quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CAPÍTULO 21
- Imagino que já tenha ouvido falar de antimatéria, não é, senhor Langdon?
- Vittoria estudava-o, sua pele morena contrastando nitidamente com a brancura
do laboratório.
Langdon levantou a cabeça. Estava bastante zonzo.
- Sim, isto é, mais ou menos.
Um ligeiro sorriso aflorou-lhe aos lábios.
- O senhor vê Jornada nas Estrelas.
Langdon enrubesceu.
- Bem, meus alunos gostam... - Ele franziu a testa. - Antimatéria é o combustível
da Enterprise?
Ela concordou com um gesto.
- A boa ficção científica tem suas raízes na boa ciência.
- Quer dizer que existe antimatéria?
- Um fato da natureza. Tudo tem seu oposto. Os prótons têm os elétrons. Os upquarks
têm os down-quarks. Há uma simetria cósmica no nível subatômico. A
antimatéria é o yin do yang da matéria. Equilibra a equação física.
Langdon lembrou Galileu e sua crença na dualidade.
- Os cientistas sabem desde 1918 - explicou ela - que dois tipos de matéria foram
criados no Big-Bang. Um deles é o que vemos aqui na Terra, formando rochas,
árvores, pessoas. O outro é o inverso, idêntico à matéria em todos os sentidos,
exceto que as cargas de suas partículas são invertidas.
Kohler falou como se emergisse de um nevoeiro, a voz instável.
- Existem enormes barreiras tecnológicas para se armazenar antimatéria. E quanto
à neutralização?
- Meu pai criou um vácuo de polaridade inversa para puxar os pósitrons de
antimatéria para fora do acelerador antes que se desintegrassem.
Kohler objetou.
- Mas o vácuo também puxaria a matéria para fora. Não haveria como separar as
partículas.
- Ele aplicou um campo magnético. A matéria arqueia-se para a direita, a
antimatéria, para a esquerda. Têm polaridades opostas.
Naquele instante, abriu-se uma brecha na muralha de dúvidas de Kohler. Ele
levantou os olhos para Vittoria claramente espantado e, em seguida, foi tomado
por um acesso de tosse.
- Ina... credi... tável - disse, enxugando a boca. - No entanto... - parecia que sua
lógica ainda resistia -, mesmo que o vácuo funcionasse, esses tubos são feitos de
matéria. A antimatéria não pode ser armazenada dentro de tubos feitos de matéria.
A antimatéria reagiria de imediato com...
- O espécime não está tocando o tubo - disse Vittoria, que já devia esperar a
pergunta. - A antimatéria está suspensa. Os tubos são chamados de "armadilhas de
antimatéria" porque literalmente prendem a antimatéria no centro do tubo,
suspendendo-a a uma distância segura das laterais e do fundo.
- Suspensa? Mas... como?
- Na interseção de dois campos magnéticos. Venha, dê uma olhada aqui.
Vittoria atravessou a sala e apanhou um grande aparelho eletrônico. Lembrou a
Langdon uma espécie de pistola luminosa para projetar desenhos animados: um
cano largo parecido com o de um canhão, um visor no topo e um emaranhado de
dispositivos eletrônicos pendurado atrás. Vittoria alinhou o visor com um dos
tubos, olhou pela lente e calibrou alguns botões. Depois, afastou-se para Kohler
poder olhar. Este perguntou, pasmo:
- Vocês coletaram porções visíveis?
- Cinco mil nanogramas - respondeu Vittoria. - Plasma líquido contendo milhões
de pósitrons.
- Milhões? Mas umas poucas partículas foi tudo o que já se detectou... em
qualquer lugar.
- Xenônio - disse Vittoria, categórica. - Ele acelerou um feixe de partículas
através de um jato de xenônio, separando os elétrons. Insistia em manter em
segredo o procedimento exato, mas este implicava injetar simultaneamente
elétrons puros no acelerador.
Langdon estava perdido, tinha a impressão de que não falavam mais a mesma
língua.
Kohler parou, as linhas de sua testa aprofundando-se. Súbito, prendeu
rapidamente a respiração e seus ombros se curvaram, como se tivesse sido
atingido por uma bala.
- Tecnicamente, isso deixaria...
Vittoria sacudiu a cabeça.
- É. Um bocado.
Kohler voltou a atenção para o tubo diante dele. Vacilante, ergueu o corpo
na cadeira e colocou um olho no visor. Ficou olhando durante muito tempo sem
dizer palavra. Quando afinal se sentou, sua testa estava coberta de suor. As linhas
em seu rosto haviam desaparecido. Sua voz era um sussurro.
- Meu Deus... Você conseguiu mesmo.
Vittoria corrigiu-o.
- Meu pai conseguiu.
- Nem sei o que dizer.
Vittoria virou-se para Langdon.
- Gostaria de dar uma espiada? - E fez um gesto para o aparelho.
Sem saber o que tinha pela frente, Langdon aproximou-se. A dois passos de
distância, o tubo parecia vazio. O que quer que houvesse lá dentro, era diminuto.
Ele encostou o olho no visor. Levou um instante até a imagem entrar em foco.
Então, ele viu. O objeto não estava no fundo do recipiente como ele esperava, mas
flutuando no meio, suspenso no ar, um glóbulo tremeluzente de um líquido
parecido com mercúrio. Pairando como em um passe de mágica, o líquido
agitava-se no espaço. Pequenas ondulações metálicas percorriam a superfície da
gotícula. O fluido em suspensão trouxe à mente de Langdon um vídeo em que vira
uma gota de água em gravidade zero. Mesmo sabendo que o glóbulo era
microscópico, podia acompanhar cada mudança de forma à medida que a bola de
plasma ia se movimentando vagarosamente.
- Está flutuando - disse.
- É bom que esteja - replicou Vittoria. - A antimatéria é altamente instável.
Do ponto de vista energético, a antimatéria é a imagem espelhada da matéria, de
modo que as duas instantaneamente se cancelam uma à outra se entram em
contato. Manter a antimatéria isolada da matéria é sem dúvida um desafio, porque
tudo na Terra é feito de matéria. As amostras têm de ser guardadas sem jamais
tocarem qualquer coisa, até o ar.
Langdon estava admirado. Imagine trabalhar no vácuo.
- Esses recipientes da antimatéria - interrompeu Kohler, deslizando um dedo
pálido em volta de uma das bases -, foi seu pai quem os projetou?
- Não, na verdade, fui eu.
Kohler encarou-a.
A voz dela soava despretensiosa.
- Meu pai produziu as primeiras partículas de antimatéria, mas viu-se em apuros
para armazená-las. Eu sugeri esses recipientes. Cápsulas herméticas
nanocompósitas com eletromagnetos opostos em cada extremidade.
- Parece que a genialidade de seu pai passou para você.
- Na verdade, não. Tirei a idéia da natureza. As caravelas, ou águas-vivas,
capturam peixes entre seus tentáculos usando cargas de líquido urticante de
nematocistos. Temos o mesmo princípio aqui. Cada tubo tem dois eletroímãs, um
em cada extremidade. Seus campos magnéticos opostos cruzam-se no centro do
tubo e mantêm a antimatéria ali, suspensa no vácuo.
Langdon voltou-se mais uma vez para o tubo. Antimatéria flutuando no vácuo,
sem tocar coisa alguma.
Kohler tinha razão. Era genial.
- Onde está a fonte de energia para os ímãs? - perguntou Kohler.
Vittoria apontou.
- Na coluna que fica embaixo de cada tubo. Os tubos são aparafusados em
módulos de acoplamento que os recarregam continuamente, de modo que os
magnetos nunca param de funcionar.
- E se o campo magnético parar de funcionar?
- Acontece o óbvio. A antimatéria cai, atinge o fundo do tubo e dá-se um
aniquilamento.
Langdon apurou os ouvidos e repetiu:
- Aniquilamento? - A palavra não lhe soava nada bem.
Vittoria não demonstrava preocupação.
- Sim. Se a antimatéria e a matéria entram em contato uma com a outra, ambas
são destruídas instantaneamente. Os físicos chamam a esse processo de
aniquilamento, ou desmaterialização.
-Ah.
- É a reação mais simples da natureza, uma partícula de matéria e uma partícula
de antimatéria combinam-se para liberar duas novas partículas, chamadas fótons.
Um fóton é na verdade uma diminuta chispa de luz.
Langdon já lera sobre fótons - partículas de luz -, a mais pura forma de energia.
Resolveu não perguntar sobre o uso de torpedos de fótons pelo capitão Kirk
contra os Klingons.
- Então, se a antimatéria cair, vemos uma minúscula centelha de luz?
- Depende do que chama de minúscula. Veja, vou mostrar como é.
E ela começou a desatarraxar um dos tubos da coluna condutora de eletricidade
que o mantinha carregado.
Kohler deu um grito apavorado e atirou-se para a frente, empurrando as mãos
dela.
- Vittoria! Você enlouqueceu?!
CAPÍTULO 22
Kohler, por incrível que pudesse parecer, ficou de pé por um momento,
cambaleando nas duas pernas atrofiadas. Seu rosto estava branco de medo.
- Vittoria! Você não pode tirar esse tubo daí!
O pânico repentino do diretor assustou Langdon.
- Quinhentos nanogramas! - exclamou Kohler. - Se você interromper o campo
magnético...
- Diretor - Vittoria tranqüilizou-o -, é totalmente seguro. Cada tubo tem um
dispositivo de segurança, uma bateria própria para o caso de ser removido de seu
recarregador. O espécime continua em suspensão mesmo que eu tire o tubo da
coluna.
Kohler não parecia muito convencido. Depois, hesitante, instalou-se de volta na
cadeira.
- As baterias são ativadas automaticamente - continuou Vittoria - quando o tubo é
retirado do recarregador.
Funcionam durante 24 horas. Como um tanque de reserva de gasolina. - Ela se
virou para Langdon, percebendo sua preocupação. - A antimatéria tem algumas
características surpreendentes, senhor Langdon, que a tornam um bocado
perigosa. Calcula-se que uma amostra de dez miligramas, do tamanho de um grão
de areia, contenha tanta energia quanto umas 200 toneladas de combustível
comum de foguetes.
A cabeça de Langdon estava girando outra vez.
- É a fonte de energia do futuro. Mil vezes mais poderosa do que a energia
nuclear. Cem por cento eficiente. Sem produzir derivados, subprodutos. Sem
produzir radiação. Sem produzir poluição. Alguns gramas bastariam para suprir e
energia uma grande cidade durante uma semana.
Gramas? Langdon recuou alguns passos, inquieto.
- Não se preocupe - repetiu Vittoria. - Essas amostras são frações minúsculas de
um grama, milionésimos.
Relativamente inofensivas. - Ela estendeu a mão novamente para o tubo e
desencaixou-o de sua plataforma de recarregamento.
Kohler estremeceu ligeiramente, mas não interferiu. Quando o tubo foi solto,
ouviu-se um bipe agudo e acendeu-se um pequeno mostrador luminoso perto da
sua base. Os dígitos vermelhos piscavam, em uma contagem regressiva de 24
horas.
24:00:00...
23:59:59...
23:59:58...
Inquietante como uma bomba-relógio, pensou Langdon, acompanhando a
seqüência descendente dos números.
- A bateria - explicou Vittoria - vai funcionar durante 24 horas completas antes de
acabar. Para recarregá-la, basta colocar o tubo de volta no lugar. Foi projetada
como medida de segurança, mas também é conveniente para transporte.
- Transporte? - Kohler parecia ter sido fulminado por um raio. - Você leva isso
para fora do laboratório?
- Claro que não - disse Vittoria. - Mas a mobilidade nos permite estudá-lo.
Vittoria levou os dois para a extremidade da sala, puxou uma cortina atrás da qual
havia uma janela, que por sua vez revelou um amplo quarto. As paredes, o piso e
o teto haviam sido inteiramente revestidos de aço. Langdon lembrou-se do tanque
de um petroleiro em que viajara para Papua, Nova Guiné, para estudar a pintura
corporal Hanta.
- É um tanque de aniquilamento - declarou Vittoria.
Kohler levantou a cabeça.
- Você consegue observar de fato os aniquilamentos?
- Meu pai era fascinado pela física do Big-Bang. Uma enorme quantidade de
energia vinda de minúsculos grãos de matéria. - Vittoria puxou uma gaveta de aço
embutida sob a janela. Colocou o tubo dentro dela e fechou-a. Em seguida, moveu
uma alavanca ao lado da gaveta. Logo depois, o tubo apareceu do outro lado do
vidro, deslizando suavemente em um amplo movimento circular pelo chão de
metal até parar perto do centro do aposento.
Vittoria deu um sorriso tenso.
- Vocês estão prestes a assistir a seu primeiro aniquilamento matéria-antimatéria.
Alguns milionésimos de grama. Uma amostra relativamente minúscula.
Langdon olhou para o tubo de antimatéria pousado no chão do enorme tanque.
Kohler também se virou para a janela, com ar de incerteza.
- Normalmente - explicou Vittoria -, teríamos de esperar as 24 horas completas
até a bateria acabar, mas esta câmara tem ímãs sob o piso que podem anular o
efeito da bateria, fazendo a antimatéria sair do estado de suspensão. E, quando
matéria e antimatéria se tocam...
- Aniquilamento - murmurou Kohler.
- Mais uma coisa - disse ela. - A antimatéria libera energia pura. É 100 por cento
de conversão de massa em fótons. Por isso, não olhem diretamente para a
amostra. Protejam os olhos.
Langdon costumava ser cuidadoso, mas achou que Vittoria estava sendo teatral
demais. Não olhem direto para a amostra! O tubo encontrava-se a mais de 30
metros de distância, atrás de uma parede de plexiglas fumê. Além do mais, a
partícula nem se enxergava dentro do tubo, invisível, microscópica.
Proteger meus olhos? O quanto de energia aquele grãozinho poderia... Vittoria
apertou um botão.
E a claridade cegou Langdon instantaneamente. Um ponto brilhante de luz
cintilou no tubo e depois explodiu para fora em uma onda de choque de luz que se
irradiou em todas as direções, indo de encontro à janela diante dele com uma
força tremenda. Ele recuou quando a detonação sacudiu a câmara. A luz ofuscou
por um momento, incandescente, cortante, e depois se recolheu depressa,
absorvendo-se em si mesma e transformando-se em um cisco diminuto que
desapareceu, virou um nada. Langdon piscou, com dor, aos poucos recuperando a
visão. Apertou os olhos. O tubo que estivera no chão desaparecera
completamente. Evaporara-se. Não havia sequer vestígio dele.
Boquiaberto, ele exclamou:
-D... Deus!
Vittoria balançou tristemente a cabeça.
- Era exatamente o que meu pai dizia.
CAPÍTULO 23
Kohler estava voltado para a câmara de aniquilamento, completamente
embasbacado com o espetáculo que acabara de presenciar. Ao lado dele, Robert
Langdon parecia ainda mais estupefato.
- Quero ver meu pai - exigiu Vittoria. - Já lhe mostrei o laboratório. Agora, quero
ver meu pai.
Kohler virou-se devagar, aparentemente não a escutando.
- Por que esperaram tanto, Vittoria? Você e seu pai deveriam ter-me contado logo
sobre essa descoberta.
Vittoria encarou-o. Quantas razões quer que eu apresente?
- Diretor, podemos falar sobre isso mais tarde. Neste momento, quero ver meu
pai.
- Sabe o que essa tecnologia implica?
- Claro - respondeu ela, ríspida. - Dinheiro para o CERN. Muito. Agora, quero...
- Foi por isso que mantiveram segredo? - perguntou Kohler, claramente tentando
fazê-la engolir a isca. - Porque temiam que o conselho e eu votássemos para que
fosse licenciada?
- Deveria ser licenciada -Vittoria disparou de volta, sentindo-se obrigada a
discutir. - A antimatéria é uma tecnologia importante. Mas também é perigosa.
Meu pai e eu queríamos tempo para aperfeiçoar os procedimentos e torná-la
segura.
- Ou seja, vocês não confiaram que o conselho de diretores colocasse a ciência
prudente antes da ganância financeira.
Vittoria surpreendeu-se com a indiferença no tom de voz dele.
- Havia ainda outras questões a considerar - disse ela. - Meu pai e eu queríamos
apresentar a antimatéria sob uma luz adequada.
- O que quer dizer, exatamente...?
O que ele acha que quero dizer?
- Matéria vinda da energia? Algo vindo do nada? É praticamente uma prova de
que o Gênese é uma possibilidade científica.
- Então, seu pai não queria que as implicações da descoberta se perdessem em
uma investida furiosa de comercialismo?
- De certa forma, é isso mesmo.
- E você?
As preocupações dela, ironicamente, eram um tanto contrárias. O comercialismo
era crucial para o sucesso de qualquer nova fonte de energia. Embora a
antimatéria tivesse um tremendo potencial como fonte de energia eficiente e nãopoluente,
se fosse divulgada prematuramente corria o risco de ser difamada pelos
políticos e sofrer os mesmos fracassos de relações públicas que haviam arrasado
com as energias nuclear e solar. A energia nuclear proliferara antes de se tornar
segura, e tinham acontecido acidentes. A energia solar proliferara antes de se
tornar eficiente e muita gente perdera dinheiro. As duas tecnologias haviam
adquirido má reputação e murchado antes de serem colhidas.
- Meus interesses - disse Vittoria - eram um pouco menos elevados do que o de
unir ciência e religião.
- O meio ambiente - sugeriu Kohler, confiante.
- Energia ilimitada. O fim da mineração de carvão de superfície. O fim da
poluição. Da radiação. A tecnologia da antimatéria poderia salvar o planeta.
- Ou destruí-lo - objetou Kohler, sarcástico. - Dependendo de quem o usasse e
para quê. - Uma frieza emanava das formas aleijadas de Kohler.
- Quem mais sabia disso? - perguntou ele.
- Ninguém - Vittoria responde. - Já lhe disse.
- Então, por que acha que mataram seu pai?
Os músculos de Vittoria se retesaram.
- Não tenho a menor idéia. Ele tinha inimigos aqui no CERN, como sabe, mas não
poderia haver nenhuma ligação com a antimatéria. Juramos um ao outro manter
sigilo durante mais alguns meses até estarmos devidamente preparados.
- E você tem certeza de que seu pai manteve esse voto de silêncio?
Vittoria zangou-se.
- Meu pai soube manter votos mais difíceis do que esse!
- E você não contou a ninguém?
- Claro que não!
Kohler deixou escapar um suspiro. Fez uma pausa, como se tivesse escolhendo as
palavras seguintes com cuidado.
- Vamos supor que alguém tenha descoberto. E que tenha conseguido entrar no
laboratório. O que você imagina que essa pessoa poderia querer? Seu pai
guardava anotações aqui embaixo? Alguma documentação sobre o processo
criativo?
- Diretor, fui muito paciente. Preciso de algumas respostas agora. O senhor
continua falando sobre uma invasão do laboratório mesmo tendo visto o scanner
de retina. Meu pai era muito atento à segurança e ao sigilo.
- Seja um pouco mais tolerante comigo - replicou Kohler, espantando-a.
- O que poderia estar faltando?
- Não tenho noção. - Irritada, Vittoria correu os olhos pelo laboratório.
Conferiu todas as amostras de antimatéria. A área de trabalho de seu pai parecia
em ordem. - Ninguém entrou aqui - declarou ela. - Tudo aqui em cima parece
estar bem.
Kohler ficou surpreso.
- Aqui em cima?
Vittoria falara sem pensar.
- É, aqui no laboratório de cima.
- Vocês estão usando o laboratório de baixo também?
- Para armazenamento.
Kohler deslizou sua cadeira na direção dela, tossindo outra vez.
- Você está usando a câmara Haz-Mat para armazenamento? Armazenamento de
quê?
Material perigoso, ora essa! Vittoria estava perdendo a paciência.
- Antimatéria.
Kohler ergueu o corpo apoiando-se nos braços de sua cadeira.
- Existem outros espécimes? Por que diabos não me disse?
- Estou dizendo agora - rebateu ela. - E o senhor mal me deu uma oportunidade!
- Temos de verificar esses espécimes - disse Kohler. - Agora.
- Esse espécime - corrigiu Vittoria. - No singular. E o espécime está bem
guardado. Ninguém jamais poderia...
- Só um? - Kohler hesitou. - E por que não está aqui em cima?
- Meu pai queria que ficasse sob o leito de rocha como precaução. É maior do que
os outros.
Os olhares alarmados que Langdon e Kohler trocaram não passaram
despercebidos por Vittoria. Kohler aproximou-se novamente dela:
- Vocês criaram um espécime maior do que o de quinhentos nanogramas?
- Foi necessário - justificou Vittoria. - Tínhamos de provar que o limiar de
subsídio/rendimento poderia ser cruzado com segurança.
Segundo ela, a questão principal relacionada a novas fontes de combustível era
sempre a de subsídio versus rendimento, ou seja, quanto dinheiro era preciso
gastar para obter o combustível. Instalar uma perfuratriz de petróleo para produzir
um único barril seria um empreendimento perdido. Entretanto, se essa mesma
perfuratriz, com um acréscimo mínimo de despesa, conseguisse produzir milhões
de barris, então o negócio valeria a pena. O mesmo se aplicava à antimatéria.
Ativar 25 quilômetros de eletromagnetos para criar um espécime diminuto de
antimatéria gastava mais energia do que a antimatéria produzida continha. Para
provar que a antimatéria era eficiente e viável, fora necessário criar espécimes de
tamanho maior.
O pai de Vittoria relutara em criar um grande espécime, mas ela insistira muito
que o fizesse. Argumentava que, para a antimatéria ser levada a sério, eles teriam
de provar duas coisas: que era possível produzir quantidades que tornariam o
custo compensador e que os espécimes poderiam ser armazenados com segurança.
No final, ela vencera e o pai concordara a contragosto. Entretanto, não sem
determinar algumas diretrizes firmes com relação a sigilo e acesso. A antimatéria,
seu pai fizera questão, ficaria guardada em Haz-Mat - uma pequena cavidade de
granito localizada a uns 30 metros mais abaixo do solo. Aquele espécime seria seu
segredo particular. E só os dois teriam acesso a ele.
- Vittoria? - insistiu Kohler, a voz tensa. - De que tamanho é esse espécime que
você e seu pai criaram?
Vittoria sentiu um estranho prazer. Sabia que a quantidade iria chocar até mesmo
o grande Maximilian Kohler. Visualizou a antimatéria lá embaixo. Uma imagem
incrível. Suspensa dentro do tubo, perfeitamente visível a olho nu, dançava uma
diminuta esfera de antimatéria. Não se tratava dessa vez de um grão
microscópico. Era uma gotícula do tamanho de uma bateria BB.
Vittoria respirou fundo.
- Tem 250 miligramas.
O sangue fugiu do rosto de Kohler.
- O quê! - Ele teve um acesso de tosse. - Duzentos e cinqüenta miligramas? Isso
se converte em... quase cinco quilotons!
Quilotons. Vittoria detestava aquela palavra. Ela e o pai nunca a usavam. Um
quilotons era igual a 1.000 toneladas de TNT. Quilotons eram para armas.
Mísseis. Poder destrutivo. Vittoria e seu pai só falavam de elétron-volts e joules,
produção construtiva de - Essa quantidade de antimatéria pode literalmente
liquidar tudo em um raio de quase um quilômetro! - exclamou Kohler.
- Sim, se for aniquilada toda de uma vez - revidou Vittoria -, o que ninguém
jamais fará!
- Exceto quem não tenha conhecimento disso! Ou se as suas baterias falharem!
Kohler já se dirigia para o elevador.
- Razão por que meu pai a mantinha em Haz-Mat com dispositivos de energia à
prova de falhas e um sistema de segurança a mais.
Kohler virou-se, esperançoso.
- Vocês têm segurança adicional em Haz-Mat?
- Sim, um segundo scanner de retina.
Kohler só pronunciou três palavras.
- Vamos descer. Agora.
O elevador de carga despencou como uma pedra mais trinta metros para dentro da
terra.
Vittoria percebeu que havia medo nos dois homens à medida que o elevador
descia. O rosto habitualmente impassível de Kohler estava retesado. Eu sei que o
espécime é enorme, pensou ela, mas as precauções que tomamos são...
Chegaram ao fundo.
O elevador se abriu e Vittoria saiu na frente pelo corredor mal iluminado.
Adiante, o corredor terminava em uma grande porta de aço. Haz-Mat. O scanner
de retina era idêntico ao do andar de cima. Ela se aproximou.
Com cuidado, alinhou seu olho com a lente.
E recuou. Algo estava errado. A lente em geral imaculada estava respingada,
manchada com alguma coisa que se parecia com.., sangue? Confusa, ela se virou
para os dois homens e deu com seus rostos cor de cera. Tanto Kohler quanto
Langdon estavam pálidos, os olhos fixos no chão perto dos pés dela.
Vittoria acompanhou a direção do olhar deles...
- Não! - gritou Langdon, inclinando-se para ela. Mas era tarde demais.
A visão de Vittoria ficou presa ao objeto no chão. Era-lhe ao mesmo tempo
totalmente estranho e intimamente familiar.
Levou apenas um instante.
Então, com uma sensação vertiginosa de horror, ela soube o que era. Olhando-a
do chão, atirado ali como se fosse lixo, havia um globo ocular. Ela teria
reconhecido aquele tom de castanho em qualquer lugar.
CAPÍTULO 24
O técnico de segurança prendeu a respiração quando seu chefe se inclinou por
cima de seu ombro, examinando a bancada de monitores de vigilância diante dos
dois. Passou-se um minuto.
O silêncio do chefe era de se esperar, disse o técnico para si mesmo. O chefe era
um homem que seguia rigidamente o protocolo. Não chegara ao comando de uma
das forças de segurança de elite do mundo por falar primeiro e pensar depois.
Mas o que ele estaria pensando?
O objeto que eles observavam no monitor era um tipo de tubo, um cilindro com
laterais transparentes. Até aí, era fácil. O resto é que era difícil.
Dentro do recipiente, como se por algum efeito especial, uma pequena gota de
líquido metálico parecia flutuar no vazio. A gotícula aparecia e desaparecia com o
piscar da luz vermelha robótica de um mostrador digital marcando uma contagem
resolutamente descendente, o que fazia o técnico se arrepiar todo.
- Dá para clarear o contraste? - perguntou o comandante, fazendo o técnico
sobressaltar-se.
O técnico seguiu a instrução e a imagem clareou um pouco. O comandante
curvou-se para a frente, fixando os olhos em algo que acabara de se tornar visível
na base do recipiente.
O técnico acompanhou o olhar de seu chefe. Quase indistinto, impresso ao lado do
mostrador, havia um acrônimo. Quatro letras maiúsculas brilhavam nos fachos
intermitentes de luz.
- Fique aqui - determinou o comandante. - Não diga nada a ninguém. Eu cuido
disso.
CAPÍTULO 25
Haz-Mat. Cinqüenta metros abaixo do solo.
Vittoria Vetra cambaleou para a frente, quase indo de encontro ao scanner.
Percebeu que o americano se precipitava para ajudá-la, para ampará-la. No chão a
seus pés, o globo ocular de seu pai estava voltado para cima. Ela sentiu a pressão
nos pulmões, o ar escapando. Arrancaram o olho dele! Seu mundo girava em um
redemoinho. Kohler falava perto dela, pressionando-a. Langdon guiava-a. Como
em um sonho, viu-se olhando no scanner de retina. O mecanismo emitiu um bipe.
A porta deslizou e se abriu.
Mesmo com o terror do olho do pai assombrando sua alma, Vittoria pressentiu
que um outro motivo de terror a esperava lá dentro. Quando ergueu o olhar
anuviado para o interior do aposento, confirmou-se o capítulo seguinte do
pesadelo. A solitária coluna de recarga encontrava-se vazia.
O tubo que ficava acoplado à coluna se fora. Haviam cortado o olho de seu pai
para roubá-lo. As implicações vieram depressa demais para que ela as
compreendesse por completo. Tudo resultara contrário ao esperado. O espécime
destinado a provar que a antimatéria era uma fonte de energia segura e viável
havia sido roubado. Mas ninguém sequer sabia que esse espécime existia! A
verdade, contudo, era irrefutável. Alguém descobrira. Ela não conseguia imaginar
quem poderia ser. Até Kohler, que, dizia-se,sabia de tudo no CERN, claramente
desconhecia a existência do projeto.
Seu pai estava morto. Assassinado por ser um gênio.
Enquanto a dor apertava seu coração, uma nova emoção tomava forma na
consciência de Vittoria. Muito pior. Esmagadora. Mortificando-a. Essa emoção
era a culpa. Culpa incontrolável, implacável. Havia sido ela quem convencera o
pai a criar o espécime. A contragosto. E ele morrera por causa disso.
Um quarto de grama...
Como qualquer tecnologia - o fogo, a pólvora, o motor de combustão -, nas mãos
erradas, a antimatéria podia ser nefasta. Muito nefasta. A antimatéria era uma
arma letal. Potente e incontrolável. Uma vez removida de sua plataforma de
recarga no CERN, começaria a inexorável marcação regressiva no contador.
Seria como um trem desgovernado.
E quando o tempo se esgotasse...
Uma luz cegante. O rugido de um trovão. Incineração espontânea. Apenas o
clarão.., e uma cratera vazia.
Uma imensa cratera vazia.
A imagem da serena genialidade de seu pai sendo usada como ferramenta de
destruição era como um veneno em seu sangue. A antimatéria era a arma
terrorista por excelência. Não possuía peças de metal a serem identificadas por
detectores de metal, não continha elementos químicos que pudessem ser
rastreados por cães, não tinha detonador a ser desativado se as autoridades
localizassem o recipiente. A contagem regressiva começara.
Langdon não sabia mais o que fazer. Pegou seu lenço e cobriu com ele o olho de
Leonardo Vetra no chão.
Vittoria parara na entrada da câmara Haz-Mat, no rosto uma mistura de
sofrimento e pânico. Langdon dirigiu-se instintiva- mente para ela outra vez, mas
Kohler interveio.
- Senhor Langdon? - disse ele, a face inexpressiva. Fez sinal para que Langdon se
afastasse para não serem ouvidos. O outro seguiu-o relutante, deixando Vittoria
entregue a si mesma. - O senhor é o especialista - disse Kohler, em um sussurro
enfático. - Quero saber o que esses desgraçados desses Illuminati pretendem fazer
com a antimatéria.
Langdon tentou se concentrar. A despeito de toda a loucura a seu redor, sua
primeira reação foi lógica.
Rejeição acadêmica. Kohler ainda estava fazendo suposições, suposições
impossíveis.
- Os Illuminati estão extintos, senhor Kohler, eu lhe garanto. Esse crime poderia
ter qualquer explicação, talvez um outro funcionário do CERN tenha descoberto
algo sobre o trabalho do senhor Vetra e achado que o projeto seria perigoso
demais para prosseguir.
Kohler admirou-se.
- O senhor acredita que esse seja um crime de consciência, senhor Langdon?
Absurdo. Quem matou Leonardo Vetra queria apenas uma coisa: a amostra de
antimatéria. E sem dúvida tem planos de usá-la.
- Quer dizer, terrorismo.
- Com certeza.
- Mas os Illuminati não eram terroristas.
- Diga isso a Leonardo Vetra.
Havia um fundo de verdade na afirmação. Leonardo Vetra fora de fato marcado a
ferro em brasa com o símbolo dos Illuminati. De onde viera aquilo? A marca
sagrada seria uma mistificação difícil demais para ser usada por alguém que
quisesse despistar lançando as suspeitas em outro lugar. Deveria haver uma outra
explicação.
Mais uma vez, Langdon se viu forçado a considerar o implausível. Se os
Illuminati ainda estivessem ativos e se tivessem roubado a antimatéria, qual seria
a sua intenção? Qual seria o seu alvo? A resposta que sua mente forneceu foi
instantânea. Langdon descartou-a igualmente depressa. É verdade que os
Illuminati tinham um inimigo óbvio, mas um ataque terrorista em larga escala a
esse inimigo era inconcebível. E em total desacordo com o caráter da fraternidade.
Sim, os Illuminati haviam matado pessoas, mas indivíduos, alvos cuidadosamente
escolhidos. Destruição em massa, de certa forma, era algo mais grosseiro.
Langdon fez uma pausa. Entretanto, refletiu, haveria uma eloqüência majestosa
naquilo, a antimatéria, proeza científica definitiva, sendo usada para fazer
desaparecer...
Recusava-se a aceitar aquele pensamento absurdo. E disse subitamente:
- Existe uma explicação lógica além do terrorismo.
Kohler esperou que ele continuasse.
Langdon procurou pôr em ordem o raciocínio. Os Illuminati sempre haviam
exercido um poder extraordinário utilizando-se de recursos financeiros. Eles
controlavam bancos. Guardavam lingotes de ouro e prata. Dizia-se inclusive que
possuíam a pedra preciosa mais valiosa do mundo, o Diamante Illuminati, um
diamante de grandes proporções, absolutamente perfeito.
- Dinheiro - disse Langdon. - A antimatéria pode ter sido roubada para a obtenção
de ganho financeiro.
Kohler demonstrou incredulidade.
- Ganho financeiro? Onde se pode vender uma gotícula de antimatéria?
- Não a amostra - rebateu Langdon. - A tecnologia. A tecnologia da anti-matéria
deve valer uma fábula.
Talvez alguém a tenha roubado para analisá-la e fazer P&D - Pesquisa e
Desenvolvimento.
- Espionagem industrial? Aquele tubo vai durar só 24 horas até as baterias
acabarem. Os pesquisadores explodiriam antes de conseguirem descobrir qualquer
coisa.
- Poderiam recarregá-las antes que explodissem. Poderiam construir uma
plataforma compatível de recarregamento, igual às daqui do CERN.
- Em 24 horas? - desafiou Kohler - Mesmo que roubassem o projeto, um
recarregador como aquele levaria meses para ser construído, não horas!
- Ele tem razão - disse Vittoria, a voz fraca.
Os dois homens se viraram. Vittoria aproximava-se, os passos tão trêmulos
quanto suas palavras.
- Ele tem razão. Ninguém conseguiria projetar e construir um recarregador como
aquele a tempo. Só a interface levaria semanas. Filtros de fluxo, sistemas de
servocontrole das bobinas, ligas condicionadoras de força, todos calibrados para o
grau de energia específico da peça.
Langdon franziu o cenho. Não havia mais o que discutir. A peça que continha a
antimatéria não podia ser simplesmente ligada a uma tomada na parede. Uma vez
removido do CERN, o tubo especial iniciava uma viagem de ida sem volta, uma
viagem de 24 horas rumo ao fim, ao esquecimento.
O que deixava apenas uma conclusão muito perturbadora.
- Precisamos chamar a Interpol - disse Vittoria. Até para si mesma, sua voz soava
distante. - Temos de chamar as autoridades competentes. Agora, já.
Kohler meneou a cabeça.
- De jeito nenhum.
Essas palavras atordoaram-na.
- Por que não?
- Você e seu pai puseram-me em uma situação muito difícil.
- Diretor, precisamos de ajuda. Temos de encontrar aquele tubo e trazê-lo de volta
para cá antes que alguém se machuque. É nossa responsabilidade!
- Temos a responsabilidade de pensar - disse Kohler, com dureza na voz.
- Esta situação pode ter repercussões muito, muito sérias para o CERN.
- Está preocupado com a reputação do CERN? Sabe o que aquele material poderia
fazer com uma área urbana? Tem um raio de explosão de oitocentos metros! Nove
quarteirões!
- Talvez você e seu pai devessem ter levado isso em consideração antes de
criarem o espécime.
Vittoria teve a sensação de estar sendo apunhalada.
Mas... nós tomamos todas as precauções.
- Ao que tudo indica, não foram suficientes.
- E ninguém sabia da existência da antimatéria.
Ela se deu conta, evidentemente, de que aquele argumento era absurdo. Claro que
alguém soubera.
Alguém descobrira.
Vittoria não contara a ninguém. Restavam então apenas duas explicações. Ou seu
pai fizera confidências a alguém sem dizer nada a ela, o que não fazia sentido
porque havia sido ele quem exigira que jurassem segredo, ou ela e o pai haviam
sido monitorados. Quem sabe, pelo telefone celular? Eles haviam falado um com
o outro algumas vezes enquanto Vittoria estava viajando. Teriam falado demais?
Era possível. Havia também os e-mails de ambos. Mas eles haviam sido discretos,
não é? O sistema de segurança do CERN? Teriam sido monitorados sem que
soubessem?
Nada daquilo importava mais. O que fora feito estava feito. Meu pai está morto.
O pensamento incitou-a a agir. Tirou o telefone celular do bolso do short.
Kohler acelerou a cadeira em sua direção, tossindo violentamente, os olhos
faiscando de raiva.
- Quem você está chamando?
- A mesa telefônica do CERN. Eles podem nos ligar com a Interpol.
- Pense! - Kohler engasgou-se, a cadeira freando com um guincho na frente dela. -
Será que é assim tão ingênua? Aquele tubo pode estar em qualquer lugar do
mundo agora! Nenhum serviço secreto vai ser capaz de se mobilizar para
encontrá-lo a tempo.
- Então não fazemos nada? - Vittoria sentia remorsos por desafiar um homem de
saúde tão frágil, mas o diretor estava de tal maneira fora dos eixos que ela não o
reconhecia mais.
- Fazemos o que é mais inteligente - disse Kohler. - Não colocamos a reputação
do CERN em risco envolvendo autoridades que de qualquer modo não podem
ajudar. Ainda não. Não sem antes pensar.
Vittoria admitia que havia uma certa lógica na argumentação dele, mas sabia que
a lógica, por definição, era destituída de responsabilidade moral. Seu pai vivera
pela responsabilidade moral: ciência cautelosa, compromisso de prestar contas, fé
na bondade inerente do homem. Vittoria também acreditava nestas coisas, mas as
via em termos de carma. Afastou-se de Kohler e abriu o telefone com um gesto
rápido.
- Você não pode fazer isso - ele disse.
- Tente me impedir.
Ele não saiu do lugar.
No instante seguinte, Vittoria percebeu por quê. Àquela profundidade, o celular
não tinha sinal.
Furiosa, ela seguiu para o elevador.
CAPÍTULO 26
O Hassassin encontrava-se no fim do túnel de pedra. Sua tocha ainda ardia, a
fumaça misturando-se com o cheiro de musgo e de ar parado. O silêncio o
rodeava. A porta de ferro que lhe fechava o caminho parecia tão velha quanto o
próprio túnel, enferrujada mas ainda firme. Ele esperou na penumbra, confiante.
Estava quase na hora.
Janus prometera que alguém lá de dentro abriria a porta. O Hassassin estava
encantado com aquela traição. Teria esperado a noite inteira diante da porta para
realizar sua tarefa, mas pressentia que isso não seria necessário. Estava
trabalhando para homens determinados.
Minutos depois, precisamente à hora combinada, ouviu o ruído alto de chaves
pesadas entrechocando-se do outro lado. O atrito do metal contra o metal à
medida que múltiplas fechaduras se desencaixavam. Uma a uma, três imensas
cavilhas rangeram, abrindo-se. As dobradiças estalavam, pois não tinham sido
usadas durante séculos. Por fim, tudo foi destrancado.
Então, fez-se silêncio.
O Hassassin esperou, paciente, os cinco minutos, exatamente como lhe haviam
dito que fizesse.
Depois, com eletricidade correndo-lhe no sangue, ele deu um empurrão. A grande
porta se abriu.
CAPÍTULO 27
- Vittoria, não vou permitir! - Kohler respirava com dificuldade e foi piorando
enquanto o elevador subia.
Vittoria isolou-se dele. Ansiava por um refúgio, por algo familiar naquele local
que não se parecia mais com sua casa. Sabia que não poderia ser. Naquele
momento, precisava engolir a tristeza e agir. Procure um telefone.
Robert Langdon encontrava-se a seu lado, silencioso como sempre. Vittoria
desistira de tentar adivinhar quem seria ele. Um especialista? Kohler não poderia
ter sido menos preciso. O senhor Langdon pode nos ajudar a encontrar o assassino
de seu pai. Langdon não estava ajudando em nada. Sua cordialidade e bondade
pareciam bastante genuínas, mas era evidente que estava escondendo alguma
coisa. Os dois homens estavam.
Kohler investiu contra ela outra vez.
- Como diretor do CERN, tenho responsabilidades com o futuro da ciência. Se
você ampliar isto, transformar a situação em um incidente internacional e o CERN
for afetado...
- Futuro da ciência? - Vittoria voltou-se para ele. - O senhor realmente planeja
deixar de prestar contas e não admitir que a antimatéria saiu do CERN? Pretende
ignorar a vida das pessoas que pusemos em perigo?
- Nós não pusemos - contra-atacou Kohler. - Você, você e seu pai, sim.
Vittoria virou o rosto para o lado.
- E no que se refere a vidas em perigo - completou Kohler -, a própria vida é que
está em questão. Você sabe que a tecnologia da antimatéria tem enormes
implicações para a vida neste planeta. Se o CERN falir, destruído por um
escândalo, todos saem perdendo. O futuro do homem está nas mãos de
organizações como o CERN, de cientistas como você e seu pai, que trabalham
para resolver os problemas do amanhã.
Vittoria já escutara antes as teorias de Kohler a respeito de Deus e a Ciência, e
nunca as engolira. A própria ciência causava a metade dos problemas que tentava
resolver. O "Progresso" era a derradeira doença maligna da Mãe Terra.
- O avanço científico traz riscos - argumentava Kohler. - Sempre trouxe.
Programas espaciais, pesquisa genética, medicina, todos cometem erros. A ciência
precisa sobreviver a seus próprios enganos e a qualquer custo. Para o bem de
todos.
Vittoria constatou a notável capacidade de Kohler para ponderar questões morais
com imparcialidade científica. O intelecto dele parecia ser o produto de um gélido
divórcio com seu próprio espírito interior.
- O senhor acredita que o CERN seja tão crucial para o futuro da Terra que deva
ficar imune a responsabilidades morais?
- Não me venha falar de moral. Você passou dos limites quando criou aquele
espécime e botou todas as nossas instalações em risco. Estou tentando proteger
não só os empregos dos três mil cientistas que trabalham aqui, como também a
reputação de seu pai. Pense nele. Um homem como seu pai não merece ser
lembrado como o criador de uma arma de destruição em massa.
Ele atingira o alvo certo. Fui eu quem convenceu meu pai a criar aquele espécime.
A culpa de tudo isso é minha!
Quando a porta se abriu, Kohler ainda estava falando. Vittoria saiu do elevador,
pegou seu telefone e tentou de novo.
Nada de sinal. Droga! Ela se encaminhou para a porta.
- Vittoria, pare. - A respiração do diretor soava mais asmática enquanto ele
acelerava sua cadeira atrás da moça. - Vá mais devagar. Precisamos falar.
- Basta di parlare!
- Pense em seu pai - insistiu Kohler. - O que ele faria?
Ela continuou andando.
- Vittoria, não fui totalmente sincero com você.
Ela diminuiu o ritmo.
- Não sei o que eu estava pensando - disse Kohler -, só queria proteger você. Diga
o que quer. Temos de trabalhar juntos nesta questão.
Vittoria parou perto do laboratório mas não se virou.
- Quero encontrar a antimatéria. E quero saber quem matou meu pai.
Ela ficou esperando. Kohler suspirou.
- Nós já sabemos quem matou seu pai. Sinto muito.
Surpresa, ela se virou para ele.
- Vocês o quê?
- Eu não sabia como contar a você. É difícil...
- Vocês sabem quem matou meu pai?
- Temos uma noção, sim. O assassino deixou uma espécie de cartão de visitas. Foi
por isso que chamei o senhor Langdon. O grupo que assumiu a autoria do crime é
a especialidade dele.
- O grupo? Um grupo terrorista?
- Vittoria, eles roubaram duzentos e cinqüenta miligramas de antimatéria.
Vittoria olhou para Robert Langdon ali perto, parado. Tudo começou a se
encaixar. Isto explica o sigilo.
Como não lhe ocorrera antes? Kohler então havia chamado as autoridades, afinal.
As autoridades. Agora, parecia óbvio. Robert Langdon era norte-americano, de
boa aparência, conservador, provavelmente muito sagaz. Quem mais ele poderia
ser? Ela deveria ter adivinhado desde o começo. Sentiu uma renovada esperança
ao se dirigir a ele.
- Senhor Langdon, quero saber quem matou meu pai. E também se sua agência
pode encontrar a antimatéria.
Langdon ficou embaraçado.
- Minha agência?
- O senhor é do serviço secreto americano, suponho.
- Na realidade.., não, não sou.
Kohler interveio.
- O senhor Langdon é professor de História da Arte na Universidade de Harvard.
A informação caiu como um balde de água fria em Vittoria.
- Professor de Arte?
- Ele é especialista em simbologia de cultos - suspirou Kohler. - Vittoria,
acreditamos que a morte de seu pai foi parte de um culto satânico.
As palavras ecoaram na mente dela sem serem assimiladas. Um culto satânico.
- O grupo que assumiu a autoria chama-se Illuminati.
Vittoria olhou de um para outro, imaginando se seria uma brincadeira de mau
gosto.
- Os Illuminati? - perguntou ela. - Como os Illuminati Bávaros?
- Você já ouviu falar deles? -- perguntou Kohler, admirado.
Ela sentiu as lágrimas de frustração se formando.
- Os Illuminati Bávaros: a Nova Ordem Mundial. Um jogo de computador.
Metade dos fanáticos por informática daqui joga isso na Internet. - A voz dela
falhou. - Mas não entendo...Langdon concordou.
- É um jogo bem popular. Uma antiga fraternidade toma conta do mundo. É semihistórico.
Não sabia que estava na Europa também.
- De que está falando? - disse Vittoria, exaltada. - Os Illuminati? Mas se trata de
um jogo de computador!
- Vittoria - disse Kohler -, os Illuminati são o grupo que alega responsabilidade
pela morte de seu pai.
Ela reuniu toda a coragem que pôde encontrar para lutar contra as lágrimas.
Fez força para se controlar e avaliar a situação com lógica. Porém, quanto mais se
concentrava, menos compreendia. Seu pai fora assassinado. Ocorrera uma grave
falha de segurança no CERN. Havia uma bomba em contagem regressiva em
algum lugar e ela era responsável por isso. E o diretor chamara um professor de
História da Arte para ajudá-los a encontrar uma fraternidade mística de satanistas
Sentiu-se repentinamente muito só. Virou-se para ir embora, mas Kohler Postouse
à sua frente. Tirou algo do bolso, um papel de fax amassado, e entregou-o a ela.
Ela cambaleou, horrorizada, ao ver a imagem.
- Eles o marcaram a fogo - disse Kohler. - Os desgraçados marcaram o peito dele
a fogo.
CAPÍTULO 28
A secretária Sylvie Baudeloque estava em pânico. Andava de um lado para outro
diante da porta da sala vazia do diretor. Onde diabos andará ele? O que faço
agora?
Havia sido um dia esquisito. Claro, todos os dias de trabalho com Maximilian
Kohler tinham potencial para serem estranhos, mas o homem estivera em grande
forma naquele.
- Encontre Leonardo Vetra! - ordenara ele quando Sylvie chegou naquela manhã.
Obedientemente, Sylvie enviara mensagem pelo pager, telefonara e mandara emails
para Leonardo Vetra.
E nada.
Então, Kohler saíra mal-humorado, tudo indicava que para procurar Vetra ele
próprio. Quando surgiu de volta algumas horas mais tarde, Kohler decididamente
não parecia bem... não que ele alguma vez de fato parecesse bem, mas parecia
pior do que de costume. Trancou-se no escritório e ela o ouviu telefonar, falar,
usar o computador, o fax. Depois, saiu de novo. E ainda não tinha voltado desde
então.
Sylvie decidira ignorar as extravagâncias de mais um melodrama kohleriano, mas
ficou preocupada quando ele não apareceu na hora certa de suas injeções diárias.
O estado de saúde do diretor exigia um tratamento regular e, quando ele decidia
abusar, os resultados nunca eram agradáveis: choque respiratório, acessos de tosse
e uma correria danada para o pessoal da enfermaria. Às vezes, Sylvie achava que
Maximilian Kohler tinha um desejo inconsciente de morrer.
Ela considerou a possibilidade de mandar-lhe uma mensagem pelo pager para
lembrar as injeções, mas havia aprendido que o orgulho de Kohler não tolerava
aquele tipo de gesto. Na semana anterior, ele havia ficado tão enfurecido com um
cientista visitante que demonstrara pena dele a ponto de se equilibrar nas pernas e
atirar uma pasta na cabeça do homem. O rei Kohler ficava surpreendentemente
ágil quando estava pissé.
No momento, todavia, a preocupação de Sylvie pela saúde do diretor deixara de
ser prioridade e fora substituída por um dilema bem mais urgente. A telefonista do
CERN ligara cinco minutos antes, frenética,para dizer que tinha uma chamada
importantíssima para o diretor.
- Ele não está aqui, não pode atender agora - dissera Sylvie.
Então, a telefonista lhe disse quem estava chamando.
Sylvie deu uma risada alta.
- Está brincando, não é?
Escutou o que a outra dizia, incrédula.
- E a identificação dessa pessoa confirma... - Sylvie estava intrigada. - Está bem.
Será que você pode perguntar ao... - Ela suspirou. - Não. Está certo. Peça a ele
para esperar. Vou localizar o diretor agora mesmo. Sei, já entendi. Vou fazer isso
agora.
Mas Sylvie não conseguira encontrar o diretor. Ligara três vezes para o seu
celular e todas as vezes ouvira a mesma mensagem: "A linha está fora de área ou
desligada." Fora de área? Até onde ele poderia ter ido? Então, Sylvie ligara para o
bipe dele. Duas vezes. Sem resposta. Muito esquisito, ele não costumava agir
assim. Chegara até a mandar um e-mail para o computador portátil dele. Nada.
Como se o homem tivesse desaparecido da face da Terra.
E agora, o que faço? - pensava, aflita.
Além de sair ela própria procurando pelo CERN inteiro, Sylvie sabia que havia
somente uma outra maneira de chamar a atenção do diretor. Ele não ia ficar nada
satisfeito, mas o homem ao telefone não era alguém que o diretor pudesse deixar
esperando. E também parecia que a pessoa não estava muito disposta a ouvir que
o diretor não fora encontrado.
Impressionada com a própria audácia, Sylvie tomou a decisão. Entrou na sala de
Kohler e se dirigiu para a caixa de metal na parede atrás da escrivaninha dele.
Abriu a portinhola, examinou os controles e encontrou o botão certo.
Em seguida, respirou fundo e apanhou o microfone.
CAPÍTULO 29
Vittoria não se lembrava como eles haviam chegado ao elevador principal, mas lá
estavam eles. Subindo. Kohler encontrava-se atrás dela, a respiração ruidosa e
difícil. O olhar preocupado de Langdon passava por ela como se atravessasse um
fantasma. Ele lhe tirara o fax da mão e enfiara-o no bolso de seu paletó, longe de
sua vista, mas a imagem ainda lhe queimava a memória.
Enquanto o elevador se deslocava, o mundo de Vittoria mergulhava na escuridão.
Papa! Em sua mente, ela ia ao encontro dele. Por um momento, no oásis de sua
memória, Vittoria estava com ele. Tinha nove anos de idade, correndo por colinas
cheias de edelvais, o céu da Suíça acima de suas cabeças.
Papa! Papa!
Leonardo Vetra estava rindo ao lado dela, radiante.
- O que é, meu anjo?
- Papa! - ela ria, aconchegando-se a ele. - Faça uma pergunta sobre a matéria!
- Sobre qual matéria, filha, como posso saber? É alguma coisa nova que aprendeu
na escola?
E ela imediatamente caiu na gargalhada.
- Ora, papai, pergunte sobre pedras, árvores, átomos, qualquer coisa! Porque tudo
é matéria! Ah, agora enganei você!
Ele riu com ela.
- Você inventou isso sozinha?
- Fui bem esperta, não fui?
- Minha pequena Einstein!
Ela fez cara feia.
- Ele tem um cabelo horrível. Vi um retrato dele.
- Mas tem uma boa cabeça. Já contei a você o que ele provou?
Os olhos dela se arregalaram, como se estivesse assustada.
- Papai! Você prometeu!
- EMC2! - E fez cócegas nela. - E=MC2!
- Matemática, não! Eu já disse! Detesto matemática!
- Ainda bem que você detesta, porque as meninas não têm permissão para
aprender matemática.
Ela parou na mesma hora.
-Não?!
- Claro que não. Qualquer pessoa sabe disso. Meninas brincam com bonecas.
Meninos estudam matemática. Nada de matemática para as meninas. Não tenho
autorização nem para falar sobre matemática com as meninas.
- O quê? Mas isso não é justo!
- Regras são regras. Absolutamente nada de matemática para as meninas.
Vittoria ficou horrorizada.
- Mas brincar de bonecas é muito chato!
- Sinto muito - disse seu pai. - Eu poderia falar sobre matemática com você, mas
se descobrirem... - E ele inspecionou as colinas desertas fingindo um ar aflito.
Vittoria acompanhou o olhar dele.
- Está bem - ela cochichou. - Então fale bem baixinho.
Vittoria sobressaltou-se com o movimento do elevador. Abriu os olhos. O pai se
fora.
A realidade abateu-se sobre ela, envolvendo-a com suas garras geladas.
Olhou para Langdon. A expressão de sincera preocupação que ele tinha no rosto
aqueceu seu coração como a presença de um anjo da guarda, sobretudo em
contraste com a frieza de Kohler.
Um único pensamento nitidamente consciente começou a atormentar Vittoria com
uma força implacável.
Onde está a antimatéria?
A terrível resposta viria minutos depois.
CAPÍTULO 30
Maximilian Kohler. Por gentileza, entre em contato com seu escritório
imediatamente.
Raios de sol resplandecentes ofuscaram a visão de Langdon quando as portas do
elevador se abriram no saguão principal. Antes que se dissipasse o eco do aviso
no sistema de comunicação interna, todos os aparelhos eletrônicos na cadeira de
rodas de Kohler começaram a apitar e zumbir simultaneamente. Seu pager. Seu
telefone. Seu e-mail. Kohler ficou meio tonto diante das luzes que piscavam. O
diretor voltara à superfície e estava de novo ao alcance.
Diretor Kohler. Por favor, ligue para seu escritório.
O som de seu nome nas caixas de som pareceu espantar Kohler.
Ele levantou a cabeça com ar zangado que, quase de imediato, se tornou
preocupado. Os três se entreolharam. Ficaram imóveis por alguns segundos, como
se toda a tensão entre eles se apagasse e fosse substituída por um só
pressentimento a uni-los.
Kohler tirou o telefone encaixado no apoio de braço de sua cadeira. Discou um
ramal e esforçou-se para conter um novo ataque de tosse. Vittoria e Langdon
esperaram.
- Aqui é o diretor Kohler - disse ele, a respiração saindo com um chiado.
- Sim? Eu estava no subterrâneo, fora de alcance. - Ele escutou, arregalando os
olhos cinzentos. - Quem? Sim, transfira a ligação para mim. - Houve uma pausa. -
Alô? Aqui é Maximilian Kohler. Sou o diretor do CERN.
Com quem estou falando?
Os outros dois observavam em silêncio enquanto ele escutava seu interlocutor.
- Não acho prudente - Kohler disse finalmente - falar sobre isso ao telefone. Vou
para aí imediatamente. - Começou a tossir outra vez. - Encontre-me no Aeroporto
Leonardo Da Vinci. Dentro de 40 minutos. - Já lhe faltava a respiração. Foi
acometido por um ataque de tosse e, sufocando, mal conseguiu pronunciar as
palavras. - Localizem o tubo depressa... estou indo. - E desligou o telefone.
Vittoria correu para perto de Kohler, mas ele não conseguia mais falar. Ela pegou
seu próprio telefone e chamou a enfermaria do CERN. Langdon sentia- se como
um navio na periferia de uma tempestade, abalado mas distante.
Encontre-me no Aeroporto Leonardo Da Vinci, ecoaram as palavras de Kohler.
Em um instante, as sombras incertas que haviam nublado a mente de Langdon
durante toda a manhã consolidaram-se em uma imagem vivida. No meio daquela
confusão, ele sentiu uma porta se abrir dentro de si, como se algum limiar místico
fosse ultrapassado. O ambigrama. O padre-cientista morto. A antimatéria. E
agora, o alvo. A menção ao Aeroporto Leonardo Da Vinci só poderia significar
uma coisa. Em um lampejo de absoluta conscientização, ele soube que acabara de
cruzar aquele limiar. Agora, acreditava.
Cinco quilotons. Que se faça a luz.
Dois paramédicos apareceram correndo pelo saguão vestidos de branco.
Ajoelharam-se ao lado de Kohler e colocaram uma máscara de oxigênio em seu
rosto. Cientistas que circulavam pelo local pararam e postaram-se à distância,
observando.
Kohler respirou fundo duas vezes, puxou a máscara para o lado e, ainda lutando
para respirar, dirigiu-se a Vittoria e Langdon:
- Roma.
- Roma? - perguntou Vittoria. - A antimatéria está em Roma? Quem telefonou?
O rosto de Kohler contorceu-se, os olhos cinzentos marejados.
- A... Suíça.
Ele engasgou ao falar e os paramédicos puseram a máscara de volta em seu rosto.
Quando se preparavam para levá-lo, Kohler estendeu a mão e agarrou o braço de
Langdon.
Langdon fez um gesto com a cabeça. Ele sabia.
- Vá... - sussurrou Kohler sob a máscara. - Vá... Ligue para mim.
E os paramédicos saíram às pressas, empurrando-o.
Vittoria permaneceu estática, vendo-o afastar-se. Então, voltou-se para Langdon.
- Roma? O que ele quis dizer com a Suíça?
Langdon pousou a mão no braço dela e disse em voz muito baixa:
- A Guarda Suíça. As sentinelas juradas da Cidade do Vaticano.
CAPÍTULO 31
O avião espacial X 33 decolou com um ruído estrondoso, inclinando-se para o sul
em direção a Roma. A bordo, Langdon ia sentado em silêncio. Os últimos 15
minutos haviam sido como um borrão. Agora que acabara de resumir para Vittoria
a história dos Illuminati e de seu pacto contra o Vaticano, começava a se dar conta
do alcance da situação.
Que diabos estou fazendo?, ponderava ele. Deveria ter ido para casa quando ainda
era possível! No fundo, porém, sabia que de fato não fora possível em nenhum
momento.
Seu bom senso recomendara em voz bem alta que voltasse para Boston. Ainda
assim, a curiosidade acadêmica de alguma forma vetara a prudência. Tudo em que
ele sempre acreditara sobre a extinção dos Illuminati assemelhava-se de uma hora
para outra a uma brilhante impostura. Um dos lados de sua cabeça ansiava por
obter provas, confirmação. Havia também uma questão de consciência. Com
Kohler doente e Vittoria sozinha, Langdon sabia que, caso os seus conhecimentos
sobre os Illuminati pudessem ser de alguma ajuda, ele tinha a obrigação moral de
estar ali.
E havia mais a considerar. Embora tivesse vergonha de admitir, o horror inicial
que sentira ao saber onde estava a antimatéria referia-se não só ao perigo para as
vidas humanas na Cidade do Vaticano, mas também para algo mais.
A arte.
A maior coleção de arte do mundo encontrava-se naquele instante em cima de
uma bomba-relógio. O Museu do Vaticano abrigava mais de 60 mil peças de valor
incalculável em 1.407 salas: Michelangelo, Da Vinci, Bernini, Botticelli. Langdon
ponderava sobre a possibilidade de tirar as peças de lá se fosse necessário. Mas
sabia que seria impossível. Muitas eram esculturas que pesavam toneladas. Sem
falar que alguns dos maiores tesouros eram arquiteturais, como a Capela Sistina, a
Basílica de São Pedro, a famosa escadaria em espiral de Michelangelo que levava
ao Museu Vaticano, testemunhos inestimáveis do gênio criativo do homem.
Langdon tentou calcular quanto tempo restaria ao tubo de antimatéria.
- Obrigada por ter vindo - disse Vittoria em voz baixa.
Langdon emergiu de seu devaneio e virou o rosto para ela. Vittoria estava sentada
na poltrona do outro lado do corredor. Mesmo à luz fluorescente da cabine, havia
uma aura de serenidade e domínio de si em torno dela, uma irradiação quase
magnética de inteireza. Sua respiração tornara-se mais profunda, como se um
lampejo de auto-preservação se acendesse dentro dela... um desejo de justiça e de
desforra, despertado por seu amor de filha.
Ela não tivera tempo de trocar seu short e sua blusa sem mangas, e as pernas
queimadas de sol estavam arrepiadas com o frio da cabine.
Instintivamente, Langdon tirou o paletó e ofereceu-o a ela.
- Cavalheirismo americano? - Ela aceitou, agradecendo silenciosamente com o
olhar.
O avião balançou com um pouco de turbulência e Langdon teve uma sensação de
perigo. A cabine sem janelas pareceu-lhe apertada outra vez e ele tentou imaginarse
em um campo aberto. A idéia, percebia, era irônica. Fora em um campo aberto
que tudo acontecera. A escuridão esmagadora. Afastou a lembrança de sua mente.
Velha história.
Vittoria o observava.
- Acredita em Deus, senhor Langdon?
Ele não esperava aquele tipo de pergunta. A seriedade na voz de Vittoria era ainda
mais desconcertante do que a indagação. Se eu acredito em Deus?
Esperava que pudessem conversar sobre um assunto mais leve para o tempo da
viagem passar mais depressa.
Um enigma espiritual, pensou Langdon. É assim que meus amigos me chamam.
Apesar de ter estudado religião durante anos, não era um homem religioso.
Respeitava o poder da fé, a bondade das igrejas, a força que a religião dava a
tantas pessoas. Entretanto, para ele, a suspensão intelectual da descrença que era
imperativa se alguém verdadeiramente desejava "crer" havia sido sempre um
obstáculo grande demais para sua mente acadêmica.
- Quero acreditar - ouviu-se dizendo.
O tom da réplica de Vittoria não dava a entender que ela estivesse fazendo
qualquer julgamento ou desafio.
- E por que não acredita?
Ele deu uma risadinha.
- Bem, não é assim tão fácil. Ter fé requer entrega, aceitação cerebral de milagres,
como a imaculada conceição e a intervenção divina. E existem ainda os códigos
de conduta. A Bíblia, o Corão, as escrituras budistas, em todos há exigências
semelhantes e penalidades semelhantes.
Determinam que se eu não viver de acordo com certo código, irei para o inferno.
Não consigo imaginar um Deus que governe desta maneira.
- Espero que não deixe seus alunos se esquivarem de perguntas assim com tanta
desfaçatez.
O comentário pegou-o desprevenido.
- O quê?
- Senhor Langdon, não perguntei se acredita no que o homem diz sobre Deus.
Perguntei se acredita em Deus. Existe uma diferença. As escrituras sagradas são
histórias.., lendas e a história da busca do homem para compreender sua própria
necessidade de significado. Não pedi que desse sua opinião sobre literatura.
Estou perguntando se acredita em Deus. Quando se deita sob as estrelas, não sente
a presença do divino? Não sente em seu íntimo que está diante da obra de Deus?
Langdon refletiu um instante.
- Estou me intrometendo - desculpou-se ela.
- Não, é que...
- O senhor com certeza deve debater assuntos de fé com seus alunos.
- Sem parar.
- E imagino que deva fazer sempre o papel do advogado do diabo. Sempre
estimulando as discussões.
Langdon sorriu.
- Também deve ser professora.
- Não, mas aprendi com um mestre. Meu pai era capaz de discutir os dois lados de
uma Faixa de Mõbius.
Langdon riu, visualizando a engenhosa Faixa de Mõbius, um anel torcido de papel
que tecnicamente possui apenas um lado. Langdon vira aquela forma pela
primeira vez nos trabalhos do artista M. C. Escher.
- Posso lhe fazer uma pergunta, senhorita Vetra?
- Prefiro que me chame de Vittoria. "Senhorita" Vetra faz com que me sinta velha.
Ele suspirou intimamente, de repente se dando conta de sua própria idade.
- Vittoria, e eu sou Robert.
- Você ia fazer uma pergunta.
- Certo. Como cientista e filha de um padre católico, o que você pensa da religião?
Ela fez uma pausa, afastando uma mecha de cabelo dos olhos.
- Religião é como um traje ou uma língua. Gravitamos em torno das práticas com
as quais fomos criados. No final, porém, todos proclamamos a mesma coisa. Que
a vida tem um sentido. Que somos gratos ao poder que nos criou.
A resposta intrigou Langdon.
- Então, está dizendo que ser cristão ou muçulmano depende do lugar onde se
nasceu?
- Não é óbvio? Veja a difusão da religião pelo mundo afora.
- Quer dizer que a fé é aleatória?
- Dificilmente. A fé é universal. Nossos métodos específicos para compreendê-la
são arbitrários. Algumas pessoas rezam para Jesus, outras vão a Meca, outras
estudam partículas subatômicas. No final, estamos todos apenas buscando a
verdade, aquela que é maior do que nós mesmos.
Langdon desejou que seus alunos fossem capazes de se expressar com tanta
clareza. Ele próprio gostaria de saber se expressar com aquela clareza!
- E Deus? - ele perguntou. - Você acredita em Deus?
Vittoria ficou calada por um longo tempo.
- A ciência me diz que Deus tem de existir. Minha mente me diz que nunca vou
compreender Deus. E meu coração me diz que não fui feita para isto.
Isto é que é concisão, pensou ele.
- Então, acredita que Deus é fato mas que nunca o compreenderemos.
- A compreenderemos - corrigiu ela, com um sorriso. - Seus índios nativos tinham
razão.
Langdon deu uma risadinha.
- A Mãe Terra.
- Gaea. O planeta é um organismo. Todos nós somos células com diferentes
finalidades. No entanto, somos entrelaçados. Servindo uns aos outros. Servindo ao
todo.
Ouvindo-a falar, Langdon sentiu despertar dentro de si algo que não sentia há
muito tempo. Havia uma limpidez cativante em seus olhos... uma pureza em sua
voz. Ele se sentiu atraído.
- Senhor Langdon, deixe que eu lhe faça uma outra pergunta.
- Robert -corrigiu ele. - Senhor Langdon faz com que me sinta velho. Eu sou
velho!
- Se não se importa, gostaria de saber como se envolveu com os Illuminati?
Langdon pensou um pouco.
- Na verdade, foi por causa de dinheiro.
Vittoria pareceu desapontada.
- Dinheiro? Consultoria, não é?
Ele riu, percebendo como sua resposta fora interpretada.
- Não, dinheiro como moeda de um país. - Enfiou a mão no bolso da calça e tirou
algumas notas. Encontrou uma de um dólar. - Fiquei fascinado com o culto
quando soube que o dinheiro norte-americano traz um elemento da simbologia os
Illuminati.
Vittoria semicerrou os olhos, sem saber se o levava a sério ou não.
Langdon passou-lhe a nota.
- Olhe o verso. Está vendo o sinete oficial à esquerda?
Ela virou a nota.
- A pirâmide?
- É, a pirâmide. Sabe o que as pirâmides têm a ver com a história dos Estados
Unidos?
Vittoria deu de ombros.
- Exato - disse Langdon. - Absolutamente nada.
- E por que é o símbolo central do seu sinete oficial?
- É uma história estranha - disse Langdon. - A pirâmide é um símbolo
secreto que representa a convergência para cima, para a extrema fonte de
Iluminação. Está vendo o que aparece em cima dela?
Vittoria examinou a nota.
- Um olho dentro de um triângulo.
- Chama-se trinacria. Já viu esse olho dentro do triângulo em algum outro lugar?
Ela ficou em silêncio um instante.
- Na realidade já vi, mas não sei muito bem onde.
- Na fachada de lojas maçônicas do mundo inteiro.
- O símbolo é maçônico?
- Na verdade, não, é dos Illuminati. Eles o chamavam de seu "delta brilhante" Um
chamado para a mudança esclarecida. O olho significa a habilidade dos Illuminati
de se infiltrarem e verem todas as coisas. O triângulo reluzente simboliza o
esclarecimento, a instrução. E o triângulo é também a letra grega delta, que é o
símbolo matemático de...
- Mudança. Transição.
Langdon sorriu.
- Esqueci que estava falando com uma cientista.
- Então, está dizendo que o sinete oficial norte-americano é um chamado para a
mudança esclarecida, que tudo vê?
- Que alguns chamam de Nova Ordem Mundial.
Vittoria estava espantada. Examinou a nota mais uma vez.
- A inscrição sob a pirâmide diz Novus... Ordo...
- Novus Ordo Seculorurn - completou Langdon. - Nova Ordem Secular.
- Secular, querendo dizer não-religiosa?
- É, não-religiosa. A frase não só enuncia claramente o objetivo dos Illuminati
como contradiz flagrantemente a frase que está ao lado. Em Deus Confiamos.
Aquelas informações eram perturbadoras.
- Como se explica que toda essa simbologia tenha ido parar na moeda mais
poderosa do mundo?
- Muitos acadêmicos acham que foi através do vice-presidente Henry Wallace.
Ele era um maçom dos altos escalões e certamente tinha ligações com os
Illuminati. Se era um membro ou estava inocentemente sob a influência deles, não
se sabe. Mas foi Wallace quem vendeu o desenho do sinete oficial para o
presidente.
- Como? Por que o presidente teria concordado em...
- O presidente era Franklin D. Roosevelt. Wallace simplesmente lhe disse que
Novus Ordo Seculorum significava New Deal.
Vittoria mostrou-se cética.
- E Roosevelt não tinha ninguém mais que examinasse o símbolo antes de mandar
o Tesouro imprimi-lo?
- Não foi preciso. Ele e Wallace eram como irmãos.
- Irmãos?
- Dê uma conferida em seus livros de História - disse Langdon com um sorriso. -
Franklin D. Roosevelt era um maçom conhecido.
CAPÍTULO 32
Langdon prendeu a respiração enquanto o X-33 fazia uma descida em espiral na
direção do Aeroporto Internacional Leonardo Da Vinci. Vittoria, sentada à sua
frente, fechou os olhos, como se procurasse submeter a situação ao seu controle.
A aeronave tocou o solo e taxiou para um hangar particular.
- Desculpem o vôo lento - desculpou-se o piloto, saindo da cabine de comando.
- Tive de segurá-lo por causa dos regulamentos sobre ruído em áreas povoadas.
Langdon verificou o relógio. O vôo tinha levado 37 minutos.
O piloto abriu a porta externa.
- Alguém pode me dizer o que está acontecendo?
Nenhum dos dois respondeu.
- Ótimo - disse ele, alongando-se. -Vou esperar na cabine de comando com o ar
condicionado e minha música. Só eu e Garth.
Fora do hangar, o sol do fim de tarde ardia, intenso. Langdon carregava seu paletó
de tweed pendurado no ombro. Vittoria levantou o rosto para o sol e respirou
fundo, como se a luz solar de alguma forma transferisse para ela uma energia
revigorante e mística.
Povos mediterrâneos... observou Langdon para si mesmo, já suando.
- Você está um pouco velho para desenhos animados, não acha? - perguntou
Vittoria, sem abrir os olhos.
- Como disse?
- Seu relógio de pulso. Vi lá dentro do avião.
Langdon enrubesceu um pouco. Estava acostumado a ter de defender seu relógio.
Era uma peça de coleção, um relógio do Mickey Mouse que lhe fora dado de
presente na infância por seus pais. Apesar do ridículo dos braços esticados do
Mickey indicando a hora, fora o único relógio de pulso que Langdon usara em
toda a sua vida. À prova d'água e com um mostrador que brilhava no escuro, era
perfeito para nadar e para andar à noite pelos caminhos sem iluminação da
universidade. Quando seus alunos questionavam seu conceito de moda, ele
respondia que usava aquele relógio para se lembrar diariamente que queria manter
seu espírito jovem.
- São seis horas - disse.
Vittoria balançou a cabeça, os olhos ainda fechados.
- Acho que nossa carona chegou.
Langdon ouviu o zumbido distante e olhou para cima, com o coração apertado.
Vindo do norte, um helicóptero se aproximava, voando baixo acima da pista de
pouso. Langdon andara de helicóptero uma vez no vale Palpa andino para ver os
desenhos de areia Nazca e não gostara nem um pouco. Uma caixa de patos
voadora. Depois de passar a manhã voando em um avião espacial, contava que o
Vaticano enviasse um carro para buscá-los.
Tudo indicava que não seria o caso.
O helicóptero reduziu a velocidade, pairou um instante e desceu na pista de pouso
diante deles. Era branco e trazia na lateral um brasão pintado - duas chaves
mestras cruzadas sobre um escudo encimado pela mitra papal. Ele conhecia bem
aquele símbolo. Era o brasão tradicional do Vaticano, o símbolo sagrado da Santa
Sé, ou "santa sede" do governo, literalmente o antigo trono de São Pedro.
O Santo Helicóptero, resmungou Langdon, acompanhando o pouso. Esquecera-se
de que o Vaticano possuía um, usado para transportar o Papa para o aeroporto,
para reuniões ou para seu castelo de verão em Gandolfo. Langdon decididamente
teria preferido um carro.
O piloto saltou e caminhou na direção deles pela pista.
Agora era Vittoria que parecia apreensiva.
- Esse é o nosso piloto?
Langdon também ficou preocupado.
- Voar ou não voar, eis a questão.
O piloto parecia estar vestido para um melodrama shakespeariano. Sua túnica
bufante era listrada verticalmente de azul - vivo e dourado. Usava calças e
polainas combinando. Estava calçado com sapatos rasos pretos que pareciam
chinelos. Na cabeça, trazia uma boina preta de feltro.
- O uniforme tradicional da Guarda Suíça - explicou Langdon. - Desenhado pelo
próprio Michelangelo. - Quando o homem se aproximou mais, Langdon
estremeceu. - E, admito, não foi um dos melhores trabalhos dele.
A despeito do traje extravagante do homem, Langdon viu logo que ele não estava
brincando. Movia-se ao encontro deles com a mesma rigidez e dignidade de um
fuzileiro naval norte-americano. Langdon lera muitas vezes sobre as rigorosas
exigências para se fazer parte da elitista Guarda Suíça. Recrutados em um dos
quatro cantões católicos da Suíça, os candidatos tinham de ser rapazes suíços
natos com idade entre 19 e 30 anos, pelo menos 1,74 m de altura, solteiros e
treinados pelo exército suíço. Esse soberbo corpo militar era invejado por
governos de todo o mundo por ser a mais fiel e mortífera força de segurança que
existe.
- Vocês são do CERN? - perguntou o guarda, ao chegar diante deles. Sua voz era
dura como aço.
- Sim, senhor - respondeu Langdon.
- Fizeram um tempo notável - disse ele, lançando um olhar intrigado para o X-33.
Virou-se para Vittoria. - A senhora tem outra roupa para vestir?
- Como disse?
Ele apontou para as pernas dela.
- Não é permitido entrar de calças curtas no Vaticano.
Langdon olhou para as pernas de Vittoria e fez uma careta. Esquecera daquilo. Na
Cidade do Vaticano era rigorosamente proibido ter as pernas à mostra acima do
joelho, tanto para as mulheres quanto para os homens. A norma era uma forma de
mostrar respeito pela santidade da cidade de Deus.
- Só tenho esta - ela disse. - Saímos de lá com muita pressa.
O guarda sacudiu a cabeça, aborrecido. Em seguida, dirigiu-se a Langdon.
- O senhor está carregando alguma arma?
Arma? pensou Langdon. Eu não trouxe nem uma muda de roupa de baixo!
E negou com um gesto de cabeça.
O oficial agachou-se aos pés de Langdon e começou a apalpá-lo por baixo,
começando pelas meias.
Rapaz confiante, pensou Langdon. As mãos fortes do guarda subiram pelas pernas
de Langdon chegando desconfortavelmente perto de sua virilha. Por fim,
deslocaram-se para seu peito e ombros.
Aparentemente satisfeito por nada ter encontrado, o guarda virou-se para Vittoria.
Correu os olhos pelo tronco e pelas pernas dela.
Ela lhe lançou um olhar feroz.
- Nem pense nisso.
O guarda encarou-a com uma expressão que claramente pretendia intimidá-la. Ela
não cedeu.
- O que é isso? - disse o guarda, apontando para uma leve protuberância quadrada
no bolso da frente do short dela.
Vittoria tirou do bolso um telefone celular ultrafino. O guarda pegou-o, ligou-o,
aguardou o sinal de linha e, tendo verificado que o aparelho não passava
realmente de um telefone, devolveu-o a ela.
- Dê uma volta, por favor - disse o guarda.
Vittoria obedeceu, levantando os braços e girando o corpo 360 graus. O guarda
examinou-a com cuidado. Langdon já observara que a blusa e o short justos de
Vittoria não mostravam nenhuma saliência onde não deveriam. Parecia que o
guarda chegara à mesma conclusão.
- Obrigado. Venham, por favor.
O helicóptero da Guarda Suíça funcionava em ponto morto quando Vittoria e
Langdon se aproximaram dele. Vittoria embarcou primeiro, como uma
freqüentadora habitual, mal se curvando ao passar por baixo das pás em
movimento. Langdon parou um instante.
- Nenhuma possibilidade de irmos de carro? - gritou, meio brincando, para o
guarda suíço, que se acomodava no banco do piloto.
O homem nem respondeu.
Com os motoristas loucos de Roma, Langdon sabia que, de qualquer maneira,
voar seria provavelmente mais seguro. Respirou fundo e embarcou, depois de ter
o cuidado de se abaixar bem para passar sob os rotores. Enquanto o guarda
preparava a decolagem, Vittoria perguntou:
- Já localizaram o tubo?
O guarda olhou para ela por cima do ombro, sem compreender.
- O quê?
- O tubo. Vocês não telefonaram para o CERN por causa de um tubo?
O homem deu de ombros.
- Não sei sobre o que está falando. Estivemos muito ocupados hoje. Meu
comandante mandou que eu viesse buscá-los. É tudo o que sei. Vittoria virou-se
para Langdon com o rosto inquieto.
- Coloquem os cintos, por favor - disse o piloto quando aumentou a velocidade do
motor.
Langdon procurou seu cinto de segurança e afivelou-o. Tinha a impressão de que
a fuselagem diminuta encolhia à sua volta. Então, com um ronco, a aeronave
subiu e inclinou-se abruptamente para o lado, descrevendo uma curva para o norte
na direção de Roma.
Roma... o caput mundi, onde César um dia reinou, onde São Pedro foi crucificado.
O berço da civilização moderna. E em seu âmago... o tique-taque de uma bomba.
CAPÍTULO 33
Roma vista de cima é um labirinto - um emaranhado indecifrável de antigas
estradas serpenteando em volta de prédios, fontes e ruínas. O helicóptero do
Vaticano voava baixo no céu rumo a noroeste através da camada permanente de
fumaça produzida pelos congestionamentos da cidade.
Langdon via as bicicletas motorizadas, os ônibus de turismo e o enxame de
miniaturas de Fiats sedã contornando apressados os entroncamentos rotatórios e
espalhando-se em todas as direções. Koyaanisqatsi, pensou ele, lembrando o
termo hopi que significa “vida desequilibrada” Vittoria mantinha-se em silenciosa
determinação no assento ao lado dele.
O helicóptero inclinou-se fortemente para o lado. Com um vazio no estômago,
Langdon procurou fixar os olhos em pontos mais distantes. E encontrou as ruínas
do Coliseu romano. Ele sempre considerara o Coliseu uma das maiores ironias da
História. Hoje um símbolo consagrado do desenvolvimento da cultura e da
civilização humana, o estádio fora construído para exibir séculos de eventos
bárbaros - leões famintos despedaçando prisioneiros, exércitos de escravos
combatendo-se até a morte, estupros coletivos de mulheres exóticas capturadas
em terras remotas, assim como decapitações e castrações públicas. Era também
irônico, na opinião dele, ou talvez apropriado, que a estrutura arquitetônica do
Coliseu tivesse servido de modelo para o Soldier Field de Harvard, o estádio de
futebol onde as antigas tradições de selvageria eram reencenadas todos os
outonos, com fãs enlouquecidos clamando por sangue quando Harvard enfrentava
Yale.
Olhando para o norte, Langdon avistou o Fórum romano, o coração da Roma précristã.
As colunas em ruínas pareciam lápides de túmulos caídas em um cemitério
que de alguma forma conseguira não ser engolido pela metrópole que o rodeava.
A oeste, a ampla bacia do rio Tibre desenhava enormes arcos através da cidade.
Mesmo de cima, dava para notar que o rio era fundo. As torrentes revoltas eram
escuras, cheias de sedimentos e espuma causados por fortes chuvas.
- Bem à nossa frente - disse o piloto, subindo mais.
Langdon e Vittoria olharam para fora e viram. Como uma montanha
rompendo a bruma, o domo colossal erguia-se diante deles: a Basílica de São
Pedro.
- Nisso aí, por exemplo - disse Langdon para Vittoria -, Michelangelo saiu-se
muito bem.
Langdon nunca vira a basílica de cima. A fachada de mármore resplandecia ao sol
da tarde. Adornado com 140 estátuas de santos, mártires e anjos, o hercúleo
edifício tinha a mesma largura de dois campos de futebol e o comprimento
assombroso de seis. O descomunal interior da basílica tinha capacidade para
abrigar mais de 60 mil devotos, cem vezes mais que a população da Cidade do
Vaticano, o menor país do mundo.
Por inacreditável que fosse, nem mesmo uma cidadela dessa magnitude conseguia
fazer a piazza à sua frente parecer menor. Uma vastidão de granito, a Praça de São
Pedro era um extenso espaço aberto no congestionamento de Roma, como um
Central Park clássico. Diante da basílica, contornando o grande espaço aberto,
284 colunas espalhavam-se em quatro arcos concêntricos cujos tamanhos iam
diminuindo...um trompe l'wil arquitetural utilizado para intensificar a impressão
de grandiosidade da piazza. Contemplando aquele magnífico santuário, Langdon
imaginou o que São Pedro pensaria se estivesse ali. O santo morrera de modo
horripilante, crucificado de cabeça para baixo naquele mesmo local. Hoje,
repousava na mais sagrada das tumbas, muitos metros abaixo do solo, diretamente
sob a cúpula central da basílica.
- A Cidade do Vaticano - disse o piloto, num tom de voz que poderia ser tudo,
menos hospitaleiro.
Altos bastiões de pedra elevavam-se adiante - fortificações impenetráveis
cercando o complexo de construções, uma estranha defesa terrena para um mundo
espiritual de segredos, poder e mistério.
- Veja! - disse Vittoria de repente, agarrando o braço de Langdon. Ela apontou,
veemente, para a Praça de São Pedro logo abaixo deles. Langdon aproximou o
rosto da janela para enxergar melhor.
- Ali adiante - indicou ela.
A parte de trás da piazza parecia um estacionamento, lotada com uns dez trailers.
No teto dos trailers, imensas antenas parabólicas estavam viradas para o céu,
todas elas exibindo nomes conhecidos:
TELEVISOR EUROPEA
VIDEO ITALIA
BBC
UNITED PRESS INTERNATIONAL
Ocorreu a Langdon que a notícia sobre a antimatéria já pudesse ter vazado.
Vittoria ficou tensa.
- Por que a imprensa está aqui? O que está havendo?
O piloto virou a cabeça e lançou-lhe um olhar estranho.
- O que está havendo? Então, não sabe?
- Não - ela respondeu depressa, o sotaque soando rouco e forte.
- Il Conclavo - disse. - As portas vão ser lacradas dentro de uma hora. O
mundo inteiro está acompanhando.
Il Conclavo.
A palavra reverberou por um longo instante nos ouvidos de Langdon antes da
sensação de ter um tijolo caindo na boca de seu estômago. Il Conclavo. O
Conclave do Vaticano. Como esquecera daquilo? A notícia estivera nos jornais
recentemente.
Quinze dias antes, o Papa falecera, depois de um pontificado tremendamente
popular de doze anos. Todos os jornais do mundo haviam contado a história do
derrame fatal que acometera o Papa durante o sono - morte repentina e inesperada
que muitos consideravam suspeita. Agora porém, mantendo a tradição sagrada, 15
dias depois da morte de um Papa, o Vaticano realizava Il Conclavo: a cerimônia
em que os 165 cardeais do mundo, os homens mais poderosos da cristandade,
reuniam-se na Cidade do Vaticano para eleger o novo pontífice.
Todos os cardeais do planeta estão aqui hoje, Langdon refletiu enquanto o
helicóptero passava por cima da Basílica de São Pedro. O vasto mundo interior da
Cidade do Vaticano estendia-se abaixo deles.
Toda a estrutura de poder da Igreja Católica Romana está em cima de uma
bomba-relógio.
CAPÍTULO 34
O cardeal Mortati levantou o olhar para o teto exuberante da Capela Sistina e
procurou recolher-se em um momento de quieta reflexão. Nas paredes cobertas de
afrescos ecoavam as vozes de cardeais de todas as nações do globo. Os homens
acotovelavam-se no santuário iluminado pela luz de velas, cochichando
alvoroçados e trocando opiniões em diversas línguas, as universais sendo o inglês,
o italiano e o espanhol.
A luz na capela era geralmente sublime - longos raios coloridos de sol cortando a
escuridão como se viessem direto do Paraíso -, mas não hoje. Como era o
costume, todas as janelas da Capela haviam sido cobertas de veludo negro em
função do sigilo. Assim, ninguém lá dentro podia mandar sinais ou comunicar-se
de que maneira fosse com o mundo exterior. O resultado era uma profunda
escuridão iluminada apenas por velas e uma luminosidade difusa que parecia
purificar todos os que tocava, tornando-os imateriais, como santos. Que
privilégio, pensou Mortati, eu ser o supervisor deste acontecimento santificado.
Os cardeais acima de oitenta anos eram considerados velhos demais para se
candidatarem à eleição e não participavam do conclave, mas, aos 79 anos, Mortati
era o mais velho de todos e fora designado para dirigir os procedimentos.
Seguindo a tradição, os cardeais reuniam-se ali duas horas antes do conclave para
reatarem o contato com os amigos e debaterem questões de última hora. Às sete
da noite, o camarista do último Papa chegava, fazia a oração de entrada e depois
ia embora. Em seguida, a Guarda Suíça lacrava as portas, trancando todos os
cardeais dentro da capela. Então, tinha início o ritual político mais secreto do
mundo. Os cardeais só podiam sair depois de decidirem quem entre eles seria o
novo Papa.
Conclave. Até o nome sugeria segredo. "Con clave" significava literalmente
"trancado à chave' Os cardeais não podiam ter qualquer contato com o mundo
exterior. Nada de ligações telefônicas, nada de mensagens, nada de sussurros
através de portas. O conclave era um vácuo, não podia ser influenciado por nada
que viesse de fora. Para garantir que os cardeais tivessem Solum Deum prae
oculis – somente Deus diante dos olhos.
Do lado de fora da capela, naturalmente, a mídia observava e esperava,
especulando qual dos cardeais seria o líder de um bilhão de católicos em todo o
mundo. Os conclaves criavam uma atmosfera intensa, politicamente carregada e,
ao longo dos séculos, haviam-se tornado às vezes fatais: envenenamentos, lutas
corporais e até assassinatos já haviam irrompido entre as paredes sagradas.
História antiga, pensou Mortati. O conclave daquela noite seria marcado pela
união, pela bem-aventurança e, acima de tudo, seria breve. Pelo menos, fora o que
pensara.
Agora, todavia, surgira um transtorno inesperado. Inexplicavelmente quatro
cardeais estavam ausentes da capela. Mortati sabia que todas as saídas da Cidade
do Vaticano estavam guardadas e que os cardeais que faltavam não poderiam
estar longe. Ainda assim, a menos de uma hora da prece de abertura, ele se sentia
desconcertado. Afinal de contas, os quatro homens não eram cardeais comuns.
Eram os cardeais.
Os quatro escolhidos.
Como supervisor do conclave, Mortati já mandara avisar a Guarda Suíça através
dos canais competentes, alertando-a para a ausência deles. Ainda não tivera
nenhuma resposta. Outros cardeais já haviam notado a incompreensível ausência.
Haviam começado os cochichos ansiosos. De todos, aqueles quatro eram os que
deveriam ter sido mais pontuais! O cardeal Mortati começava a recear que a noite
pudesse ser longa, afinal.
Ele nem imaginava quanto.
CAPÍTULO 35
O heliponto do Vaticano, por questões de segurança ou de controle de ruído,
localiza-se na extremidade nordeste da Cidade do Vaticano, tão longe da Basílica
de São Pedro quanto possível.
- Terra firma - anunciou o piloto quando pousaram. Ele saiu e abriu a porta de
correr para Vittoria e Langdon.
Langdon desceu e virou-se para ajudar Vittoria, mas ela já tinha saltado com
facilidade. Todos os músculos do corpo dela pareciam estar afinados para um
único objetivo: encontrar a antimatéria antes que esta deixasse um terrível legado.
Depois de estender um painel refletor para proteger o vidro da cabine de comando
contra o sol, o piloto conduziu-os para um carrinho elétrico de golfe que
aguardava ali perto. O carrinho, silencioso e rápido, levou-os ao longo da fronteira
oeste do Vaticano - um baluarte de cimento de 15 metros de altura, grosso o
bastante para resistir até mesmo à investida de tanques. Enfileirados na parte
interna do muro, postados a intervalos de 50 metros, os guardas suíços
mantinham-se atentos, vigilantes. O carrinho dobrou à direita e saiu na Via
dell'Osservatorio. Havia placas de sinalização apontando para todas as direções:
PALAZZO GOVERNATORIO
COLLEGIO ETHIOPIANA
BASILICA SAN PIETRO
CAPELLA SISTINA
Aceleraram pela rua bem cuidada e passaram por uma construção atarracada onde
havia uma placa com os dizeres: RADIO VATICANA. Langdon deu-se conta de
que dali vinha a programação de rádio mais ouvida do planeta, a que espalhava a
palavra de Deus para milhões de ouvintes no mundo inteiro.
- Attenzione - disse o piloto, dobrando abruptamente em um entroncamento
rotatório.
Enquanto o carro circulava, Langdon mal podia crer na vista que se apresentava
diante deles. Giardini Vaticani, pensou. O coração da Cidade do Vaticano. Bem à
frente, encontrava-se a parte dos fundos da Basílica de São Pedro, que muita gente
jamais vira. À direita erguia-se o Palácio do Tribunal, a opulenta residência papal
cuja decoração barroca rivalizava apenas com Versailles. O prédio do
Governatorato, de aparência severa, estava agora atrás deles e abrigava a
administração da Cidade do Vaticano. E , mais além, à esquerda, estava o maciço
edifício retangular do Museu Vaticano. Langdon sabia que não haveria tempo
para visitar nenhum museu naquela viagem.
- Onde estão todos? - perguntou Vittoria, observando os gramados e calçadas
desertos.
O guarda conferiu seu cronógrafo preto, de estilo militar - um curioso
anacronismo sob sua manga bufante.
- Os cardeais estão reunidos na Capela Sistina. O conclave começa em menos de
uma hora.
Langdon balançou a cabeça, lembrando-se vagamente que, antes do conclave, os
cardeais passavam duas horas dentro da Capela Sistina em tranqüila reflexão e
estabelecendo contato com seus companheiros do resto do mundo. O período de
tempo tinha como finalidade renovar velhas amizades e fazer com que o processo
eleitoral fosse menos acalorado.
- E o resto dos residentes e funcionários?
- Proibidos de entrar na cidade para garantir que haja sigilo e segurança até que o
Conclave termine.
- E quando termina?
O guarda deu de ombros.
- Só Deus sabe.
As palavras soaram estranhamente literais.
Depois de estacionar o carrinho no vasto gramado logo atrás da Basílica de São
Pedro, o guarda escoltou Vittoria e Langdon por uma rampa de pedra que dava
acesso a uma esplanada junto aos fundos da basílica. Atravessaram a esplanada,
aproximaram-se da basílica e contornaram-na passando por um pátio triangular,
cruzando a Via Belvedere e um conjunto de edifícios muito próximos uns dos
outros. As aulas de História da Arte de Langdon haviam-lhe permitido que
aprendesse italiano o suficiente para identificar ali a Gráfica do Vaticano, o
Laboratório de Restauração de Tapeçarias, a Administração do Correio e a Igreja
de Santa Ana. Atravessaram mais uma pequena praça e chegaram a seu destino.
O Escritório da Guarda Suíça fica ao lado de le Corpo di Vigilanza, a nordeste da
basílica, em uma construção robusta, de pedra. De cada lado da entrada, como
duas rígidas estátuas, havia um guarda. Langdon teve de admitir que esses
guardas não pareciam tão cômicos. Também usavam o uniforme azul e dourado,
mas seguravam a tradicional “espada longa do Vaticano” uma lança de dois
metros e meio de comprimento com uma ponta falciforme, afiada como uma
navalha, que teria sido usada para decapitar inúmeros muçulmanos na defesa dos
cruzados cristãos no século XV.
Quando Langdon e Vittoria se aproximaram, os dois guardas deram um passo à
frente e cruzaram suas longas espadas, bloqueando a entrada. Um deles olhou
para o piloto, confuso.
- I pantaloni - disse, indicando o short de Vittoria.
O piloto fez um gesto para que os deixasse passar.
- Il comandante vuole vederli subito.
Os guardas fizeram cara feia. Relutantes, afastaram-se para o lado. Dentro, o ar
estava frio. Não se parecia em nada com a sede administrativa de um serviço de
segurança que Langdon teria imaginado. Decorados e impecavelmente
mobiliados, os corredores continham quadros que qualquer museu ficaria contente
em expor em sua sala principal.
O piloto apontou para uma escadaria íngreme.
- Vamos descer, por favor.
Langdon e Vittoria desceram os degraus de mármore entre uma fileira de estátuas
masculinas nuas. Todas elas usavam folhas de parreira de um material de
tonalidade mais clara que o do resto do corpo.
A Grande Castração, pensou Langdon.
Foi uma das piores tragédias da arte da Renascença. Em 1857, o Papa Pio IX
decidiu que a representação exata do corpo masculino poderia incitar à luxúria.
Então, pegou um cinzel e um malho e decepou a genitália de todas as estátuas
masculinas da Cidade do Vaticano. Desfigurou obras de Michelangelo, Bramante
e Bernini. Folhas de parreira feitas de gesso serviram de remendo para o estrago.
Langdon muitas vezes imaginara se não haveria um enorme caixote cheio de
pênis em algum lugar.
- Aqui - anunciou o guarda.
Haviam chegado ao pé da escada, que só dava acesso a uma pesada porta de aço.
O guarda digitou um código de entrada e a porta correu, abrindo-se. Os dois
entraram. Lá dentro reinava o caos absoluto.

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