começou a perceber um ruído surdo
adiante. O barulho foi ficando mais intenso a cada passo, reverberando pelas
paredes. Parecia vir do final do corredor em frente a eles.
- O que é isso? - Langdon finalmente perguntou, tendo de gritar. Tinha a
impressão de que se aproximavam de um vulcão em erupção.
- Túnel de Queda Livre - respondeu Kohler, a voz oca cortando o ar sem esforço.
Langdon não perguntou mais. Estava exausto e Maximilian Kohler não parecia
interessado em ganhar nenhum prêmio de hospitalidade. Langdon procurou
lembrar-se do motivo pelo qual estava ali. Illuminati. Presumiu que haveria um
cadáver em algum ponto daquela organização colossal... um cadáver marcado
com um símbolo que ele viajara uns cinco mil quilômetros para ver.
Ao se aproximarem do fim do corredor, o ruído tornou-se quase ensurdecedor,
vibrando através das solas dos sapatos de Langdon. Contornaram uma pilastra e
uma galeria de observação apareceu à direita. Quatro portais de grossas vidraças
haviam sido encaixados em uma parede curva, como janelas de submarino.
Langdon parou e espiou por uma das aberturas.
O professor Robert Langdon já vira algumas coisas esquisitas em sua vida, mas
aquela era a mais esquisita de todas. Deu umas piscadelas, achando que estivesse
tendo alucinações. Encontrava-se diante de uma enorme câmara circular. Dentro
da câmara, flutuando como se fossem desprovidas de peso, havia pessoas. Três.
Uma delas acenou e deu uma cambalhota no ar. Deus do céu, pensou, estou na
Terra de Oz.
O piso da câmara era feito de uma tela reticulada, como uma gigantesca cerca de
galinheiro. Visível sob a tela, o borrão metálico de uma hélice imensa.
- É um túnel de queda livre - disse Kohler, parando para esperar por ele. – É um
túnel vertical de vento, um simulador de pára-quedismo para aliviar a tensão.
Langdon olhava, estupefato. Uma das pessoas, uma mulher obesa, manobrou o
corpo em direção à janela.
Estava sendo fustigada por correntes de ar, mas deu um sorriso e fez um sinal com
o polegar para cima.
Langdon sorriu amarelo e devolveu o gesto, pensando se ela saberia que aquele
era o antigo símbolo fálico de virilidade masculina.
A mulher era a única usando o que aparentava ser um pára-quedas em miniatura.
A faixa de tecido ondulava acima dela como se fosse um brinquedo.
- Para que serve o pequeno pára-quedas? - Langdon perguntou a Kohler.
- Não deve ter mais de um metro de diâmetro.
- Fricção - Kohler respondeu. - Diminui a aerodinâmica para que o ventilador
possa erguer a pessoa. - E voltou a andar pelo corredor. - Um metro quadrado de
algo que ofereça resistência ao ar retarda a queda de um corpo em quase 20 por
cento.
Langdon assentiu mecanicamente com a cabeça.
Jamais poderia imaginar que mais tarde, na mesma noite, em um país a centenas
de quilômetros de distância, aquela informação iria salvar-lhe a vida.
CAPÍTULO 8
Quando Langdon e Kohler saíram pelos fundos do conjunto principal do CERN
para a luminosidade crua do sol da Suíça, Langdon sentiu-se como se tivesse sido
levado de volta para casa. A cena diante dele era igual à de um campus da Ivy
League.
Um gramado em declive estendia-se na direção de uma vasta extensão de terreno
plano, com árvores sombreando pátios quadrangulares cercados por prédios de
dormitórios e caminhos de pedestres. Pessoas com aparência de universitários,
carregadas com pilhas de livros, entravam e saíam dos edifícios.
Como para acentuar a atmosfera, dois hippies de cabelos compridos jogavam um
frisbee para lá e para cá enquanto a Quarta Sinfonia de Mahler soava em alto
volume vinda de uma das janelas de um prédio.
- Esses são nossos prédios residenciais - explicou Kohler, acelerando sua cadeira
de rodas pelo caminho que ia dar nos edifícios. - Temos mais de três mil físicos
aqui. O CERN sozinho emprega mais da metade dos físicos de partículas do
mundo, as mentes mais brilhantes do mundo: alemães, japoneses, italianos,
holandeses, todos, enfim. Nossos físicos representam mais de quinhentas
universidades e sessenta nacionalidades.
Langdon estava impressionado.
- E como se comunicam?
- Em inglês, naturalmente. A língua universal da ciência.
Langdon sempre ouvira dizer que a matemática era a língua universal da ciência,
mas estava cansado demais para discutir. Seguiu Kohler obedientemente pelo
caminho.
Quase chegando na parte de baixo, um rapaz cruzou com eles correndo, fazendo
exercício. Na camiseta dele, a mensagem: SEM TOE, SEM GLÓRIA!
Langdon acompanhou-o com o olhar, intrigado.
- Toe?
- Theory of Everything, Teoria sobre Tudo - disse Kohler em tom de gracejo.
- Sei - disse Langdon, sem saber coisa alguma.
- Tem alguma noção de Física de Partículas, senhor Langdon?
Langdon encolheu os ombros.
- Tenho noções sobre Física geral, queda dos corpos pesados e coisas assim.
- Sua experiência de mergulho dera-lhe um profundo respeito pelo poder
impressionante da aceleração gravitacional. - A Física das Partículas é o estudo
dos átomos, não é?
Kohler balançou a cabeça.
- Os átomos parecem planetas se comparados com as coisas com que lidamos.
Nosso interesse está no núcleo do átomo, apenas dez milionésimos do tamanho do
todo. - Tossiu de novo, parecendo adoentado.
- Os homens e mulheres do CERN estão aqui para encontrar respostas para as
mesmas perguntas que o homem vem fazendo desde o começo dos tempos. De
onde viemos? De que somos feitos?
- E as respostas estão em um laboratório de Física?
- O senhor ficou surpreso?
- Fiquei. Essas respostas parecem pertencer mais ao domínio do espiritual.
- Senhor Langdon, todas as perguntas algum dia foram espirituais. Desde o
princípio dos tempos, a espiritualidade e a religião preencheram as lacunas que a
ciência não compreendia. O nascer e o pôr do Sol eram outrora atribuídos a Hélios
e sua carruagem de fogo. Terremotos e maremotos deviam-se à ira de Poseidon. A
ciência provou que esses deuses eram falsos ídolos. Logo será provado que todos
os deuses são falsos ídolos. A ciência acabou fornecendo respostas para quase
todas as perguntas que o homem pode fazer. Restam apenas algumas poucas, que
são as esotéricas. De onde viemos? O que estamos fazendo aqui? Qual o sentido
da vida e do universo?
Langdon era só perplexidade.
- E são essas as perguntas que o CERN está tentando responder?
- Corrigindo: são as perguntas que estamos respondendo.
Langdon calou-se e os dois continuaram a circular através dos pátios das
residências. Enquanto andavam, um frisbee veio voando e caiu bem na frente
deles. Kohler ignorou-o e prosseguiu.
Uma voz chamou do outro lado do pátio.
- S'il vous plaít!
Langdon olhou na direção da voz. Um homem idoso de cabelos brancos, vestido
com um agasalho esportivo onde se lia COLLËGE PARIS, acenou para ele.
Langdon pegou o frisbee e lançou-o habilmente de volta. O senhor apanhou-o
com um dedo e, depois de girá-lo uma ou duas vezes, atirou-o por cima do ombro
de volta para seu parceiro.
- Merci! - gritou para Langdon.
- Parabéns - disse Kohler, quando Langdon finalmente o alcançou. – O senhor
acabou de jogar com um ganhador do Prêmio Nobel, George Charpak, inventor da
câmara de múltiplas ligações proporcionais.
Langdon sacudiu a cabeça. Hoje é meu dia de sorte.
Levaram mais uns três minutos para chegar a seu destino, um grande prédio bem
cuidado em meio a um bosque de choupos. Comparada às outras, essa construção
era até luxuosa. Em uma placa de pedra em frente ao prédio lia-se, em letras
entalhadas: EDIFICIO C.
Cheio de imaginação, pensou Langdon.
Apesar do nome inexpressivo, o Edifício C estava bem de acordo com o gosto de
Langdon em matéria de estilo de arquitetura: sólido e conservador. A fachada era
de tijolo vermelho e o edifício possuía uma balaustrada decorada e era
emoldurado por sebes vivas simétricas bem aparadas. Quando os dois homens
subiram o caminho de pedra que levava à entrada, passaram por uma estrutura
formada por um par de colunas de mármore. Alguém pregara um bilhete adesivo
em uma delas.
ESTA COLUNA É IÔNICA
Grafite de físicos? - refletiu Langdon, examinando a coluna e dando uma
risadinha baixa.
- É um alívio saber que até os físicos mais brilhantes cometem erros.
Kohler virou a cabeça.
- O que quer dizer?
- Quem escreveu esse bilhete cometeu dois erros: a grafia correta é jônica.
E essa coluna é dórica, a equivalente grega. As colunas jônicas são de largura
uniforme. Essa é afunilada. Um erro bem comum.
Kohler não sorriu.
- O autor do bilhete estava brincando, senhor Langdon. Iônico significa que
contém íons, partículas carregadas de eletricidade. A maioria dos objetos os
contém.
Langdon virou-se para a coluna lá atrás e resmungou em voz baixa.
Langdon ainda se sentia um idiota quando saltou do elevador no último andar do
Edifício C. Seguiu Kohler por um corredor bem decorado. O estilo da decoração -
francês colonial tradicional - surpreendeu-o: um divã cor de cereja, ornamentação
em volutas de madeira e um jarrão de porcelana.
- Gostamos de manter com conforto nossos cientistas contratados – Kohler
explicou.
Dá para notar, pensou Langdon.
- Então, o homem do fax morava aqui? Era um dos seus funcionários de alto
nível?
- Exato - disse Kohler. - Ele não compareceu a uma reunião comigo esta manhã e
não respondeu a seu pager. Vim procurá-lo e o encontrei morto no meio da sala.
Langdon sentiu um arrepio súbito quando se deu conta de que ia ver um cadáver.
Seu estômago nunca fora muito robusto, uma fraqueza que descobrira quando era
estudante de arte ao ouvir de um professor em sala de aula que Leonardo da Vinci
adquirira sua experiência sobre as formas humanas exumando corpos e
dissecando músculos.
Kohler chegou ao fim do corredor. Havia ali uma única porta.
- Apartamento de cobertura, como vocês chamam - anunciou ele, enxugando uma
gota de suor na testa.
Langdon leu a placa na porta de carvalho:
LEONARDO VETRA
- Leonardo Vetra - disse Kohler - iria fazer 58 anos na semana que vem.
Era um dos cientistas mais brilhantes de nosso tempo. Sua morte é uma grande
perda para a ciência.
Por um instante, Langdon pensou ter visto uma nota de emoção no rosto duro de
Kohler. Entretanto, aquilo se foi tão depressa quanto veio. Kohler enfiou a mão no
bolso e começou a examinar um grande chaveiro.
Um estranho pensamento passou pela mente de Langdon. O prédio parecia
deserto.
- Onde está todo mundo? - perguntou.
A ausência de atividade não era o que ele esperava, considerando-se que estavam
prestes a entrar no local de um crime.
- Os residentes estão em seu laboratórios - respondeu Kohler, encontrando a chave
certa.
- Estou falando da polícia - Langdon esclareceu. - Já foi embora?
Kohler parou, a chave a meio caminho da fechadura.
- A polícia?
- Sim, a polícia. O senhor me mandou um fax sobre um homicídio. Deve ter
chamado a polícia.
- Claro que não.
- O quê?
Os olhos cinzentos de Kohler assumiram uma expressão penetrante.
- A situação é complexa, senhor Langdon.
Uma onda de apreensão tomou conta de Langdon.
- Mas... com certeza, alguém mais tem conhecimento do fato!
- Sim. A filha adotiva de Leonardo. Ela também é física aqui no CERN. Divide
um laboratório com o pai. Trabalham em parceria. A senhorita Vetra passou esta
semana fora fazendo pesquisa de campo. Já lhe comuniquei a morte de seu pai e
ela está a caminho, vindo para cá.
- Mas um homem foi assassin...
- Uma investigação formal - interrompeu Kohler com voz firme – será realizada.
Entretanto, certamente vai envolver uma busca no laboratório de Vetra, um
espaço que ele e a filha consideram altamente privado.
Portanto, vou esperar até que a senhorita Vetra chegue. Acho que devo a ela pelo
menos essa pequena manifestação de discrição.
E virou a chave na fechadura.
Quando a porta se abriu, uma lufada de ar gélido penetrou no vestíbulo e atingiu
direto o rosto de Langdon. Ele recuou, espantado. Encontrava-se no limiar de um
mundo desconhecido. O apartamento à sua frente estava imerso em uma névoa
branca e espessa. A névoa rodopiava formando espirais em torno dos móveis e
envolvia o ambiente em um véu opaco.
- Que diabo...? - gaguejou Langdon.
- Sistema de resfriamento por fréon - Kohler explicou. - Esfriei o apartamento
para preservar o corpo.
Langdon abotoou o paletó de tweed para se proteger do frio.
Estou em Oz, pensou. E esqueci de trazer meus sapatos mágicos.
CAPÍTULO 9
O cadáver no chão diante de Langdon era horrendo.O falecido Leonardo Vetra
estava deitado de costas, de barriga para cima, despido, a pele de um cinzentoazulado.
Os ossos do pescoço projetavam-se para fora no ponto onde tinham sido
quebrados e a cabeça fora totalmente virada para trás, apontando para o lado
errado. Não se via seu rosto, voltado para o chão. O homem jazia em uma poça
congelada da própria urina, os pêlos em torno de seus órgãos genitais enrugados
cobertos de gotas geladas.
Reprimindo a náusea, Langdon pousou os olhos no peito da vítima.
Embora já tivesse olhado dezenas de vezes para a ferida simétrica no fax, a
queimadura era infinitamente mais impressionante na vida real. A carne queimada
e inchada fora delineada com perfeição... o símbolo formara-se sem uma falha
sequer.
Langdon não sabia se o frio intenso que o acometia era por causa do arcondicionado
ou por sua absoluta perplexidade com o significado do que
contemplava naquele momento.
Illuminati
Seu coração batia forte enquanto rodeava o corpo para ler a palavra ao contrário,
confirmando a genialidade da simetria. O símbolo parecia ainda mais
inconcebível visto de perto.
- Senhor Langdon?
Ele não escutou. Estava em um outro mundo... seu mundo, onde história, mito e
fato iam de encontro um ao outro, inundando seus sentidos. As engrenagens
entraram em funcionamento.
- Senhor Langdon? - Kohler observava-o, cheio de expectativa.
Langdon não ergueu os olhos, sua atenção agora intensificada, totalmente
concentrado.
- O que o senhor já sabe de fato sobre o assunto?
- Só o que li no seu site. A palavra Illuminati significa "os esclarecidos" É o nome
de uma espécie de confraria antiga.
Langdon concordou.
- Já tinha ouvido esse nome antes?
- Não, até vê-lo marcado no senhor Vetra.
- E então o senhor foi fazer uma busca na Internet para saber o que era?
- Fui.
- E verificou que o nome aparece em centenas de sites, sem dúvida.
- Milhares - disse Kohler. - O seu site, porém, mencionava Harvard,
Oxford, uma editora respeitável, bem como trazia uma lista de publicações
relacionadas ao assunto. Como cientista, aprendi que a informação só é valiosa se
a fonte também é. Suas referências pareciam autênticas.
Os olhos de Langdon ainda estavam fixos no corpo.
Kohler parou de falar. Apenas acompanhava os movimentos de Langdon,
aparentemente esperando que ele pudesse produzir algum esclarecimento sobre a
cena que se apresentava diante deles.
Langdon levantou a cabeça e correu os olhos pelo apartamento gelado.
- Quem sabe poderíamos falar sobre o assunto em um lugar mais quente?
- Aqui está bom. - Kohler parecia indiferente ao frio. - Vamos conversar aqui
mesmo.
Langdon franziu o cenho. A história dos Illuminati não era nada simples. Vou
congelar tentando explicar tudo. Olhou de novo para a marca, mais uma vez com
uma sensação de assombro.
Apesar de existirem relatos lendários sobre o símbolo dos Illuminati na moderna
simbologia, nenhum acadêmico jamais o vira de fato. Antigos documentos
descreviam a insígnia como um ambigrama - ambi, "ambos" -, significando que
seria legível de ambos os lados. E embora os ambigramas fossem comuns na
simbologia - suásticas, yin-yang, estrelas-de-davi, cruzes simples -, a idéia de que
uma palavra pudesse ser trabalhada para formar um ambigrama parecia totalmente
impossível. A maioria dos acadêmicos chegara à conclusão de que a existência do
símbolo era um mito.
- Afinal, quem eram os Illuminati? - perguntou Kohler.
Sim, pensou Langdon, quem seriam realmente? - e começou seu relato.
- Desde o começo da história - explicou Langdon -, sempre existiu uma profunda
brecha entre ciência e religião. Cientistas como Copérnico, que não tinham papas
na língua...
- Foram assassinados - interrompeu Kohler. - Assassinados pela Igreja por revelar
verdades científicas. A religião sempre perseguiu a ciência.
- Sim, mas por volta de 1500, um grupo de homens em Roma revidou e lutou
contra a Igreja. Alguns dos homens mais esclarecidos da Itália - físicos,
matemáticos, astrônomos - começaram a promover encontros secretos para
discutir suas preocupações sobre os ensinamentos errados difundidos pela Igreja.
Temiam que o monopólio da "verdade" pela Igreja ameaçasse a difusão dos
conhecimentos acadêmicos pelo mundo afora. Fundaram o primeiro think tank
científico do mundo, chamando a si mesmos de "os esclarecidos"
- Os Illuminati.
- Exato - concordou Langdon. - As mentes mais cultas da Europa... dedicadas à
busca da verdade científica.
Kohler calou-se.
- Evidentemente, os Illuminati eram caçados impiedosamente pela Igreja Católica.
Somente através de ritos extremamente sigilosos é que os cientistas se mantinham
seguros. Os rumores se espalharam pelo submundo acadêmico e a fraternidade
dos Illuminati cresceu, incluindo cientistas de toda a Europa. Eles encontravam-se
regularmente em Roma em um refúgio ultra-secreto a que chamavam de "Igreja
da Iluminação"
Kohler tossiu e remexeu-se na cadeira.
- Muitos dos Illuminati - Langdon prosseguiu - queriam combater a tirania da
Igreja com atos de violência, mas seu membro mais reverenciado persuadiu-os a
não agir assim. Era um pacifista e um dos mais famosos cientistas da História.
Langdon estava certo de que Kohler reconheceria o nome. Até os que não
pertenciam ao mundo científico conheciam o malfadado astrônomo que fora preso
e quase executado pela Igreja por ter declarado que o Sol, e não a Terra, era o
centro do sistema solar. Embora seus dados fossem irrefutáveis, o astrônomo fora
severamente punido por insinuar que Deus não instalara a humanidade no centro
de seu universo.
- Seu nome era Galileu Galilei - disse Langdon.
- Galileu? - espantou-se Kohler.
- Ele mesmo. Galileu era um Illuminatus. E também um católico fervoroso.
Tentou abrandar a posição da Igreja com relação à ciência proclamando que a
ciência não prejudicava a noção da existência de Deus mas, ao contrário,
reforçava-a. Escreveu certa vez que, quando olhava os planetas girando através de
seu telescópio, conseguia ouvir a voz de Deus na música das esferas. Sustentava
que a ciência e a religião não eram inimigas e sim aliadas, duas linguagens
diferentes que contavam a mesma história, uma história de simetria e equilíbrio:
céu e inferno, noite e dia, quente e frio, Deus e Satã. Tanto a ciência quanto a
religião exultavam com a simetria de Deus, o infindável confronto da luz e das
trevas. - Langdon fez uma pausa, batendo com os pés no chão para se aquecer.
Kohler permaneceu sentado em sua cadeira de rodas olhando para ele.
- Infelizmente - Langdon acrescentou -, a unificação da ciência e da religião não
era o que a Igreja queria.
- Claro que não - interrompeu Kohler. - A união teria invalidado a pretensão da
Igreja de ser o único veículo através do qual o homem poderia compreender Deus.
Assim, a Igreja acusou Galileu de heresia, condenou-o e colocou-o em prisão
domiciliar permanente. Estou bastante a par da história científica, senhor
Langdon. Só que isso tudo aconteceu séculos atrás. O que tem a ver com
Leonardo Vetra?
A pergunta de um milhão de dólares. Langdon tentou abreviar.
- A prisão de Galileu causou uma convulsão entre os Illuminati.
Cometeram alguns erros e a Igreja descobriu as identidades de quatro membros,
que foram capturados e interrogados. Mas os quatro cientistas nada revelaram,
nem sob tortura.
- Tortura?
Langdon assentiu.
- Foram marcados a fogo. No peito. Com o símbolo da cruz.
Os olhos de Kohler arregalaram-se e ele lançou um rápido olhar para o corpo de
Vetra.
- Em seguida, os cientistas foram brutalmente assassinados e seus corpos lançados
às ruas de Roma como advertência para os que ainda cogitassem se unir aos
Illuminati. Com a Igreja fechando o cerco, os Illuminati que restavam fugiram da
Itália.
Langdon fez outra pausa, dessa vez para causar o efeito que desejava. Olhou
direto para os olhos sem vida de Kohler.
- Os Illuminati mergulharam fundo na clandestinidade, onde começaram a se
misturar a outros grupos que haviam fugido dos expurgos da Igreja Católica:
místicos, alquimistas, ocultistas, muçulmanos, judeus. Ao longo dos anos, os
Illuminati absorveram novos membros. Surgiu um outro tipo de Illuminati, mais
soturno, profundamente anticristão. Tornaram-se muito poderosos, praticando
ritos misteriosos, sigilo mortal e jurando um dia se erguerem outra vez e se
vingarem da Igreja Católica. Seu poder cresceu a ponto de serem considerados a
mais perigosa força anticristã do mundo. O Vaticano acusou publicamente a
fraternidade de Shaitan.
- Shaitan?
- É um termo islâmico. Significa "adversário".., adversário de Deus. A Igreja
escolheu o nome islâmico porque era uma língua que eles consideravam suja.
- Langdon hesitou. - Shaitan é a origem de uma palavra bem conhecida: Satã.
Uma expressão de inquietude passou pelo rosto de Kohler.
Langdon falou com voz dura.
- Senhor Kohler, não sei como essa marca apareceu no peito desse homem, nem
por que, mas o que o senhor está vendo é o símbolo há muito esquecido do mais
antigo e mais poderoso culto satânico do mundo.
CAPÍTULO 10
A viela era estreita e deserta. O Hassassin caminhava depressa, os olhos negros
cheios de expectativa. Enquanto percorria o caminho que o aproximava de seu
destino, as palavras de despedida de Janus ecoavam em sua mente. A fase dois vai
começar em breve. Procure descansar um pouco.
O Hassassin deu um sorriso presunçoso. Ficara acordado a noite inteira, mas sono
era a última coisa em que pensava. Sono era para os fracos. Ele era um guerreiro
como seus ancestrais, e seu povo nunca dormia depois que a batalha começava.
Aquela batalha com certeza acabara de começar, e ele tivera a honra de ser o
primeiro a derramar sangue. Agora tinha duas horas para comemorar sua glória
antes de voltar ao trabalho.
Dormir? Há maneiras muito melhores de relaxar...
Um apetite por prazeres hedonísticos fora algo que herdara de seus ancestrais.
Seus antepassados regalavam-se com haxixe, mas ele preferia um tipo diferente
de gratificação. Orgulhava-se de seu corpo, máquina bem ajustada e letal que,
apesar de sua hereditariedade, ele se recusava a poluir com narcóticos.
Desenvolvera um vício mais revigorante do que as drogas, uma recompensa muito
mais saudável e satisfatória.
Sentindo crescer dentro de si a ansiedade já familiar, o Hassassin andou com mais
rapidez pela rua. Chegou a uma porta comum e tocou a campainha. Uma fenda
retangular abriu-se na porta e dois belos olhos castanhos avaliaram-no, fazendo
uma estimativa. Então, a porta foi aberta.
- Seja bem-vindo - disse a mulher bem vestida. Levou-o para uma sala de estar
impecavelmente mobiliada e com iluminação suave. O ambiente recendia a
perfume caro e almíscar.
- Fique à vontade. - Entregou-lhe um álbum de fotografias. - Chame quando tiver
escolhido.
E saiu.
O Hassassin sorriu.
Quando se sentou no divã de pelúcia e colocou o álbum no colo, sentiu a fome
carnal intensificar-se. Seu povo não comemorava o Natal, mas essa deveria ser a
sensação que as crianças cristãs experimentavam diante de uma pilha de
presentes, prestes a descobrir os mistérios que continham. Ele abriu o álbum e
examinou as fotos. Um mundo de fantasias sexuais oferecia-se a ele.
Marisa. Uma deusa italiana. Ardente. Uma jovem Sophia Loren.
Sachiko. Uma gueixa japonesa. Dócil. Sem dúvida, habilidosa.
Kanara. Uma estonteante visão negra. Musculosa. Exótica.
Viu o álbum duas vezes e fez sua escolha. Apertou o botão na mesa a seu lado.
Um minuto depois, a mulher que o recebera reapareceu. Ele apontou a escolhida.
Ela sorriu.
- Venha comigo.
Depois de resolver os acertos financeiros, a mulher fez uma discreta ligação
telefônica. Esperou alguns minutos e então o conduziu por uma escadaria de
mármore em espiral até um luxuoso vestíbulo.
- É a porta dourada no final - disse ela. - O senhor tem gostos caros.
Claro, pensou ele, sou um connoisseur.
As passadas do Hassassin pelo corredor pareciam as de uma pantera que aguarda
uma refeição atrasada.
Ao chegar à porta, sorriu intimamente. A porta já estava entreaberta, convidandoo
a entrar. Ele a empurrou e ela se abriu sem ruído.
Quando viu o que escolhera, soube que havia decidido bem. Ela estava
exatamente como ele solicitara: nua, deitada de costas, os braços amarrados aos
balaústres da cama com grossos cordões de veludo.
Ele atravessou o quarto e correu o dedo escuro pelo abdome claro como marfim.
Matei na noite de ontem, pensou. Você é minha recompensa.
CAPÍTULO 11
- Satânico? - Kohler enxugou a boca e se remexeu, desconfortável, na cadeira. -
Esse símbolo é de um culto satânico?
Langdon andava de um lado para o outro no aposento gelado para se aquecer.
- Os Illuminati eram satânicos. Mas não no sentido moderno da palavra.
De modo sucinto, Langdon explicou que a maioria das pessoas imaginava que os
cultos satânicos fossem rituais de adoração do demônio e, no entanto, os
satanistas eram historicamente homens instruídos que assumiam sua posição de
adversários da Igreja. Shaitan. Os rumores sobre sacrifícios satânicos de animais,
magia negra e rituais do pentagrama não passavam de mentiras disseminadas pela
Igreja como parte de uma campanha de difamação contra seus inimigos. Ao longo
do tempo, outros adversários da Igreja, querendo imitar os Illuminati, começaram
a acreditar nessas mentiras e a praticar os supostos rituais. Dessa forma, nasceu o
satanismo moderno.
Kohler resmungou abruptamente:
- Isso tudo é história antiga. Quero saber como esse símbolo veio parar aqui.
Langdon respirou fundo.
- O símbolo em si foi criado por um artista anônimo do século XVI, um dos
Illuminati, como um tributo ao amor pela simetria de Galileu. Uma espécie de
logomarca sagrada dos Illuminati. A fraternidade manteve o desenho em segredo,
alegando que somente o revelaria quando tivesse reunido poder suficiente para
ressurgir e levar adiante seu objetivo final.
Kohler mostrou-se perturbado.
- Quer dizer que esse símbolo significa que a fraternidade dos Illuminati está
ressurgindo?
O rosto de Langdon se tornou sombrio.
- Acho impossível. Há um capítulo da história dos Illuminati que ainda não
expliquei.
Com intensidade na voz, Kohler disse:
- Então, faça o favor de explicar.
Langdon esfregou as palmas das mãos uma na outra, revendo mentalmente as
centenas de documentos que lera ou escrevera sobre os Illuminati.
- Os Illuminati eram sobreviventes. Quando fugiram de Roma, viajaram por toda
a Europa procurando um lugar seguro para se reagruparem. Foram acolhidos por
uma outra sociedade secreta, uma fraternidade de ricos pedreiros bávaros
chamados franco-maçons.
- Os maçons? - espantou-se Kohler.
Langdon concordou, nem um pouco surpreso que Kohler tivesse ouvido falar do
grupo. A fraternidade dos maçons tinha mais de cinco milhões de membros no
mundo inteiro, sendo que a metade deles nos Estados Unidos e mais de um milhão
na Europa.
- Os maçons com toda a certeza não são satânicos - Kohler declarou, de repente
parecendo cético.
- Claro que não. Eles foram vítimas de sua própria benevolência. Depois de
receberem os cientistas refugiados nos anos 1700, os maçons, sem saber,
tornaram-se uma fachada para os Illuminati. Estes cresceram em suas fileiras,
assumindo gradualmente posições de poder dentro das lojas. Na surdina,
restabeleceram sua fraternidade científica no seio da maçonaria, uma espécie de
sociedade secreta dentro de outra sociedade secreta. Em seguida, os Illuminati
usaram a rede mundial de lojas maçônicas para espalhar sua influência. Langdon
respirou fundo o ar frio e prosseguiu.
- Eliminar o catolicismo era o compromisso principal dos Illuminati. A
fraternidade sustentava que os dogmas supersticiosos impostos pela Igreja eram
os maiores inimigos da humanidade. Temia que o progresso científico cessasse de
vez caso a Igreja continuasse a promover mitos piedosos como se fossem fatos
absolutos, e que dessa forma a humanidade fosse condenada a um futuro sem
perspectivas, com guerras santas sem o menor sentido.
- Mais ou menos o que acontece hoje em dia.
Kohler tinha razão. As guerras santas ainda freqüentavam as manchetes dos
jornais. Meu Deus é melhor do que o seu Deus. Parecia sempre haver uma estreita
relação entre crentes fervorosos e altos números de mortos.
- Continue - disse Kohler.
Langdon organizou outra vez seus pensamentos e retomou a narrativa.
- Os Illuminati ficaram mais poderosos na Europa e voltaram a atenção para a
América, cujo governo ainda novato tinha maçons como líderes - George
Washington, Benjamim Franklin -, homens honestos, tementes a Deus, que
ignoravam que a sociedade maçônica era o reduto dos Illuminati. Estes
aproveitaram a possibilidade de infiltração e ajudaram a fundar bancos,
universidades e indústrias para financiar a realização de seu objetivo máximo. -
Langdon fez uma pausa. - A criação de um único estado mundial unificado, uma
espécie de Nova Ordem Mundial secular.
Kohler mantinha-se imóvel.
- Uma Nova Ordem Mundial - repetiu Langdon - baseada em conhecimentos
científicos, em um novo Iluminismo. Chamavam-na de Doutrina Luciferiana. A
Igreja alega que Lúcifer era uma referência ao demônio, mas a fraternidade
insistia que sua intenção era o significado literal da palavra, em latim, aquele que
traz a luz. Ou Iluminador.
Kohler suspirou e sua voz de repente ficou solene.
- Senhor Langdon, por favor, sente-se.
Langdon sentou-se como pôde em uma cadeira já esbranquiçada por uma camada
de gelo.
Kohler aproximou-se dele em sua cadeira de rodas.
- Não sei se compreendi bem tudo o que o senhor acabou de me contar, mas de
uma coisa eu sei. Leonardo Vetra era um dos maiores trunfos do CERN. E era
também meu amigo. Preciso que me ajude a localizar os Illuminati.
Langdon não sabia o que responder.
- Localizar os Illuminati? - Ele só pode estar brincando. - Receio, senhor Kohler,
que isto seja totalmente impossível.
Uma ruga surgiu na testa de Kohler.
- Como assim? O senhor não...
- Senhor Kohler - Langdon inclinou-se na direção dele, sem saber muito bem
como fazê-lo compreender o que iria dizer -, não terminei minha história. Apesar
das aparências, é bastante improvável que essa marca tenha sido feita pelos
Illuminati. Não houve comprovação da existência deles por mais de meio século e
a maioria dos estudiosos afirma que a fraternidade dos Illuminati está extinta há
muitos anos.
As palavras foram recebidas com silêncio. Kohler olhava através da névoa com
uma expressão entre estupefata e enraivecida.
- Que diabos, como pode dizer que esse grupo está extinto quando o nome dele
está marcado a fogo no peito daquele homem?
Aquela era a pergunta que Langdon vinha fazendo a si mesmo a manhã inteira. O
aparecimento do ambigrama dos Illuminati era espantoso. Os simbologistas de
todo o mundo ficariam fascinados. Ainda assim, o acadêmico em Langdon
compreendia que a reemergência da marca não provava absolutamente nada sobre
os Illuminati.
- Os símbolos de forma alguma confirmam a presença de seus criadores originais.
- O que quer dizer com isso?
- Quando filosofias organizadas como a dos Illuminati deixam de existir, seus
símbolos permanecem...prontos para serem adotados por outros grupos.
Chama-se a isso de transferência. É muito comum em simbologia. Os nazistas
tomaram a suástica dos hindus, os cristãos adotaram a cruz dos egípcios, os...
- Esta manhã - provocou Kohler -, quando digitei a palavra "Illuminati" no
computador, obtive milhares de referências atuais. Ao que parece, muita gente
ainda pensa que o grupo está vivo.
- Mania de conspiração - replicou Langdon.
Sempre o irritara a superabundância de teorias conspiratórias que circulavam na
moderna cultura pop. Os meios de comunicação adoravam manchetes
apocalípticas, e pessoas que se autoproclamavam "especialistas em cultos" ainda
estavam faturando à custa da intensa publicidade em torno da mudança do milênio
com histórias sobre os Illuminati estarem vivos, gozando de excelente saúde e
organizando sua Nova Ordem Mundial. Recentemente, o New York Times
publicara matéria sobre laços sinistros com a maçonaria mantidos por inúmeros
personagens famosos: sir Arthur Conan Doyle, o duque de Kent, Peter Sellers,
Irving Berlin, o príncipe Philip, Louis Armstrong e mais um panteão de
conhecidos magnatas, industriais e banqueiros modernos.
Kohler apontou com ar zangado para o corpo de Vetra.
- Considerando-se as evidências, eu diria que talvez as teorias conspiratórias
estejam corretas.
- A impressão que se tem é realmente esta - disse Langdon, o mais
diplomaticamente possível. - A explicação mais plausível, porém, é que alguma
outra organização tenha assumido a marca dos Illuminati e a esteja usando para
seus próprios objetivos.
- Que objetivos? O que esse assassinato prova?
Boa pergunta, pensou Langdon. Ele também estava intrigado, imaginando onde
alguém teria desencavado a marca dos Illuminati depois de 400 anos.
- Só posso lhe dizer que, mesmo que os Illuminati estivessem ativos hoje em dia,
e isso eu posso praticamente garantir que não estão, jamais teriam qualquer
envolvimento com a morte de Leonardo Vetra.
- Não teriam?
- Não. Os Illuminati podem ter acreditado na abolição do cristianismo, mas
exerciam seu poder por meios políticos e financeiros, não através de atos
terroristas. Além disso, os Illuminati seguiam um rigoroso código moral com
relação ao tipo de pessoas que viam como inimigos. Tinham os homens de ciência
na mais alta conta. Não haveria possibilidade de assassinarem um companheiro
cientista como Leonardo Vetra.
O rosto de Kohler petrificou-se.
- Talvez eu tenha deixado de mencionar que Leonardo Vetra era mais do que um
cientista comum.
Langdon suspirou, paciente.
- Senhor Kohler, estou certo de que Leonardo Vetra era brilhante em muitos
aspectos, mas o fato é que...
Sem aviso, Kohler girou a cadeira de rodas e saiu em disparada da sala, deixando
atrás de si um rastro de espirais de fria névoa branca ao desaparecer por um
corredor.
Pelo amor de Deus..., gemeu Langdon, seguindo-o. Kohler esperava por ele em
um pequeno nicho no fim do corredor.
- Aqui era o gabinete de trabalho de Leonardo - disse Kohler, fazendo um gesto
em direção a uma porta de correr. - Depois de vê-lo, talvez o senhor compreenda
as coisas de outra maneira.
Com um resmungo desajeitado, Kohler deu um empurrão e a porta deslizou,
abrindo-se.
Langdon correu os olhos pelo interior do aposento e sentiu sua pele se arrepiar.
Santa Mãe de Deus, disse para si mesmo.
CAPÍTULO 12
Em um outro país, um jovem guarda estava sentado pacientemente diante de uma
ampla bancada de monitores de vídeo. Observava as imagens surgirem uma após
a outra, emitidas ao vivo de centenas de videocâmaras sem fio que inspecionavam
o extenso conjunto de construções. As imagens sucediam-se numa progressão
infindável.
Um corredor decorado. Um escritório particular. Uma cozinha industrial. À
medida que as imagens passavam, o guarda lutava contra os devaneios que o
acometiam. Estava próximo o fim de seu plantão e mesmo assim ele ainda estava
vigilante. Estar de serviço era uma honra.
Algum dia lhe concederiam sua recompensa definitiva.
Com seus pensamentos fluindo, uma imagem à sua frente registrou um alerta.
Súbito, com um reflexo brusco com o qual ele mesmo se espantou, sua mão
apertou um botão no painel de controle. A imagem imobilizou-se.
Inclinou-se em direção à tela para ver melhor, os nervos tensos. No monitor, leu
que a imagem estava sendo transmitida da câmera 86 - uma câmera que deveria
estar posicionada para um corredor.
Mas o que via naquele momento decididamente não era um corredor.
CAPÍTULO 13
Langdon olhava atônito para o gabinete de trabalho à sua frente.
- Que lugar é este?
A despeito da bem-vinda lufada de ar quente em seu rosto, um tremor o agitava
quando ele passou pela porta.
Kohler seguiu-o sem dizer palavra.
Langdon correu os olhos pelo ambiente sem conseguir entender o que via, O
aposento continha a mais peculiar mistura de objetos que jamais encontrara. Na
parede do fundo, dominando a decoração, havia um enorme crucifixo de madeira,
que Langdon classificou como sendo espanhol, do século XIV. Acima do
crucifixo, pendurado no teto, encontrava-se um móbile feito de metal
representando os planetas em órbita.
À esquerda havia uma pintura a óleo da Virgem Maria e, ao lado desta, uma
tabela periódica dos elementos feita de material laminado. Na parede lateral, mais
duas cruzes de bronze ladeavam um pôster de Albert Einstein com sua famosa
citação: DEUS NÃO JOGA DADOS COM O UNIVERSO.
À medida que andava pelo aposento, mais se surpreendia. Na escrivaninha de
Vetra, uma Bíblia de capa de couro fazia companhia a um modelo atômico de
Bohr e a uma réplica em miniatura do Moisés de Michelangelo.
Isso é que é ser eclético, pensou Langdon. O calor era agradável, mas alguma
coisa no ambiente causava mais arrepios em Langdon. Tinha a impressão de estar
presenciando o choque de dois titãs filosóficos, uma confusão indistinta de forças
opostas. Examinou os títulos dos livros na estante: A partícula de Deus, O Tão da
Física e Deus: a prova.
Em um dos suportes de livros estava escrita a citação:
A VERDADEIRA CIÊNCIA DESCOBRE DEUS
À ESPERA ATRÁS DE CADA PORTA.
- PAPA Pio XII
- Leonardo era um padre católico - disse Kohler.
Langdon virou-se para ele.
- Padre católico? Achei que tivesse dito que ele era físico.
- Era as duas coisas. Há outros precedentes na história de religiosos que eram
também homens de ciência.
Leonardo era um deles. Considerava a Física "a lei natural de Deus" Alegava que
a escrita de Deus era visível na ordem natural de tudo o que nos cerca. Através da
ciência, ele esperava provar a existência de Deus para as massas incrédulas. Via a
si mesmo como teofísico.
Teofísico? Para Langdon, a expressão parecia um incrível oximoro.
- O campo da Física de Partículas - explicou Kohler - fez algumas descobertas de
grande impacto ultimamente, descobertas de implicação muito espiritual.
Leonardo foi responsável por muitas delas.
Langdon estudou o diretor do CERN, ainda tentando processar o bizarro
ambiente.
- Espiritualidade e física?
Langdon passara sua carreira estudando história religiosa e, se havia um tema
recorrente, era o que afirmava que ciência e religião haviam sido desde sempre
como o óleo e a água, arquiinimigas, nunca se misturavam.
- Vetra estava na vanguarda da Física de Partículas - acrescentou Kohler.
- Estava começando a fundir Física e religião, demonstrando que uma
complementava a outra de maneiras jamais previstas. Chamava a esse campo
Nova Física.
Kohler tirou um livro da prateleira e o entregou a Langdon. Ele examinou a capa e
leu o título: Deus, milagres e a Nova Física, por Leonardo Vetra.
- O campo é restrito - Kohler prosseguiu -, mas tem trazido novas respostas para
algumas velhas perguntas.
Sobre a origem do universo e sobre as forças que ligam todos nós. Leonardo
acreditava que sua pesquisa tinha potencial para converter milhões de pessoas a
uma vida mais espiritual. No ano passado, ele provou categoricamente a
existência de uma forma de energia que une todos nós. Demonstrou de fato que
estamos todos fisicamente vinculados uns aos outros, que as moléculas de seu
corpo estão entrelaçadas às moléculas do meu, que uma única força se move
dentro de todas as pessoas.
Langdon ficou desconcertado. E o poder de Deus unirá todas as gentes.
- O senhor Vetra realmente descobriu uma forma de demonstrar que as partículas
estão ligadas?
- Descobriu provas conclusivas. Um artigo recente da Scientific American saudou
a Nova Física como um caminho mais seguro para se chegar a Deus do que a
própria religião.
O comentário calou fundo. Langdon de repente se viu pensando nos Illuminati
anti-religiosos.
Relutantemente, forçou-se a realizar uma momentânea incursão intelectual ao
impossível. Se os Illuminati ainda estivessem ativos, teriam matado Leonardo
para impedi-lo de levar sua mensagem religiosa às massas? Langdon descartou a
idéia. Absurdo! Os Illuminati são história antiga! Todos os acadêmicos sabem
disso!
- Vetra tinha uma porção de inimigos no mundo científico - continuou Kohler. -
Muitos cientistas puristas desprezavam-no. Até aqui, no próprio CERN. Achavam
que usar física analítica como apoio para princípios religiosos era trair a ciência.
- Mas não é verdade que os cientistas de hoje estão um pouco menos na defensiva
com relação à Igreja?
Kohler resmungou, irritado.
- Que motivos teríamos para isso? A Igreja pode não estar mais queimando
cientistas na fogueira, mas, se acha que afrouxaram seu domínio sobre a ciência,
por que será que a metade das escolas em seu país não está autorizada a ensinar a
evolução? Por que será que a Coalizão Cristã dos EUA é o lobby mais influente
contra o progresso científico no mundo? A batalha entre ciência e religião ainda
está em andamento, senhor Langdon, só que saiu dos campos de batalha para as
salas de reunião das diretorias.
Langdon percebeu que Kohler tinha razão. Na semana anterior, a Escola de
Teologia de Harvard fizera uma manifestação de protesto no prédio de Biologia
contra a inclusão de engenharia genética no programa de graduação. O diretor do
Departamento de Biologia, o famoso ornitólogo Richard Aaronian, defendeu seu
currículo pendurando uma enorme faixa na janela de seu escritório. A faixa
mostrava um "peixe", o símbolo cristão, modificado, com quatro pequenos pés,
um tributo, segundo Aaronian, à evolução dos peixes dipnóicos africanos para a
terra firme. Sob os peixes, em vez da palavra "Jesus", a proclamação "DARWIN!"
O som de um bipe agudo cortou o ar e Langdon levantou a cabeça. Kohler voltou
a atenção para o equipamento eletrônico em sua cadeira de rodas. Tirou um
pequeno aparelho de seu suporte e leu a mensagem que chegara.
- Ótimo. É a filha de Leonardo. A senhorita Vetra está chegando no heliponto
neste momento. Vamos ao encontro dela. Acho melhor que ela não venha aqui e
veja seu pai nesse estado.
Langdon concordou. Seria um choque que nenhum filho merecia receber.
- Vou pedir à senhorita Vetra que explique o projeto em que ela e seu pai
vinham trabalhando, e talvez isso lance alguma luz sobre o motivo por que ele foi
morto.
- Acha que mataram Vetra por causa do trabalho dele?
- É bem possível. Leonardo contou-me que estava trabalhando em algo pioneiro.
Só me disse isso. Andava cheio de segredos sobre o projeto. Tinha um laboratório
particular e exigia isolamento, o que eu de bom grado lhe concedi por causa de
seu brilhantismo. Seu trabalho ultimamente vinha consumindo uma quantidade
enorme de energia elétrica, mas eu me abstive de questioná-lo sobre o assunto. -
Kohler girou a cadeira na direção da porta do gabinete. - Há uma coisa, porém,
que o senhor precisa saber antes de sair deste apartamento.
Langdon não estava muito certo se queria escutar o que era.
- Algo foi roubado de Vetra por seu assassino.
-Algo?
- Venha comigo.
O diretor dirigiu sua cadeira de volta para a sala enevoada. Langdon foi atrás, sem
saber o que esperar.
Kohler manobrou até ficar a centímetros do corpo de Vetra e então parou. Fez um
sinal para que Langdon se aproximasse. Langdon veio para perto, a bílis subindolhe
à garganta por causa do cheiro da urina congelada da vítima.
- Olhe o rosto dele - disse Kohler.
Olhar o rosto dele? Langdon não compreendia. Pensei que alguma coisa tivesse
sido roubada.
Hesitante, Langdon ajoelhou-se. Tentou enxergar o rosto de Vetra, mas a cabeça
fora torcida 180 graus para trás e o rosto estava pressionado contra o tapete.
Lutando contra sua deficiência, Kohler inclinou-se e virou com cuidado a cabeça
gelada de Vetra.
Estalando, o rosto do morto girou e ficou à mostra, contorcido de agonia. Kohler
manteve-o naquela posição por um momento.
- Meu Deus! - exclamou Langdon, recuando horrorizado.
O rosto de Vetra estava coberto de sangue. Um único olho castanho devolveu-lhe
um olhar sem vida. A outra órbita estava estraçalhada e vazia.
- Roubaram o olho dele?
CAPÍTULO 14
Langdon saiu do Edifício C para o ar livre, contente por estar fora do apartamento
de Vetra. O sol ajudou a dissipar a imagem da órbita ocular vazia que ficara
gravada em sua mente.
- Por aqui, por favor - Kohler falou, dando uma guinada e enveredando por uma
subida íngreme. A cadeira de rodas elétrica acelerava sem esforço. - A senhorita
Vetra vai chegar a qualquer momento.
Langdon corria para acompanhá-lo.
- Então - perguntou Kohler -, ainda duvida do envolvimento dos Illuminati?
Langdon não sabia mais coisa alguma. O fato de Vetra ser religioso era
inegavelmente perturbador, mas ainda assim Langdon não se convencia a deixar
de lado todas as evidências acadêmicas que sempre pesquisara. Além disso, havia
o olho...
- Ainda acho - declarou, com mais ênfase do que pretendia - que os Illuminati não
são responsáveis por esse crime, O olho que falta é uma prova disso.
- O quê?
- Mutilação aleatória - explicou Langdon - é um ato muito pouco característico
dos Illuminati. Os especialistas em cultos dizem que a desfiguração sem
propósito é típica de seitas marginais, de fanáticos que cometem atos de
terrorismo ao acaso. Os Illuminati sempre demonstraram mais deliberação.
- Deliberação? Remover cirurgicamente o globo ocular de alguém não é
demonstrar deliberação?
- Não transmite nenhuma mensagem clara. Não serve a nenhum objetivo maior.
A cadeira de rodas de Kohler parou subitamente no alto da ladeira. Ele se virou.
- Senhor Langdon, acredite, aquele olho que falta serve realmente a um objetivo
maior, muito maior.
Quando os dois homens atravessaram a elevação coberta de grama, ouviu-se o
ruído das hélices de um helicóptero a oeste. O aparelho apareceu e descreveu um
arco no vale aberto, vindo na direção deles.
Inclinou-se bastante para um lado e depois diminuiu a velocidade, pairando acima
de um heliponto pintado na grama.
Langdon observava, distante, sua mente em um redemoinho como o das hélices,
pensando se uma boa noite de sono seria capaz de acabar com aquela
desorientação, tornar suas idéias mais claras. De alguma forma, duvidava muito
disso.
A aeronave tocou o chão, um piloto saltou e começou a descarregar material.
Havia um bocado de bagagem: apetrechos de acampamento bolsas impermeáveis
de vinil, cilindros de oxigênio e engradados que pareciam conter equipamento de
alta tecnologia para mergulho.
Langdon ficou confuso.
- Esse é o equipamento da senhorita Vetra? - gritou para Kohler em meio ao ruído
dos motores.
Kohler assentiu e gritou de volta:
- Ela estava fazendo pesquisas biológicas no mar Balear.
- Pensei que tivesse dito que ela era física!
- E é. Ela é biofísica de Quantum Entanglement, ou emaranhamento quântico.
Estuda a interconexão dos sistemas de vida. O trabalho dela está intimamente
relacionado com o do pai. Recentemente, ela refutou uma das teorias
fundamentais de Einstein usando câmeras atomicamente sincronizadas para
observar um cardume de atuns.
Langdon examinou o rosto de seu anfitrião em busca de qualquer vestígio de
humor. Einstein e atuns?
Ele começava a se questionar se o avião espacial X-33 não o teria deixado no
planeta errado por engano.
Um momento depois, Vittoria Vetra saiu do helicóptero. Robert Langdon
percebeu que aquele seria realmente um dia de intermináveis surpresas. Ao descer
da aeronave, de short cáqui e blusa branca sem mangas, Vittoria Vetra em nada se
parecia com a cientista circunspecta que ele esperava. Ágil e graciosa, era alta,
com pele morena e longos cabelos negros, que o vento dos rotores agitava. Seu
rosto era inegavelmente italiano, sem ser bonita demais porém com traços largos e
fortes que, mesmo à distância, transpiravam uma sensualidade crua. As lufadas de
ar colavam sua roupa ao corpo, acentuando-lhe o torso esbelto e os seios
pequenos.
- A senhorita Vetra é uma mulher de tremenda força pessoal - disse Kohler,
parecendo notar a fascinação de Langdon. - Passa meses a fio trabalhando em
sistemas ecológicos perigosos. É uma vegetariana rigorosa e o guru residente de
hata-ioga do CERN.
Hata-ioga? Langdon ponderou. A antiga arte budista de meditação e alongamento
parecia uma estranha habilidade para uma física filha de um padre católico.
Langdon observou-a enquanto se aproximava. Obviamente, ela estivera chorando,
seus olhos escuros e profundos cheios de emoções que Langdon não saberia
identificar. Ainda assim, movia-se em direção a eles com ímpeto e firmeza. Seus
braços e pernas eram fortes e de músculos bem trabalhados, irradiando a saudável
luminosidade da pele mediterrânea que passara muitas horas ao sol.
- Vittoria - disse-lhe Kohler -, meus sentimentos. É uma perda terrível para a
ciência e para todos nós aqui no CERN.
Vittoria agradeceu com um gesto de cabeça. Quando falou, sua voz era macia,
com um sotaque gutural.
- Já sabe quem é o responsável?
- Ainda estamos trabalhando nisso.
Ela se voltou para Langdon, estendendo-lhe a mão esguia.
- Meu nome é Vittoria Vetra. O senhor deve ser da Interpol?
Langdon apertou a mão dela, momentaneamente enfeitiçado por seu olhar
profundo.
- Robert Langdon - apresentou-se, sem saber o que dizer mais.
- O senhor Langdon não está com as autoridades - explicou Kohler. - Ele é um
especialista vindo dos Estados Unidos. Está aqui para nos ajudar a localizar o
responsável por esta situação.
Vittoria pareceu meio insegura.
- E a polícia?
Kohler suspirou, mas não disse nada.
- Onde está o corpo? - exigiu ela.
- Sendo cuidado.
A mentira caridosa surpreendeu Langdon.
- Quero vê-lo - disse Vittoria.
- Vittoria - instou Kohler -, seu pai foi brutalmente assassinado. Seria melhor que
se lembrasse dele como era.
Ela começou a falar, mas foi interrompida.
- Ei, Vittoria - vozes chamaram de longe. - Seja bem-vinda de volta!
Ela se virou. Um grupo de cientistas que passava perto do heliponto acenou
alegremente.
- Desmentiu mais alguma teoria de Einstein? - gritou um deles.
- Seu pai deve estar orgulhoso!
Vittoria acenou, sem jeito, quando eles passaram. Então, voltou-se para Kohler, o
rosto com uma expressão confusa.
- Ninguém sabe ainda?!
- Decidi que discrição era fundamental.
- O senhor não contou à equipe que meu pai foi assassinado? - Agora havia uma
certa raiva no seu tom de voz.
Kohler replicou com dureza:
- Talvez tenha esquecido, senhorita Vetra, que, assim que eu comunicar a morte
de seu pai, haverá uma investigação no CERN. Incluindo uma vistoria completa
neste laboratório. Sempre procurei respeitar a privacidade de seu pai. Ele me
contou apenas duas coisas sobre o seu projeto atual: que tem potencial para trazer
milhões de francos para o CERN em contratos de licença na próxima década e
que não está pronto para divulgação pública porque ainda é uma tecnologia de
risco. Considerando-se esses dois fatos, preferiria não ter gente estranha
bisbilhotando o laboratório dele e, quem sabe, roubando o trabalho dele ou
morrendo ao fazê-lo e tornando o CERN responsável por isso em seguida. Ficou
bem claro?
Vittoria parou, calada. Langdon percebeu nela um respeito e uma aceitação
relutantes pela lógica de Kohler.
- Antes de comunicarmos qualquer coisa às autoridades - disse Kohler -, preciso
saber em que vocês dois estavam trabalhando. Preciso que nos leve ao seu
laboratório.
- O laboratório é irrelevante - disse Vittoria. - Ninguém sabia o que meu pai e eu
estávamos fazendo. A experiência não poderia de jeito algum ter a ver com a
morte dele.
A respiração de Kohler soou irritada, aflita.
- Não é o que indicam as evidências.
- Evidências? Que evidências?
Langdon fazia-se a mesma pergunta.
Kohler mais uma vez enxugou a boca.
- Por enquanto, vai ter de confiar em mim.
Estava claro, pela intensidade do olhar, que ela não confiava.
CAPÍTULO 15
Langdon caminhou em silêncio atrás de Vittoria e Kohler na volta para o saguão
principal onde sua estranha visita começara. As pernas de Vittoria moviam-se
com fluida eficiência - como a de um mergulhador olímpico -, sem dúvida,
imaginou Langdon, como resultado da flexibilidade e controle obtidos com a
prática da ioga. Notou que ela respirava lenta e deliberadamente, como se tentasse
filtrar sua dor.
Langdon queria dizer-lhe alguma coisa, apresentar suas condolências. Ele
também já sentira o vazio abrupto de perder um pai inesperadamente. Lembravase
sobretudo do dia do enterro, cinzento e chuvoso. Dois dias depois de seu
aniversário de 12 anos. A casa ficou cheia de homens do escritório, vestidos com
ternos escuros, homens que apertavam sua mão com força demais. Todos
murmuravam palavras como cardíaco e estresse. Sua mãe, com os olhos cheios de
lágrimas, brincava que conseguia acompanhar o mercado de ações só segurando a
mão de seu marido.., o pulso dele era sua fita particular do registrador de cotações
da bolsa.
Certa vez, quando seu pai era vivo, Robert escutara a mãe pedindo-lhe que
"parasse um pouco para sentir o perfume das rosas". Naquele ano, Langdon
comprou para o pai no Natal uma pequena rosa de vidro soprado. Era o objeto
mais lindo que o menino já vira.., encantou-se com a maneira como o sol se
refletia nela, lançando um arco-íris de cores na parede. "É linda" dissera o pai ao
abrir o presente, beijando a testa de Robert. "Vamos procurar um lugar seguro
para ela." Então, seu pai colocou cuidadosamente a rosa em uma prateleira alta e
empoeirada no ponto mais escuro da sala de estar.
Dias mais tarde, Langdon subiu em um banco, apanhou a rosa e devolveu-a à loja.
O pai nunca percebeu que ela não estava mais lá.
O som da campainha do elevador trouxe-o de volta ao presente. Vittoria e Kohler
estavam à sua frente, entrando no elevador. Langdon hesitou diante da porta
aberta.
- Alguma coisa errada? - perguntou Kohler, mais impaciente do que preocupado.
- Não, nada - disse Langdon, forçando-se a embarcar no cubículo apertado. Só
usava elevadores quando absolutamente necessário. Preferia os espaços mais
abertos das escadarias.
- O laboratório do doutor Vetra é subterrâneo - esclareceu Kohler.
Maravilha, pensou Langdon ao entrar, sentindo um vento gelado subir das
profundezas do poço. As portas se fecharam e o elevador começou a descer.
- Seis andares - disse Kohler inexpressivamente, como uma máquina.
Langdon imaginou a escuridão do poço abaixo deles. Tentou bloquear o
pensamento olhando para o painel numerado dos andares. Curiosamente, o painel
do elevador só indicava duas paradas. TÉRREO e LHC.
- O que quer dizer LHC? - perguntou Langdon, esforçando-se para não parecer
nervoso.
- Large Hadron Collider, o Grande Colisor de Hádrons - respondeu Kohler.
- Um acelerador de partículas.
Acelerador de partículas? O termo era-lhe vagamente familiar. Ouvira-o pela
primeira vez em um jantar com colegas na Dunster House, em Cambridge. Um
físico amigo deles, Bob Brownell, chegara enfurecido naquela noite.
- Os malditos imbecis cancelaram tudo! - praguejou Brownell.
- Cancelaram o quê? - perguntaram os outros.
- OSCS!
- O quê?
- O Super Colisor Supercondutor!
Alguém deu de ombros.
- Não sabia que Harvard estava construindo um.
- Não é Harvard! - exclamou. - São os Estados Unidos! Seria o acelerador de
partículas mais poderoso do mundo! Um dos mais importantes projetos científicos
do século! Puseram dois bilhões de dólares nisso e o Senado dispensou o projeto!
Aqueles lobistas desgraçados, protestantes fundamentalistas!
Quando Brownell finalmente se acalmou, explicou que um acelerador de
partículas é um grande tubo circular dentro do qual partículas subatômicas eram
aceleradas. Dentro do túnel, ímãs são ativados e desativados em rápida sucessão
para "empurrar" as partículas adiante até que alcancem velocidades. As partículas
totalmente aceleradas circulam pelo tubo a quase 300 mil quilômetros por
segundo.
- Mas é quase a velocidade da luz - exclamou um dos professores.
- É isso aí - disse Brownell.
E continuou a falar, explicando que, ao acelerar duas partículas em direções
opostas à volta do tubo e depois fazê-las colidir, os cientistas podem desintegrar
as partículas nas partes em que são constituídas e assim ter uma noção a respeito
dos componentes fundamentais da natureza.
- Os aceleradores de partículas - declarou Brownell - são cruciais para o futuro da
ciência. A colisão de partículas é a chave para se compreender os blocos de que é
formado o universo.
O Poeta Residente de Harvard, um homem sossegado chamado Charles Pratt, não
se impressionou muito.
- Para mim, isso parece mais - disse Pratt - uma abordagem científica de
Neanderthal... igual a espatifar relógios para conhecer o mecanismo interno deles.
Num rompante, Brownell largou o garfo e saiu da sala pisando duro.
Quer dizer que o CERN tem um acelerador de partículas? - pensou Langdon,
conforme o elevador descia. Um tubo circular para despedaçar partículas.
Gostaria de saber por que era subterrâneo.
Quando o elevador parou, Langdon ficou feliz em sentir terra firme de novo sob
os pés. Assim que as portas se abriram, porém, seu alívio evaporou-se.
Encontrava-se outra vez em um mundo totalmente estranho.
O corredor estendia-se indefinidamente em ambas as direções, esquerda e direita.
Tratava-se de um túnel revestido de cimento liso, largo o suficiente para permitir a
passagem de um caminhão de cinco eixos.
Profusamente iluminado no ponto onde estavam, mais adiante o corredor tornavase
negro como breu. Um vento úmido, sussurrando, vinha da escuridão - um
lembrete inquietante de que se encontravam agora muitos metros abaixo do solo.
Langdon quase sentia o peso da terra e das pedras acima de sua cabeça. Por um
instante, voltou a ter nove anos de idade, a escuridão forçando-o a voltar às cinco
horas de trevas sufocantes que ainda o assombravam. Cerrando os punhos, lutou
contra aquela sensação.
Vittoria manteve-se em silêncio ao sair do elevador e seguir sozinha sem hesitar
para o corredor escuro. No teto, conforme ela passava, as luzes fluorescentes iam
aos poucos se acendendo para iluminar seu caminho. O efeito era perturbador,
como se o corredor estivesse vivo, prevendo cada um dos movimentos dela.
Langdon e Kohler seguiam-na a certa distância. As luzes apagavam-se
automaticamente atrás deles.
- Esse acelerador de partículas - disse Langdon em voz baixa - está aqui embaixo
neste túnel?
- Está ali. - Kohler apontou para a sua esquerda, onde um tubo cromado, polido,
corria pela parede interna do túnel.
Langdon olhou para o tubo, perplexo.
- Isso é o acelerador?
Não era nem um pouco como ele havia imaginado. Completamente reto, com uns
noventa centímetros de diâmetro, estendia-se na horizontal pela extensão visível
do túnel até desaparecer na escuridão. Lembra mais um cano de esgoto high-tech,
pensou Langdon.
- Achei que os aceleradores de partículas fossem circulares.
- Este acelerador é circular - disse Kohler. - Parece ser reto, mas isto é uma ilusão
de ótica. A circunferência deste túnel é tão grande que a curva é imperceptível.
Como a da Terra.
Langdon estava admirado.
- Isto é um círculo? Mas então... deve ser imenso!
- O LHC é a maior máquina do mundo.
Langdon olhou de novo o tubo para ter certeza de que não se enganara. Lembrouse
do motorista do CERN comentando sobre uma enorme máquina sob a terra. No
entanto...
- Tem mais de oito quilômetros de diâmetro e vinte e sete quilômetros de
extensão.
Langdon virou rapidamente a cabeça para o diretor, depois para o túnel escuro à
sua frente.
- Vinte e sete quilômetros? Este túnel tem vinte e sete quilômetros de
comprimento?
Kohler concordou.
- Cavados em um círculo perfeito. Vai até a França e volta para cá. As partículas
aceleradas percorrem o tubo mais de dez mil vezes em um único segundo antes de
colidirem.
As pernas de Langdon ficaram bambas ao olhar para a abertura negra do túnel.
- Está dizendo que o CERN removeu milhões de toneladas de terra só para
espatifar partículas minúsculas?
Kohler ergueu os ombros.
- Às vezes, para encontrar a verdade, é preciso remover montanhas.
CAPÍTULO 16
A quilômetros do CERN, uma voz soou através de um walkie-talkie.
- OK, estou no corredor.
O técnico que monitorava as telas de vídeo apertou o botão de seu transmissor e
disse:
- A câmera que você está procurando é a 86. Deve estar no fim do corredor.
Seguiu-se um longo silêncio no rádio. Um ligeiro suor cobriu o rosto do técnico
que esperava. Finalmente, seu rádio deu um estalido.
- A câmera não está no lugar - disse a voz. - Mas dá para ver onde estava
instalada. Alguém deve tê-la tirado daqui.
O técnico respirou fundo.
- Obrigado. Espere só mais um segundo, está bem?
Suspirando, voltou a atenção para as telas de vídeo à sua frente. Grande parte do
conjunto de prédios era aberta ao público, e câmeras sem fio já haviam sumido
antes, em geral roubadas por visitantes engraçadinhos em busca de suvenires.
Entretanto, assim que a câmera saía dos prédios e ficava fora de alcance, o sinal se
perdia e a tela ficava em branco. Perplexo, o técnico olhava para o monitor. Uma
imagem clara como água ainda vinha da câmera 86.
Se a câmera foi roubada, refletia ele, como ainda estamos recebendo o sinal?
Sabia que só havia uma explicação para isso. A câmera ainda estava dentro dos
prédios, alguém apenas a trocara de lugar. Mas quem? E por quê?
Estudou o monitor durante algum tempo. Por fim, pegou seu walkie-talkie.
- Há algum armário embutido nesse poço de escada? Algum móvel com portas,
algum nicho escuro?
A voz que respondeu parecia um tanto espantada.
- Não. Por quê?
O técnico fez uma cara feia.
- Por nada. Obrigado pela ajuda.
Desligou o walkie-talkie e apertou os lábios.
Considerando-se o tamanho pequeno da câmera de vídeo e o fato de não ter fio, o
técnico sabia que a câmera 86 podia estar transmitindo de qualquer lugar do
fortemente vigiado complexo de construções - um conjunto compacto de 32
prédios independentes em um raio de 800 metros. A única pista é que a câmara
parecia ter sido posta em um lugar escuro. Claro que isso não ajudava grande
coisa. Havia milhares de lugares escuros ali - armários de manutenção, dutos de
aquecimento, galpões de utensílios de jardinagem, armários de quartos de dormir
e até um labirinto de túneis subterrâneos. Poderiam levar semanas para encontrar
a câmera 86.
Mas esse é o menor dos meus problemas.
Além do dilema da nova localização da câmera, havia outra questão muito mais
preocupante a resolver. O técnico levantou o olhar para a imagem que a câmera
perdida estava transmitindo. A de um objeto imóvel. Um aparelho moderno que
não se parecia com nada que o técnico conhecesse. Ele examinou o mostrador
eletrônico que piscava na base do aparelho.
Embora o guarda tivesse passado por um rigoroso treinamento que o preparava
para situações de tensão, ainda assim sentia seu pulso acelerando. Disse a si
mesmo para não entrar em pânico. Tinha de haver uma explicação. O objeto
parecia pequeno demais para oferecer perigo significativo. De qualquer forma,
sua presença ali dentro era perturbadora. Muito perturbadora, na verdade.
Logo hoje, pensou.
Segurança era sempre uma prioridade para seu empregador, mas hoje, mais do
que em qualquer outro dia nos últimos 12 anos, segurança era uma questão da
maior importância. O técnico observou o objeto durante muito tempo e escutou o
ruído de trovoadas de uma tempestade que se aproximava ao longe.
Então, suando, discou para seu superior.
CAPÍTULO 17
Poucas crianças podem dizer que se lembram do dia em que encontraram seu pai,
mas Vittoria Vetra podia. Tinha oito anos e morava no lugar de sempre, o
Orfanotrofio di Siena, um orfanato católico perto de Florença, abandonada por
pais que nunca conhecera. Estava chovendo naquele dia. As freiras já tinham
chamado por ela duas vezes para ir jantar, mas ela fingia não ouvir. Continuava lá
fora, deitada no pátio, com o rosto voltado para o alto, para as gotas de chuva,
sentindo-as bater em seu corpo, tentando adivinhar onde iriam cair em seguida.
As freiras chamaram de novo, ameaçando-a de pegar uma pneumonia, o que
tornaria aquela criança insuportavelmente cabeça-dura muito menos curiosa sobre
a natureza.
Não estou escutando vocês, pensava Vittoria.
Estava encharcada quando o jovem padre saiu para buscá-la. Ele era novo ali.
Vittoria esperou que ele viesse arrastá-la para dentro. Mas ele não o fez. Para
surpresa dela, deitou-se ao seu lado, molhando a batina em uma poça.
- Disseram que você faz uma porção de perguntas - disse o moço.
Vittoria replicou, mal-humorada:
- E é ruim fazer perguntas?
Ele riu.
- Acho que não.
- O que você está fazendo aqui fora?
- O mesmo que você: pensando por que as gotas de chuva caem.
- Não estou pensando por que elas caem! Eu já sei!
O padre olhou espantado para ela.
- Você sabe?
- A irmã Francisca disse que as gotas de chuva são lágrimas dos anjos que caem
para lavar nossos pecados.
- Puxa! - ele disse, em um tom admirado. - Então, está explicado.
- Não, não está! - disparou a menina. - As gotas caem porque tudo cai! Tudo!
Não é só a chuva!
O padre coçou a cabeça.
- Sabe, mocinha, você tem razão. Tudo cai mesmo. Deve ser a gravidade.
- Deve ser o quê?
Ele olhou para ela com ar incrédulo.
- Você nunca ouviu falar da gravidade?
- Não.
O padre fez um gesto decepcionado.
- É uma pena. A gravidade responde a uma porção de perguntas.
Vittoria sentou-se.
- O que é gravidade? - perguntou, exigente. - Diga para mim!
O padre piscou o olho para ela.
- E se eu explicar a você durante o jantar?
O jovem padre era Leonardo Vetra. Embora tivesse ganho prêmios de Física
quando aluno da universidade, ouvira um outro chamado e fora para o seminário.
Leonardo e Vittoria tornaram-se grandes amigos, por mais improvável que fosse,
naquele mundo solitário de freiras e regulamentos. Vittoria fazia Leonardo rir e
ele tomou-a sob sua proteção, ensinando-lhe que belas coisas como o arco-íris e
os rios tinham muitas explicações. Falou-lhe sobre a luz, os planetas, as estrelas e
toda a natureza, tanto do ponto de vista de Deus quanto do da ciência. O intelecto
e a curiosidade inatos de Vittoria faziam dela uma aluna cativante. Leonardo a
protegia como a uma filha.
Vittoria também estava feliz. Nunca sentira a alegria de ter um pai. Enquanto
todos os outros adultos respondiam às suas perguntas com um ar de repreensão,
Leonardo passava horas mostrando-lhe livros.
Até perguntava o que ela achava, quais eram suas idéias sobre os assuntos. Então,
certo dia, seu pior pesadelo virou realidade. Padre Leonardo disse-lhe que iria sair
do orfanato.
- Vou me mudar para a Suíça - explicou ele. - Recebi uma subvenção para estudar
Física na Universidade de Genebra.
- Física? - exclamou Vittoria. - Pensei que você amasse a Deus!
- Eu amo, e muito. Por isso é que quero estudar suas regras divinas. As leis da
Física são a tela que Deus estendeu para pintar sua obra-prima.
Vittoria ficou arrasada. Mas o padre Leonardo tinha mais novidades. Disse a
Vittoria que conversara com seus superiores e eles haviam concordado que
Leonardo a adotasse.
- Você gostaria que eu a adotasse? - perguntou Leonardo.
- O que significa adotar? - perguntou Vittoria por sua vez.
O padre Leonardo explicou.
Vittoria abraçou-o durante cinco minutos seguidos, chorando de alegria.
- Ah, eu quero, quero sim!
E ele disse que teria de partir e ficar longe por algum tempo, até instalar seu novo
lar na Suíça, mas que mandaria buscá-la dentro de seis meses. Seria a mais longa
espera da vida de Vittoria, mas Leonardo manteve a palavra. Cinco dias antes de
seu aniversário de nove anos, Vittoria mudou-se para Genebra. Freqüentava a
Escola Internacional de Genebra durante o dia e estudava com seu pai à noite.
Três anos depois, Leonardo Vetra foi contratado pelo CERN. Vittoria e Leonardo
mudaram-se para um país das maravilhas como jamais a pequena Vittoria pudera
imaginar.
Vittoria Vetra sentia seu corpo entorpecido enquanto percorria o túnel do LHC.
Via nele o reflexo de sua imagem silenciosa e percebia a ausência de seu pai.
Normalmente, ela vivia em um estado de profunda calma, em harmonia com o
mundo à sua volta. Agora, porém, de repente, nada mais fazia sentido. As últimas
três horas haviam sido como um borrão indistinto.
Eram dez da manhã quando a chamada de Kohler chegou nas ilhas Baleares. Seu
pai foi assassinado. Volte imediatamente para casa. A despeito do calor abafado
no convés do barco de mergulho, ela gelara até os ossos com aquelas palavras, o
tom de voz de Kohler, despojado de qualquer emoção, ferindo-a tanto quanto a
notícia.
Agora, ela voltara para casa. Mas que casa, afinal? O CERN, seu mundo desde os
12 anos, parecia de repente estrangeiro. Seu pai, o homem que o tornara mágico,
estava morto.
Respire fundo, disse a si mesma, mas não conseguia acalmar sua mente. As
perguntas sucediam-se uma à outra cada vez mais depressa. Quem matara seu pai?
E por quê? Quem era aquele "especialista" americano? Por que Kohler insistia em
ver o laboratório?
Kohler dissera que existiam evidências de que o assassinato de seu pai estava
relacionado com o projeto em curso. Que evidências? Ninguém sabia em que
estávamos trabalhando! E, mesmo que alguém descobrisse, por que o matariam?
Andando pelo túnel do LHC a caminho do laboratório de seu pai, Vittoria se deu
conta de que estava prestes a revelar o trabalho mais importante de seu pai sem
que ele estivesse presente.
Imaginara aquele momento de forma muito diferente: seu pai convocando os
maiores cientistas do CERN, mostrando-lhes sua descoberta, vendo as expressões
de admiração e respeito em seus rostos. Em seguida, radiante de orgulho paterno,
ele explicaria a eles como havia sido uma idéia de Vittoria que o ajudara a
transformar o projeto em realidade.., que a participação de sua filha havia sido
essencial naquele trabalho pioneiro. Vittoria sentiu um nó na garganta. Meu pai e
eu deveríamos estar juntos dividindo este momento. E lá estava ela sozinha. Sem
colegas. Sem rostos felizes. Só um americano estranho e Maximilian Kohler.
Maximilian Kohler. Der König.
Mesmo quando criança, Vittoria não simpatizava com ele. Embora tivesse
aprendido a respeitar seu intelecto poderoso, aquelas maneiras gélidas sempre lhe
pareceram desumanas, a antítese exata do comportamento caloroso de seu pai.
Kohler buscava na ciência a lógica imaculada; seu pai, o deslumbramento
espiritual. E, no entanto, por estranho que fosse, sempre parecera existir um tácito
respeito entre os dois homens. Alguém explicara a ela que o gênio aceita outro
gênio incondicionalmente.
Gênio, pensou ela. Meu pai... papai. Morto.
A entrada para o laboratório de Leonardo Vetra era um comprido e asséptico
corredor inteiramente revestido de azulejos brancos. Langdon teve a impressão de
estar entrando em uma espécie de asilo de loucos subterrâneo. Alinhadas nas
paredes do corredor havia dezenas de imagens em preto-e-branco emolduradas.
Langdon construíra sua carreira estudando imagens, mas aquelas lhe eram
inteiramente desconhecidas. Pareciam negativos caóticos de riscos e espirais
aleatórios. Arte moderna? - arriscou ele. Jackson Pollock depois das anfetaminas?
- São diagramas de dispersão - disse Vittoria, notando o interesse de
Langdon. - Representações em computador da colisão de partículas. Esta é a
partícula Z - disse ela, apontando para um leve traço, quase invisível na confusão.
- Meu pai descobriu-a faz cinco anos. Pura energia, sem massa nenhuma. Pode
muito bem ser o menor bloco estrutural na natureza. A matéria nada mais é do que
energia capturada.
Matéria é energia? Langdon inclinou a cabeça para um lado. Isto soa muito zen.
Examinou o minúsculo traço na fotografia e imaginou o que diriam seus amigos
no Departamento de Física de Harvard quando lhes contasse que passara o fim de
semana em um grande colisor de hádrons admirando partículas Z.
- Vittoria - falou Kohler quando se aproximaram da imponente porta de aço do
laboratório -, tenho de avisá-la que vim aqui esta manhã procurar seu pai.
Vittoria enrubesceu ligeiramente.
-Veio?
- Sim. E fiquei muito surpreso ao ver que ele trocou a fechadura de segurança
padronizada do CERN por algo diferente.
Kohler indicou um aparelho eletrônico complicado ao lado da porta.
- Desculpe - disse ela. - Mas sabe como ele se preocupava com a privacidade. Não
queria que mais ninguém além de nós dois tivesse acesso ao laboratório.
- Muito bem - disse Kohler. - Abra a porta.
Vittoria ficou parada por algum tempo. Então, respirando fundo, encaminhou-se
para o mecanismo instalado na parede.
Langdon não estava preparado para o que aconteceu em seguida.
Vittoria aproximou-se do aparelho e, com cuidado, alinhou seu olho direito com
uma lente protuberante que parecia um telescópio. Depois, apertou um botão.
Ouviu-se um estalido dentro da máquina. Um facho de luz oscilava de um lado
para outro, escaneando o globo ocular dela como se fosse uma máquina
copiadora.
- É um scanner de retina - explicou ela. - Segurança infalível. Programado para
aceitar apenas dois padrões de retina, o meu e o do meu pai.
Robert Langdon parou, horrorizado com a revelação. A imagem de Leonardo
Vetra voltou-lhe à cabeça em detalhes assustadores - o rosto ensangüentado, o
único olho castanho fitando-o de volta, a órbita vazia.
Tentou recusar a verdade óbvia, mas então viu no chão de azulejos brancos,
abaixo do scanner, minúsculas gotas vermelhas. Sangue seco.
Vittoria, ainda bem, nada percebeu.
A porta de aço abriu-se deslizando e ela entrou.
Kohler fixou em Langdon um olhar implacável. A mensagem era clara: É como
eu lhe disse. O olho que falta serve realmente a um objetivo maior.
CAPÍTULO 18
As mãos da mulher estavam amarradas, os pulsos agora roxos e inchados por
causa do atrito. O Hassassin de pele cor de mogno estava deitado ao lado dela,
esgotado, admirando sua presa nua.
Pensava se aquele sono leve a que ela estava entregue no momento não seria um
truque, uma tentativa patética de evitar prestar-lhe mais serviço.
Ele não se importava. Já se recompensara o suficiente. Saciado, sentou-se na
cama. Em seu país, as mulheres eram propriedades, posses. Fracas. Instrumentos
de prazer. Escravas para serem negociadas como gado. E sabiam qual era o lugar
delas. Mas ali, na Europa, elas fingiam ter uma força e uma independência que o
divertiam e excitavam ao mesmo tempo. Forçá-las à submissão física era uma
gratificação que ele sempre apreciava.
Agora, a despeito do contentamento sexual, o Hassassin percebia que um outro
apetite crescia dentro dele. Ele matara na noite anterior, matara e mutilara, e para
ele matar era como heroína, cada ocasião satisfazendo-o apenas temporariamente
antes de aumentar sua ânsia por mais. A animação da véspera havia passado. O
desejo ardente estava de volta.
Analisou a mulher adormecida perto dele. Correndo a palma da mão por seu
pescoço, excitou-o saber que poderia acabar com a vida dela em um instante. Que
importância isso teria? Ela era subumana, apenas um veículo de prazer e serviços.
Seus dedos fortes envolveram a garganta dela, saboreando sua pulsação delicada.
Então, lutando contra o desejo, ele retirou a mão. Tinha um trabalho a fazer.
Servir a uma causa mais elevada que seu próprio desejo.
Saiu da cama e exultou com a honra da tarefa que o aguardava. Ainda não era
capaz de avaliar a influência desse homem chamado Janus e da antiga
fraternidade que ele comandava.
Maravilhava-se com o fato de ter sido escolhido por essa fraternidade. De alguma
forma, conheciam seu ódio e suas habilidades. Como, ele nunca saberia. Suas
raízes estendem-se até muito longe.
Haviam concedido a ele a honra máxima. Ele seria suas mãos e sua voz. Seu
assassino e seu mensageiro. Aquele a que seu povo chamava de Malak al-haq, o
Anjo da Verdade.
CAPÍTULO 19
O laboratório de Vetra era extremamente futurístico.
Todo branco e rodeado por todos os lados de computadores e equipamento
eletrônico especializado, lembrava uma sala de cirurgia. Langdon perguntava a si
mesmo que segredos aquele lugar guardaria que justificassem alguém arrancar o
olho de uma pessoa para entrar ali.
Kohler mostrava-se apreensivo, esquadrinhando o ambiente como se procurasse
um intruso.
Mas o laboratório estava deserto. Vittoria também se movia devagar, parecendo
desconhecer o laboratório sem seu pai.
A atenção de Langdon concentrou-se imediatamente no centro do aposento, onde
uma série de colunas baixas erguia-se do chão. Como uma miniatura de
Stonehenge, umas 10 ou 12 colunas de aço polido formavam um círculo no meio
da sala. Tinham cerca de 90 centímetros de altura, semelhantes às que os museus
utilizam para expor pedras preciosas. Aquelas colunas, porém, não se destinavam
a jóias valiosas.
Cada uma servia de apoio a um tubo transparente do tamanho aproximado de uma
lata de bolas de tênis.
Aparentemente, os tubos estavam vazios.
Kohler olhou para os tubos com um ar de incompreensão. Pareceu ter decidido
ignorá-los a princípio.
Voltou-se para Vittoria:
- Alguma coisa foi roubada?
- Roubada? Como? - argumentou ela. - O scanner de retina só permite a nossa
entrada.
- Dê uma olhada.
Vittoria suspirou e correu os olhos pela sala durante uns poucos momentos. Deu
de ombros.
- Tudo está como meu pai sempre deixa. Um caos ordenado.
Langdon via que Kohler pesava suas opções, como se avaliasse até que ponto
levar Vittoria e o que deveria contar-lhe. E que mais uma vez resolvera adiar a
decisão. Moveu sua cadeira de rodas para o centro da sala e examinou o
misterioso agrupamento de tubos supostamente vazios.
- Segredos - disse ele finalmente - são um luxo que não podemos mais nos
permitir.
Vittoria inclinou a cabeça assentindo, de repente parecendo emocionada, como se
estar ali lhe trouxesse um mar de lembranças.
Dê um minuto a ela, pensou Langdon.
Preparando-se para o que ia revelar, Vittoria fechou os olhos e respirou fundo. E
respirou fundo mais uma vez. E outra vez...
Langdon observava-a, começando a ficar preocupado. Será que ela está passando
bem? Relanceou os olhos para Kohler, que se mostrava imperturbável, talvez por
já ter presenciado aquele ritual antes.
Passaram-se dez segundos até Vittoria reabrir os olhos. A metamorfose foi
incrível. Vittoria Vetra transformara-se. Seus lábios cheios descontraíram-se, os
ombros relaxaram-se, o olhar suavizou-se. Tinha-se a impressão de que ela
realinhara todos os músculos de seu corpo para aceitar a situação. O clarão de
ressentimento e angústia apagara-se de alguma forma sob uma frieza de águas
profundas.
- Por onde começar... - disse ela, imperturbável, com seu sotaque.
- Pelo começo - pediu Kohler. - Conte-nos sobre as experiências de seu pai.
- Alinhar a ciência com a religião sempre foi o sonho da vida de meu pai - disse
Vittoria. - Ele esperava provar um dia que ciência e religião são dois campos
totalmente compatíveis, duas abordagens diferentes para se encontrar a mesma
verdade. - Fez uma pausa, como se mal acreditasse no que iria dizer a seguir. - E,
recentemente, ele concebeu um modo de fazer isto.
Kohler não fez nenhum comentário.
- Ele arquitetou um invento com que tinha esperanças de resolver um dos
conflitos mais amargos da história da ciência e da religião.
Langdon perguntou-se que conflito seria esse. Havia tantos.
- O criacionismo - declarou Vittoria. - A batalha sobre como surgiu o universo.
Ah, pensou Langdon, o Grande Debate.
- A Bíblia, é claro, afirma que Deus criou o universo - explicou. - Deus disse:
"Faça-se a luz" e tudo o que vemos surgiu de um grande vazio. Infelizmente, uma
das leis fundamentais da Física declara que a matéria não pode ser criada do nada.
Langdon já lera sobre esse impasse. A idéia de que Deus supostamente criara
"algo do nada" era totalmente contrária às leis aceitas pela Física moderna e,
portanto, alegavam os cientistas, o Gênese era cientificamente absurdo.
- Senhor Langdon - disse Vittoria, voltando-se para ele. - Presumo que conheça a
Teoria do Big-Bang?
- Mais ou menos.
O que ele sabia sobre o Big-Bang é que era o modelo cientificamente aceito para
explicar a criação do universo. Não o compreendia realmente, mas, de acordo com
a teoria, um único ponto de energia intensamente concentrada estourava em uma
explosão cataclísmica, expandindo-se para formar o universo.
Ou algo assim.
Vittoria continuou.
- Quando a Igreja Católica apresentou pela primeira vez a Teoria do Big-Bang em
1927, o...
- Desculpe! - Langdon interrompeu, antes que pudesse se conter. - Disse que o
Big-Bang foi uma idéia católica?
A pergunta surpreendeu Vittoria.
- Claro. Apresentada por um monge católico, Georges Lemaitre, em 1927.
- Mas eu pensei... - ele hesitou. - A Teoria do Big-Bang não foi apresentada por
um astrônomo de Harvard, Edwin Hubble?
Kohler fechou a cara.
- Mais uma vez, a arrogância científica dos norte-americanos. Hubble publicou
seu trabalho em 1929, dois anos depois de Lemaitre.
Langdon zangou-se.
O telescópio chama-se Hubble, senhor, e nunca ouvi falar de nenhum telescópio
Lemaitre!
- O senhor Kohler tem razão - disse Vittoria -, a idéia pertenceu a Lemaitre.
Hubble somente a comprovou reunindo as provas de que o Big-Bang era
cientificamente provável.
- Ah - disse Langdon, imaginando se os fanáticos por Hubble no Departamento de
Astronomia de Harvard alguma vez mencionavam Lemajtre em suas palestras.
- Quando Lemaitre apresentou pela primeira vez a Teoria do Big-Bang - Vittoria
prosseguiu -, os cientistas afirmaram que era absolutamente ridícula. A matéria,
dizia a ciência, não podia ser criada a partir do nada.
Assim, quando Hubble chocou o mundo provando cientificamente que o Big-
Bang era verdade, a Igreja cantou vitória, alardeando isso como prova de que a
Bíblia era cientificamente correta. A verdade divina.
Langdon balançou a cabeça concordando e agora escutando com toda a atenção.
- É claro que não agradou nada aos cientistas ver suas descobertas usadas pela
Igreja para promover a religião, de modo que imediatamente "matematizaram" a
Teoria do Big-Bang, removeram-lhe todas as implicações religiosas e tomaram-na
para si. Lamentavelmente, para a ciência, suas equações ainda hoje têm uma séria
deficiência que a Igreja gosta de apontar.
Kohler resmungou:
- A singularidade. - Ele pronunciou a palavra como se aquilo fosse a maldição de
sua existência.
- Sim, a singularidade - repetiu Vittoria. - O exato momento da criação. A hora
zero. Até hoje, a ciência não conseguiu compreender o momento inicial da
criação. Nossas equações explicam o universo inicial com bastante eficiência,
mas, quando recuamos no tempo e nos aproximamos da hora zero, nossa
matemática se desintegra e tudo deixa de ter sentido.
- Correto - disse Kohler, mordaz. - E a Igreja sustenta que essa deficiência é a
prova do miraculoso envolvimento de Deus. Vá direto ao ponto.
A expressão de Vittoria ficou distante.
- Meu pai sempre acreditou no envolvimento de Deus no Big-Bang. Embora a
ciência fosse incapaz de compreender o divino momento da criação, ele
acreditava que algum dia isso aconteceria. - Ela se encaminhou para uma frase
impressa em papel pregada na parede da área de trabalho de seu pai. - Meu pai
costumava abanar este papel diante de meu rosto toda vez que eu tinha dúvidas.
Langdon leu a mensagem:
A CIÊNCIA E A RELIGIÃO NÃO ESTÃO EM DESACORDO. É QUE
A CIÊNCIA AINDA É MUITO JOVEM PARA COMPREENDER.
- Meu pai queria levar a ciência a um nível mais elevado, um nível em que a
ciência corroborasse o conceito de Deus. - Ela passou a mão pelo cabelo
comprido com ar melancólico. - Resolveu dedicar-se a algo que nenhum cientista
jamais pensara em realizar. E que ninguém até então tivera tecnologia para
realizar. - Fez uma pausa, sem saber muito bem como pronunciar as palavras
seguintes. - Ele criou uma experiência para provar que o Gênese era possível.
Provar o Gênese?, pensou Langdon. Que se faça a luz? Matéria a partir do nada?
O olhar mortiço de Kohler cruzou a sala.
- Como disse?
- Meu pai criou um universo.., a partir do nada.
Kohler virou a cabeça em todas as direções.
- O quê?
- Ou melhor, ele recriou o Big-Bang.
Kohler parecia prestes a ficar de pé.
Langdon estava oficialmente perdido. Criar um universo? Recriar o Big-Bang?
- Foi feito em muito menor escala, evidentemente - disse Vittoria, agora falando
mais depressa. - O processo era extremamente simples. Ele acelerou dois feixes
de partículas ultrafinas em direções opostas no tubo acelerador. Os dois feixes
colidiram de frente a uma extraordinária velocidade, entrando um pelo outro e
comprimindo toda a sua energia em um único ponto. Assim, ele conseguiu obter
densidades extremas de energia.
Ela começou a citar uma longa sucessão de unidades e os olhos do diretor se
arregalaram.
Langdon esforçava-se para acompanhar o assunto.
Quer dizer que Leonardo Vetra estava simulando o ponto comprimido de energia
a partir do qual o universo supostamente nasceu.
- O resultado - disse Vittoria - foi nada mais nada menos do que maravilhoso.
Quando for publicado, vai abalar a própria estrutura da Física moderna.
- Ela passou a falar devagar, saboreando a dimensão daquilo que estava
revelando. - De repente, dentro do tubo do acelerador, desse ponto de energia
altamente concentrada, partículas de matéria começaram a aparecer do nada.
Kohler não esboçava qualquer reação, olhava para ela estático.
- Matéria - repetiu Vittoria. - Brotando do nada. Um incrível espetáculo de fogos
de artifício subatômicos.
Um universo em miniatura desabrochando para a vida. Meu pai não só provou
que a matéria pode ser criada do nada, como demonstrou que o Big-Bang e o
Gênese podem ser explicados se simplesmente aceitarmos a presença de uma
imensa fonte de energia.
- Você quer dizer Deus? - perguntou Kohler.
- Deus, Buda, A Força, Iavé, a singularidade, o ponto de unicidade, chame como
quiser, o resultado é o mesmo. Ciência e religião apóiam a mesma verdade: a
energia pura é a mãe da criação.
Quando Kohler finalmente falou, sua voz era soturna.
- Vittoria, você me deixou perdido. Será que está mesmo me dizendo que seu pai
criou matéria.., a partir do nada?
- Estou. - Vittoria apontou para os tubos. - A prova está ali. Naqueles tubos, há
espécimes da matéria que ele criou.
Kohler tossiu e dirigiu-se para os tubos como um animal desconfiado rodeando
alguma coisa que, por instinto, pressente não ser boa.
- Eu devo ter perdido alguma parte da sua explicação - disse ele. - Como quer que
eu acredite que esses tubos contêm partículas de matéria criada por seu pai?
Poderiam ser partículas vindas de qualquer lugar.
- Na verdade - disse Vittoria, confiante -, não poderiam. Essas partículas são
únicas. São um tipo de matéria que não existe em nenhum lugar da Terra,
portanto, só poderiam ter sido criadas.
O rosto de Kohler tornou-se sombrio.
-Vittoria, o que quer dizer com "um tipo de matéria"? Só existe um tipo, e...
- Kohler parou de falar.
Vittoria tinha uma expressão triunfante no rosto.
- O senhor mesmo falou sobre o assunto em suas palestras, diretor. O universo
contém dois tipos de matéria. É um fato científico. - Vittoria voltou-se para
Langdon. - Senhor Langdon, o que a Bíblia diz sobre a criação? O que Deus
criou?
Langdon ficou embaraçado, sem saber o que aquilo tinha a ver com a questão.
- Humm, Deus criou.., luz e trevas, céu e inferno...
- Exato - interrompeu Vittoria. Deus criou tudo em opostos. Em simetria. Em
perfeito equilíbrio. - Voltou-se novamente para Kohler. - Diretor, a ciência afirma
o mesmo que a religião, que o Big-Bang criou tudo no universo com um oposto.
- Inclusive a própria matéria - Kohler murmurou, como se falasse para si mesmo.
Vittoria balançou a cabeça.
- E quando meu pai realizou essa experiência, indiscutivelmente, dois tipos de
matéria apareceram.
Langdon especulava o que isso significaria. Leonardo Vetra criou o oposto da
matéria?
Kohler parecia zangado.
- A substância a que você se refere só existe em algum outro lugar do universo.
Certamente não na Terra. E possivelmente nem na nossa galáxia!
- Exatamente - replicou Vittoria. - O que prova que as partículas que estão nesses
tubos teriam de ser criadas.
O rosto de Kohler endureceu.
- Vittoria, você não pode estar dizendo que esses tubos contêm espécimes de
verdade?
- Estou - e ela olhou com orgulho para os tubos. - Diretor, o senhor está diante dos
primeiros espécimes do mundo de antimatéria.
CAPÍTULO 20
Fase dois, pensou o Hassassin, caminhando a passos largos pelo túnel escuro.
A tocha na mão dele era um exagero, ele sabia. Mas servia para causar efeito.
Efeito era tudo. O medo, aprendera, era seu aliado. O medo mutila mais depressa
do que qualquer implemento de guerra.
Não havia nenhum espelho no caminho para ele apreciar seu disfarce, mas, pela
sombra ondulante do manto, dava para perceber que estava perfeito. Misturar-se
às pessoas fazia parte do plano, parte da depravação da intriga. Em seus sonhos
mais loucos, jamais imaginara desempenhar aquele papel.
Duas semanas antes, teria considerado a tarefa que o esperava no final daquele
túnel como sendo impossível. Uma missão suicida. Entrar desarmado no covil do
leão. Mas Janus transformara a definição de impossível.
Os segredos que Janus partilhara com o Hassassin nas duas últimas semanas
haviam sido muitos - aquele túnel era um deles. Antigo, mas ainda perfeitamente
usável.
À medida que se aproximava de seu inimigo, o Hassassin ponderava se o que o
esperava lá dentro seria mesmo tão fácil quanto Janus prometera. Janus garantira
que alguém no interior faria os arranjos necessários. Alguém no interior. Incrível.
Quanto mais refletia, mais chegava à conclusão de que seria brincadeira de
criança.
Wahad... tintain... thalatha... arbaa, disse para si mesmo em árabe ao se aproximar
do final. Um...dois... três... quatro...

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