quarta-feira, 11 de agosto de 2010

OPERAÇÃO CAVALO DE TRÓIA

Baseando-se em informações confidenciais, o prestigiado autor
deste best- seller internacional revela dados novos e surpreendentes
sobre a figura e a obra de Jesus de Nazaré.
Tudo começa quando um militar e cientista norte-americano confia
ao autor deste livro uma série de documentos que comprovam uma
experiência prodigiosa: uma viagem no tempo permitiu ao protagonista
presenciar, há quase dois mil anos, os últimos dias de Jesus Cristo na
Terra, desde a sua entrada em Jerusalém, até à sua prisão, julgamento,
crucificação e ressurreição.
Esta misteriosa e perturbante experiência, baptizada pela NASA
como “Operação Cavalo de Tróia” teria sido realizada em Israel, no mais
completo secretismo e envolvendo sofisticada tecnologia de vanguarda.
Trata-se de um relato objectivo e rigoroso, que impressiona, desde
logo, pelos detalhes minuciosos dos acontecimentos desses dias, que
tiveram uma importância decisiva na evolução da História da
Humanidade.
Operação Cavalo de Tróia é, assim, um livro onde se entrecruzam o
passado e o presente, como se já não existissem – ou, afinal, nunca
tivessem existido – fronteiras entre a ficção e a realidade.
J. J. BENÍTEZ
é um dos mais populares escritores espanhóis da actualidade.
Nascido em Navarra, há trinta e oito anos, foi jornalista antes de se
dedicar à literatura. A sua primeira obra, Existió otra Humanidad, foi
editada em 1975, seguindo-se, entre mais de duas dezenas de bestsellers
internacionais, OVNIS: S.O.S. A La Humanidad (com mais de 80
mil exemplares vendidos), El Enviado (mais de 100 mil exemplares), Los
astronautas de Yavé (mais de 30 mil exemplares) e El misterio de la
Virgen de Guadalupe (mais de 50 mil exemplares). Com Operação Cavalo
de Tróia – que, só em Espanha, conta já com mais de 300 mil exemplares
vendidos -, J. J. Benítez aventura-se abertamente no sugestivo universo
dos livros-testemunho centrados em factos que têm permanecido
ocultos ou esquecidos.
Próximo volume:
Operação Cavalo de Tróia II
A continuação deste best-seller mundial.
OPERAÇÃO CAVALO DE TRÓIA I'''
J. J. BENÍTEZ
Tradução de
Fernando de SOUSA
Título original:
Caballo de Troya
Copyright (C) J. J. Benítez,1989
Publicado originalmente por Editorial Planeta, S. A.
Difusão Cultural – Sociedade Editorial e Livreira, Lda.
Av. Almirante Reis, 260 – 3.o Esq. - 1000 Lisboa
Capa Original: Antonio Diogo
Revisão e Conversão em PDF: Edu Lopes
Imagem de Capa: Salvador Dalli
Sumário
Washington
México D. F.
Tabasco
Iucatão
Espanha
Washington
O DIÁRIO
30 de Março, quinta-feira
31 de Março, sexta-feira
1 de Abril, sábado
2 de Abril, domingo
3 de Abril, segunda-feira
4 de Abril, terça-feira
5 de Abril, quarta-feira
6 de Abril, quinta-feira
8 de Abril, sábado
9 de Abril, domingo
Assinalado com uma estrela, o ponto de contacto onde pousou o módulo, no
cume do monte das Oliveiras. O círculo que aparece um pouco mais ao sul marca o
ponto da encosta do monte onde foi
instalado o acampamento de Jesus e seus discípulos, em Getsémani.
Permaneci submerso na realização de Operação Cavalo de Tróia.)
Há ainda muitas outras coisas que Jesus fez.
Se fossem escritas uma a uma, creio que o próprio mundo não poderia conter
os livros que tinham de ser escritos.
S. João, 21
WASHINGTON
Pelo meu relógio eram três da tarde. Faltavam duas horas para que o
Cemitério Nacional de Arlington fechasse as portas. Eu tinha gastado
quase toda aquela segunda-feira, 12 de Outubro, em frente aos três
túmulos dos soldados desconhecidos e à minúscula e perpétua chama
alaranjada que dá vida à rústica laje cinzenta sob a qual repousam os
despojos fúnebres do presidente John Fitzgerald Kennedy. Ainda que de
tanto o ler já o tivesse decorado, mais uma vez consultei o código que o
Major me entregara.
Pela enésima vez examinei o maciço sarcófago de mármore branco
que se ergue na face leste do Anfiteatro Comemorativo e constitui o
monumento inicial e que mais sobressai do Túmulo ao Soldado
Desconhecido. Na face õeste esculpiram três figuras que simbolizam a
Vitória, obtendo a Paz por meio da Coragem. Mas aquele painel não
parecia estar relacionado com o meu código...
Lentamente, como mais um turista, contornei o cordão que encerra
o reduzido átrio rectangular e fui sentar-me em frente da face
posterior do túmulo central, nos degraus de um pequeno anfiteatro.
Exausto, reli
quanto tinha anotado. Na minha frente, a cinco metros dos túmulos,
um soldado de infantaria do Primeiro Batalhão da Velha Guarda, com
sede em Fort Myer, passava para cima e para baixo, espingarda ao
ombro, a exibir a escura farda de gala.
Ainda que a corrente de segurança me separasse uns dez metros
daquela parte do túmulo, a legenda gravada no mármore podia ler-se com
facilidade: Aqui repousa gloriosamente um soldado dos Estados Unidos
que só Deus conhece.
Estará ali a chave?, perguntei-me, com nervosismo.
A solitária sentinela, esgalgada e fria como a baioneta que rematava
o seu brilhante mosquetão, tinha parado. Depois de uma breve pausa,
rodou, mudando a espingarda de ombro. Segundos depois percorria o
mesmo caminho, parando em frente do túmulo. Ali repetiu a mudança de
posição da espingarda e, rodando de novo, reiniciou o seu solene desfile.
O meu amigo, um major norte-americano, referia-se ao soldado que
está de guarda, dia e noite, no cemitério dos heróis, em Washington.
A sentinela que vela diante do túmulo te revelará o ritual de
Arlington, dizia a primeira frase da sua última carta...
MÉXICO D. F.
Mas será justo que, antes de prosseguir com esta nova aventura,
conte quando e em que circunstâncias conheci o Major e como me vi
envolvido numa das investigações mais estranhas e fascinantes de
quantas empreendi.
No mês de Abril de 1980, e por outras razões que não vêm a
propósito, encontrava-me no México (Distrito Federal). Havia poucos
meses que tinha escrito o meu primeiro livro acerca das descobertas dos
cientistas da NASA sobre o Santo Sudário, de Turim, e recordo que,
numa das minhas intervenções na televisão asteca – concretamente, no
prestigiado e popular programa informativo de Jacobo Zabludowsky -, eu
tinha comentado alguns pormenores sobre as horríveis torturas a que
fora submetido Jesus de Nazaré. Para minha surpresa e da gente da
Televisão, naquela noite registou-se uma torrente de chamadas vindas
dos pontos mais distantes da república e até de Miami e da Califórnia.
De regresso ao hotel, a telefonista do Presidente Chapultepec
passou-me uma chamada que nunca esquecerei.
- É o senhor J. J. Benítez?
- Sou eu, diga...
- O senhor é J. J Benítez?
- Sim, sou eu... Quem fala?
- Vi-o no programa do senhor Zabludowsky e teria grande honra
sepudesse falar consigo.
- Bom, pois fale – respondi quase mecanicamente, ao mesmo tempo
que me deixava cair em cima da cama. Naqueles primeiros instantes
confundi o meu interlocutor com o típico curioso. E preparei-me para
acabar com a conversa na primeira altura.
- Como já terá adivinhado pelo sotaque, sou estrangeiro...
Sinceramente, ao ouvi-lo, impressionou-me o seu interesse por
Cristo. - Desculpe – interrompi-o, procurando saber com quem estava a
falar. - Como disse chamar-se?
- Não, não lhe disse o meu nome. E se o senhor me permite, dada a
minha condição de antigo piloto da força aérea norte-americana,
preferia não lho dar pelo telefone.
Aquilo pôs-me em guarda. Reflecti e procurei arrumar ideias.
..Não sei qual é o seu plano de trabalho no México continuou, em tom
muitíssimo afável -, mas talvez possa ser de grande interessepara si que
nos encontremos. Que Ihe parece?
- Não sei – hesitei. - Onde é que o senhor se encontra?
- Estou a telefonar-lhe do estado de Tabasco. Tem alguma
viagemprevista a esta região?
- Francamente, não, mas...
Mais uma vez me deixei guiar pela intuição. Um antigo piloto da
USAF ? Podia ser interessante...
A experiência como investigador tem-me ensinado a aceitar o risco.
Que tinha eu a perder com aquela entrevista?
- Pode esclarecer-me já alguma coisa? - insinuei, sem reprimir a
curiosidade.
- Não... Acredite. Por telefone, não posso... Mas há mais, não desejo
enganá-lo e desde já lhe digo que nessa primeira conversa, se é que virá
a dar-se, provavelmente não obterá grandes conclusões. No entanto,
insisto em que nos encontremos...
- Está bem – interrompi, com alguma indelicadeza. - Aceito.
Onde e quando nos vemos?
- Pode vir a Villahermosa? Até sábado estarei aqui. Conhece a
cidade?
- Sim, conheço – respondi, um tanto contrariado.
Se a memória não me falhava, em Julho de 1977, Raquel e eu
tínhamos visitado a zona arqueológica de Palenque, no estado de Chiapas,
e as colossais cabeças olmecas de Villahermosa. Porém, encontrava-me
agora no Distrito Federal, a mil quilómetros da tórrida região
tabasquenha.
- Acha bem sexta-feira, dia dezoito?
- Um momento. Deixe-me ver a agenda...
A verdade é que eu já sabia não haver compromisso algum para a
referida sexta-feira. Mas o facto de ter de viajar até Tabasco, sem
garantias nem referências sobre a pessoa com quem pretendia
encontrar-me
tinha-me irritado. E procurei rapidamente qualquer desculpa que me
livrasse de tão disparatada viagem. Foram uns segundos tensos. Por um
lado, o instinto jornalístico puxava-me para Villahermosa. Por outro, a
sensatez começara a minar o meu frágil entusiasmo. Felizmente
paramim, impôs-se o primeiro e aceitei.
- Muito bem. Creio que há um avião que parte do México pela umada
manhã. Onde o posso encontrar?
- Conhece o Parque de la Venta?
O homem devia ter notado as minhas dúvidas e acrescentou:
- O das cabeças olmecas...
- Conheço, sim.
- Estarei à sua espera junto do Grande Altar...
- Mas como vou conhecê-lo?
- Não se preocupe.
Aquela certeza deixou-me fascinado.
.. O mais provável – concluiu – é que eu o reconheça primeiro.
- Está bem. Em todo o caso, levarei um livro na mão...
- Como quiser.
- Então... até sexta-feira.
- Óptimo. Muito obrigado por atender o meu pedido.
- Tive muito prazer – menti. - Boa noite.
Ao desligar o telefone, fui assaltado por um enxame de dúvidas.
Porque fora eu aceitar tão rapidamente? Que certeza tinha de que
aquele hipotético estrangeiro fosse um piloto reformado da USAF ? E se
tudo aquilo fosse uma brincadeira?
Ao mesmo tempo, alguma coisa me dizia que devia ir a Villahermosa.
O tom de voz daquele homem dava-me a convicção de estar a tratar
com uma pessoa sincera. Mas, que queria ele comunicar-me? Pensei,
naturalmente, naquela enigmática informação. O mais lógico
- dizia eu para comigo, enquanto tentava inutilmente conciliar o
sono.
– será tratar-se de algum caso ovni em que entraram os
militaresnorte-americanos. Ou não? Porque se referiu ele ao meu
interesse porCristo? Que terá a ver um militar veterano com semelhante
assunto?
Para dizer a verdade, quanto mais pensava no caso mais estranho e
irritante ele me parecia. Optei assim pela única solução prática:
esquecer-me até sexta-feira, 18 de Abril.
TABASCO
Às dez horas e quarenta e cinco minutos, apenas uma hora depoisde
levantar voo do aeroporto Benito Juárez, da cidade do México, aterrava
em Villahermosa. Ao pôr os pés na pista, um familiar formigueirono
estômago me anunciou o começo de uma nova aventura. Ali estava eu,
debaixo de um sol tropical, com a inseparável bolsa preta das máquinas
fotográficas ao ombro e um exemplar do meu livro O Enviado na mão.
Veremos o que o destino me reserva, pensei, enquanto atravessava a
crestante pista em direcção ao edifício do aeroporto. Aquela situação
- para quê negá-lo – fascinavci-me. Sempre gostei de brincar aos
detectives...
Por isso, e desde o momento em que saí do avião da Companhia
Mexicana de Aviação, fui fixando a minha atenção nas pessoas que
esperavam no aeroporto. Estaria por lá o misterioso interlocutor? Pelo
timbre da sua voz, o meu anónimo amigo devia andarpelos cinquenta anos.
Talvez mais, dado ser um piloto retirado do serviço activo.
Agarrei o livro com a mão esquerda, fazendo que a capa ficasse bem
à vista, e, vagarosamente, encaminhei-me para o serviço de câmbio. Se o
norte-americano estava por ali tinha de me identificar.
Troquei alguns dólares, e com a mesma calma dirigi-me para a porta
de saída à procura de um táxi.
Ninguém fez o menor movimento nem a mim se dirigiu em momento
algum. Era evidente que o estrangeiro não se encontrava no aeroporto,
ou pelo menos, não quisera dar sinal de vida.
Poucos minutos depois, pelas onze e um quarto daquela sexta-feira,
18 de Abril de 1980, um empregado do Parque Museo de la Venta
entregava-me o correspondente bilhete de entrada, bem como uma
simples mas bem documentada planta para localização das gigantescas
esculturas olmecas.
O parque parecia estar tranquilo. Consultei o mapa e verifiquei que o
Grande Altar – o nosso ponto de encontro – estava situado exactamente
no centro daquele belo museu ao ar livre. O itinerário indicava um total
de vinte e sete monumentos. Eu devia caminhar até ao número cinco. Se
tudo corresse bem, era ali que deveria conhecer, finalmente, o meu
informador.
Sem perda de tempo, meti-me pelo estreito caminho, seguindo as
pisadas de uns pés a vermelho que tinham sido pintadas pelos
responsáveis do parque e constituíam uma simpática ajuda ao visitante.
Uns metros à minha esquerda, descobri o monumento número um.
Tratava-se de uma formidável cabeça de jaguar meio destruída, com
um peso de trinta toneladas.
Continuei a andar, metendo-me por um cerrado bosquezinho. O
coração começava a bater-me mais depressa.
A uns oitenta passos, à direita do caminho, apareceram as
esculturas de um macaco e de outro jaguar. Eram os monumentos
números dois e três. Em frente ao jaguar a planta indicava a figura de
um manatim, esculpido em serpentina. Era o número quatro.
Avancei mais uns trinta metros e, ao deixar para trás um dos
cotovelos da vereda, reconheci entre o arvoredo o monumento número
quatro-bis: outro pequeno jaguar, também esculpido no basalto. O
seguinte era o Grande Altar Triunfal.
Aqueles últimos metros até ao pequeno átrio onde se ergue o
monumento número cinco foram singularmente intensos. Até àquele
momento não encontrara sequer um turista. A minha única companhia
eram os meus pensamentos, e aquela louca algaravia da multidão de
pássaros multicores que esvoaçavam entre as copas dos grandes
huayacãs, e cedros vermelhos.
Ao entrar na clareira parei. O coração teve um sobressalto.
O Grande Altar estava deserto. Por baixo da ara, num nicho central,
uma figura nua e musculosa empunhava uma adaga na mão esquerda. Com
a direita, a estátua agarrava uma coroa a que estava amarrado um
prisioneiro.
O furioso sol do meio-dia devolveu-me à realidade.
Onde está o maldito yankee?, balbuciei, indignado.
Só a ideia de que tivesse zombado de mim me perturbava.
Avancei desconcertado para o Grande Altar sentindo chiar debaixo
das botas o cascalho branco.
Talvez tenha chegado adiantado, pensei, numa débil tentativa para
me tranqüilizar.
De repente, avisado – suponho – pelo som dos meus passos no
cascalho, um homem apareceu atrás da grande mole de pedra.
Ambos permanecemos imóveis durante uns segundos, observandonos.
Nunca esquecerei aqueles instantes. Tinha na minha frente um
indivíduo de considerável altura – talvez perto de um metro e oitenta –
com o cabelo grisalho e vestindo casaco e calças brancas.
Respirei, aliviado. Sem dúvida era aquele o meu anónimo
interlocutor.
- Bom dia – exclamou, ao mesmo tempo que tirava os óculos escuros
e sorria. - É o senhor J. J. Benítez? Confirmei e apertei-lhe a mão.
Costumo dar grande importância a
este gesto. Gosto daqueles que o fazem com força. Aquele aperto
de mão foi sólido, como o dos amigos que se encontram passado muito
tempo.
- Agradeço-lhe que tenha vindo – comentou. - Creio que não se
arrependerá por me ter conhecido.
Nem nesta primeira entrevista nem nas que se seguiram durante
vários meses, pude averiguar a idade exacta daquele norte-americano.
A ajuizar pelo seu aspecto – ossudo e com um rosto riscado pelas
rugas – talvez andasse pelos sessenta anos. Os olhos claros,
penetrantes, mspiraram-me confiança. Não sei a razão, mas, desde
aquele primeiro encontro junto ao Grande Altar, no Museu de la Venta,
se estabeleceu entre nós uma mútua corrente de confiança.
- Conheço um restaurante onde podemos conversar. Tem fome? Não
tinha apetite algum, mas aceitei. O que me consumia era a curiosidade.
Uns minutos depois estávamos sentados num estabelecimento em
penumbra, quase no final da Rua do Paralelo Dezoito. Durante o trajecto,
nenhum de nós falou. Suponho que o meu novo amigo fez o mesmo que eu:
tentar descobrir o outro até aos mais pequenos pormenores... Depois
daquele cumprimento no museu das gigantescas cabeças negróides, a
certeza de que me encontrava ante uma possível boa notícia ia ganhando
terreno.
- Diga – quebrei o silêncio, convidando o meu companheiro a que
começasse a falar.
- Em primeiro lugar, quero lembrar-lhe o que já lhe disse por
telefone. É possível que se sinta desiludido, no fim da nossa primeira
conversa.
- Porquê?
- Quero ser muito sincero consigo. Mal o conheço. Não sei até onde
pode chegar a sua honestidade...
Deixei-o falar. O seu tom pausado e cordial tornava as coisas muito
mais fáceis.
.. Para depositar nas suas mãos a informação que possuo, primeiro
Lem de me demonstrar que confia em mim. Por isso – peço-lhe que não
fique alarmado – tenho de experimentar e ter a certeza da sua firmeza
de espírito e, principalmente, do seu interesse por Cristo.
O americano levou à boca um sumo de laranja e continuou a
perfurar-me com aquela mirada de falcão. Deve ter captado a minha
confusão. Que tinha a ver a minha firmeza de espírito com Cristo ou,
antes, com o meu interesse por Jesus?
- Permita-me duas perguntas, senhor...
- Se isso não o aborrece – respondeu, com um fugaz sorriso trateme
por Major. De momento, e por razões de segurança, não posso dizerlhe
o meu verdadeiro nome.
Aquilo desagradou-me. Mas aceitei. Que mais podia eu fazer, se
queria realmente chegar ao fundo daquele enigmático assunto? - Está
bem, Major. Vamos por partes. Em primeiro lugar, o senhor disse ser um
oficial da força aérea norte-americana que passou à reserva. Estou
enganado?
- Não, não está.
- Bem. Segunda pergunta: que tem a ver o meu interesse por Cristo
com essa informação que diz possuir?
O criado pôs em cima da toalha vermelha várias travessas com
postas de robalo e guisado de carne com pimento, empadas de queijo e
um imenso lombo à moda de Tampico.
O Major calou-se. Tenho agora a certeza de que foi para ele uma
situação difícil. O meu amigo teve de lutar contra si mesmo para se
conter.
- Quando conhecer a natureza dessa informação –
acentuoucompreenderá as minhas precauções. Antes que isso aconteça,
tenho de 20 me convencer de que você, ou a pessoa escolhida, será capaz
de lhe dar valor e, principalmente, que fará bom uso dela.
- Não consigo entender porque me escolheu...
O Major deixou de me perscrutar e perguntou, por sua vez:
- Acredita na casualidade?
- Sinceramente, não.
- Quando o vi e o ouvi na televisão, houve uma frase sua que me
levou a telefonar-lhe. Teve a coragem de reconhecer publicamente que,
agora, a partir das suas investigações sobre as descobertas dos
cientistas da NASA, tinha descoberto Jesus de Nazaré. O senhor não
parece envergonhar-se de Cristo...
Sorri.
- E por que razão o faria, se realmente acredito nEle?
- Foi isso que transmitiu através do programa. E isso é, nem mais
nem menos, o que eu procuro.
Não pude conter-me e lancei-lhe à queima-roupa:
- Desculpe. Pertence a alguma seita religiosa? O Major pareceu
ficar desconcertado. Mas acabou por sorrir, revelando-me um novo dado.
- Vivo só e isolado. Sou crente, e nem imagina até que ponto o sou...
No entanto, sempre fugi a qualquer tipo de igreja ou grupo religioso.
Pode ter a certeza de que não se encontra na frente de um fanático...
Pareceu-me notar um pouco de tristeza e de melancolia nalgumas
palavras suas. Hoje, ao recordá-lo, e consoante fui descobrindo o enigma
do major norte-americano, não posso evitar uma arrepio de emoção e de
profundo respeito por aquele homem.
- Onde vive?
- No Iucatão.
- Posso perguntar-lhe porque vive só e isolado? Mas, antes que me
respondesse, tentei encurralá-lo com uma segunda pergunta:
- Tem alguma coisa a ver com essa informação que conhece?
- A isso posso responder com um terminante sim,.
De novo houve silêncio entre nós.
- E que deseja que eu faça?
O Major tirou de uma das algibeiras do casaco uma pequena e
desbotada caderneta azul. Escreveu umas palavras e entregou-me a
folhinha de papel. Tratava-se de um apartado dos correios na cidade de
Chichén Itzá, no mencionado estado do Iucatão.
- Quero que continuemos em contacto – respondeu, indicando-me a
direcção. - Pode escrever-me para esta caixa postal?
- Naturalmente, mas...
O homem pareceu adivinhar os meus pensamentos e continuou com
uma firmeza que não dava lugar a dúvidas:
- Tenho de pôr à prova a sua sinceridade. Suplico-lhe que não se
aborreça. Só quero ter a certeza. Embora não o compreenda agora, eu
sei que os meus dias estão contados. E tenho urgência em encontrar a
pessoa que terá de difundir essa informação...
Aquela confissão deixou-me perplexo.
- Está a dizer-me que sabe que vai morrer? O Major baixou os
olhos. E eu amaldiçoei a minha falta de tacto.
- Perdoe...
- Não se desculpe – continuou o oficial, voltando ao seu tom alegre. -
Morrer não é bom nem mau. Se o insinuei foi para que saiba que esse
momento está próximo e que, por consequência, não está a lidar com um
brincalhão ou um louco.
- Como saberei se decidiu ou não que seja eu a pessoa adequada?
- Acho que em breve nos voltaremos a ver, não se preocupe.
Saberá, simplesmente.
- Não posso esconder-lho mais. Sabe que investigo o fenómeno
ovni...
- Sei.
- Pode ao menos esclarecer-me se essa informação tem algo a ver
com essas astronaves?
- Tudo o que posso dizer-Ihe é que não.
Aquilo acabou por me desorientar.
Duas horas mais tarde, com o espírito assaltado por dúvidas,
levantava voo de Villahermosa, rumo à Cidade do México. Não podia
então imaginar o que o destino me reservava.
IUCATÃO
De regresso a Espanha, e durante alguns meses, o Major e eu
trocámos uma série de cartas. Por aquela altura, as minhas actividades
na investigação ovni tinham já atingido um volume e uma dimensão
suficientemente notórios para tentar os diversos serviços de
espionagem que actuam no meu país. Tinha então consciência – e ainda a
tenho agora – de que o meu telefone era vigiado e de que, em muitas
alturas, dada a natureza de algumas indagações, os subtis agentes
desses departamentos (civis e militares) de Informação tinham seguido
muito de perto os meus passos e encontros. O que nunca souberam – pelo
menos assim espero – é que, prevendo que a minha correspondência
pudesse ser interceptada, eu tinha alugado uma determinada caixa
postal nos correios, aproveitando para tal a cumplicidade de um bom
amigo, que figurou sempre como o legítimo utente. Esta habilidade
permitiu-me desviar do canal oficial aquelas cartas, documentos e
informações em geral que pretendia isolar daquela curiosidade doentia.
Naturalmente, pelo que poderia acontecer, e dada a antiga profissão
e a nacionalidade do Major, sempre as suas missivas seguiram por essa
via confidencial. Nem a minha mulher, Raquel soube da existência deste
novo amigo nem dos meus sucessivos contactos com ele.
Por outro lado, e ainda que as cartas do Major tivessem caído nas
mãos dos serviços de espionagem, duvido muito que o seu conteúdo
pudesse atrair-Ihes a atenção. Por mais que insistisse, nunca consegui
que largasse uma única pista sobre a informação que dizia possuir.
As suas amáveis palavras estavam sempre dirigidas para um mais
intenso e extenso conhecimento da minha maneira de pensar, das minhas
inquietações e, especialmente, dos meus passos e investigações em torno
da Paixâo e morte de Cristo. Recordo que uma das suas cartas foi
dedicada inteiramente a interrogar-me sobre a última parte do meu livro
O Enviado.
Segundo parece, a minha hipotética entrevista com Jesus de
Nazaré, que conclui a obra, causou-lhe especial impressão. E chegou o
Outono de 1980. Em honra da verdade, as minhas esperanças de obter
algum indício sobre o impenetrável segredo do Major tinham ido
enfraquecendo. Houve momentos difíceis, em que as dúvidas me
assaltaram com grande violência. Acho que o meu fraco entusiasmo teria
acabado por se extinguir se não tivesse recebido aquela lacônica carta –
quase telegráfica – em que o meu amigo me rogava que largasse tudo e
voasse até à cidade de Mérida, no estado do Iucatão. Durante alguns
dias – não o nego – debati-me numa angustiante inquietação. Que devia
fazer? Teria o Major resolvido falar-me com clareza?
Uma vez mais, estive tentado a escrever-lhe e a pedir-lhe
explicações.
Mas alguma coisa me deteve. Tinha a intuição de que podia ser outra
prova, talvez a definitiva.
Tomei por fim a decisão de apanhar o avião para a América e iniciei
uma infinidade de medidas para procurar cobrir, no todo ou em parte, o
elevado custo da viagem. Contrariamente ao que muitos possam pensar,
os meus recursos económicos são sempre escassos e aquele súbito salto
para o outro lado do Atlântico acabou por desequilibrá-los.
Providencialmente, o meu amigo e editor José Manuel Lara aceitou a
ideia de apresentar os meus últimos livros na América, e com esta
desculpa aterrei em Bogotá.
Aquele desvio, embora atrasasse uns dias o meu encontro com o
Major, pareceu-me extremamente prudente. Não estava disposto a
conceder a menor possibilidade aos serviços de espionagem, e assim o
anunciei ao meu amigo, numa carta que me precedeu e em que,
evidentemente, lhe indicava o dia e o voo em que esperava aterrar em
Mérida.
Concluídas as minhas obrigações na Colômbia, arranjei maneira de
cancelar os meus compromissos em Caracas, voando rigorosamente
incógnito – via Belmopán – até Iucatão.
Ao passar pela alfândega, e antes de ter tempo para procurar o
Major, esbarrei com um cartaz onde tinham escrito o meu primeiro
nome.
O escandaloso cartaz estava nas mãos de um homem rijo, de grande
bigode preto e pele bronzeada. Ao apresentar-se, identificou-se como
Laurêncio Rodarte, ao serviço do Major.
- Ele não pôde vir esperá-lo – desculpou-se, enquanto teimava em me
levar a mala. - Se não se importa, eu levo-o até junto dele.
O meu instinto fez-me desconfiar. E, antes de sair do aeroporto,
procurei averiguar que papel desempenhava aquele indivíduo e por que
razão não viera o Major.
Laurêncio deve ter percebido o meu receio e, largando a mala,
resumiu:
- O Major está doente.
- Onde está?
- Sinto muito, mas não tenho autorização para o dizer.
Mandou-me que viesse esperá-lo e...
- Olhe, Laurêncio – interrompi-o, procurando serenar os meus
nervos nada tenho contra si. Mais: agradeço-Ihe que tenha vindo
esperar-me, mas, se me disser onde está o Major eu irei pelos meus
próprios meios.
O homem hesitou.
- É que as minhas ordens...
- Não se preocupe. Diga-me onde é que o Major me espera e irei ao
seu encontro.
O tom da minha voz era tão firme que Laurêncio acabou por
encolher os ombros e perguntou de má vontade:
- Conhece Chichén Itzá?
- Conheço.
- O Major ordenou-me que o levasse até à cisterna sagrada.
Laurêncio apontou para o meu relógio e acentuou:
- Deve lá estar às quatro.
E, dando meia volta, encaminhou-se para a saída. Consultei a hora
local e verifiquei que dispunha de duas horas, o que mal chegava para ir
até à cisterna sagrada dos Maias. Tinha visitado noutros momentos o
recinto arqueológico da escondida povoação de Chichén Itzá, a leste de
Mérida, e em plena selva da península do Iucatão. Conhecia também as
suas famosas cisternas – a sagrada e a profana -, situadas a curta
distância da cidade e que, segundo os arqueólogos, foram utilizadas pelos
antigos Maias como reservatórios naturais de água. A cisterna sagrada,
era também um centro religioso, onde se praticavam sacrifícios humanos.
Ao ver afastar-se o Toyota preto que Laurêncio guiava, descansei
por um instante, procurando pôr as minhas ideias em ordem. Como era
evidente, não tardei em me censurar por aquela seca e radical atitude
para com o emissário dó Major. Especialmente, na altura de lidar com os
motoristas dos táxis, estacionados junto ao aeroporto...
Depois de muito regatear, um dos motoristas aceitou levar-me por
oitocentos e cinquenta pesos. E pelas duas da tarde – sem ter comido
nada e com a roupa encharcada em suor – o táxi meteu pela Estrada 180,
em direcção a Chichén.
Tal como tinha prometido, o motorista do táxi percorreu os cento e
vinte quilómetros que separavam Mérida de Chichén Itzá em pouco mais
de hora e meia. Depois de um vertiginoso duche no hotel da Villa
Arqueológica, encaminhei-me para o local escolhido pelo Major.
Às quatro em ponto, com passo ligeiro e o coração a sair-me pela
boca, deixei atrás de mim a impressionante pirâmide de Kukulcán e a
plataforma de Vénus, enfiando-me pela Via Sagrada, como é conhecida,
que morre precisamente numa cisterna ou tanque de quase sessenta
metros de diâmetro e quarenta de profundidade.
Antes de chegar ao caminho para o poço sagrado, avistei duas
pessoas sentadas junto de uma frondosa acácia com florinhas rosadas.
Ao ver-me uma delas levantou-se. Era Laurêncio. Caminhei mais
devagar e enquanto me aproximava senti uma imensa e irreprimível
vergonha. Mais uma vez me tinha enganado.
Mas aquele sentimento desvaneceu-se ao ver a segunda pessoa.
Fiquei atónito. Era o Major, mas com mais vinte anos do que aqueles
que aparentava quando o conheci em Villahermosa. Continuou sentado na
plataforma de pedra do velho altar dos sacrifícios, observando-me com
uma mistura de incredulidade e de emoção. Lentamente, em silêncio,
deixei escorregar a bolsa das máquinas fotográficas, ao mesmo tempo
que Laurêncio o ajudava a levantar-se. O Major estendeu então os seus
compridos braços e, sem saber por que motivo, deixando-me arrastar
pelo coração, abraçámo-nos.
- Querido amigo... - murmurou o ancião. - Querido amigo!...
Os seus olhos penetrantes, agora enterrados num rosto cadavérico,
tinham-me humedecido. Algo de muito grave, efectivamente, minara a
sua antiga e galharda figura. O seu corpo parecia curvado e reduzido a
um molho de ossos, por baixo de uma pele ressequida e salpicada por
pintas escuras de melanina. Uma barba branca e desleixada mais
acentuava a sua decadência.
Tentei esboçar uma desculpa, apertando a mão de Laurêncio, mas
este, sem perder o sorriso, pediu-me que esquecesse o incidente do
aeroporto.
O Major, apoiando-se ao meu ombro, sugeriu-me que caminhássemos
um pouco até ao prado que rodeia a pirâmide de Kukulcán.
Com passo vacilante e uma infinidade de paragens pelo caminho,
fomos aproximando-nos do castelo ou pirâmide da Serpente Emplumada.
Assim, naquele primeiro dia em Chichén Itzá, soube pela boca do
próprio Major que o seu fim estava próximo e que, contrariamente ao
que pudesse imaginar, a sua morte fixaria precisamente o começo do
meu labor.
Soube também que – tal como me insinuara noutras alturas – a sua
doença era consequência de uma falha não prevista num projecto
secreto levado a cabo uns anos atrás, quando ainda pertencia à força
aérea norte-americana. Quando o interroguei sobre o referido projecto,
suspeitando que poderia ter uma estreita relação com a informação que
prometera dar-me, o Major pediu-me que continuasse a ser paciente e
esperasse um pouco mais.
Durante dois dias, a minha vida decorreu praticamente numa
pequenina casa térrea, nos arredores de Chichén, muito próxima das
grutas de Balankanchen, na estrada que segue em direcção à Valhadolid
maia.
Ali, Laurêncio e sua mulher tratavam do meu amigo havia seis anos.
Nem é preciso dizer que aproveitei aquela magnífica oportunidade
para mergulhar, na medida do possível, no passado e na identidade do
Major. No entanto, as minhas pesquisas entre as diversas autoridades
policiais e as pessoas de Chichén não foram tão frutíferas como eu teria
desejado. Por um mínimo de delicadeza para com o meu amigo e por ter
começado a estimá-lo, pondo até de parte a prometida informação, optei
por suspender as tímidas e dissimuladas averiguações.
Sempre que me lançava naquele tipo de operação, um sentimento de
repugnância fazia que eu próprio acabasse por me inibir. Era como se
estivesse a traí-lo..
Decidi acabar com tais manobras, a mim mesmo prometendo que
seria implacável, se se desse o caso de a suposta informação secreta
ficar por fim em meu poder.
No entanto, e graças àquelas primeiras averiguações, confirmei
como positivos alguns dos dados que o Major me facilitara sobre a sua
pessoa: era, efectivamente, de nacionalidade norte-americana, o seu
passaporte estava em dia e pertencera à USAF.
Talvez o Major nunca o tenha sabido, mas, antes de regressar a
Espanha, já eu descobrira a sua verdadeira identidade, bem como outros
pequenos pormenores sobre aquela límpida e aprazível vida no Iucatão.
Tudo isto, como é lógico, me tranquilizou e aumentou a minha
curiosidade e interesse por aquela informação de que tanto me falara o
Major.
Antes de partir, ao anunciar-Ihe a minha intenção de voltar a
Espanha, expus com toda a clareza a minha inquietação perante o seu
mau estado de saúde e a não menos inquietante circunstância, pelo
menos para mim, de não ter conseguido a mínima pista sobre o oculto
segredo que dizia ter.
O Major pediu a Laurêncio que lhe trouxesse um sobrescrito branco
que estava em cima de uma prateleira do armário da saleta onde
conversávamos. Com gesto grave, colocou-mo nas mãos e comentou: -
Aqui tens a primeira parte. O restante chegará ao teu poder quando eu
morrer... Examinei o sobrescrito com algum nervosismo.
- Está fechado – notei. - Posso abri-lo?
- Pedir-te-ia que o fizesses longe daqui... Talvez no avião.
Enquanto o guardava entre as folhas do passaporte, o meu amigo
adoptou um tom mais descontraído:
- Obrigado. Tens de compreender que a tua investigação começa
agora.
- A minha investigação... mas, de quê? O Major não respondeu às
minhas perguntas.
- Só te peço que continues a acreditar em mim e te empenhes com
todo o teu coração em decifrar a chave que te conduzirá ao meu legado.
- Continuo a não entender...
- Não importa. Agora, antes de partires, tens de me prometer uma
coisa...
O Major pôs-se de pé e eu fiz o mesmo. Num extremo da casa,
Laurêncio assistia à cena com o seu proverbial mutismo.
- Promete-me – anunciou-me o ancião, ao mesmo tempo que erguia a
mão direita – que, aconteça o que acontecer, nunca revelarás a minha
identidade...
Apesar da minha crescente confusão, também levantei a mão direita
e prometi, com a solenidade de que fui capaz.
- Obrigado outra vez – murmurou o Major, enquanto se deixava cair
lentamente na cadeira. - Que Deus te abençoe...
ESPANHA
Foi aquela a segunda e última vez que vi o Major com vida.
Ao regressar a Espanha, e enquanto o meu avião sobrevoava as
crateras do Popocatepetl, peguei no misterioso sobrescrito que o norteamericano
me dera. Apalpei-o lentamente e, com surpresa, apercebi-me
de que continha qualquer coisa sólida e dura. A curiosidade, dificilmente
contida, durante aqueles dias, transbordou e tratei de o abrir com todo
o cuidado de que fui capaz.
Ao olhar lá para dentro, a decepção esteve a ponto de me provocar
uma síncope. Estava vazio! Ou, melhor, quase vazio.
No interior do sobrescrito, minuciosamente colada com fita adesiva
transparente, havia uma chave.
Arranquei-a, sem poder conter o meu desencanto, e passei-a de uma
mão para outra, sem saber que pensar.
Tentei tranquilizar-me a mim próprio, iludindo-me com as ideias mais
disparatadas. Porém, a verdade nua e fria continuava ali na minha frente
– na forma de chave. Para cúmulo, aquela peça de uns escassos quatro
centímetros de comprimento não apresentava um só sinal ou inscrição
que permitisse identificá-la. Tinha sido usada, isso era evidente.
Mas, onde?
Durante horas, debati-me entre mil conjecturas, misturando o
pouco que me adiantara o Major com um labirinto de especulações e
fantasias minhas. O resultado final foi uma dor de cabeça muito
incomodativa.
Aqui tens a primeira entrega...
Que mistério havia naquela frase? E, principalmente, em que poderia
consistir o restante?
... O restante chegará ao teu poder quando eu morrer.
A única coisa clara – ou medianamente clara – em toda aquela
embrulhada era que a informação em questão (ou o que quer que fosse),
de algum modo tinha de estar relacionada com aquela chave. Mas em
quê?
Era absolutamente necessário esperar, a não ser que quisesse
enlouquecer. E foi o que fiz: esperar pacientemente.
Durante a Primavera e o Verão de 1981, as cartas do Major foram
cada vez mais espaçadas. Finalmente, pelo mês de Julho, e com natural
alarme da minha parte, o fiel Laurêncio foi o encarregado de responder
às minhas cartas.
(...JO Major, dizia-me, numa das últimas missivas, caiu num profundo
estado de prostração. Mal consegue falar...
Aquelas palavras anunciavam um rápido e fatal desenlace.
Mentalmente, preparei-me para uma nova e última viagem a Iucatão.
Mais que o meu inegável e forte interesse – chamemos-Ihe jornalístico –
prevalecia, graças a Deus, um arraigado afecto por aquele ancião
prematuro. Bem sabe Deus quanto teria desejado estar junto dele no
momento da sua morte. Porém, o destino reservava-me outro papel nesta
desconcertante história.
Foi casualidade? Sinceramente, não sei que pensar...
A verdade é que, naquele 7 de Setembro de 1981- data do meu
aniversário -, me chegou às mãos uma nova carta proveniente de Chichén
Itzá. Nalgumas frases lacónicas, Laurêncio anunciava-me o seguinte:
(... J Assumo o doloroso dever de Ihe comunicar que o nosso comum
irmão, o Major, faleceu no dia 28 de Agosto. Cumprindo as suas
instruções, junto um sobrescrito que só o senhor deverá abrir...
Embora a notícia não me apanhasse de surpresa, tenho de confessar
que o desaparecimento do meu amigo me afundou durante alguns dias
numa singular melancolia, comparável talvez com a tristeza que me
provocou um ano depois o falecimento de outro querido mestre e amigo:
Manuel Osuna.
Naquela mesma tarde de 7 de Setembro em desânimo, guiei o meu
automóvel até às escarpas de Punta Gales. E, ali, tendo na frente o azul e
sereno Cantábrico, rezei pelo Major.
Ali mesmo no meio da solidão, quebrei o lacre que protegia o
sobrescrito e retirei o conteúdo.
Curiosamente, ao invés do que eu próprio teria imaginado semanas
atrás, naqueles instantes a minha alvoroçada curiosidade e desenfreado
interesse em conhecer o mistério do Major passaram a segundo plano.
Durante mais de duas horas, a tão esperada segunda entrega
permaneceu quase esquecida no banco de trás do meu carro.
Eu tivera uma verdadeira estima por aquele ancião.
Mas, por fim, como disse, a minha curiosidade impôs-se. O
sobrescrito continha duas grandes folhas de papel espesso e
quadriculado. Reconheci de imediato a letra pontiaguda do major. Uma
das folhas era uma carta escrita de ambos os lados.
Tinha data de Agosto de 1980! Aquilo significava – por pura dedução
– que o Major tomara a decisão de me confiar o seu segredo pouco
depois do meu primeiro encontro com ele, ocorrido em 18 de Abril de
1980.
A carta, que vinha assinada com os seus nomes e apelidos, era na
realidade uma última recomendação para que eu procurasse manter-me
no caminho da honradez e do amor pelos meus semelhantes. No último
parágrafo, e quase de passagem, o Major referia-se à famosa segunda
entrega, explicando-me que para chegar à informação que tanto
desejava, teria primeiro de decifrar a chave que juntava em folha à
parte.
Por último, e com um rude mas evidente sublinhado, rogava-me que
fizesse bom uso da referida informação.
(...J O meu desejo é que com ela possas levar um pouco mais de paz
a quantos, como tu e como eu, estamos empenhados na procura da
verdade.
O segundo papel, igualmente manuscrito pelo Major, apresentava um
total de cinco frases, em inglês, que à primeira vista pareciam absurdas
e incongruentes.
Eis a tradução:
A sentinela que vela diante do túmulo te revelará o ritual de
Arlington.
Chave e ritual conduzem a Benjamim.
Abre os olhos perante John Fitzgerald Kennedy.
O irmão dorme em 44-W. A sombra da nespereira cobre-o pelo
entardecer.
Passado e futuro são o meu legado.
Mais uma vez, o Major parecia divertir-se com aquele jogo.
Mas tratar-se-ia de um jogo? Mil vezes me perguntei a razão de
tantos rodeios e precauções. Se o meu amigo tinha morrido lógico seria
que me facilitasse aquela informação difícil, sem necessidade de mais
complicações.
Mas as coisas eram como eram eu tinha como única escolha o
desemaranhar daquela meada cada vez mais enredada. Como o leitor
suporá, passeio horas com os cinco sentidos concentrados naquelas
frases.
Estive tentado a chamar alguns dos meus amigos, em busca de
auxlio.
Mas contive-me. Ver-me-ia forçado a dar-lhes os antecedentes de
tão longa e inacreditável história e, principalmente, conforme foi
passando o tempo, longe de me desanimar, aceitei a questão como um
desafio pessoal. E aqueles que me conhecem um pouco sabem que essa é
uma das minhas fraquezas.
De início, a única coisa clara é que a chave que o Major me dera
tinha uma indubitável e estreita relação com a segunda frase. Aquela
chave deveria conduzir-me, ou levar-me até Benjamim. Mas o que ou
quem era Benjamim?
Muitas e muitas vezes, durante quase três semanas, esmiucei frase
por frase e palavra por palavra. Levei a cabo as mais disparatadas trocas
e saltos nas frases, procurando um sentido mais lógico. Tudo inútil.
À força de estudar o texto acabei por sabê-lo de cor.
Naquele mês de Setembro, e parte do seguinte, vivi por e para
aquela mensagem em cifra. Passava os dias a veguear sem rumo, com o
olhar perdido, praticamente alheio a quanto me rodeava. Foram os meus
filhos e especialmente Raquel que padeceram com mais crueza as minhas
aparentemente absurdas e inexplicáveis mudanças de humor, a
melancolia constante e, até, uma injusta irascibilidade. Espero que,
agora, ao lerem estas linhas, possam compreender-me e perdoar-me.
Cheguei mesmo a consultar peritos serralheiros, que examinaram a
misteriosa chave de todos os ângulos possíveis. O resultado era sempre
idêntico; dentes habituais... tudo vulgar.
Mas aquela situação – que começava a chegar aos pouco desejáveis
limites da obsessão – não podia continuar. E um belo dia fiz o balanço.
Que tinha realmente nas mãos? A que conclusão chegara?
Infelizmente, podiam limitar-se a duas pistas.
Arlington era um cemitério norte-americano. Eu sabia que se
tratava da célebre necrópole dos heróis de guerra naquela nação.
Documentei-me quanto pude e comprovei, efectivamente, que no
referido lugar existe um túmulo que guarda os despojos de um soldado
desconhecido. Por pura lógica deduzi que o referido túmulo estaria
guardado ou vigiado por alguma guarda de honra.
Referir-se-ia o Major a essa sentinela? 2.o Também no Cemitério
Nacional de Arlington está enterrado o presidente Kennedy.
Mas porque teria de abrir os olhos diante de John Fitzgerald
Kennedy?
Eram estes os únicos pontos comuns que eu fora capaz de obter.
A sentinela que vela diante do túmulo te revelará o ritual de
Arlington.
Esta primeira frase tinha-me desorientado. Não era preciso ser
muito esperto para compreender que uma das peças-chave tinha de
residir na palavra ritual. E uma prova era o Major se encarregar de a
repetir na segunda sequência.
Que ritual era esse? Por que razão tinha de ser a sentinela a
revelar-mo? Será que tinha de lho perguntar? Mas, para ser assim, a
quem teria de me dirigir?
Não havia volta a dar: o primeiro passo tinha de ser a solução do
maldito ritual. Só assim poderia saber – era o que então pensava – que ou
quem era Benjamim.
Quanto às duas últimas frases da chave, sinceramente, delas
prescindi por tempo indeterminado.
Pouco me faltou para chamar o meu bom amigo Chencho Arias, por
aquela altura director da Repartição de Informação Diplomática do
Ministério dos Negócios Estrangeiros espanhol. Com toda a certeza, e
mercê dos seus contactos com Washington, me teria desvendado parte
do caminho. Mas pensei duas vezes e pus a ideia de lado.
Apesar de tudo, teriam ficado mais quatro frases por esclarecer...
Não havia outra solução: tinha de voltar aos Estados Unidos e enfrentar
o problema pessoalmente.
WASHINGTON
Pelas onze e cinquenta de 11 de Outubro, um domingo, o voo 903 da
companhia norte-americana TWA descolava do aeroporto de Barajas,
atingindo o seu nível de cruzeiro – 33 000 pés – em pouco mais de
dezasseis minutos.
A nossa seguinte escala- Nova Iorque – ficava a milhares de milhas.
Havia tempo de sobra para planificar a estratégia a seguir, uma vez
em Washington, bem como para saborear uma fria cerveja e trocar
impressões com os colegas e amigos que ocupavam boa parte daquele
avião.
Era curioso. Simplesmente inacreditável...
Naquela altura, enquanto eu moía a cabeça para resolver a
enigmática chave do Major, outro acontecimento veio enredar ainda mais
as coisas.
Num esplêndido artigo, publicado no diário madrileno ABC, o
escritor Torcuato Luca de Tena oferecia aos Espanhóis as primícias de
fantásticas descobertas nos olhos da Virgem de Guadalupe, na Cidade do
México. Foi como uma bomba. Aquele novo isco, a dez mil quilómetros,
precipitou a decisão de saltar novamente para o continente americano e
justificava duplamente a minha viagem. No entanto, mais uma vez tive de
fazer frente ao sempre prosaico mas inevitável problema do dinheiro.
O meu plano era claro: primeiro, Washington, depois, o México.
Mas, desta vez a fortuna sorriu-me rapidamente. Ou não foi a
fortuna? O caso é que, antes que as coisas se tornassem complicadas, um
providencial telefonema de Madrid pôs-me ao corrente da iminente
viagem de Suas Majestades, os Reis de Espanha, aos Estados Unidos. Eu
tinha acompanhado o rei Juan Carlos e a rainha Sofia noutras visitas de
Estado, e sabia que aquela era a oportunidade que não podia deixar fugir.
Entre outras importantes razões, porque aquele tipo de viagem é sempre
muito oportuno para a modesta economia dos profissionais do jornalismo.
E foi assim que, naquele 11 de Outubro de 1981, e com mais cerca de
trinta jornalistas espanhóis, um segundo avião da TWA – o voo 407 me
deixava no aeroporto nacional da capital federal dos Estados Unidos.
Eram dezassete horas e cinquenta e oito minutos (hora local de
Washington).
Apesar da minha crescente inquietação e do meu nervosismo, a tão
desejada visita ao Cemitério Nacional de Arlington teve de ser adiada
até ao dia seguinte, segunda-feira. Naquele mês de Outubro, a necrópole
dos heróis americanos fechava as suas portas às cinco da tarde. E,
desculpando-me com o cansaço da viagem, recusei o convite dos meus
grandes amigos Jaime Peñafiel, Giani Ferrari e Alberto Schommer para
visitar a cidade, fechando-me no quarto 549 do Hotel Marriot, sede e
quartel-general da imprensa espanhola. Eles, como era evidente,
ignoravam os verdadeiros motivos da minha viagem.
Até altas horas da madrugada continuei mergulhado no possível
plano de ataque. Um plano, diga-se de passagem, que, como sempre,
acabaria por sofrer grandes alterações. Mas vamos por partes. Pelas
nove da manhã do dia seguinte, 12 de Outubro, com as minhas máquinas
fotográficas ao ombro e um ar inocente de turista perdido, fui aos
escritórios do Temporary Visitors Center, às portas do Cemitério
Nacional de Arlington. Ali, uma amável funcionária – planta na mão –
apontou-me o caminho mais curto para localizar o Túmulo do Soldado
Desconhecido. Uma leve e fresca brisa vinda do rio Potomac começara a
agitar os ramos dos álamos e abetos que se alinham de ambos os lados do
drive ou alameda de McClellan. Poucos minutos depois, e tremendo de
emoção, avistei as praças de Weaton e Otis e, logo atrás, o túmulo a que,
sem dúvida, se referia a mensagem do meu amigo, o Major.
Ainda que o cemitério tivesse aberto as portas há uma hora, talvez
nem tanto, um grande grupo de turistas distribuía-se já ao longo da
corrente que isola a pequena esplanada das grandes lajes cinzentas em
que se encontra o enorme mausoléu de mármore branco, no qual
repousam os restos mortais de um soldado norte-americano caído nos
campos de batalha da Europa, e mais duas sepulturas – à direita e à
esquerda da anterior -, em que foram enterrados outros dois soldados
desconhecidos, mortos na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da
Coreia, respectivamente.
Lá estava a sentinela: a única, segundo me informaram no Centro de
Visitantes, que está de guarda permanente em Arlington.
A sentinela que vela diante do túmulo te revelará o ritual
[....
Os meus primeiros minutos diante do túmulo foram uma indiscritível
mistura de atordoamento, confusão e absurda pressa para assimilar
quanto me rodeava.
E em metade daquele caos mental, a primeira frase do Major: A
sentinela que vela [...).
Depois de duas horas de observação, um pouco mais sereno, tirei um
canhenho e garatujei umas frenéticas notas de quanto fora capaz de
perceber.
A sentinela – ponto central das minhas indagações – era rendida de
hora a hora. Era sessenta minutos... A verdade é que, à medida que ia
escrevendo, muitas daquelas observações me pareciam ridículas.
Mas não podia subestimar o mais ínfimo pormenor.
Fiz também uma exaustiva descrição da sua indumentária:
Dólman azul-escuro, quase preto, calças igualmente azuis (um pouco
mais claras) 1 tura oito botões prateados, luvas bladncas com uma faixa
amarela nas costas e quépi preto, liso. Ao ombro, a espingarda, de
baioneta calada..
Observo, continuei anotando que a sentinela, ao chegar ao final do
seu breve e marcial desfile diante dos túmulos, muda sempre a arma de
ombro. Curiosamente, a espingarda nunca está apontada para o mausoléu.
Mas que tinha tudo aquilo a ver com o maldito ritual?
O curto percurso do soldado diante dos túmulos decorria monótona
e silenciosamente. Era evidente que a sentinela não podia falar.
Como é fácil de compreender, não tive ilusões quanto à remota
possibilidade de Naquela primeira frase da a interrogar sobre o ritual de
Arlington sua obscura chave, o Major também não afirmava que o
referido soldado pudesse transmitir-me, de viva voz, o citado ritual. A
expressão te revelará podia ser interpretada de muito diversas formas,
embora quase desde o início afastasse a de um hipotético diálogo com o
membro da Velha Guarda. O segredo tinha de estar noutro lado.
Certamente, e considerando que um ritual é uma cerimônia, teria de
concentrar as forças em quanto respeitasse ao referido rito.
Um tanto aborrecido, e para não levantar suspeitas com a minha
prolongada presença na praça leste do anfiteatro, procurei distribuir a
manhã e parte da tarde entre o sempre concorrido recinto do Soldado
Desconhecido e a lápide do malogrado presidente Kennedy, situada pouco
mais de trezentos metros, na encosta oriental da colina que,
precisamente, os três túmulos dos soldados desconhecidos rematam.
Abre os olhos perante John Fitzgerald Kennedy, rezava a terceira
frase da mensagem.
Mas, por mais que os abrisse, a minha mente continuou em branco.
Somei, mesmo, os números das suas datas de nascimento e de morte
(1917-1963), sem resultado algum. Por simples inércia, brinquei com a
idade do residente, imaginando uma infinidade de cabalas tão absurdas
quanto estéreis. Creio que a única coisa positiva daquelas longas horas
em frente à sepultura de Kennedy, e às dos dois filhos que faleceram
antes dele, foi o Padre Nosso que rezei em silêncio, como um modesto
reconhecimento ao seu trabalho.
Pelas três da tarde, faminto e meio derrotado, deixei-me cair nos
belos e brancos degraus do minúsculo anfiteatro que se ergue na frente
das três sepulturas. No meu caderno cheio de números, comentários
mais ou menos certos e até desenhos das dez sentinelas que vira
desfilar até aquele momento, já só havia espaço para a desilusão.
Acho que vou falhar, escrevi. Não sou suficientemente inteligente.
A sentinela número dois passou a espingarda para o ombro contrário
e recomeçou a ronda, Depois de uma daquelas monótonas pausas. Da
forma mais tola, atraído, provavelmente, pelo brilho dos botins, comecei
a contar cada uma das passadas ao mesmo tempo que as fazia coincidir
com um impropério, premio da minha provada incapacidade.
... Três (idiota)... quatro (imbecil)... sete (estúpido)...
vinte (mentecapto)... vinte e um (palerma).
O soldado parou. Nova pausa. Rodou. Mudou a espingarda. Nova
pausa. E prosseguiu no trote... burro .. doze (calamidade)...
vinte (pa... dois (bêbedo)... q ( )
paranóico)... vinte e um....
Vinte e um? O último insulto foi substituído por um arrepio.
Contei bem?
A sentinela dera vinte e um passos. O meu desânimo desvaneceu-se.
Pus-me de pé e voltei a contar.
... dezanove, vinte, vinte e um!
Não me tinha enganado. Aquela nova pista fez ressuscitar o meu
entusiasmo. Como pudera eu não notar aquilo antes?
Avancei para a corrente de segurança e, relógio na mão,
cronometrei o tempo que o soldado levava em cada deslocação.
Vinte e um segundos! Vinte e um passos e vinte e um segundos?
Fiz novas medições e todas – absolutamente todas – davam o mesmo
resultado.
Que significava aquilo? Tratava-se de uma casualidade?
Espicaçado no meu amor próprio, resolvi contar até o mais
insignificante dos movimentos da sentinela.
Foi então, ao contar o tempo gasto pelo soldado em cada uma das
suas pausas, que o meu coração começou a bater mais depressa: vinte e
um segundos!
Não pode ser, disse de mim para comigo, tremendo de emoção com
certeza estou a cometer um erro....
Mas não. Como se fosse um autômato, a sentinela dava vinte e um
passos em vinte e um segundos. Parava exatamente durante vinte e um
segundos, rodando e mudando a arma de posição. A nova pausa, antes de
continuar, durava outros vinte e um segundos, e assim sucessivamente.
Anotei a minha, descoberta e reli a chave do Major com especial
prazer.
A sentinela que vela diante do túmulo te revelará o ritual de Arlin
ton.
Não pode ser uma casualidade,, repetia eu obsessiva mente.
Mas porquê vinte e um? Que significa o número vinte e um?
Com o objetivo de me certificar, esperei pelas duas últimas
rendições da guarda e repeti os cálculos. Os soldados números sete e
oito comportaram-se exatamente do mesmo modo.
Obcecado por aquele número, por pouco não fiquei fechado no
cemitério.
Com estranha alegria voltei a refugiar-me no hotel, afundando-me
numa infinidade de especulações.
Na manhã seguinte, e depois de uma noite praticamente em branco,
juntei-me à comitiva de jornalistas. Embora os meus pensamentos
continuassem presos ao Túmulo do Soldado Desconhecido e àquele
misterioso número vinte e um, optei por aproveitar a oportunidade, que
não se repetiria, de visitar o interior da Casa Branca e ver de perto o
presidente Reagan, o general e secretário de Estado, Haig, e, como era
evidente, os reis do meu país.
Depois de passar por uma infinidade de controles e verificações,
fiquei com os meus companheiros no impecável relva do que se alonga em
frente à famosa Casa Branca.
Pelas dez em ponto, e coincidindo com a chegada do rei Juan Carlos
e da rainha Sofia, as baterias situadas a umas centenas de metros
atroaram o espaço com as salvas da praxe.
Alguém, nas minhas costas, fora contando os tiros de canhão e teve
um comentário que nunca poderei agradecer devidamente:
- Vinte, vinte e um!
Virei-me como que movido por uma mola e perguntei:
- Mas são vinte e um?
O jornalista olhou-me muito sério e exclamou, como se tivesse na
sua frente um estúpido ignorante:
- É a saudação ritual... Vinte e uma salvas! De regresso ao Marriot,
peguei no telefone, disposto a afastar as minhas dúvidas de uma vez por
todas.
Marquei o 6931174 e pedi para falar com Mister Wilton
encarregado das Relações Públicas e Imprensa no Cemitério Nacional de
Arlington.
O homem deve ter ficado atônito ao escutar o meu problema.
- Sou jornalista espanhol e desejava perguntar-lhe se o número
vinte e um está relacionado com algum ritual...
- O senhor refere-se ao Túmulo do Soldado Desconhecido?
- Sim.
- efetivamente – acentuou Mister Wilton -, o ritual de Arlington
baseia-se precisamente nesse número. Como o senhor sabe, a saudação
aos mais altos dignitários baseia-se no número vinte e um.
- Desculpe a minha insistência, mas tem a certeza?
- Naturalmente.
Ao desligar o telefone, tive vontade de saltar e de gritar.
Abri o meu caderno de notas e voltei a olhar a chave do Major.
Se o ritual de Arlington é o número vinte e um, a segunda frase -
chave e ritual conduzem a Benjamim – começava a ter certo sentido.
Era claro que a minha chave e o número vinte e um mantinham
estreita relação e que, se eu fosse capaz de descobrir quem ou o que era
Benjamim, parte do mistério poderia ficar a descoberto.
Mas por onde começar?
Em boa verdade, aquela pequena chave tinha de abrir alguma coisa.
Uma vivenda, talvez? As suas reduzidas dimensões no entanto, não
me pareciam que encaixassem com as chaves que habitualmente são
utilizadas nas casas norte-americanas.
Afastei de momento aquela possibilidade e fixei-me noutras idéias
mais lógicas.
Teria o Major guardado a sua informação nalgum banco ou num
apartado postal? Tratar-se-ia, pelo contrário, de um armário de depósito
numa estação de caminhos-de-ferro?
Só havia uma maneira para decifrar Benjamim: encher-me de
paciência e passar – uma por uma – as listas telefônicas, os correios e os
guias de caminhos-de-ferro de Washington.
Se esta primeira exploração falhasse, haveria tempo para
aprofundar noutras direções.
Mas aquela laboriosa busca ia ficar subitamente suspensa por um
telefonema. Apesar da minha intensa dedicação ao assunto do major
norte-americano, eu não esquecera o tema das fascinantes descobertas
dos cientistas da NASA nos olhos da Virgem de Guadalupe. Assim que
pisei a terra dos Estados Unidos, uma das minhas primeiras
preocupações foi telefonar para o México e averiguar se o doutor Aste
Tonsmann, um dos mais distintos peritos, se encontrava no Distrito
Federal, ou se, como me tinham informado em Espanha, podia encontrarse
em Nova Iorque, onde trabalha como professor da Universidade de
Cornell. Era vital para mim localizá-lo, para que não fizesse em vão uma
viagem à República mexicana.
Naquela mesma manhã de terça-feira, 13 de Outubro, pedi à
telefonista do hotel que insistisse – pela terceira vez – e marcasse o
número de telefone da residência do professor Tonsmann. E, pelo meio
da tarde, como disse, o aviso da amável telefonista ia alterar todos os
meus planos. Do outro lado do fio telefônico, a mulher de José Aste
confirmaria que o cientista pensava em regressar ao México, partindo de
Nova Iorque, na próxima quarta ou quinta-feira.
Depois de algumas dúvidas, impôs-se o meu sentido prático e
considerei que o mais oportuno era adiar as minhas investigações em
Washington. Tonsmann era uma peça básica no meu segundo projeto e
não podia desperdiçar a sua fugaz passagem pelo México. Depois, era eu
a única pessoa que possuía a chave do segredo do Major, e isto dava-me
uma certa tranqüilidade.
E antes de poder arrepender-me, fiz as malas e embarquei no voo
905 da Easter Lines, rumo às cidades de Atlanta e México (D. F.).
Naquela quarta-feira,14 de Outubro de 1981, ia começar para mim
uma segunda aventura, que meses mais tarde ficaria reflectida no meu
décimo quarto livro: O Mistério da Virgem de Guadalupe.
É hábito acontecerem-me estas coisas...
Durante horas tinha permanecido em frente ao túmulo do
presidente
Kennedy, incapaz de penetrar no segredo daquela terceira frase na
chave do Major.
Abre os olhos perante John Fitzgerald Kennedy.
Pois bem, os meus olhos abriram-se a dez mil metros de altitude e
quando me encontrava a milhares de quilômetros de Washington.
Enquanto o avião se dirigia para a cidade de Atlanta, nossa primeira
escala, tive a ide ia de tentar introduzir o número vinte e um nas três
últimas frases da mensagem. Devo ter perdido a cor, porque a bonita
hospedeiro da Easter, com ar de preocupação e apontando a chávena de
café que oscilava junto da minha boca, comentou, ao mesmo tempo que se
inclinava por cima do encosto do meu lugar:
- Não gosta do café?
- Desculpe...
- Pergunto-lhe se se sente bem...
- Ah! - respondi, voltando à realidade -, sinto-me perfeitamente... A
culpa é do número vinte e um...
A hospede ira levantou os olhos e verificou o número do meu lugar.
- Não, desculpe – antecipei-me eu, numa tentativa de evitar que
aquele diálogo disparatado acabasse nalguma coisa pior -, é que,
ultimamente, sonho com o número vinte e um...
A rapariga esboçou um sorriso de cumplicidade e, pondo-me a mão
no ombro, sentenciou:
- Já experimentou jogar na lotaria?
E desapareceu lá adiante, no corredor, convencida – suponho – de que o
mundo está cheio de doidos. Por um instante, as compridas pernas da
hospedeira conseguiram arrancar-me às minhas reflexões. Bebi o café e
voltei a contar as letras que formam o nome do presidente norteamericano.
Não havia dúvida: somavam vinte e um!
Aquela segunda descoberta – e muito especialmente o fato de
ambos apontarem para o número vinte e um – confirmou as minhas
suspeitas iniciais. O Major devia ter guardado o seu segredo nalgum
depósito ou recinto estreitamente ligado com a referida cifra e,
obviamente, com a chave que me entregara em Chichén Itzá. Considerei
também a possibilidade de que Benjamim fosse algum familiar ou amigo
do Major mas, nesse caso, que faziam em tudo aquilo o número e a chave.
Durante a minha prolongada estada no México, estive tentado a
fazer uma paragem nas investigações sobre a Virgem de Guadalupe e
voar até ao Iucatão para visitar Laurêncio. Mas os meus recursos
económicos estavam a diminuir tão alarmantemente que, muito contra
vontade e porque, na verdade, queria terminar as minhas investigações
em Washington, tive de resistir e adiar aquela visita a Chichén para
melhor altura.
Um ano depois, em Dezembro de 1982 ao voltar ao México para a
apresentação do meu livro O Mistério da Virgem de Guadalupe, verifiquei
com algum espanto que se me tivesse deslocado naquela altura até ao
Iucatão a minha visita teria sido inútil: segundo me confirmaram as
autoridades locais, Laurêncio e sua mulher tinham deixado a cidade de
Chichén Itzá pouco depois do falecimento do Major. E, ainda que não
desistisse do propósito de os localizar, até este momento continuo sem
notícias do fiel companheiro do ex-oficial da força aérea norteamericana.
Também não é preciso dizer que os meus primeiros passos
daquele Inverno de 1982 foram encaminhados para a localização do
túmulo do meu amigo. Ali, diante da modesta cruz de madeira, tive com o
Major o meu último diálogo, agradecendo-lhe que tivesse posto nas
minhas mãos o seu maior e mais precioso tesouro...
Ao caminhar novamente por Washington a minha primeira
preocupação não foi Benjamim. Sentado na cama do quarto do meu novo
hotel - nessa altura muito mais modesto que o Marriot -, estendi em
cima da colcha todo o meu capital. Depois de um rigoroso exame, as
minhas reservas ascendiam a um total de setenta e cinco dólares e mil e
quinhentas pesetas.
Embora a tragédia parecesse inevitável, não me deixei abater pela
crua realidade. Dispunha ainda dos cartões de crédito...
Durante aqueles dias limitei a minha dieta a um pequeno-almoço o
mais sólido possível e um copo de leite com uma modesta sanduíche à
hora de me deitar. A verdade é que, absorto nas pesquisas, e dado que
também não sou homem de grandes apetites, aquilo não foi para mim
excessivamente penoso. A minha grande obsessão, embora pareça
mentira, foram os táxis. Isto, sim, minou – e de que maneira! - o meu
exíguo pecúlio.
Chave e ritual conduzem a Benjamim.
Esta segunda frase no código cifrado do Major foi uma cruz que me
atormentou durante quatro dias. Nesse tempo, tal como tinha previsto
antes da minha partida de Washington, empenhei-me de corpo e alma na
consulta de enciclopédias e de listas telefônicas da capital federal,
assim como nas correspondentes visitas às estações de caminho-deferro,
central dos Correios e Aeroportos Dulles e National.
Os serviços de depósito das estações foram riscados da minha lista,
à vista da sensível diferença entre as chaves utilizadas nos referidos
depósitos e a que estava em meu poder. Por outro lado, nos aeroportos
não existiam os supostos armários, pelo que o meu interesse acabou por
se fixar nos cofres particulares dos bancos e nas caixas postais.
Estas duas últimas hipóteses pareciam mais lógicas, se se quisesse
guardar qualquer coisa de valor.
E comecei pelos bancos.
Folheei a longa lista de sedes e sucursais da cidade, não
encontrando nem uma só pista que mencionasse ou referisse o nome
Benjamim.
Por outro lado, e segundo pude verificar pessoalmente, se o Major
tivesse encerrado a sua informação num dos cofres de segurança de
qualquer daqueles bancos, nem eu nem ninguém poderia ter acesso, por
não dispor da correspondente documentação que o identificasse como
legítimo proprietário ou utente da caixa. Nalguns casos mesmo, estas
medidas de segurança viam-se reforçadas com a existência de uma
segunda chave, na posse do responsável ou vigilante da casa-forte do
banco. Não obstante, e para que nada ficasse por apurar, iniciei uma
última e dupla investigação. Eu conhecia a identidade do Major, e
comecei a servir-me de uma série de recursos e contactos – a nível da
Embaixada espanhola e do próprio Pentágono -, a fim de esclarecer se o
falecido militar norte-americano tinha algum parente em Washington.
Aquilo, em todos os aspectos, foi a minha maior imprudência, a
ajuizar pelo que sucederia dois dias depois...
A segunda frente – a que, graças a Deus!, concedi maior dedicação –
consistiu em obter os endereços das duas centrais e cinquenta e oito
estações de correios na cidade. Na U. S. Postal Service (Head
Quarters), que é o cérebro central do serviço dos Correios de todo o
país, um amável funcionário estendeu na minha frente a longa lista de
estações postais de Washington D. C.
Ao inclinar-me para estudar a citada relação, em busca de algum
indício sobre o misterioso nome de Benjamim, os meus olhos não puderam
passar da primeira estação. Tive um sobressalto. Na lista, via o seguinte:
Box. Nos. - 1-999 – Benjamin Franklin. Sta. (Washington D. C.
20044).
Tomei nota daqueles elementos, sem poder evitar que a mão me
tremesse numa mistura de emoção e nervosismo. Fumei novo cigarro,
procurando maneira de me acalmar. Tinha de estar absolutamente certo
de que era aquela a tão desejada pista. E percorri as sessenta direções
com uma meticulosidade que eu próprio não consigo explicar.
Com surpresa, descobri que o nome de Benjamin Franklin se repetia
três vezes mais: nas estações catorze dezanove e trinta e três. Nos
restantes serviços dos Correios de Washington, o nome Benjamin
Franklin não figurava.
Mas havia uma coisa que eu não conseguia compreender. Para quê
quatro serviços de correio na Rua Benjamm Franklm? Na estação número
catorze, o cabeçalho tinha os números 6100-6199. O da estação
dezanove, os números 7100-7999 e o último, na estação trinta e três era
precedido pela numeração 14001-14999.
Dirigi-me novamente ao funcionário e pedi-lhe que me explicasse o
significado daquela numeração. A resposta, clara e concisa, dissipou as
minhas dúvidas:
- São quatro estações, correspondentes a outros tantos Box, ou
apartados dos correios. Na primeira da lista, como o senhor vê figuram
os apartados compreendidos entre os números 1 e 999, inclusive ambos...
Suponho que até àquele dia nunca o funcionário dos Correios tinha
recebido um thank you tão efusivo e feliz como o meu...
Desci três a três os degraus da escadaria da gigantesca U. S. Postal
Service e corri como um meteoro para o primeiro táxi que vi passar. Era
meio-dia do 4 de Novembro de 1981.
Enquanto me aproximava da Rua Benjamim Franklin, disposto a
aproveitar aquela rajada de boa sorte, voltei à chave do Major.
Começava agora a ver claro. A minha chave e o ritual, quer dizer, o
número vinte e um, conduzem a Benjamin.
Casualmente, dos sessenta serviços dos Correios de Washington, só
existe um na Rua Benjamin Franklin. E, curiosamente também, naquela
estação, e só naquela, se encontrava o apartado número vinte e um. Se
tivermos em conta que os sessenta serviços somavam em 1981 mais de
vinte e quatro mil apartados, a que conclusão podia chegar? Mas, a meio
do trajeto, a minha alegria caiu num poço.
Tinha-me esquecido da chave no hotel! Neste caso, a minha
franciscana prudência fizera-me dar um mau passo. Vi as horas. Não
tinha tempo de voltar ao hotel e ir depois à estação dos Correios. Malhumorado,
entrei nos serviços, disposto pelo menos a dar uma olhadela.
Perguntei pela venda de selos e, com a desculpa de escrever alguns
bilhetes-postais, vadiei durante pouco mais de quinze minutos pelas
imensas e luminosas salas. No primeiro andar, numa parede de mármore
negro, alinhavam-se centenas de pequenas portas metálicas, de uns doze
centímetros de largo, com os seus correspondentes números.
Estava ali o meu objectivo.
Felizmente para mim, o movimento de cidadãos era tal que o polícia
negro que vigiava aquele primeiro andar não reparou nos meus
movimentos. Antes de sair fiz uma breve inspeção às caixas, detendo-me
uns segundos diante o número vinte e um. Por um momento tive a
sensação de que era alvo de dezenas de olhares. O orifício da fechadura
parecia corresponder – pelo seu reduzido tamanho - ao de uma chave
como a que eu guardava...
Ao retomar o caminho do hotel, apercebi-me de que os bilhetespostais
continuavam nas minhas mãos suadas. Nem Ana Benítez, nem
meus pais, nem Alberto Schommer, nem Raquel, nem Castillo, nem Gloria
de Larrañaga chegaram alguma vez a receber tais lembranças.
Naquela tarde, num último esforço para me descontrair, fui ao
Museu do Espaço, na Alameda de Jefferson. Apesar da iminente, e
aparentemente simples, fase final da minha pesquisa, as dúvidas tinham
aumentado. E se estivesse enganado? E se aquele apartado dos correios
não fosse o que procurava com tanto empenho? A verdade é que estava a
chegar aos limites das minhas possibilidades. Aquelas – tinha a certeza –
eram as minhas últimas horas nos Estados Unidos. Se não conseguisse
resolver o dilema, teria de esquecer o assunto durante muito tempo.
Sentado no hall do museu, inevitavelmente só e com uma angústia capaz
de matar um cavalo, senti a falta de alguém com quem partilhar aqueles
momentos de tensão. No centro da sala, uma comprida fila de turistas e
curiosos aguardava pacientemente a sua vez para passar diante da urna
em que se exibe um fragmento de rocha lunar, não maior que um cigarro.
Um segundo troço, muito mais reduzido, fora incrustado junto da vitrina.
E, como se se tratasse de uma relíquia sagrada, cada visitante, ao
passar em frente da urna, passava os dedos pela negra e desgastada
pedra.
Distraidamente, abri o meu caderno de notas e fui descrevendo
quanto observava. E, naturalmente, acabei por cair na chave do Major.
Mas, desta vez, fixei-me no original, na versão inglesa.
O meu péssimo costume de sublinhar, desenhar e fazer mil rabiscos
nos livros ou apontamentos que manejo, ia sacudir-me daquela profunda
tristeza.
Na realidade, tudo começou como um jogo, como um simples e
inconsciente alívio da tensão que suportava. Sei de muitas pessoas que,
quando falam ao telefone, meditam ou, simplesmente, conversam,
acompanham as suas palavras ou pensamentos com os mais absurdos
desenhos, linhas, círculos, etc., traçados em qualquer folha de papel. Pois
bem, como disse, naqueles instantes dediquei-me a enquadrar – sem
ordem nem coerência – algumas das palavras de cada uma das cinco
frases que formavam a mensagem cifrada.
Quis a sorte – ou não era a sorte? - que eu fechasse em variados
rectângulos, entre outras, as primeiras palavras de cada uma das frases
da chave. Com a continuação, insistindo naquele passatempo, distraí-me a
atravessá-los com outras tantas linhas verticais.
Ao ler de cima para baixo aquele aparente galimatias, uma das
absurdas construções deixou-me imóvel de espanto. As cinco primeiras
palavras de cada frase, lidas no sentido vertical, encerravam um
significado.
E que significado A chave abre o passado.
O resto das frases assim obtidas, no entanto, não tinha sentido.
Antes de dar por boa a nova pista, reli a mensagem, escrevendo e
unindo as palavras de cima para baixo, da esquerda para a direita e até
em diagonal. Mas foi inútil. As únicas que continham algo de coerente -
por acaso – eram as cinco primeiras...
Eis a mensagem no original inglês:
THE guard who keeps the vigil in front of the Tomb will reveal the
ritual of Arlington Cementery to you.
KEY and ritual lead you to Benjamin
OPEN your eyes before John Fitzgerald Kennedy THE brother lies
to rest in 44-W. The shadow of the medlar tree covers
him in the late afternoon.
PAST and future are my legacy.
Que tinha querido dizer o Major com esta sexta pista?
Intuitivamente, liguei a nova frase com a última da mensagem: Passado e
futuro são o meu legado. Que relação podia existir entre a chave, o
passado e o futuro?
Animado por aquela súbita descoberta, ainda que impotente
reconheço – para desfazer tanto mistério, dispus-me a esperar pela luz
da manhã daquela quinta-feira, que pressentia particularmente intensa...
Ao apear-me na quinta-feita, 5 de Novembro de 1981, em frente à
estação dos Correios da Rua Benjamin Franklin, reparei que os joelhos se
me vergavam. Na minha mão direita, apertada como numa armadilha, a
pequena chave que o Major me entregara em Iucatão estava
ligeiramente embaciada por um suor frio e incômodo. Inspirei
profundamente e atravessei o umbral, dirigindo-me com passo resoluto
para a parede onde brilhava o enxame de portinhas metálicas.
Sem dúvida fora acertado esperar que o relógio desse as dez da
manhã. Por aquela altura, já uma pequena multidão se movimentava nas
várias dependências da estação. Ao colocar-me em frente ao apartado
número vinte e um, um grande grupo de utentes – especialmente pessoas
de idade – tratava de abrir os seus respectivos depósitos, indiferentes a
quanto os rodeava.
Passei a chave para a mão esquerda e, com um gesto mecânico
enxuguei o suor da palma da mão direita contra o tecido das calças.
Voltei a respirar o mais fundo possível e empunhei a pequena chave,
levando-a tremulamente à fechadura. Mas os nervos traíram-me. Antes
mesmo de verificar se entrava ou não no orifício, a chave fugiu-me por
entre os dedos, caindo no polido ladrilhado branco. O tilintar da chave
nos seus múltiplos ressaltos no pavimento fez-me empalidecer. Lanceime
como um autômato atrás da maldita chave, furioso contra mim mesmo
por tanta falta de habilidade. Mas, quando me preparava para a apanhar,
uma mão grande e segura chegou primeiro. Ao levantar os olhos um fio
de fogo perfurou-me o estômago. O prestável indivíduo era um dos
polícias de serviço na estação. Em silêncio, e com um sorriso aberto como
único comentário, o guarda estendeu a mão e entregou-me a chave.
Quis Deus que eu soubesse responder àquele gesto com outro
sorriso de circunstância e que, sem sequer abrir a boca, desse meia volta
em direção à caixa número vinte e um.
Tremo agora, ao pensar no que poderia ocorrer se aquele
representante da lei me tivesse feito alguma pergunta...
Ainda assustado, tateei o orifício com a ponta da chave. O coração
batia desesperadamente.
Por favor, entra!... Entra!...,
Docemente, como se me tivesse ouvido, a chave penetrou até ao
fundo.
Tive vontade de gritar. Tinha entrado! Na realidade, não era a
minha mão direita que agarrava a chave. Era o meu coração, o meu
cérebro, todo o meu ser...
Antes de prosseguir, olhei cautelosamente à esquerda e à direita.
Tudo parecia normal.
Engoli saliva e tentei abrir. Por mais que puxasse, a portinha
metálica não se movia. Senti como que outra onda de sangue a bater-me
no estômago. Que estava a acontecer? A chave tinha entrado na
ranhura... Por que razão não conseguia abrir o apartado? No meio de
tanto nervosismo e agitação compreendi que estava a forçar a fechadura
num só sentido: o esquerdo. Girei então para a direita e a portinha abriuse
com um leve rangido.
Quisera que o tempo parasse! Depois de tantos sacrifícios,
angústias e dores de cabeça, ali estava eu, às dez horas e quinze minutos
de quinta-feira, 5 de Novembro de 1981, prestes a esclarecer o mistério
do Major...
Naqueles instantes, ainda que pareça incrível, antes de proceder à
exploração do apartado, lamentei não dispor de uma máquina fotográfica.
Porém um elementar sentido de prudência fez-me deixar o
equipamento no hotel.
Estendi a mão e tateei a superfície metálica da caixa.
Naquela meia penumbra vislumbrei a presença de dois volumes.
Estavam ao fundo do estreito nicho retangular. Pelo tato, identifiquei-os
como qualquer coisa de semelhante a tubos ou cilindros. Tirei um e vi que
se tratava de uma espécie de canudo de cartão de uns trinta
centímetros de comprimento, perfeita e solidamente defendido por um
invólucro de plástico ou de papel plastificado. Era muito leve. Não
apresentava inscrição ou numeração, à exceção de um pequeno número
(um l), desenhado a negro e à mão numa pequena etiqueta branca, colada
ou aderente, por sua vez numa das faces do cilindro. Tudo isto, como
disse, por baixo de um material plástico brilhante, cuidadosamente
agarrado ao canudo.
Apressei-me a tirar o segundo embrulho. Era outro cilindro, gêmeo
do primeiro, mas com um 2 noutra das suas faces.
Logo comecei a sentir uma estranha pressa. Tive a intensa sensação
de ser observado. Porém, dominando o desejo de me voltar, introduzi a
mão na caixa do apartado, fazendo uma terceira verificação. Os meus
dedos esbarraram então num sobrescrito. Coloquei-o à entrada do nicho
e, antes de o tirar, certifiquei-me de que a caixa ficava vazia. Percorri
mesmo as paredes superior e laterais. Uma vez convencido de que o box
número vinte e um ficara totalmente vazio, deitei mão àquele
sobrescrito branco e, sem o examinar, tratei de fechar a caixa.
Aparentando naturalidade, guardei a chave e encaminhei-me para a saída
da estação.
Por um momento, tive vontade de correr. Mas, fazendo das
fraquezas força, parei a meio caminho. Peguei num dos últimos Ducados e
aproveitei aquele falso motivo para me voltar. A verdade é que nada
notei de suspeito. O intenso movimento de pessoas tinha diminuído
ligeiramente, embora ainda se vissem pequenos grupos em frente das
mesas de mármore, nos diferentes balcões e junto dos blocos de
apartados. Um pouco mais tranqüilo e supondo que aquele pressentimento
podia ser devido à minha excitação, saí e afastei-me da estação dos
Correios.
Três quartos de hora depois pendurava na maçaneta da porta do
meu quarto um letreiro verde: Não Incomodar. Coloquei os dois canudos
em cima do vidro da mesinha que me servia de secretária e recuei dois
passos.
Tinha conseguido!
Dava tudo por bem empregue: tempo, dinheiro, solidão...
Deixei-me cair no soalho e, como se se tratasse de um filme, fui
recordando os passos que dera naqueles meses.
Mas, finalmente, a curiosidade impôs-se e abri o sobrescrito. Por
fora não havia uma só palavra ou indicação. Mal retirei a folha de papel
que continha, logo identifiquei a letra bicuda e agitada do Major.
Estava datada de 7 de Abril de 1979, Washington D. C. Nela,
simplesmente, informava que o seu irmão (...) na grande viagem falecera
dois anos antes – em 1977 – e que obedecendo aos impulsos da sua
consciência, naquele mesmo dia 7 de Abril de 1979 dava por concluído o
diário da referida viagem...
A breve mensagem terminava com as seguintes palavras: Só peço a
Deus que o nosso sacrifício possa ser conhecido um dia e que leve a paz
aos homens de boa vontade, da mesma forma que meu irmão (...) e eu
tivemos a graça de a encontrar.
Em baixo, na folha, o Major suplicava que a pessoa que tivesse
acesso ao diário e à presente missiva respeitasse o anonimato de ambos.
Por esta razão suprimi a identidade da pessoa que o Major
mencionou.
Referindo-me a ela como irmão. Posso esclarecer – isso sim na
realidade, não se trata de um irmão de sangue, mas sim de uma
qualificação espiritual...
A minha primeira reação ao ler o bilhete foi a de consultar a
primeira mensagem. Aquela confissão do falecido oficial da USAF
parecia estar contida plenamente na quarta e não menos misteriosa
frase:
O irmão dorme em 44-W. A sombra da nespereira cobre-o pelo
anoitecer.
De novo me lembrei do nome de Arlington...
Sim, agora sim, pode ter sentido, disse para comigo.
Agora começo a compreender...
Tinha de visitar de novo o cemitério. Na realidade, tal como pude
verificar ao ler o diário do Major, as duas últimas frases da sua
mensagem cifrada não eram mais que uma confirmação – para a pessoa
que chegasse até ao seu legado – da realidade física do seu companheiro
na grande viagem e, obviamente, da natureza do referido diário.
Em abono da verdade, depois de conhecer a inacreditável
informação encerrada nos cilindros, não era vital a localização do
falecido companheiro do meu amigo. Os que me conhecem um pouco
sabem, no entanto, que gosto de aprofundar as minhas investigações e
com tanto mais razão quanto – como naqueles momentos – me encontrava
tão perto do final.
Mas as surpresas não tinham acabado naquela inesquecível quintafeira...
Antes de proceder à solene abertura dos canudos de cartão,
coloquei o sobrescrito junto dos cilindros e fotografei-os com gosto. A
seguir, e depois de comprovar que o plástico protetor não oferecia a
menor falha por onde começar o trabalho de abertura, peguei numa das
minhas navalhas de barba e, delicadamente, separei o círculo que cobria
uma das hastes do cilindro, precisamente a oposta à que apresentava a
pequena etiqueta com o número 1.
Nervosamente, tateei o cartão. Parecia muito sólido. Depois de um
minucioso – quase me atreveria a chamar-lhe microscópico exame, vi-me
obrigado a cortá-lo pela circunferência. Uma hora depois, a tenaz tampa
(de cinco milímetros de espessura e dez centímetros de diâmetro)
saltava, por fim, deixando a descoberto o interior do tubo.
Segundos depois, tinha na minha frente um maço de papéis,
formando um rolo perfeito. Tinha sido introduzido numa capa de plástico
transparente, hermeticamente fechada na parte superior. Tive de me
valer de um corta-unhas para arrancar os dezessete grampos. Com uma
excitação difícil de descrever, lancei uma primeira olhadela aos
documentos e verifiquei que tinham sido datilografados a um espaço e
naquilo que conhecemos por papel-biólia. Cada folha (20cm x 3lcm +)
tinha sido assinada e rubricada no canto inferior esquerdo pelo Major,
num total de duzentas e cinqüenta. Era a mesma letra – e eu diria que a
mesma tinta – que figurava no rodapé da missiva que eu retirara do
apartado dos Correios número vinte e um, e que tinha acabado de abrir.
O texto, em inglês, arrebatou-me a partir do momento em que nele
pus os olhos. E creio que não teria podido afastar-me da sua leitura, se
não fosse aquela inesperada chamada telefônica.
Pelas treze horas, como disse, o telefone do meu quarto devolveume
à crua realidade.
- Senhor Benítez...?
- Sou eu... Diga.
- Dois senhores perguntam por si... Estão aqui...
- Dois senhores? - perguntei, por minha vez, desconcertado ante a
súbita visita. - Quem são?
- Um momento... - hesitou o empregado do hotel. - Não sei...
Quem podia ter interesse em ver-me? Além disso, pensei, com um
estranho pressentimento, quem sabe que estou em Washington?
- Um deles – anunciou-me o recepcionista, uns segundos depoisdiz
ser do FBI.
- Ah! - exclamei, num fio de voz. - Bom... vou descer agora mesmo...
Fora tudo tão rápido e imprevisto que, mal acabei de pousar o
auscultador, comecei a empalidecer. Não era lógico nem normal que o
FBI se interessasse por mim. Que teria acontecido? Em que nova
embrulhada me tinha metido?
De repente, lembrei-me. Dias atrás tinha cometido o erro de me
interessar, junto da Embaixada espanhola e do Pentágono pelos possíveis
familiares do Major. Enquanto guardava precipitadamente os cilindros e
o sobrescrito, escondendo-os no fundo da bolsa das minhas máquinas
fotográficas, um turbilhão de temores, hipóteses e contra-hipóteses me
baralharam mais ainda o cérebro.
Com a chave do meu quarto na mão, e morto de medo, apresentei-me
no hall.
Dois indivíduos de forte corpulência e muito bem vestidos
levantaram-se das poltronas em frente da porta do elevador.
Nem sequer tive oportunidade de me aproximar do balcão da
recepção e perguntar pelos meus insólitos visitantes.
Com um sorriso um tanto forçado, um deles saiu-me ao caminho,
estendendo-me a mão.
- Senhor Benítez?
Ao apresentar-me, o que me tinha apertado a mão em primeiro lugar
e parecia ter uma voz cantante, convidou-me a sentar-me junto deles.
- Não se preocupe – anunciou com um evidente desejo de me
tranqüilizar -, trata-se de uma simples formalidade...
Também eu me esforcei por sorrir, ao mesmo tempo que lhes pedia
que se identificassem.
- Por telefone – acrescentei – disseram-me que um dos senhores é
agente do FBI. Poderia ver as vossas credenciais?
Instantaneamente, e como se aquele meu simples pedido fizesse
parte de um cerimonial igualmente rotineiro e habitual, ambos tiraram
do bolso do casaco umas carteiras de plástico preto.
Na primeira pertencente ao homem que logo me identificara, ao verme
no hall – pude ler, em caracteres que se destacavam dos restantes,
as palavras FEDERAL BUREAU OF InvEsTIGATIoN. Aquilo, com efeito,
correspondia à famosa sigla FBI, ou Serviço Federal de Investigação.
Na segunda credencial – que não foi retirada da minha vista com
tanta rapidez como a do agente do FBI – pude ler, o seguinte:
DEPARTAMENTO DE ESTADO. SERVIÇO DE IMPRENSA, uma espécie
de morada, 2201 <> STREET... (WASHINGTON D. C.) e um número
que começava por (202)632...
- Muito obrigado – respondi, ainda com mais medo, se tal era
possível. - Os senhores façam favor de dizer...
- Sabemos quem o senhor é e conhecemos igualmente a sua condição
de jornalista espanhol – replicou o agente do FBI, ao mesmo tempo que
abria uma pequena caderneta e recusava amavelmente um dos meus
cigarros. Foi-nos comunicado que na passada terça-feira, pelas onze e um
quarto da manhã, o senhor se interessou pelos possíveis parentes do
Major (...).
Que tipos dos diabos!, pensei. Raio de serviço de informação!
Pois bem – prosseguiu o agente, indicando-me as notas que se viam
no seu bloco -, em primeiro lugar, queríamos averiguar se estes dados
estão corretos.
- Efectivamente. Estão...
- Nesse caso, gostaríamos de saber porque tem o senhor esse
interesse pela família do Major (...).
O meu cérebro, alertado por causa – disse eu – do medo, foi
procurando as respostas com uma frieza que ainda me assusta.
- Bom, isso é uma velha história. Conheci o Major numa das minhas
viagens ao México e estabeleci com ele uma amizade sincera menti. Ao
visitar novamente aquele país, soube que tinha falecido. Sem pestanejar
aguentei o olhar desconcertante do polícia. Talvez estivesse à espera de
outra versão e, ao verificar que lhe dizia a verdade (pelo menos, parte
da verdade), mostrou-se indeciso. Foi esse o seu primeiro erro.
Antes que conseguisse formular nova pergunta, aproveitei aqueles
segundos e tomei a iniciativa:
- Os senhores devem também saber que sou investigador e escritor
do fenómeno ovni...
O agente sorriu.
- Em certa ocasião – continuei, improvisando -, o Major deu-me a
entender que conhecia determinada informação... relacionada com
este tema. E deu-me o nome de um colega, nos Estados Unidos, que me
daria esses dados, se eu viesse a saber que o Major tinha morrido...
O meu interlocutor, tal como eu desejava, mordeu o anzol.
- Pode dizer-nos o nome dessa pessoa? Fingi uma certa resistência e
acrescentei:
- A verdade é que não gostaria de prejudicar alguém...
- Não se preocupe...
- Está bem. Não vejo inconveniente em lhes dar o nome dessa
pessoa que procuro, desde que os senhores me deixem de lado e
respondam a uma pergunta...
Os dois personagens trocaram um olhar de cumplicidade e o
funcionário do Departamento de Estado, que não abrira a boca até
aquele momento, perguntou por sua vez:
- De que se trata?
- Poderiam os senhores dar-me uma pista sobre algum familiar do
Major, ou desse amigo que procuro localizar? Antes que o seu colega
tivesse tempo de responder, o agente do FBI interveio novamente:
- Está combinado. Diga-nos: como se chama essa pessoa que o
senhor tem de contactar?
Ao tomar nota do nome e apelido do irmão de viagem do Major,
vacilou e trocou de novo um olhar fugaz com aquele que o acompanhava.
Foi o seu segundo erro.
Aquela quase imperceptível hesitação acabou por me pôr alerta.
Nesse instante – pela primeira vez – comecei a ter consciência de que me
aventurara por um assunto extremamente perigoso. Aqueles indivíduos -
isso saltava à vista – sabiam muito mais do que diziam.
Porém, não era isso o pior. O que era dramático era eu ter em meu
poder por um desses acasos do destino – uma informação que começava a
queimar-me as mãos e pela qual os serviços de espionagem dos Estados
Unidos seriam capazes de tudo.
- E quanto a essa pista? - pressionei, com fingido ar de satisfação.
O agente do FBI ficou em silêncio, e, depois de escrever qualquer
coisa numa das fichas do seu caderno, arrancou-a e meteu-ma na mão.
- É tudo o que podemos dizer-lhe – resmungou, contrariado.
Pensamos que seja um dos familiares do major
(...).
No papel pude ler o nome da cidade de Nova Iorque e dois apelidos.
Simulei certa contrariedade.
- Mas não podem dizer-me mais nada?
Os dois indivíduos puseram-se de pé e, depois de me desejarem
sorte, encaminharam-se para a saída. Sem o quererem, aqueles gorilas
tinham-me oferecido o melhor dos pretextos para eu sair de Washington
a toda a pressa.
Antes de voltar ao meu quarto, tive a ideia de assomar dissimuladamente
à porta giratória do hotel e vi que os dois homens se metiam
num carro azul-metálico, estacionado a vinte ou trinta metros do ponto
onde me encontrava. Voltei imediatamente ao hall, dirigindo-me para o
elevador e sentindo o peso do olhar curioso do recepcionista. Antes de
fechar a porta do meu quarto voltei a pendurar o letreiro Não
IncomoDAR e coloquei a corrente de segurança. Começaram então a
tremer-me os joelhos e tive de me deixar cair em cima da cama.
Suponho que a minha perturbação era devida em parte àquela –
digamosdelicada visita e, principalmente, ao que continha o primeiro
cilindro. Não sei quanto tempo estive deitado na cama, com o olhar
perdido na penumbra do meu quarto. Uma coisa, sim, era clara em toda
aquela embrulhada; agora, mais do que nunca, teria de atuar sem dar nas
vistas. Se o FBI tinha entrado no jogo era porque, logicamente, estava
ao corrente da grande viagem que o Major e o seu irmão tinham
realizado. Não era preciso ser águia para perceber que os serviços da
espionagem norte-americana não estavam dispostos a que aquela
informação secreta passasse à imprensa.
De momento, a subtil prudência do Major proporcionara-me certa
vantagem. E estava disposto a utilizá-la, naturalmente.
Se o FBI e o Departamento de Estado – que sabiam muito bem do
falecimento dos dois veteranos da USAF -, continuavam a acreditar que
eu apenas procurava localizar o amigo do Major, talvez a minha saída do
país fosse mais fácil do que eu previra. Esta, em síntese foi a resolução
mais importante que acabei por adoptar ao meio-dia daquela quinta-feira
5 de Novembro de 1981: voltar a Espanha de imediato... e com o meu
tesouro como era evidente. Saltei da cama e preparei-me para pôr em
prática a última fase do meu plano: a visita ao Cemitério Nacional de
Arlington. Ainda que, repito, a confirmação da morte do companheiro e
irmão do meu amigo não revestisse já uma especial importância, no meu
foro íntimo necessitava de encerrar aquele misterioso círculo que a
chave constituía. Preparei as máquinas fotográficas e vi as horas.
Eram duas da tarde. Ainda tinha três antes que a necrópole
fechasse as suas portas ao público. Mas, quando me dispunha a sair do
quarto, um elementar sentido de prudência levou-me a espreitar pela
janela. Por um momento não reagi. Estacionado junto do passeio do hotel,
no mesmo lugar em que o vira, continuava o carro azul-metálico dos
agentes. Instintivamente, lancei-me para trás e fechei a janela. Não
podia ser um acaso.
Aquele era o carro do FBI. Evidentemente que eu tinha subestimado
os agentes... Se me arriscar a sair agora, refleti, procurando uma
solução, que acontecerá?
Podia ser discreta mente seguido, uma hipótese nada improvável, ou,
muito pior, a minha ausência podia ser aproveitada pelos dois homens
para uma busca no quarto. Esta última ide ia encheu-me de terror. Que
podia eu fazer? Também não me resignava a ficar enclausurado entre
aquelas quatro paredes...
De repente, veio-me à ideia a escada de salvação.
Sim, disse para comigo, tentando animar-me, pode estar aí a
solução. Liguei a televisão e, tentando não fazer barulho algum, abri
lentamente a porta. O corredor estava deserto.
Rapidamente, cheguei ao fundo, junto à saída de emergência. Ao
contrário do que acontece em Espanha, os Norte-Americanos querem que
estas portas permaneçam constantemente abertas. Ao olhar para fora,
da plataforma metálica ou patamar que une a escada com o sexto andar,
em que me encontrava, verifiquei que aquela saída dava diretamente para
uma rua estreita e com pouco trânsito. Nas imediações não havia um
único veículo.
Aquilo tranqüilizou-me.
Dali a poucos minutos fechava novamente a porta do meu quarto e
preparava-me para a fuga. O mais importante era não levantar suspeitas.
E, assim, seguindo um metódico plano, telefonei ao room service e
solicitei um frugal almoço. A seguir, despi-me, enfiando-me no pijama.
Marquei o número da recepção e, em tom lento e cansado, expliquei ao
empregado de turno que estava muito fatigado e desejava dormir. Por
fim, e depois de insistir que não queria atender telefonema algum, pedilhe
que me acordasse às seis e meia da tarde. Se, como suspeitava, os
responsáveis do hotel tinham ordens para vigiar e comunicar as minhas
entradas e saídas, esta podia ser uma boa cartada.
Quinze minutos depois um criado batia à porta. Empurrou o carrinho
com a comida e, depois de lhe meter na mão uma bela gorjeta, anuncieilhe
que não me incomodasse ao voltar para levar a pequena mesa rolante.
- Eu mesmo a ponho no corredor quando acordar – disse eu.
O homem pareceu concordar e desapareceu ao fundo do corredor,
enquanto eu voltava a pendurar o letreiro Não IncomoDAR.
Vesti-me em segundos, mordisquei um dos pãezinhos e peguei na
bolsa das máquinas fotográficas, em cujo fundo tinha guardado os
cilindros de cartão e a carta do Major. No meu relógio faltava um quarto
para as três.
Depois de me certificar de que a porta do meu quarto estava
perfeitamente fechada, guardei a chave e, como um fantasma, percorri
os escassos trinta passos que me separavam da escada de salvação. Ao
fechá-la atrás de mim dediquei uns segundos a uma exaustiva exploração
da rua e dos lanços que tinha de descer. Tudo calmo.
Sem perder um minuto, desci as escadas de salvação, tentando não
fazer barulho. Chegado ao último patamar, detive-me. Não me cabia o
coração no peito... Olhei à volta e, depois de verificar que o caminho
estava livre, prossegui a minha descida, com excessivo otimismo. E faço
esta observação porque, ao olhar para os últimos degraus, não parti a
cabeça por pouco. Não contara com um pequeno-grande obstáculo: a
escada de salvação acabava a considerável altura do chão.
Debrucei-me e compreendi, angustiado, que, se queria continuar a
fuga tinha de saltar aqueles dois ou três metros.
(A verdade é que nunca soube, com certeza, a que distância me
encontrava do passeio.) Tinha de atuar com rapidez: ou voltava ao sexto
andar ou me atirava. A minha posição no final daquela escada de incêndio
era francamente comprometedora.
Qualquer transeunte que passasse naquele instante me podia
descobrir.
Engoli saliva e encostei a bolsa à barriga, rodeando-a com ambos os
braços. Depois, num ato inconsciente, saltei.
Apesar da flexão de pernas, o choque foi respeitável. Na minha
ânsia de proteger o equipamento fotográfico, inclinei-me em excesso e
rolei com quanto peso tenho pelo duro cimento.
Poucas vezes me pus de pé com tanta rapidez. A minha única
preocupação – verdade seja dita – era que alguém pudesse ter-me visto
saltar. Mas a sorte parecia estar ainda do meu lado. A viela continuava
solitária. Limpei a samarra com duas palmadas e saí a assobiar em
direção ao cruzamento que se adivinhava ao fundo. Se tudo corresse
como eu desejava, do outro lado do quarteirão e na direcção oposta à
que eu seguia, deveria estar ainda o carro do FBI.
Vinte minutos depois – quando no meu relógio eram quase três e
meia – um táxi deixava-me no Memorial Drive, mesmo às portas do
cemitério. Ainda que na minha rápida deslocação até Arlington eu não
tivesse notado – apesar de olhar para trás freqüentemente – que o
temido carro azul me seguisse, nesta nova visita ao cemitério dos heróis
norte-americanos evitei a entrada pela porta principal. Caminhei pela
alameda de Schley e, passados cinco minutos, estava diante do balcão do
Temporary Visitors Center.
Sinceramente, enquanto explicava a uma das funcionárias que o meu
objectivo era localizar o túmulo de um velho amigo, as minhas esperanças
– à vista dos escassos dados que possuía – não eram muito sólidas. A
mulher tomou nota do nome e apelidos, bem como o ano da possível
morte (1977), e, sem mais perguntas, como se aquela consulta fosse mais
uma entre tantas, fez meia volta e dirigiu-se a um monitor, colocado à
esquerda da sala. Vi-a carregar em teclas e, poucos segundos depois, no
visor do terminal do computador surgiram uns sinais e umas palavras de
cor verde que não consegui decifrar. Logo a seguir, a funcionária pegou
num dos pequenos mapas que eu já conhecia e escreveu a vermelho o
primeiro apelido e o nome do meu amigo e, na linha inferior, a negro e nos
espaços destinados a grave (sepultura) e a section (talhão), os números
correspondentes a cada uma delas. - Conhece o Cemitério? - perguntoume.
- Não muito...
- Bem, é fácil – acrescentou, em voz monótona. - Nós estamos aqui...
Com o marcador vermelho assinalou o Temporary Visitors Center e
no seu prolongamento traçou uma linha por cima das alamedas de Lenfant
e de Lincoln. Com uma precisão que me deixou estupefacto, marcou um
ponto no talhão quarenta e três, concluindo: - Aqui encontrará a lápide.
Se for a pé são dez minutos...
- Muito obrigado.
É possível que a jovem interpretasse aquele agradecimento e o meu
amplo sorriso como um sentimento lógico ao poder localizar tão
rapidamente o que procurava. Mas os meus tiros iam noutra direcção...
Enquanto caminhava para o ponto indicado na planta, a minha excitação
aumentava. O fato de o computador e Arlington ter respondido
afirmativamente – mostrando que ali, efetivamente, tinha sido sepultado
o irmão do Major -, fizera-me vibrar de emoção, esquecendo
momentaneamente os passados dissabores.
No cruzamento da alameda de Lelephant com a alameda de Lincoln
parei. Se as indicações da funcionária não estavam erradas, devia
encontrar-me a pouco mais de trezentos metros da sepultura. Ao olhar
novamente para o mapa reparei noutro pormenor que precipitou a minha
alegria: as coordenadas 44 e W confluíam matematicamente naquela
zona do talhão quarenta e três: isto esclarecia a primeira parte da
quarta frase da mensagem do Major: O irmão dorme em 44-W.
A pequena vereda asfaltada levou-me até um relvado em que se
alinhavam centenas de lápides brancas, com apenas meio metro de altura.
Consultei o número da sepultura e, depois de várias voltas pela relva bem
tratada, o nome e o apelido do também oficial da USAF surgiram diante
de mim como um milagre.
Como nos outros túmulos de Arlington, havia uma pequena luz dentro
de um círculo, gravada na parte superior da lápide. Por baixo, a
identidade do falecido o seu posto, o exército a que pertencera e as
datas do nascimento e da morte, respectivamente. E mais nada. Senti
uma mistura de raiva e de tristeza. Aquele homem, tal como o meu velho
amigo, o Major, fora enterrado sem uma só referência à fascinante
missão que levara a cabo em vida. E o pior é que o seu próprio país – pelo
menos os serviços de espionagem – estava empenhado em que a referida
viagem continuasse a ser classificada como secreta e confidencial. .
No horizonte, esfumado entre o verde, o amarelo e o vermelho das
árvores do Cemitério Nacional, o branco monólito erigido à memória do
primeiro presidente dos Estados Unidos apontava paradoxalmente o
céu... Ajoelhei-me e jurei que lutaria até ao fim. Nada nem ninguém me
deteria ante o compromisso de difundir o legado daqueles homens. Pelas
quatro e meia, depois de fotografar a lápide, e quando me dispunha a
retirar-me, uma sombra fez que me sobressaltasse. Parte da inscrição
tinha começado a escurecer. Levantei os olhos e reparei numa pequena
árvore. Uma nespereira! (...A sombra da nespereira – recordei a última
parte da quarta frase da mensagem do Major – Cobre-o pelo entardecer.
Fiquei absorto, contemplando como a sombra daquela humilde
companheira de solidão ia roubando a luz da pedra, segundo a segundo.
Ao observar o relvado dei conta de que aquela era a única árvore que
crescia junto deste talhão da necrópole. Já não havia dúvida: a
mensagem estava decifrada.
Apanhei algumas das nêsperas que tinham caído na relva e guardeias
na minha bolsa. Por último, cortei um pequeno ramo e coloquei-o junto
da lápide.
Pouco a pouco, com o sol a descer nas minhas costas fui-me
afastando daquele lugar. Não voltei à frágil nespereira de folhas verdes
e pequeninas que acompanha o herói norte-americano, mas ambos
sabemos que, naquela tarde, parte do meu coração ficou em Arlington.
No traçado original do meu plano de fuga, não tinha previsto, nem
nada que se parecesse, que o regresso fosse precisamente pela porta
principal do hotel. Penso agora passado todo este tempo, que muito bem
sabia eu que não tinha possibilidade de chegar à escada de salvação pela
viela, e que, portanto, joguei tudo por tudo naquela desnecessária
diligência no Cemitério Nacional de Arlington. Mas já não podia voltar
atrás. Sou um homem que aceita riscos e que, além disso, gosta de os
correr.
O crepúsculo tinha começado a diluir as cores da grande cidade
quando o táxi parou em frente da porta giratória do meu hotel. Enquanto
pagava a corrida respirei aliviado ao reconhecer na minha frente, a uma
vintena de passos, o carro dos meus perseverantes guardas. Ou muito me
enganava, ou eles julgavam-me a dormir que nem uma pedra. Depressa o
ia comprovar... Saltei do táxi e atravessei o passeio, olhando de soslaio
para a esquerda. Ainda que fosse por uma questão de segundos, pude
notar como um dos agentes – o que continuava ao volante – se agitava,
tocando com precipitação no ombro do seu companheiro, que estava a ler
um jornal. Não sei o que aconteceu depois. Deslizei pelo hall e evitei o
elevador.
Graças ao céu, o recepcionista estava de costas e acho que não me
viu desaparecer, subindo as escadas.
Ofegando e amaldiçoando o tabaco, entrei no meu quarto
justamente no momento em que tocava o telefone. Tentei recuperar o
fôlego e deixei-o tocar duas vezes. Ao atender reconheci a voz do
recepcionista!
- O senhor desculpe – disse o empregado, num tom muito pouco
convincente -, mas disse-me que o chamasse às cinco e meia ou às seis e
meia...?
Tive vontade de lhe torcer o pescoço, mas dissimulei, dando como
certo que junto dele devia estar um dos agentes, se é que não estavam
os dois...
- Às seis e meia, se faz favor – respondi, em voz cortante.
- O senhor desculpe... Foi um erro.
Aceitei as desculpas e, por via de dúvidas, despi-me acabando por
comer o esquecido almoço. Eram cinco e meia da tarde. Se o FBI
engolisse o isco e considerasse que tudo tinha sido uma confusão, que eu
não tinha saído do quarto, talvez aquelas últimas horas em Washmgton
não fossem demasiado difíceis. Mas, e se não fosse assim?
Tinha de tirar as dúvidas.
E comecei a maquinar novo plano. Tinha de averiguar até que ponto
acreditavam na minha palavra...
A minha preocupação, como é fácil de adivinhar estava centrada nos
documentos. Tinha de os pôr a salvo a todo o custo. Mas como? Levei
mais de meia hora em reconhecimento e exploração de cada canto do
quarto. No entanto, nenhum dos possíveis esconderijos me pareceu
bastante seguro. Cheguei mesmo a desenroscar o chuveiro, considerando
a possibilidade de enrolar e esconder parte do diário do Major no cano,
que saía um pouco mais de trinta e cinco centímetros da parede da casa
de banho. Graças a Deus, o instinto ou a intuição – ou ambos ao mesmo
tempo – fizeram que temesse a sorte dos papéis e, finalmente, decidi-me
pela solução mais simples... e arriscada. Abri cuidadosamente o segundo
cilindro e retirei outro maço de folhas minuciosamente datilografadas,
igualmente protegido por um envoltório de plástico transparente. Meti
todos os agrafes dentro da garrafa de vinho, que ficara meio vazia. E,
com a ajuda de várias tiras de papel adesivo, prendi ambos os maços de
folhas ao peito e às costas.
Depois, vesti-me cuidadosamente, tratando de encher os canudos de
cartão com rolos de fotografias, ainda por usar.
Guardei-os no fundo da bolsa das máquinas fotográficas e retirei as
películas das duas máquinas, substituindo-as por outras, ainda virgens.
O meu objetivo era sair do hotel bem à vista e deixar o campo livre
aos tipos do FBI. Corria o gravíssimo risco de que eles, em vez de
fazerem busca ao quarto, optassem por me seguir e revistar-me. Nesta
segunda suposição, os documentos voariam em questão de minutos... Na
previsão de que esta delicada circunstância chegasse a ser realidade,
guardei os rolos de Tri-X e de diapositivos que obtivera da minha
recente investigação no México, bem como as imagens de Arlington, nos
bolsos da samarra e das calças. Em caso de busca, pensei, sempre é
melhor que localizem primeiro as películas. Talvez fiquem satisfeitos e
se esqueçam do resto...
Não que aquele estratagema me convencesse, mas podia fazer outra
coisa? Cortei as pontas das películas de uma dezena de rolos, ainda por
fotografar, e pulas em fila, em cima da minúscula secretária, simulando
que se tratava do fruto do meu trabalho gráfico naqueles últimos dias.
Pelas seis e um quarto peguei numa folha de papel, com o timbre do
hotel, e escrevi em letra sem muito apuro:
Sexta-feira (6-XI-81)... ligar para o Dr. Garzón às 13 horas
(telefone 6525783).
Rasguei a folha aos bocadinhos e deitei-os para o cesto de papéis,
separando previamente um dos quadradinhos de papel em que podia lerse:
efone 6525. Deixei esta parte do escrito no soalho do quarto, muito
perto do cesto dos papéis, como se no gesto – ao deitar fora os papéis -,
um deles tivesse caído fora do recipiente. Depois esvaziei um dos
cinzeiros no cesto e tratei de desfazer a cama, enrugando
minuciosamente os lençóis.
Às seis e meia, tal como esperava, tocou o telefone. O empregado,
num tom muito mais amável, lembrou-me a hora.
- Muito obrigado – respondi, aproveitando a oportunidade para
rematar o meu plano – Gostaria de ir ao cinema... sabe se por aqui perto
há algum?
- Há, sim, senhor... Que tipo de filme deseja ver?
- Bom, já que é tão amável, vá o senhor mesmo vendo. Vou descer já.
Ao desligar, esfreguei as mãos. Apesar de tudo, aquilo era electrizante...
Por último, e antes de sair do quarto, envolvi cuidadosamente o meu
caderno de notas em dois jornais, escondendo entre as páginas a carta
que retirara da box número vinte e um. Certifiquei-me de que levava o
passaporte, os bilhetes – ainda válidos – da minha viagem de regresso a
Espanha, via Nova Iorque, e os meus últimos trinta dólares. Abrindo a
porta, empurrei o carrinho do almoço para o corredor. Retirei o letreiro
NÃO INCOMODAR e fechei a porta. Ao encaminhar-me para o elevador
passei diante de uma bandeja – com alguns restos de comida que tinha
sido colocada no soalho, junto de um outro quarto. Logo me lembrei dos
agrafos e, voltando atrás, peguei na minha garrafa de vinho, trocando-a
sorrateiramente pela do outro hóspede.
Uma vez no hall conversei sem pressa com o recepcionista que
gentilmente – e a meu pedido – me acompanhou até à rua, indicando-me o
caminho mais curto para o cinema. Fingi não ter entendido bem e o
homem repetiu as suas indicações com todos os pormenores. Tanto ele
como eu observávamos furtivamente o carro azul-metalizado, que
continuava estacionado a curta distância. Aquela comédia, na realidade,
fazia parte da segunda fase do meu plano. Desejava que ficasse
perfeitamente estabelecido que, no decorrer das horas seguintes eu ia
procurar distrair-me pacificamente a ver um filme. E, naturalmente, era
vital que eles notassem...
Com as mãos nos bolsos e o diário de bordo bem seguro debaixo do
braço, camuflado entre as folhas do jornal, fui-me afastando com ar
distraído, como quem se prepara para dar um agradável passeio. O peso
das folhas – em especial as do peito - começava a incomodar-me.
Duas ou três paragens, aparentemente casuais, diante de outros
tantos estabelecimentos comerciais, foram mais que suficientes para
verificar que os agentes não tinham saído do carro. Com passada
igualmente displicente desapareci da Rua Dezessete à procura da
movimentada Avenida Pensilvânia, onde, entre restaurantes galerias
comerciais pubs e cinemas sempre é mais fácil passar despercebido.
Comprei um bilhete e às sete e meia entrava numa das salas de projeção.
Mas a minha intenção não era ver um filme. Quinze minutos depois, e
perante a indiferença do porteiro, saí do cinema, dirigindo-me a uma
cabina telefônica.
Embora me encontrasse muito perto da Rua Catorze, achei que era
muito mais prudente telefonar primeiro para os escritórios da agência
Efe em Washington. Um dos jornalistas – velho amigo – ia desempenhar
um papel decisivo nesta última parte do plano. Como era de esperar, o
primeiro número estava sempre interrompido. Marquei o segundo
- 3323120 – e, por fim, consegui falar com a redação.
Não me vi forçado a dar-lhe demasiadas explicações. O companheiro
e colega, cuja identidade não posso revelar, por razões óbvias, percebeu
que me acontecia qualquer coisa fora do normal e aceitou ver-me de
imediato.
Cerca das oito e meia da noite voltei atrás, até McPherson Square,
e, convencido de que ninguém me seguia, deslizei rapidamente para o
vetusto elevador do National Press Building, na Rua Catorze da zona
norõeste da cidade. O meu amigo esperava-me no departamento 969,
sede da Agência Efe.
Uma hora depois, com o mesmo ar despreocupado, empurrava a
porta giratória do hotel. De bom grado, e sem fazer muitas perguntas, o
jornalista tinha-me prometido o seu auxílio.
Pelas dez da manhã do dia seguinte – tal como tínhamos combinado –
apresentar-se-ia no meu hotel...
A minha intuição não falhou desta vez. Ao aproximar-me da porta
principal descobri que o carro azul-metalizado tinha desaparecido. Ao
pedir a minha chave na recepção, observei que os empregados eram
outros. E, ainda que ultimamente em mim só houvesse desconfianças,
compreendi que se tratava de novo turno. Dei ordem para que me
acordassem às oito e meia de sexta-feira e, com um preocupante
formigueiro no estômago, segui a caminho do sexto andar. Não podia
tirar da cabeça a circunstância suspeita de o veículo do FBI não se
encontrar em frente do hotel. Que teria acontecido naquelas três
horas? Não precisei de muito tempo para o averiguar. Bastou-me fechar
a porta do meu quarto e pôr os olhos na pequena secretária. Os rolos
virgens que alinhara no tampo de vidro da mesa tinham desaparecido!
Antes de entrar por uma rigorosa inspeção geral, abri a bolsa do
material fotográfico, verificando, com alívio, que as minhas máquinas
continuavam lá. No entanto, tal como supusera, também os rolos – meio
utilizados -, que eu substituíra no último momento, tinham sido retirados
(possivelmente rebobinados) das respectivas câmaras. O resto do
equipamento estava intacto. Os canudos de cartão, onde eu guardara
películas, não pareciam ter chamado a atenção dos intrusos. Continuavam
no fundo da bolsa, cobertos pelas minitoalhas verdes que eu costumo
pedir emprestadas nos hotéis onde me hospedo e que, seguindo o
costume do meu mestre e compadre Fernando Múgica, utilizo para evitar
os choques e o roçar entre câmaras e objetivas. Também as quatro ou
cinco nêsperas que trouxera de Arlington não tinham sido subtraídas
pelos agentes. Porque, por esta altura, e tal como pude confirmar
minutos mais tarde, saltava aos olhos que o meu quarto sofrera uma
busca do FBI. (Pelo menos uma vez na minha vida, tinha acertado em
cheio.)
Numa primeira observação pude deduzir que o resto dos meus
haveres – mala, roupa, utensílios de higiene, etc. - continuava onde o
deixara. Atuando com extremo cuidado o indivíduo ou indivíduos que
tinham entrado no quarto tentaram não alterar a rígida ordem que
sempre imponho à minha volta.
Aqueles tipos procuravam informação – qualquer dado que pudesse
estar relacionado com o Major ou o amigo que eu dizia procurar – e eu
não tardaria em confirmá-lo.
Um pouco mais tranqüilo depois daquele rápido inventário, fui
direito ao cesto dos papéis, para onde deitara os pedacinhos de papel,
bem como as beatas de um dos cinzeiros.
Os papelinhos continuavam no fundo do recipiente, à excepção do
que eu deixara cair intencionalmente no soalho. Este, num lamentável
erro do agente, foi encontrado por mim no fundo do cesto, junto dos
seus irmãos... conhecendo como conheço os serviços de espionagem,
sabia que uma das coisas que sempre vêem são, precisamente, os cestos
dos papéis. A armadilha dera resultado. O agente, depois de reconstruir
a folha de papel que eu rabiscara, devolveu-a ao cesto procurando fazer
que os vinte e oito pedaços caíssem todos no cubo de metal.
Aquele desajeitado representante do FBI deixara, além disso, no
vidro da secretária, outro sinal da sua passagem. Como o leitor terá
imaginado, o fato de despejar um dos cinzeiros no cesto dos papéis – e,
mais concretamente, por cima dos papelinhos – não foi um gesto de
asseio, embora possa ser essa a primeira impressão...
Aquela manobra foi perfeitamente calculada. E, agora, ao examinar
o vidro, em cima do qual, com toda a evidência, fora minuciosamente
reconstruída a folha de papel, não tardei em detectar a pista do intruso.
Ao juntar os pedacinhos de papel, o agente não se acautelou e uma
porção de cinza mínima - mas suficiente para o que eu pretendia caíra em
cima do vidro da mesa. Uma vez adivinhado o quebra-cabeças, o homem
restituiu os restos ao seu devido lugar, sem ter a precaução de limpar a
superfície sobre a qual trabalhara.
Com a ajuda de uma minúscula lupa, Agfa Lupe 8 x, que sempre me
acompanha e é de grande utilidade no exame de diapositivos, localizei
imediatamente numerosas partículas branco-acinzentadas, que não eram
mais que parte da cinza com que cobrira os papelinhos.
Se os agentes – como era fácil supor – tinham tomado devida nota
do que estava escrito na folha, havia uma grande probabilidade de que
caíssem em nova armadilha...
Antes de me deitar, e prevendo que o meu telefone estivesse sob
escuta, marquei o número do Consulado espanhol disse à pessoa que me
atendeu que era amigo do senhor Garzón, conselheiro de Informação e
pedi para lhe transmitir que eu telefonaria no dia seguinte, às treze
horas. Desta forma, e na mais que provável suposição de a minha
conversa ter sido gravada, o FBI recebia assim a confirmação daquilo
que, sem dúvida, lera no meu quarto.
Deixei a mala praticamente feita e preparei-me para descansar.
Mas ao ir lavar os dentes tive outra surpresa.
Aqueles malditos agentes tinham furado – de lado a lado e em três
sítios – a bisnaga da pasta dentrífica. O tubo de creme de barbear, tal
como temia, estava igualmente furado. De que foram capazes e que mais
surpresas me reservam estes gorilas?, interroguei-me, inquieto. Naquela
noite, à cautela, pus a corrente de segurança e escorei a porta com a
única cadeira do quarto. Como última precaução, decidi não descolar os
documentos do peito e das costas. Contrariamente ao que imaginava,
aquela incómoda carga não foi obstáculo a que o sono acabasse por me
vencer. Tinha graça. Era a primeira vez que dormia com um alto
segredo... no estômago.
De acordo com o plano estabelecido na tarde anterior na sede da
agência de notícias Efe, pelas dez em ponto da manhã de sexta-feira
entreguei a chave do meu quarto na recepção, dirigindo-me em seguida
para um dos táxis que esperavam à porta do hotel.
Depois de tomar o pequeno-almoço no quarto, voltei a encher os
tubos de cartão com parte da minha roupa suja – lenços e peúgas,
fundamentalmente – fechando-os novamente e escrevendo em cada um
deles o meu apelido, nomes, e direção na Biscaia.
E ainda que o tempo em Washington D. C. Estivesse fresco e com
sol, vesti uma gabardina amarelo-clara.
Com as máquinas fotográficas ao ombro e os cilindros do Major nas
mãos meti-me num táxi, pedindo ao motorista que me levasse ao Main
Post Office, a central dos Correios da cidade.
Se o FBI seguia os meus movimentos, aqueles canudos e o meu
colega jornalista iam ajudar-me a pregar-lhes uma boa rasteira.
Às dez e meia o motorista do táxi parava em frente dos Correios.
Com a promessa de uma excelente gorjeta, pedi-lhe que esperasse uns
minutos; apenas o tempo de pôr selos e registar dois volumes. O homem
concordou amavelmente e saí do táxi a tempo de ver um automóvel preto
a ultrapassá-lo, indo estacionar cerca de cem metros mais à frente.
Calculando que os ocupantes do carro muito tinham a ver com os que me
tinham invadido e revistado o quarto na noite anterior, entrei na
concorrida central. Graças a Deus, o meu amigo já lá estava à minha
espera. A toda a velocidade, e ante os olhos atônitos de uma
rapariguinha que preenchia não sei que impressos na mesma mesa onde
me encontrara com o repórter da Efe, despi a gabardina e passei-a ao
meu colega. Escrevi a matrícula do táxi num dos formulários que se
alinhavam nos cacifos e, ao entregar-lhe o papel, avisei-o – em
castelhano – que tivesse cuidado com o automóvel preto. Cumprindo o
plano previsto, o meu colega vestiu a gabardina, enquanto eu me
misturava à multidão, caminhando para o balcão das encomendas postais.
Se corresse tudo bem, dali a cinco minutos o jornalista ter-se-ia metido
no táxi que esperava o meu regresso. Com a finalidade de tornar ainda
mais difícil a sua identificação, pedira-lhe que trouxesse uma bolsa
parecida com aquela que eu habitualmente trazia. Quando o funcionário
dos Correios guardou os canudos de cartão, dirigi-me para a porta e, do
limiar, verifiquei que o táxi e o automóvel preto tinham desaparecido.
Sem perder um minuto, encaminhei-me para a boca do metro de
Gallery Place. Dali, seguindo a linha Macpherson-Farragut West,
reapareci na estação de Foggy Bottom. Eram onze e meia.
Uma hora depois, outro táxi deixava-me no aeroporto nacional de
Washington. Ou muito me enganava, ou os agentes do FBI estavam quase
a enfiar um grande barrete... Pelas treze horas e vinte e cinco minutos
daquela agitada manhã, o voo 104 da companhia BN arrancava-me – por
fim – da capital federal.
Dificilmente posso descrever aquelas últimas quatro horas no
aeroporto de Nova Iorque. Se o meu amigo não fosse capaz de enganar
os teimosos agentes norte-americanos, a minha segurança e, o que era
muito pior, o meu tesouro tinham corrido grave risco.
As quatro em ponto da tarde, tal como tínhamos combinado, marquei
o número de telefone da Efe em Washington. O meu cúmplice – a quem
nunca poderei agradecer devidamente a sua audácia e cooperação –
saudou-me com a contra-senha que só eu e ele conhecíamos:
- De Santurce a Bilbau...?
.. Vou por toda a margem – respondi, com voz entrecortada pela
emoção. Aquilo significava, entre outras coisas, que o nosso plano dera
resultado.
Em poucas palavras, o meu colega pôs-me ao corrente do que
acontecera, a partir do momento em que entrara no táxi. As minhas
suspeitas eram fundamentadas: aquele automóvel preto, que estacionara
a pequena distância da fachada principal da estação dos Correios,
recomeçou a sua discreta perseguição. Os agentes, três, no total, não
podiam imaginar que o meu amigo ocupara o meu lugar e que todo aquele
enredo não tinha outro objectivo que não fosse permitir a minha
fulminante saída do país.
Obedecendo às indicações do novo passageiro, o condutor do táxi
que viu aumentada a importância da corrida com uma súbita gorjeta de
cinquenta dólares (gorjeta que, segundo o meu colega, o deixou
temporariamente mudo e surdo) -, ante o provável desespero dos homens
do FBI, conduziu o seu veículo até ao Consulado espanhol, no N.o 2700
da Rua Quinze. Ali permaneceram ambos até à uma e meia. A essa hora,
um vôo regular decolava de Washington, levando-me, como já referi, à
Cidade de Nova Iorque.
Quando viram de novo surgir o táxi que tinham esperado
pacientemente o assombro dos gorilas deve ter sido memorável, pois os
passageiros já eram outros. O meu amigo, que tinha largado a gabardina
e a bolsa no Consulado, enfiou um gorro vermelho e pediu a um
funcionário amigo que o acompanhasse.
O FBI caiu novamente na armadilha e, acreditando que eu estava
ainda na embaixada, continuou à espera. - É possível – comentou
divertido o jornalista da Efe – que ainda lá estejam...
Às sete e um quarto, com os documentos bem colados ao peito e às
costas e – para quê negá-lo – quase à beira de um ataque de coração, o
voo 904 da TWA levava-me pelos ares, rumo a Espanha.
No dia seguinte, sábado, uma vez confirmada a minha descida em
Madrid-Barajas, o colega apresentou-se no hotel. Levou a minha mala e
pagou a conta. Tal como eu suspeitava, os canudos de cartão que eu tinha
registrado em Washington nunca chegaram ao seu legítimo destino...
Como me enganava. As minhas angústias não terminaram com o
resgate do diário do Major. Foi a partir da leitura daqueles documentos
que o meu espírito se viu envolvido em toda a espécie de dúvidas...
Durante dois anos, sempre no mais impenetrável dos silêncios,
multipliquei-me em mil diligências para tentar confirmar a veracidade de
quanto deixou escrito o falecido piloto da USAF. No entanto – apesar
dos meus esforços – pouco consegui. A natureza do projeto é tão
fantástica que, mesmo que tenha sido realizado, a classificação muito
secreto, tornou-o inacessível. Uma coisa a que os Soviéticos e Norte-
Americanos – seja dito de passagem – nos têm habituado desde que se
empenharam na sua louca corrida aos armamentos. Não é preciso ser um
lince para compreender que, tanto na conquista do espaço como no
desenvolvimento do potencial bélico, uns e outros ocultam boa parte da
verdade e – o que é pior – não sentem o menor pudor em mentir... ou
desmentir. Também não é de estranhar, portanto, que tenha caído uma
cortina de ferro sobre o projeto que o Major descreve no seu legado. No
presente trabalho levei a cabo a transcrição – o mais fiel possível – das
primeiras trezentas e cinqüenta folhas do total de quinhentas que ambos
os cilindros continham. Embora não vá desvendar, de momento, o
conteúdo do resto do Projeto, posso antecipar – isso sim que
corresponde a um denominador comum: uma grande viagem,, tal como a
define o próprio Major. Uma viagem que faria empalidecer Júlio Verne...
Como é evidente, não sou ingênuo ao ponto de acreditar que, com o
achado e posterior transferência destes documentos para fora dos
Estados Unidos, tenham desaparecido os perigos. Pelo contrário. É
precisamente agora, por motivo do seu salto para a luz pública, que os
serviços de espionagem podem apertar o cerco em torno de um
jornalista irresponsável. É um perigo que assumo, não sem certa
preocupação... Mas, como homem prevenido vale por dois, depois de uma
fria avaliação do assunto, também eu tomei algumas precauções,. Uma
delas – a mais importante, sem dúvida – foi depositar os originais do
Projeto no cofre-forte de um banco, em nome do meu editor, José
Manuel Lara. Caso eu fosse eliminado, aquela documentação seria
publicada ipso facto.
Naturalmente, assim que pisei terra de Espanha, uma das minhas
primeiras preocupações – antes de pôr a bom recato ambas as
documentações originais – foi fotocopiar em duplicado as quinhentas
folhas que tinha trazido de Washington. Para evitar, o mais possível o
risco de desaparecimento do diário, uma das reproduções foi guardada –
juntamente com os documentos oficiais que me foram entregues em
1976 pelo então general-chefe do Estado-Maior, Filipe Galarzal – noutro
cofre-forte, em nome de um velho e leal amigo, residente numa cidade
costeira espanhola.
Ao longo destes dois anos, e depois de conhecer o testamento do
Major, levei a cabo numerosas consultas – especialmente a cientistas e
médicos -, tentando esclarecer, pelo menos, a parte de ficção que ambas
as viagens apresentam. Diga-se – em abono da verdade – que os primeiros
se mostraram cépticos quanto à possibilidade de matenalização de
semelhante projeto. Apesar disso, e antes de passar ao diário
propriamente dito, quero deixar assente que a minha obrigação como
jornalista começa e acaba, precisamente, com a obtenção e difusão da
notícia. Será o leitor – e quem sabe se os homens do futuro, como
aconteceu com Júlio Verne – quem deverá retirar as suas próprias
conclusões e conceder ou retirar a sua confiança a quanto encontre nas
próximas páginas. Em todo o caso – e com isto termino – se a grande
viagem do Major foi apenas um sonho daquele homem estranho e
atormentado, que Deus abençoe os sonhadores.
Estas trezentas folhas fazem parte de doze investigações secretas
da Força Aérea espanhola sobre outros tantos casos de ovnis em
Espanha. Foram publicados no livro Ovnis: Documentos Oficiais do
Governo Espanhol.
O diário
Hoje, 7 de Abril de 1977, ano da minha voluntária partida para a
selva do Iucatão, uma vez conhecida a morte de meu irmão (...), e pelo
quarto ano do nosso regresso da grande viagem, peço humildemente ao
Todo-Poderoso que me conceda as forças e a vida necessárias para
deixar escrito quanto sei e contemplei – pela infinita misericórdia de
Deus – na Palestina.
É meu desejo que este testemunho seja conhecido entre os homens
de boa vontade – crentes ou não – que, como nós, caminham em busca da
Verdade.
Sei há mais de um ano – como também o soube meu irmão na grande
viagem – que a minha morte está próxima. Por isso, seguindo os seus
reiterados pedidos e os sempre mais firmes impulsos da minha própria
consciência, tratei de organizar as minhas notas, recordações e
sensações. Espero que a pessoa ou pessoas que algum dia possam ter
acesso a este humilde e sincero diário façam sua a minha vontade de
permanecer, como meu irmão, no mais rigoroso anonimato. Não somos nós
os protagonistas, mas sim ELE.
Não é fácil para mim resumir aqueles anos anteriores ao definitivo
lançamento da grande viagem. E, ainda que nunca tenha sido minha
mtenção desvendar os programas e projectos confidenciais do meu país,
aos quais tive acesso dada a minha condição de militar e membro activo –
até 1974 – do OAR (Office of Aerospace Research)t entendo que antes
de oferecer os frutos da nossa experiência em Israel devo falar dos
seus antecedentes a quantos leiam este relatório de alguns factos
anteriores àquele histórico Janeiro de 1973.
Devo igualmente avisar que, dada a natureza da descoberta
efectuada pelos nossos cientistas e as dramáticas consequências que
poderiam derivar de uma utilização errada ou premeditadamente
negativa da mesma, os meus esclarecimentos prévios só terão um
carácter puramente descritivo. Como antes mencionei, não é o meio o que
importa, neste caso, mas sim os resultados que gostosamente houvemos
por bem alcançar.
Livro-me assim dos meus escrúpulos de consciência e confio em que
algum dia – se a Humanidade recuperar o sentido da justiça e dos
valoresdo espírito – sejam os responsáveis desta sublime descoberta os
que a dêem a conhecer ao mundo na sua integridade.
A OAR é a Organização de Investigação Aeroespacial.
Foi na Primavera de 1964 que, confidencial mente e por pura
casualidade, me chegou aos ouvidos a existência de um ambicioso e
revolucionário projeto, sob os auspícios da AFOSI e da AFORS1 e na
qual trabalhava, havia anos, uma numerosa equipa de peritos do Instituto
de Tecnologia de Massachusetts.
Eu tinha sido selecionado em Outubro de 1963, com mais treze
pilotos da USAF, para um dos projetos da NASA. Na minha qualidade de
médico e engenheiro em Física Nuclear, e dado que continuava a
pertencer à OAR, encomendaram-me um trabalho específico de
supervisor do chamado VIAL, ou Veículo para a Investigação da
Aterragem Lunar. Nessa Primavera de 1964, duas destas curiosas
máquinas voadoras – com as quais se iniciaram os primeiros ensaios para
as futuras alunagens do Projecto Apolo – chegaram por fim ao local a que
eu fora destinado: o Centro de Investigação de Voos da NASA, na Base
de Edwards, da Força Aérea Norte-Americana, oitenta milhas a norte de
Los Angeles.
Naquela paisagem desolada – em pleno coração do deserto de
Mojave – permaneci até aos últimos dias de 1964, em que se concluíram,
com êxito, as provas preliminares de voo dos VIAL.
Não preciso de repetir que aquelas provas e outros projetos - em
especial os da USAF – tinham sido qualificados como altamente
secretos. A entrada no recinto da base e no das experiências, em
especial era limitado ao pessoal credenciado para o efeito.
Durante meses convivi com outros candidatos a astronautas,
oficiais, cientistas e técnicos – todos eles na posse da top secret
security clearance= - chegando-me aos ouvidos um fantástico projecto: a
Operação Swivel (Elo).
Uma vez terminado o meu trabalho em Edwards, a NASA considerou
que devia incorporar-me no Centro Marshall, de voos espaciais. A minha
verdadeira vocação foi sempre a investigação. Concretamente, o jovem
mundo da teoria unificada das partículas elementares. No entanto,
naquele mês de Dezembro de 1964 as minhas inquietações andavam por
outros rumos. Os custos da NASA tinham começado a disparar e o
Centro Marshall trabalhava dia e noite para encontrar novos sistemas ou
fontes de energia, que tornassem mais baratas as dispendiosas baterias
químicas dos projectos Explorer, Mercury e Gemini.
Uma semana antes do Natal, e por razões de trabalho, tive de voar
novamente para a Base de Edwards. Durante um dos almoços com o
pessoal especializado, conheci o novo chefe do Projecto Swivel, o general
(...), um homem sereno e de brilhante inteligência, que soube escutar
pacientemente as minhas investigações e lamentos sobre a miopia mental
de alguns altos cargos da NASA, que tinham repudiado mais de AFOSI e
AFORS são as siglas do Air Force Office of Special Investigations
(Organização de Investigações Espaciais da Força Aérea) e do Air Force
Office of Scientific Research (Organização de Investigação Científica
da Força Aérea), respectivamente.
Autorização para ter acesso a determinados segredos ligados à
defesa nacional. Nos Estados Unidos.
Uma vez as sugestões apresentadas por mim sobre a necessidade de
substituir as antiquadas baterias químicas por células de carburante ou
por baterias atómicas.
O general pareceu interessar-se por alguns dos pormenores das
pilhas atómicas e eu – reconheço-o – abusei, saturando-o com uma chuva
de dados e de informação em torno das excelências do plutónio 238, do
cúrio 244 e do promécio 147...
Antes de se levantar da mesa, o general fez-me uma única pergunta:
Quer trabalhar comigo
Graças aos céus, a minha resposta foi um retumbante: Sim.
Desta forma, em Janeiro de 1965 saía definitivamente da NASA,
para entrar no módulo de experiências da USAF, no Mojave. Eu tinha
conhecido boa parte dos cientistas e militares que se empenhavam
naquele fantástico projecto, durante a minha anterior etapa na Base de
Edwards. Isto facilitou as coisas e a minha definitiva integração na
Operação Swivel foi rápida e total.
Nos primeiros meses, o meu papel – de acordo com os desejos do
general que me contratara e a quem de agora em diante tratarei pelo
falso nome de Curtiss – fixou-se numa frenética investigação em volta
de um sistema auxiliar de abastecimento de energia, mediante uma
bateria atómica chamada SNAP-9A, que são as siglas de Systems for
Nuclear Auxiliary Powersl.
Por esta data, o projecto fora já além das primeiras e obrigatórias
fases da experimentação. Estas tinham-se realizado – sempre no mais
férreo dos segredos – entre 1959 e 1963. Nunca soube – e também não
me preocupei com isso excessivamente – qual ou quais tinham sido os
promotores ou autores do sistema básico que permitira conceber tal
aventura.
Nalgumas das minhas múltiplas conversas com o general Curtiss,
este insinuou que – ainda que na equipa inicial tivessem participado alguns
dos cientistas veteranos do Projecto Manhattan, que deu à luz a bomba
atómica – a mudança de critérios em relação à natureza das
indevidamente chamadas «partículas elementares» ou «subatómicas»
vinha da Europa.
Pelo que parecia, e através da CIA, a força aérea norte-americana
tinha recebido – proveniente da Europa ocidentaluma série de
documentos em que se falava de uma brusca mudança de cento e oitenta
graus na interpretação da física quântica.
No essencial, já que não é minha intenção, aqui e neste momento,
alongar-me excessivamente em questões puramente técnicas, aquele
uma entidade elementar – generalizada no Cosmos – em que a ciência não
reparara até àquele instante, e que foi e seria, no fùturo, a pedra
angular para uma melhor compreensão da formação da matéria e do
próprio Universo.
Esta entidade elementar – que foi baptizada com o nome de swive1-
pôs em evidência que todos os esforços da ciência para detectar e
classificar novas partículas subatómicas não eram mais que uma estéril
1 Sistema dc Energia Nuclear Auxiliar. Forum utilizados.
Efectivamente. Pela NASA e pela AEC. Para usos espaciais. Estas
baterias de isótopos radioactivos podem produzir várias centenas de
watts de electricidade durante períodos superiores a um ano.
A razão – minuciosamente comprovada pelos homens da operação
em que trabalhei – era tão simples quanto espectacular: um swivel tem a
propriedade de alterar a posição ou orientação dos seus hipotéticos
eixos, transformando-se, assim, num swivel diferente.
A descoberta deixou perplexos os poucos iniciados, arrastando-os
irremediavelmente para uma visão muito diferente do espaço, da
configuração íntima da matéria e do tradicional conceito de tempo. O
espaço, por exemplo, já não podia ser considerado como um contínuo
escalar em todas as direcções. A descoberta do swivel lançava por terra
as tradicionais abstracções do ponto, plano e recta. Estes não são os
verdadeiros componentes do Universo.
Cientistas como Gauss, Riemann, Bolyai e Lobatschewski tinham
compreendido genialmente a possibilidade de ampliar os apertados
critérios de Euclides, elaborando uma nova geometria para um nespaço.
Neste caso o auxílio das matemáticas evitava o grave escolho da
percepção mental de um corpo de mais de três dimensões. Nós tínhamos
imaginado um universo em que os átomos, partículas, etc., formam as
galáxias, sistemas solares, planetas, campos gravitacionais, magnéticos,
etc. Mas a descoberta e posterior comprovação dos swivels deu-nos uma
visão muito diferente do Cosmos: o Espaço não era mais que um conjunto
associado de factores angulares, integrado por cadeias e cadeias de
swivels. Segundo este critério, poderíamos representar o cosmos não
como uma recta mas como um enxame destas unidades elementares.
Graças a estas bases os astrofísicos e matemáticos que tinham sido
recrutados pelo general Curtiss para o Projecto Swivel foram
verificando, com assombro, como no nosso universo conhecido se
registam periodicamente uma série de curvaturas ou ondulações, que
oferecem uma imagem geral muito diferente da que sempre tivemos.
Mas não quero desviar-me do objectivo principal que me levou a
escrever estas linhas. Em princípios de 1960, e como consequência de um
mais intenso aprofundamento nos swivels, uma das equipas do projeto
materializou outra descoberta que, em minha opinião, será um marco
histórico da Humanidade: mediante uma tecnologia que não posso sequer
insinuar, aqueles hipotéticos eixos das unidades elementares foram
invertidos na sua posição. O resultado encheu de espanto e alegria, ao
Hoje, ainda, e dado que esta sensacional descoberta não foi dada a
conhecer à comunidade científica do Mundo, numerosos investigadores e
peritos em física quântica continuam a descobrir e a detectar uma
infinidade de subpartículas (neutrinos mesões, antiprotões, etc.) que só
contribuem para obscurecer o intrincado campo da física. No dia em que
os cientistas tenham acesso a esta informação, compreenderão que
todas aquelas partículas elementares que constituem a matéria não são
mais que diferentes cadeias de swivel, cada uma delas orientada de
forma peculiar em relação às outras.
Tanto os especialistas que trabalham nesta operação como eu
próprio tivemos de alterar as nossas velhas concepções do espaço
euclidiano, com a sua rede de pontos e rectas, para assimilar que um
swivel é formado por um feixe de eixos octogonais que não podem
cortar-se entre si”. Esta aparente contradição ficou explicada quando os
nossos cientistas provaram que não se tratava de eixos, propriamente
ditos mas sim de ângulos. (Daí que tenha colocado entre aspas a palavra
eixo, e me tenha referido a hipotéticos eixos,.) A chave estava.
Portanto, em atribuir aos ângulos uma nova propriedade ou carácter: o
dimensional. (Nota do Major.
Ao mesmo tempo, todos os cientistas: o minúsculo protótipo com o
qual se fizera a experiência desapareceu à vista dos investigadores.
No entanto, o instrumental continuava a detectar a sua presença...
A partir de então, todos os esforços se concentraram no
aperfeiçoamento do referido processo de inversão dos swivels.
Quando entrei no Projecto, o general explicou-me que, com um
pouco de sorte, uns anos mais e estaríamos em condições de efectuar as
mais sensacionais explorações... no tempo e no espaço.
Pouco tempo depois compreendi o verdadeiro alcance das suas
afirmações.
Ao multiplicarmos os nossos conhecimentos sobre os swivels e
dominarmos a técnica da inversão da matéria, apareceu diante da equipa
uma fascinante realidade: mais além ou do outro lado das nossas
limitadas percepções físicas existem outros universos (as palavras só
servem para amordaçar a descrição destes conceitos) tão físicos e
tangíveis como o que conhecemos (?). Em sucessivas experiências, os
homens do general Curtiss chegaram à conclusão de que o nosso cosmos
goza de uma infinidade de dimensões desconhecidas. (Matematicamente,
foi possível a comprovação de dez. )
Destas dez dimensões, três são perceptíveis para os nossos
sentidos, e uma quarta – o tempo – chega até aos nossos órgãos
sensoriais como uma espécie de fluir, num sentido único, e que
poderíamos definir grosseiramente como flecha ou sentido orientado do
tempo.
Neste caudal de informações apareceu diante dos nossos olhos
atónitos outra descoberta que modificará um dia a perspeetiva cósmica
e que baptizámos como o nosso «cosmos gémeo».
Alongar-me-ei pouco sobre este nosso “cosmos” ou cosmos gémeo.
Mas náo resisto a revelar algumas das suas características básicas.
Aquelas análises humilharam mais ainda, se é que era possível, a nossa
soberba científica.
Na realidade. Não existe um só cosmos – como sempre tínhamos
acreditado – mas sim um infinito número de pares de cosmos. A
diferença fundamental detectada entre os elementos de um e de outro
(os nossos, por exemplo), consiste em que as suas estruturas atómicas
respectivas diferem no sinal da carga eléctrica que os nossos cientistas
chamaram, e continuam a chamar incorrectamente, matéria e
antimatéria”. O nosso cosmos gémeo, por exemplo, apresenta as
seguintes diferenças:
1) Nos seus átomos, a parte exterior é formada por electrões
positivos orbitais e o seu núcleo por antiprotões (protões negativos).
2) Nunca poderão pôr-se em contacto os dois cosmos. Também não
faz sentido pensar que possam sobrepor-se, já que não os separam
relações dimensionais,. (Não existem distâncias nem simultaneidade no
tempo.)
3) Ambos os cosmos possuem a mesma massa e o mesmo raio,
correspondente a uma hiperesfera de curvatura negativa.
4) Cada um deles goza de singularidades distintas; quer dizer, no
nosso cosmos gémeo não há o mesmo número de galáxias nem elas
possuem a mesma estrutura que as nossas”. Não há, portanto, outro
planeta Terra gémeo.
5) Ambos os cosmos foram criados, simultaneamente, mas as suas
flechas do tempo não têm razão para estar orientadas no mesmo
sentido. (Não podemos dizer, por consequência, que o referido cosmos
coexiste com o nosso no tempo ou que existiu antes ou que existirá
depois.
Unicamente podemos afirmar que existe.) Mas talvez o que mais
impressionou a nossa equípa de investigadores fosse verificar que esse
cosmos gémeo exerce uma determinada influência sobre o nosso... e,
prova-me A mim pessoalmente tal como ao general-chefe do projecto, o
que acabou por nos cativar foi o novo conceito de tempo. Ao manipular os
eixos dos swivels comprovou-se que estas unidades elementares não
sofriam a acção do tempo. Elas eram o tempo.
Longas e laboriósas investigações puseram em relevo, por exemplo,
que aquilo a que chamamos intervalo infinitesimal de tempo não era mais
do que uma diferença de orientação angular entre dois swivels
intimamente ligados. Aquilo constituiu um autêntico cataclismo nos
nossos conceitos do tempo.
Não foi muito difícil detectar que – por um daqueles milagres da
Natureza - os eixos do tempo de cada swivel se orientavam segundo uma
direcção comum... para cada um dos instantes que poderíamos definir
puerilmente como o meu agora. No instante seguinte e no seguinte se - e
assim sucessivamente -, esses eixos imaginários variavam na sua posição,
dando assim diferentes agora. E o mesmo agora a que chamamos
passado.
Acontecia obviamente com os Aquele potencial – simplesmente ao
alcance da nossa tecnologia - fez-nos vibrar de emoção imaginando as
mais esplêndidas possibilidades de viagens ao futuro.
Provavelmente – porque isto ainda não foi demonstrado -, o nosso
actua também sobre ele. (Nota do Major.)
Demonstraram. Por exemplo. Que o tempo pode dar-se o caso – se a
inversão dos eixos for a adequada aos raios vectores que implicam
distâncias. De acordo com isto, descobrimos que pode
As verificações seguintes d g e asse Ç elhar-se a uma série de
swivels cujos eixos estão orientados ortogonalmente em rela ão
P q – que um observador, no seu novo marco de referência,
considere como distância o que no antigo sistema referencial era
avaliado como intervalo de tempo”. É então fácil de compreender porque
é que um evento ocorrido longe da Terra (por exemplo, num planeta do
cúmulo globular M-13, situado a 22 500 anog-luz) nunca pode ser
simultâneo com outro que se registe no nosso mundo. Isto nos deu a
explicação do motivo por que um objecto que pudesse viajar à velocidade
da luz encurtaria a sua distância no eixo de translação, até se reduzir a
um par de swivels. Distãncia que, ainda que tenda para zero, não é nula,
como afirma erradamente uma das transformações do matemático
Lorentz. (Talvez possa referir-me noutro ponto deste relato ao que
descobrimos quanto à velocidade limite da luz, ao inverter os eixos dos
swivels e passar, portanto, a outros marcos dimensionais.)
E já que mencionei o processo de inversão dos eixos dos swivels,
devo assinalar que, no inicio, muitas das tentativas de inversão da
matéria falharam, precisamente por uma falta de precisão na referida
operação. Por não se conseguir uma inversão absoluta, o corpo em
referência – por exemplo, um átomo de molibdénio – sofria o conhecido
fenômeno da conversão da massa em energia. (Ao desorientar no seio do
átomo - um protão, por exemplo – obtínhamos um isótopo do NióbióMO.)
Quá doõessa inversão foi absoluta, o protão parecia aniquilado, mas sem
quebrar o princípio universal da conservação da massa e da energia.
(Nota do Major.)
Embora á fizesse uma ligeira alusão a esta transcendente
descoberta. Procurarei indicar algumas das linhas básicas referentes à
nova definição de intervalo de tempo Os nossos cientistas entendem um
intervalo de tempo T como uma sucessão de swivels, cujos ân ulos
diferem entre si em quantidades constantes.
Quer dizer, consideremos, num swigel os quatro eixos (que não são
mais ñáeré mdader por out ásd pá avrá t qdi mensional de referência), e
que não existem são tão convencionais como um símbolo, embora sirvam
ao matemático para fixar a posição do ângulo real. Se dentro desse
marco ideal oscila o ângulo real, imaginemos agora um novo sistema
referencial dos ângulos, cada um dos quais faz noventa graus com os
quatro anteriores. Este novo marco de acção de um ângulo real e o
anteriormente definido definem, respectivamente, espaço e tempo.
Observemos yue os eixos A partir desse momento (1966), o Projecto
subdividiu-se em três ambiciosos programas.
Ainda que estreitamente vinculados, as três equipas trabalharam no
aperfeiçoamento de outros tantos módulos que nos permitissem a
exploração – no terreno – em três direções bem distintas: em primeiro
lugar, com uma viagem a outro marco dimensional, dentro da nossa
própria galáxia; em segundo lugar, e forçando os eixos do tempo dos
swivels para a frente, transferir todo um laboratório incluindo os
astronautas – para o nosso próprio futuro imediato; por último, e
seguindo um processo contrário, situar outro módulo, ou laboratório, no
passado da Terra.
Eu fiquei ligado a este terceiro projecto – baptizado como Cavalo de
Tróia – e a ele e a quanto o rodeou até ser consumado, em Janeiro de
1973, me referirei nesta primeira parte do diário.
De 1966 a 1969, o nosso módulo – baptizado entre os membros da
equipa como o berço, devido à sua semelhança com o referido móvel –
passou por sucessivas modificações, até alcançar um volume
suficientemente grande para dar lugar a dois tripulantes. A atenção do
reduzido grupo de cientistas seleccionados para a Operação Cavalo de
Tróia fixou-se durante muitos meses na consecução de um sistema que
permitisse uma total e segura manipulação dos eixos do tempo dos
swivels de todo o berço, tanto manual como electronicamente.
Finalmente, e com a colaboração da Bell Aerosystems Co., de Niaga
vectores, que definem espaço e tempo, possuem graus de liberdade
distintos. O primeiro pode percorrer ângulos-espaço em três
orientações diferentes, que correspondem às três dimensões típicas do
espaço; o segundo está ,condenado” a deslocar-se num só plano. Isto
leva-nos a crer que dois swivels cujos ângulos difiram num ângulo tal que
não exista no Universo outro swivel cujo ângulo esteja situado entre
ambos definirão o mínimo intervalo de tempo. A este intervalo, repito,
chamamos instante”.
(Nota do Major.)
Como exprimi anteriormente. Nem sequer posso sugerir a base
técnica que conduz à mencionada inversão de todos e cada um dos eixos
dos swivels, mas posso adiantar que o processo é instantãneo e que a
contribuiçào de energia necessária para esta transformação física é
muito considerável. Essa energia necessária, posta em jogo até ao
instante em que todas as subpartículas sofrem a sua inversão, é
restituída integralmente” (sem perdas), retransformando-se no novo
marco tridimensional em forma de massa. As experiências prévias
demonstraram que, imediatamente depois desse salto de marco
tridimensional, o módulo se deslocava a uma velocidade superior, sem que
a mudança brusca da velocidade (aceleração infinita) no instante da
inversão fosse acusada pelo veículo. Este processo de viagem – como é
fácil de adivinhar – torna inúteis os restantes esforços dos engenheiros
e especialistas em foguetes espaciais, empenhados ainda em conseguir
aparelhos cada vez mais sofisticados e potentes... mas sempre impelidos
pela força bruta da combustão ou da fissão nuclear.
(Talvez agora se comece a entender por que razão não posso nem
devo alongar-me aos pormenores técnicos de tal descoberta...). Ao levar
a cabo estes saltos, ou mudanças de marco tridimensionais, observámos
com espanto que – no novo marco – a velocidade limite ou velocidade da
luz (299, 792, 45A0 > G 0,0012 quilómetros por segundo) se alterava
notavelmente.
Ao ponto de a única referência que pode reflectir a alteração de
eixos ser, precisamente, a medida dessa velocidade, ou constante C.
Teremos assim uma família de valores: Co C CZ C3... C, que se alonga de
Co = 0 (velocidade da luz nula) a C” = infinito, cada uma representando
um sistema referencial definido. (Nota do Major.)
A a mesma empresa que desenhou e construiu o ML, ou módulo lunar,
para o Projecto Apolo – vimo-nos com um laboratório de dez pés de
altura, com quatro pontos de apoio extensíveis, de treze pés cada um e o
peso total de três mil libras.
Diferindo do módulo do primeiro projecto que citei – cuja operação
foi baptizada como Marco Polo – o nosso não precisava de sistema de
propulsão. A operação de inversão de todas as subpartículas atómicas do
berço, incluindo o seu recinto geométrico, os seus ocupantes e a
totalidade dos gases, fluidos, etc. Que o integram, podia efectuar-se em
seco; quer dizer, sem que o habitáculo e seus pés de sustentação
tivessem de se mover do lugar escolhido. O nosso habitat de trabalho em
todos aqueles anos (o coração salitroso do deserto de Mojave) reunia,
além disso, outro requisito de grande importância para as primeiras e
decisivas experiências da Operação Cavalo de Tróia. Os relatórios
geológicos tranquilizaram-nos muito ao garantirem-nos que aquela zona -
apesar de se encontrar ao longo da placa tectónica norte-americana, de
grande actividade telúrica – não ttnha sofrido grandes mudanças desde
finais do período jurássico, há mais de 135 milhões de anos, quando se
deu a chamada perturbação nevadiana. Apesar de tudo, e como medida
complementar, o berço foi munido de um equipamento auxiliar de
propulsão, que consistia num motor gémeo do VIAL, em que eu tinha
trabalhado no ano de 1964. A General Electric proporcionou-nos um
motor principal (de turbina a jacto CF-200-2T, que foi montado
verticalmente e permitiu um rápido e seguro movimento ascensional.
Estas medidas de segurança, que foram muito pouco utilizadas,
revestem, no entanto, grande importância. Uma das nossas obsessões
enquanto se ia desenhando a primeira grande viagem do Projecto Cavalo
de Tróia, era acertar com a orografia do terreno escolhida para o saltoatrás
no tempo. Se os nossos dados técnicos estivessem errados, quanto
ao que se referia à configuração física e geológica do ponto de contacto,
a inversão dos eixos do tempo dos swivels podia tornar-se catastrófica.
O berço, por exemplo, pousado em pleno século xx numa planície, podia
ficar desintegrado se aparecesse – por erro – no interior de uma
montanha que, no passado, podia ter ocupado esse espaço que
utilizávamos hoje como ponto de contacto.
Este não era mais que um motor a propulsão a jacto JB, a que se
acoplara uma ventoinha na popa, aumentado assim o seu arranque de
velocidade zero de 2800 para 4200 libras. Foi montado num anel cardan
e mantido giroscopicamente, apontando a direito, para baixo, mesmo no
caso de possível inclinação do berço,. Nas experiências prévias de
aterragem, o seu arranque era regulado exactamente para cinco sextos
do peso do módulo.
A restante sexta parte do peso do habitáculo completo foi
suportada por mais dois foguetes auxiliares ascensionais, reguláveis, de
peróxido de hidrogénio, de quinhentas libras de arranque máximo cada
um. Foram montados na estrutura principal do berço” podendo inclinar-se
com o veículo. Oito pequenos motores-foguete também impelidos por
peróxido de hidrogénio, controlavam a posição do berço,. Cada foguete
de posição podia ser accionado por uma válvula selenoidal individual do
tipo de mtervalos. Como se se tratasse de um pequeno avião, o piloto
podia controlar a inclinação por meio do movimento proa-popa e o
bamboleio direita-esquerda com uma alavanca. O berço, ia munido até de
pedais, que proporcionavam o controlo de guinada,.
Tanto a alavanca como os pedais foram ligados electricamente às
válvulas dos selenóides. (Nota do Major. )
Portanto, depois de muitos e muitos cálculos e estudos, nós, os
homens do general Curtiss, aceitámos de bom grado – salvo poucas
excepções – que a fase de inversão devia ser provocada sempre no ar,
em estado estacionário. Uma vez localizado, electrónica e visualmente, o
ponto de contacto, o berço poderia aterrar com toda a comodidade e
sem risco algum de choque ou de desintegração.
As primeiras provas de voo do berço, cujo equipamento de inversão
de massa foi suprimido naquela altura por elementares razões de se.
Gurança, foram então levadas a cabo pelo piloto-chefe de investigações
do Centro da NASA em Edwards, Joseph A. Walker, já falecido, e que
nos anos 1964 e 1965 dirigiu e tomou parte em mais de vinte e quatro
voos experimentais do VIAL. Ele conhecia bem os sistemas de propulsão
dos simuladores do módulo de aterragem lunar e o seu veredicto foi
positivo: o berço – apesar do seu estranho aspecto respondia com
docilidade.
Em 1969, com uma centena de ensaios altamente satisfatórios a
equipa fixou definitivamente em oitocentos pés a altitude ideal para
proceder à inversão de massa. O tempo médio gasto na operação de
arranque e estacionário, antes da fase de inversão, foi fixado em cinco
minutos.
No final do Outono de 1969, o general deu luz-verde e quatro
daqueles singulares astronautas que formavam a primeira equipa de voo
ao passado, tiveram a fortuna de experimentar um máximo de seis
retrocessos no tempo. Todos eles executados sempre aos pares e no
estacionário estabelecido (oitocentos pés de altitude), em pleno deserto
de Mojave.
Ocupar-me agora destas fascinantes experiências levar-me-ia muito
longe do meu verdadeiro propósito. Prescindirei, portanto, da sua
descrição, porque, além disso, ficaram minuciosamente registadas
noutros tantos relatórios, actualmente em poder do Air Force Office of
Special Investigations e, infelizmente, da DIA (Defense Intelligence
Agency).
No entanto, anotarei, sim, que o delicado sistema de retrocesso e
ajustamento dos eixos do tempo dos swivels, nas datas programadas pela
equipa, demonstrou ser assombrosamente preciso, graças à
revolucionária rede de computadores que servira, desde o começo, para
a loca Embora também não considere oportuno desvendar a natureza
íntima deste formidável conjunto de computadores, posso, sim,
esclarecer que, diferindo dos sistemas tradicionais de computadores, os
utilizados na Operação Cavalo de Tróia não são integrados por circuitos
electrónicos. Quer dizer, por tubos de vácuo, componentes baseados no
estado sólido, tais como transístores ou díodos sólidos. Condutores e
semicondutores, indutâncias, etc..., mas sim por órgãos integrados
topologicamente em cristais estáveis chamados amplificadores
nucleicos”. A sua característica principal é que, neles, não se amplificam
as tensões ou intensidades eléctricas, como nos amplificadores comuns,
mas sim a potência. Uma função energética de entrada injectada no
amplificador nucleico é reflectida à saída noutra função, analiticamente
mais elevada. A libertação controlada de energias realiza-se a expensas
da massa integrada no amplificador, e o fenómeno verifica-se,
dimensionalmente, à escala molecular. No processo. Intervêm os átomos
suficientes para que a função possa ser considerada,
macroscopicamente, como contínua.
Quanto à estrutura básica destes supercomputadores – e também
com carácter puramente descritivo – posso dizer o seguinte: os
computadores digitais usados correntemente utilizam, geralmente, uma
memória central de núcleos magnéticos de ferrite e realização dos
swivels, e que foi incorporada ao sistema de inversão de massa.
Como é natural. De pouco teria servido aquele gigantesco esforço se
a nossa tecnologia não tivesse sido capaz de modificar os feixes dos
swivels - e, concretamente, dos eixos do tempo – forçando-os a novos
ângulos. A rede de computadores, por um complexo processo, chegou a
afinar aquela deslocação dos eixos e, em definitivo, do módulo, com um
erro de > < duas horas, nas datas desejadas.
E chegou, por fim, o grande dia. O general Curtiss convocou-nos
para uma reunião de urgência.
Os homens da Operação Cavalo de Tróia – sempre sob o comando de
Curtiss – apuraram-se em meia dezena de viagens qual delas a mais
fascinante. No entanto, a lógica e um rigoroso sentido da ordem
tornavam pouco recomendável pôr em marcha vários projectos ao mesmo
tempo. Era preciso escolher uma primeira exploração, sem que por isso
se atirasse para o esquecimento o resto das propostas.
Depois de muitas horas de discussão, e por unanimidade, a cúpula de
cientistas e especialistas – em sessão de urgência na Base de Edwards
escolheu três momentos da história da Humanidade como possíveis e
imediatos candidatos para uma eleição final. Foi a 10 de Março de 1971.
Os três objectivos em questão foram os seguintes:
1.o Março-Abril do ano 30 da nossa Era. Justamente, os últimos dias
da Paixão e morte de Jesus de Nazaré.
2.o O ano de 1478. Lugar: ilha da Madeira. Objectivo: tentar
averiguar se Cristóvão Colombo pôde receber alguma informação
confidencial, de um pré-descobridor da América, sobre a existência de
novas terras, bem como sobre a rota a seguir para lá chegar.
3.o Março de 1861. Lugar: os próprios Estados Unidos da Amé- rica
do Norte. Objectivo: conhecer com exactidão os antecedentes diversas
unidades de memória periférica, de fita magnética, discos, tambores,
varetas com banda helicoidal, etc. Todas elas são capazes de acumular,
codificados magneticamente, um número muito limitado de bits, ainda
que se fale sempre em números de milhões de dígitos. As bases técnicas,
em contrapartida, dos computadores do projeto Cavalo de Tróia –
baseados no titânio – são diferentes.
Sabemos que a camada electrónica de um átomo pode excitar-se,
atingindo os electrões diversos níveis energéticos a que chamamos
quânticos,. A passagem de um estado a outro faz-se libertando ou
absorvendo energia quantificada que tem associada uma frequência
característica. Assim, um electrão de um átomo de titânio pode mudar
de estado na camada libertando um fotão, mas no átomo de titânio, como
noutros elementos químicos, os electrões podem passar a vários estados,
emitindo diversas frequências.
Denominamos este fenómeno como espectro de emissão
característico deste elemento físico “ que permite identificá-lo por
avaliação espectroscópica. Pois bem, se conseguimos alterar, à vontade, o
estado quântico desta camada electrónica do titânio, podemos convertêlo
em portador, armazenador ou acumulador de uma mensagem
elementar: um número. Se o átomo for capaz de alcançar, por exemplo,
doze ou mais estados, cada um desses níveis simboliza á ou codificará um
algarismo, do zero ao doze. Mas uma simples pastilha de titânio é
constituída por biliões de átomos. Nenhuma outra base macrofísica de
memória se lhe pode comparar.
De momento, não me é lícito explicar como conseguimos a excitação
desses átomos de titânio... (Nota do Major.)
da Guerra de Secessão e o pensamento do recém-eleito presidente
Abraham Lincoln.
Cada um dos projectos fora preparado exaustivamente, até aos seus
mínimos pormenores. Eu vinha à cabeça, e defendi ferrenhamente a
segunda das viagens. Através de numerosas leituras e contactos com
peritos da Universidade de Yale, convencera-me de que Colombo não
fora o primeiro descobridor das terras americanas, e aquela era uma
magnífica oportunidade para conhecer a verdade. Mas, tanto a viagem à
Guerra de Secessão como à ilha portuguesa da Madeira acabaram por
ser postas de parte, em benefício da primeira: a transferência no tempo
para o ano 30 da nossa Era. Apesar do natural desgosto dos defensores
dos projectos eliminados, todos reconhecemos que o nível de riscos era,
sensivelmente, inferior na grande viagem à Jerusalém de Cristo do que à
Guerra da Secessão dos Estados Unidos ou ao século xv. No caso da
exploração em tempos de Lincoln, os astronautas escolhidos podiam
correr evidentes perigos físicos, e nem o general Curtiss nem os
restantes componentes da Operação Cavalo de Tróia estavam dispostos
a pôr em jogo a segurança dos seus homens. Quanto à viagem que eu
defendia, a falta de precisão na data exacta, em que o pré-nauta pôde
arribar com a sua caravela à ilha da Madeira foi determinante. A nossa
contribuição histórica, ainda que rigorosa, vinha com uma inevitável
margem de erro.
Como um só homem, a partir daquela decisiva e final determinação,
os sessenta e um membros da equipa Cavalo de Tróia – de exploração do
passado – voltaram-se para o desafio que ia ser a primeira aventura
oficial no tempo.
Não vou negar que, naquelas semanas que se seguiram à minha
escolha pelo general Curtiss para tripular o berço e descer no tempo de
Jesus de Nazaré, o meu estado de ânimo se viu profundamente alterado.
Apesar da inegável alegria que me provocou ser um dos dois
primeiros exploradores de outro tempo, a responsabilidade de tão
complexa operação esmagou-me e foram necessários muitos dias para me
adaptar e aceitar serenamente o meu compromisso.
Nunca soube com exactidão o motivo por que o chefe do Projecto
Swivel me designou para aquela grande viagem. É muito possível que,
na altura de avaliar conhecimentos e condições pessoais, outros
camaradas devessem ter ocupado o meu lugar, por ampla margem de
méritos.
Curtiss, numa das múltiplas entrevistas que tive com ele por causa
da minha nomeação, deixou-me vislumbrar que a natureza da exploração
exigia, fundamentalmente, a presença de um homem céptico em matéria
Tomando como referência – mais que provável – a data de 1478 para a
fixação de Cristóvão Colombo na ilha da Madeira, onde sua sogra era
dona de uma tabema, e de acordo com os testemunhos de Las Casas e da
lenda taina, era muito possível que os misteriosos pré-descobridores” da
América tivessem visitado as ilhas das Caraíbas (especialmente, a
espanhola) nos meses imediatamente anteriores à referida data. Talvez
em 1476 ou 1477. Teria sido, portanto, nesse ano de 1478 que se dera o
regresso dos involuntários descobridores, à Europa, com uma fortuita
escala naquela ilha portuguesa.
(Nota do Major.)
religiosa. Contrariamente a muitos membros da equipa, eu não
militava em igreja ou movimento religioso algum, sendo evidente o meu
carácter agnóstico. Pela minha rígida educação científica e militar, e
ainda que sempre procurasse respeitar as crenças e inclinações
religiosas dos outros, nunca eu sentira a menor necessidade de me
refugiar ou procurar encorajamento em idéias transcendentes.
Como estava longe de imaginar o que o destino me reservava! E tive
de reconhecer, como o general, que, com efeito, a objectividade era uma
das condições básicas para desempenhar aquela observação da história
com um mínimo de rigor.
O meu trabalho naquela transferência para o ano 30 – tal como o do
meu companheiro – exigia a aceitação e cumprimento de uma norma, que
se convertera em regra de ouro para a totalidade da equipa do Projecto
Cavalo de Tróia: os exploradores não podiam – por razão alguma, nem
mesmo a da própria sobrevivência – alterar, trocar ou influir nos homens,
grupos sociais ou circunstâncias que fossem o objectivo das nossas
observações ou que, simplesmente, pudessem surgir no decurso das
mesmas. Qualquer hesitação, na altura de assumir esta premissa
principal, era motivo para uma fulminante expulsão do grupo de
exploradores. Este facto inviolável pressupunha já uma absoluta
objectividade nos observadores. Não obstante, o general, numa atitude
de subtil prudência, preferiu que a objectividade fosse reforçada por
uma especial assepsia em matéria religiosa.
Como é fácil de compreender, um meio tão poderoso como a
manipulação dos eixos do tempo dos swivels poderia ser extremamente
perigoso,se caísse nas mãos de indivíduos sem escrúpulos ou com uma
visão fanática e partidária da história. Nas seis primeiras inversões de
massa que foram praticadas com o carácter puramente experimental, no
deserto de Mojave, pôde ser demonstrado que a passagem do módulo e
dos pilotos para outras datas remotas não afectava a sua natureza
física, nem sequer o psiquismo ou a memória dos tripulantes. Estes,
enquanto durou o salto para trás, estiveram conscientes em todo o
momento da sua própria identidade, lembrando com normalidade a que
época pertenciam. Discutiu-se no grupo, a fundo, e com toda a
honestidade, as gravíssimas repercussões que traria para uma pessoa ou
para uma colectividade, a trágica circunstância de que alguém de uma
época passada pudesse ser morto num combate, por exemplo, com alguns
dos nossos exploradores. Se o princípio causa-efeito correspondia a uma
realidade, os resultados históricos podiam ser funestos.
Daí que a nossa missão – acima de tudo – só pudesse aspirar à
observação e análise dos factos, personagens ou épocas escolhidas. E
não era pouco...
Felizmente para o Projecto Cavalo de Tróia, as nossas relações com
o Estado de Israel não podiam ser melhores, em especial a partir da
Guerra dos Seis Dias. Era primordial para a execução da grande viagem
que o berço pudesse ser transferido para a Palestina e colocado no ponto
de contacto escolhido. Tudo isto – para mais – sem levantar suspeitas.
Mas pouco posso referir sobre estes passos, que caíram inteiramente
nas costas do general Curtiss. Só no final, quando apenas faltavam dois
meses para a contagem decrescente, os mais próximos do chefe do
projecto souberam dos obstáculos surgidos, das duras condições
impostas pelo Governo de Golda Meir e das falhadas, mas irritantes,
tentativas da CIA para obter o controlo da operação.
Aqueles combates à sombra dos despachos e da burocracia estatal
passaram despercebidos para mim e para o resto da equipa, empenhados
na última fase dos preparativos da aventura. (Dou agora graças aos céus
por esta ignorância...)
No restante período de 1971, bem como na quase totalidade de
1972, o meu centro operacional modificou-se notavelmente. Durante
aqueles dois anos, o meu tempo dividiu-se entre a aldeiazinha de Malula,
a Universidade de Jerusalém e a Base de Edwards. A Operação Cavalo
de Tróia abrangia duas fases perfeitamente claras e definidas.
Uma, em que o módulo sofreria o já conhecido processo de inversão
de massa, forçando os eixos do tempo dos swivels até ao dia, mês e ano
previamente estabelecidos. Neste primeiro passo, como é lógico, o meu
camarada e eu permanecíamos a bordo até à entrada na data designada e
definitiva colocação no ponto de contacto.
A segunda, sem dúvida a mais arriscada e atraente, obrigava ao
abandono do berço, por um dos exploradores, que devia misturar-se com
o povo judeu daqueles tempos, convertendo-se em testemunha de
excepção dos últimos dias de vida de Jesus da Galileia. Era esse o meu
trabalho.
Esta façanha – em que não quis pensar até que fosse chegado o
momento final -obrigou-me, durante aqueles anos, a uma febril
aprendizagem dos costumes, tradições mais importantes e línguas de uso
comum entre os israelitas do ano 30.
Dediquei boa parte daqueles vinte e um meses à dura aprendizagem
da língua que Cristo falava: o aramaico ocidental ou galilaico. Seguindo os
textos de Spitaler e do seu mestre na Universidade de Munique,
Bergstrasser, não foi muito difícil localizar os três únicos cantos do
Planeta onde ainda se fala o aramaico ocidental: a aldeia de Malula, no
Antilíbano, e ás pequenas populações, hoje totalmente muçulmanas, de
Yubbadin e Baha, na Síria.
E ainda que o árabe acabasse por saltar as montanhas do Líbano,
influenciando a linguagem dos três povos, a fonética e a morfologia
continuam a ser, fundamentalmente, aramaicas.
Uma oportuna documentação, que me fazia passar por antrópólogo e
investigador de línguas pela Universidade de Cornell, abriu-me todas as
portas, podendo completar os meus estudos na Universidade de
Jerusalém Como informação complementar. Posso acrescentar que o
acesso à aldeia de Malula – pelo menos nos anos de 1971 e de 1972 – se
conseguia pela estrada de Damasco a Homs. Ao alcançar o quilómetro
cinquenta, tem de se voltar a um desvio à esquerda. Depois de subir nove
quilómetros de encosta, aparece diante dos olhos um mosteiro católico
de frades basilianos. Junto daquele mosteiro encontra-se Malula, com os
seus escassos mil habitantes. Toda a população era católica. A igreja
está entregue a um sacerdote libanês que fala árabe. Nesta língua,
precisamente, se dizia a liturgia, ainda que a linguagem do povo seja o
aramaico ocidental, muito misturado já com o árabe e outras palavras e
expressões turcas, persas e europeias. (Nota do Major.)
Ali apurei os meus conhecimentos do aramaico galilaico, aprendido
entre a gente simples do Antilíbano com outras fontes como o targum
palestino e o aramaico literário de Qumrân, o nabateu e o palmirense.
Por último, como complemento, a minha preparação viu-se
enriquecida com noções básicas, mas suficientes, do grego e do hebreu
mishnico, que também se falava na Palestina de Cristo.
Percorri uma infinidade de vezes o que os católicos chamam os
Santos Lugares, embora estivesse consciente de que aquele
reconhecimento do terreno de pouco me ia servir na hora da verdade...
Também não quis aprofundar excessivamente os textos bíblicos em
que se narra a Paixão, Morte e Ressurreição do Salvador. Por razões
óbvias, preferi enfrentar os factos sem ideias preconcebidas e com
espírito aberto. Se a minha obrigação era observar e transmitir a
verdade do que aconteceu naqueles dias, o mais aconselhável era
conservar aquela atitude isenta de preconceitos.
Ao voltar à Base de Edwards, por finais de 1972, só via caras
aborrecidas. Depressa soube – e a confirmação final chegou da boca do
próprio Curtiss – que, apesar das negociações, ao mais alto nível, o
Governo israelita não dava a sua autorização para a entrada no seu país
do berço e do resto do sofisticado equipamento. Logicamente tinham
direito a saber do que se tratava e o chefe do Projecto Cavalo de Tróia
também não dera facilidades para resolver este aspecto da questão.
O mais rigoroso sentido da segurança, no entanto, tornava inviável
que o general pudesse avisar os Israelitas sobre a autêntica natureza da
operação. Que podíamos fazer?
Depois de um agitado Dezembro – em que, sinceramente, chegámos
a temer pelo êxito da grande viagem – o Pentágono, seguindo as
recomendações de Curtiss, planeou uma estratégia que persuadiu os
Judeus. Desde 1959, tanto a União Soviética como o nosso país vinham
desenvolvendo um programa secreto de satélites espiões, destinados a
uma mútua observação de todo o tipo de instalações militares,
industriais, agrícolas, urbanos, etc. Estes olhos volantes foram ganhando
em penetração, especialmente a partir dos chamados satélites da
terceira geração, em 1966. Numa quarta geração, o Pentágono com a
colaboração de empresas especializadas em fotografia (a Eastman
Kodak, a Itek Corporation e a Perkin Elmer) – conseguira colocar em
órbita um novo modelo de satélite (a série Big Bird), cuja aparelhagem
era capaz de fotografar, a cento e cinquenta quilómetros de altitude, os
títulos do jornal de um homem que estivesse sentado na Praça Vermelha
em Moscovo. Apesar da grande reserva do National Reconaissance
Office - um departamento especializado e responsável por este tipo de
informações, com sede no próprio Pentágono – algumas das
características do Big Bird acabaram por chegar ao conhecimento dos
serviços de espionagem de outros países. Em numerosas ocasiões, o
Governo de Golda Meir tinha exercido pressão para que a eficiente rede
dos nossos satélites espiões lhe proporcionasse informação gráfica dos
movimentos das tropas, instalação de rampas de mísseis, novas
construções, etc... dos países árabes. Pois bem, aquela foi a nossa
oportunidade.
Havia aproximadamente ano e meio – desde começos de 1971que o
pentágono tinha começado a trabalhar num novo desenho de satélites Big
Bird: o KH 11.
Curtiss, com prévia autorização do Estado-Maior do Exército dos
Estados Unidos, e depois de se encontrar pessoalmente com o
presidente Nixon e o secretário de Estado Kissinger, voou novamente
para Jerusalém. Desta vez, ofereceu ao primeiro-ministro, Golde Meir, e
ao seu ministro da Guerra, o lendário Moshe Dayan, uma explicação
satisfatória: dentro do mais rigoroso dos segredos, os Estados Unidos
desejavam colaborar com o país amigo – Israel – montando um
laboratório de recepção de fotografias do seu Big Bird. Desta forma, os
Israelitas podiam dispor de um rápido e fiel sistema de controlo dos
seus inimigos e o meu país de uma nova estratégica estação, que poupava
tempo e boa parte da sempre embaraçosa manobra de recuperação das
oito cápsulas expelidas que cada satélite levava e eram recuperadas, de
quinze em quinze dias, nas cercanias do Hawai. De um ponto de vista
puramente militar, a operação era, além disso, de grande interesse para
os Estados Unidos, que podiam assim fotografar à sua vontade franjas
tão instáveis (politicamente falando), como as das fronteiras da URSS
com o Irão e o Afeganistão e outras zonas do Paquistão e do Golfo
Pérsico, podendo receber centenas de negativos na nova estação própria
(a israelita), três minutos depois de terem sobrevoado as referidas
áreas.
Graças a este subtil engano, o general Curtiss e parte da equipa do
Projecto Cavalo de Tróia conseguiram aterrar em Telavive, nos primeiros
dias de Janeiro de 1973. Para evitar suspeitas, e de mútuo acordo com o
Mossad (serviço de espionagem de Israel), a USAF preparou um avião
Jumbo em que tinham sido retirados os bancos, carregando nas suas
cabinas dez toneladas de aparelhagem altamente secreta. Do falso jacto
de passageiros, camuflado, juntamente, com os distintivos da companhia
israelita El Al, desceu um grande grupo de pessoas que pareciam ser
pacíficos turistas norte-americanos. Foi a 5 de Janeiro.
O que os sagazes agentes do serviço de espionagem israelita nunca
souberam é que, misturado com o material para a estação de recepção
das fotografias via satélite, viajava também o nosso berço...
O plano de Curtiss era simples. Num minucioso estudo, elaborado em
Washington pelo CIRVIS (Communication Instruction for Reporting
Vital Intellrgence Sightings), com a colaboração do Departamento Car –
A série de satélites artificiais Big Bird, ou Grande Ptíssaro – e, em
especial. O protótipo KH 11 -, pode voar a uma velocidade de 25 000
quilómetros por hora, necessitando de um total de noventa minutos para
dar uma volta completa ao Planeta.
Como a Terra oscila ligeiramente neste espaço de tempo (22 graus e
30 minutos). o Big Bird sobrevoa, durante a volta seguinte, uma faixa
diferente da Terra e volta à sua trajectória original ao cabo de vinte e
quatro horas. Se o Pentágono descobre algo de interessante, o satélite
pode modificar a sua órbita, aumentando o tempo de revolução durante
uns minutos e fazendo-o descer a órbitas até cento e vinte quilómetros
de altitude. Uma diferença de 1 grau e 30 minutos por exemplo, todos os
dias, permite colr, de dez em dez dias, uma zona de conflito,
sobrevoando todas as suas cidades e nas de interesse militar”.
Posteriormente, o Big Bird é empurrado para uma órbita superior. (Nota
do Major.)
O Trabalho fotográfico do Ministério da Guerra de Israel, a
instalação da rede receptora de imagens do Big Bird devia efectuar-se
num prazo de seis meses, a partir da data da chegada do material. Os
especialistas tinham de proceder – numa primeira etapa – à escolha do
local definitivo. Os militares tinham designado três possíveis pontos: o
cimo do monte das Oliveiras – a pequena distância da Cidade Santa de
Jerusalém -; as colinas de Golan, na fronteira com a Síria, ou os maciços
graníticos do Sinai.
Astutamente, o general Curtiss fizera coincidir a primeira das
possibilidades de localização da estação receptora com o nosso ponto de
contacto para a grande viagem. Muito antes de o Governo de Golda Meir
ter levantado obstáculos à marcha da nossa operação, os especialistas
do Projecto Cavalo de Tróia tinham considerado que o monte das
Oliveiras era a zona apropriada para a implantação do berço. A sua
proximidade com a aldeia de Betânia e com Jerusalém tinham-no
convertido no lugar estratégico para a descida. E ainda que os Israelitas
mostrassem uma certa estranheza pela escolha daquela colina, como
primeira das três bases de experimentação, pareceram ficar
convencidos perante as explicações dos norte-americanos. Israel via-se
envolvido ainda em numerosas escaramuças com os seus vizinhos, os
Egípcios e os Sírios. Se a instalação da estação receptora se tivesse
iniciado no Sinai ou em Golan, os riscos de destruição pela aviação inimiga
teriam sido muito altos.
Era necessário ganhar tempo e – principalmente – treinar os
israelitas no manejo dos equipamentos, com uma ampla margem de
segurança e sem sobressaltos.
Uma vez decidida a localização ideal, verificados os numerosos
controlos e instruídos os israelitas, o laboratório entraria na fase
operativa, compartilhado sempre pelos dois países.
Isto pressupunha, segundo todos os indícios, um prazo de tempo
mais que suficiente para o nosso trabalho.
Os israelitas, em suma, aceitaram com excelente submissão os
conseIhos dos norte-americanos e colaboraram estreitamente no
transporte e guarda dos equipamentos.
Desde meados de 1972 que os homens da Operação Cavalo de Tróia
tinham chegado à conclusão que o ponto de contacto devia ser a pequena
praceta onde se encontra a mesquita octogonal chamada da
Ascensão do Senhor. O alto muro que rodeia a relíquia da época das
Cruzadas era o baluarte perfeito para evitar os olhares curiosos.
Curtiss, com o resto do grupo, previra até os mais insignificantes
pormenores.
A experiência foi marcada, sem falta, para o dia 30 de Janeiro de
1973.
Era o momento perfeito, por várias razões: em primeiro lugar,
porque a montagem dos equipamentos electrónicos da estação receptora
do Big Bird deveria iniciar-se entre 20 e 25 desse mesmo mês de
Janeiro. Em segundo lugar, porque, nessas datas, a afluência de
peregrinos aos Lugares Santos passaria por uma acentuada baixa. Por
último, porque o grupo desejava honrar assim a memória de um dos
maiores vultos da Humanidade: o Mahatma Gandhi.
Justamente naquele 30 de Janeiro de 1973 se celebrava o vigésimo
quinto aniversário da sua morte.
Como era evidente, a razão principal era a primeira. Cavalo de Tróia
precisava de uma semana para a montagem e verificação geral berço. O
general Curtiss, na altura de redigir o projecto de instalação do
laboratório receptor de fotografias via satélite, impusera uma condição,
que foi entendida e aceite por Golda Meir e pelo seu Gabinete: dado o
carácter altamente secreto dos scanners ópticos utilizados e de alguns
elementos electrónicos, a montagem da aparelhagem deveria ficar a
cargo – única e exclusivamente – dos norte-americanos.
A segurança e vigilância interna da estação enquanto durasse esta
fase, seria missão intransmissível dos Estados Unidos. O Governo de
Israel teria a seu cargo a protecção externa, podendo participar no
projecto uma vez terminada a referida montagem. Este argumento não
tinha outra justificação que não fosse manter os israelitas afastados,
permitindo-nos assim o completo desenvolvimento do nosso verdadeiro
programa.
O salto no tempo – programado como disse, para terça-feira, 30 de
Janeiro – fora limitado a um total de onze dias. Cavalo de Tróia
dispunha portanto, de um máximo de três semanas para preparar o
berço, para a realização da aventura, propriamente dita, e para o não
menos delicado regresso.
Uns dias antes de o falso grupo de turistas norte-americanos partir
dos Estados Unidos com destino a Telavive, Moshe Dayan dera as ordens
necessárias para que o seu serviço secreto preparasse uma operação de
pequena envergadura, mas vital para a tomada de posse da mesquita da
Ascensão. Era preciso que os nossos técnicos pudessem trabalhar no
interior da praceta, sem levantar suspeitas entre a população judaica e
muito menos entre os muçulmanos, responsáveis pelo culto no
tabermáculo octogonal que se ergue no centro do recinto.
Naqueles dias, tanto a OLP (Organização para a Libertação da
Palestina), como os serviços secretos egípcios (o Mukhatarat el
Kharbeiyah), em perfeita conexão com os agentes soviéticos que ainda
operavam no Cairo tinham lançado uma intensa vaga terrorista em Israel.
As cartas armadilhadas estavam na moda e raro era o dia em que não se
detectava ou não explodia um destes mortíferos artefactos em
Jerusalém, Talavive ou no resto do país. (Justamente na véspera da
nossa operação - 29 de Janeiro – foram recebidas em diferentes
dependências e organismos da cidade de Jerusalém um total de nove
destas cartas armadilhadas.)
O plano do eficientíssimo serviço secreto israelita (o Mossad)
consumou-se na tarde de 1 de Janeiro. Dois jovens agentes, com todo o
aspecto de turistas, esqueceram uma maleta suspeita junto das fortes
paredes do tabemáculo da Ascensão. O próprio Mossad se encarregou de
dar o alarme e, numa questão de minutos, a praceta e o octógono foram
desalojados, enquanto uma equipa de especialistas em despoletar
explosivos se encarregava de inspeccionar e fazer rebentar, ali mesmo, o
volume – bomba dos presumíveis terroristas. O acontecimento, dado a
natureza do lugar e prévio acordo com os responsáveis da custódia dos
Santos Lugares foi ocultado aos meios informativos.
Tal como tinham previsto os israelitas de Dayan, a explosão nem
danos causou nas paredes exteriores da mesquita. No entanto, numa
rotineira mas obrigatória inspecção do resto do octógono, agentes do
Mosd – fazendo-se passar por arquitectos da Divisão de Sapadores do
Exército – descobriram e mostraram aos guardas do local chapas ou
radiografias dos alicerces da parede leste da mesquita, seriamente
afectados pelo atentado. Aquilo deixou os muçulmanos confusos.
Mas o Mossad previra tudo. Num gesto de boa vontade, e perante a
desorientação dos árabes – o vice-presidente judeu, Ygal Allon, convocou
os responsáveis da mesquita, informando-os que o Governo tomara a
decisão de reparar os danos, como prova de boa fé. A iminente
proximidade da Páscoa judaica e da Semana Santa católica justificou às
mil maravilhas as insólitas pressas do Governo de Golda Meir para cuidar
da reparação do monumento. Ninguém podia suspeitar que, por baixo
daquela oportuna e aparente manobra política se escondia uma dupla
intenção.
A comédia foi simplesmente perfeita. Ainda que os alicerces da
mesquita estivessem intactos, ninguém se atrevia a pôr em dúvida os
relatórios dos supostos arquitectos. Quarenta e oito horas depois da
explosão, uma divisão especial, constituída por arqueólogos e técnicos da
Universidade de Jerusalém, da Escola Bblica e Arqueológica Francesa da
Cidade Santa e do Museu de Antiguidades de Aman, iniciou os trabalhos
de escavação em volta do perímetro da pequena mesquita, perante o
beneplácito dos árabes. Sinceramente, nunca soubemos como o serviço
secreto israelita se arranjou para levar o referido grupo a tal trabalho
de restauração. Em certos momentos, chegámos a suspeitar de que
aqueles discretos e diligentes arqueólogos não eram mais que homens do
Mossad.
O facto é que, quando o general Curtiss e a gente do Projecto
Cavalo de Tróia deram uma primeira volta de inspecção à praceta da
Ascensão,os operários tinham aberto valas junto da mesquita, montado
dois grandes barracões, um de cada lado do octógono, e de acordo com
as medidas previamente dadas por Curtiss ao exército de Dayan. Os
setenta e um pés de diâmetro da praceta, cercada por um muro de pedra
de nove pés de altura, eram mais do que bastantes para os nossos
objectivos e, naturalmente, para a instalação do laboratório receptor
das fotografias.
A partir de 7 de Janeiro, de forma escalonada e aproveitando as
constantes entradas e saídas de material, os israelitas e os norteamericanos
trataram de introduzir nos barracões a totalidade do
material secreto.
Uma semana depois, com o natural regozijo de Curtiss e da
totalidade dos cientistas e militares que tinham tomado parte no
transporte da aparelhagem, tudo estava preparado para a hipotética
montagem da estação receptora do Big Bird.
Aquilo significou um avanço de quase sete dias no programa.
A partir de 15 de Janeiro, o chefe do Projecto Cavalo de Tróia
comunicou às autoridades militares israelitas que os engenheiros norteamericanos
se dispunham a iniciar os trabalhos de montagem do
laboratório e que, por consequência e de acordo com o negociado, o
acesso aos barracões era rigorosamente proibido à totalidade do pessoal
não americano. Os israelitas retiraram-se para fora do recinto
mantendo-se, no entanto, um corredor central por onde puderam circular
os arqueólogos, cuja incumbência não devia ser suspensa por motivo
algum. Se os árabes chegassem a perceber que aquelas obras de
reparação da sua mesquita não passavam de uma capa para esconder
objectivos puramente militares, o Cavalo de Tróia e a própria localização
da estação receptora ter-se-iam visto em situação muito
comprometedora. As equipas de restauração, continuaram, portanto, com
a sua missão, junto das paredes do octógono, enquanto nós íamos
retirando o material das suas embalagens, entregando-nos a uma
frenética tarefa de montagem do berço.
Porém, a alegria do general e, também, a nossa iam sofrer um súbito
revés.
Os venenosos tentáculos da CIA – nunca soubemos como – tinham
pressentido e detectado a operação conjunta israelo-norte-americana e
a Defense Intelligence Agency (DIA) estava a pressionar para que
Kissinger os pusesse ao corrente.
As sucessivas negativas do secretário de Estado criaram tensões
entre a CIA e os reduzidos círculos militares do Pentágono que estavam
a par da missão. A situação tornou-se tão insustentável que o general
Curtiss foi chamado a Washington, a fim de acalmar os ânimos e tentar
encontrar uma solução. Entretanto, a equipa do Cavalo de Tróia
continuou a sua tarefa, ainda que deprimida pela proximidade da sempre
perigosa sombra da CIA. Neste caso, a manifesta habilidade de Curtiss
não serviu de grande coisa. O director da Central Intelligence Agency
(CIA), Richard Helms, não estava disposto a ceder. Ante a gravidade dos
acontecimentos, e por sugestão de Kissinger o presidente Nixon
aconselharia poucos dias depois que Helms se demitisse de director da
CIA. Com o fim de reforçar a confiança do Pentágono, a 4 de Janeiro era
designado o íntimo colaborador de Curtiss general Alexander Haig, como
segundo-director do Supremo Estado-Maior do Exército dos Estados
Unidos. Os jornais publicaram então que a demissão do director da CIA
era devida a profundas desinteligências de Helms com Kissinger em
assuntos relacionados com a segurança do Estado. Não estavam errados,
embora nunca soubessem as verdadeiras razões daquela drástica
operação cirúrgica no topo da Central Intelligence Agency e do Supremo
Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos.
Uma vez passado o temporal, Curtiss regressou a Jerusalém,
voltando a tomar parte nos últimos preparativos daquilo que – sem dúvida
– ia ser uma das grandes aventuras da História da Humanidade.
A 25 de Janeiro de 1973, o berço descansava já no centro do
barracão principal. Fora montado na sua totalidade, com excepção dos
quatro pontos de apoio. Estes, por elementares razões de prudência,
seriam montados só uma hora antes da descolagem. Um hábil dispositivo
hidráulico permitia total abertura do telhado do improvisado hangar
onde decorriam as nossas operações. Desta forma, e de acordo com o
previsto, o lançamento do módulo na noite de 30 de Janeiro não teria
motivos para apresentar especiais dificuldades.
Suponho que quem leia este diário se perguntará como um artefacto
com as características do nosso berço podia elevar-se por cima do monte
das Oliveiras sem chamar a atenção da população e do Exército israelita.
Muito antes de dar andamento a esta operação, o Projecto Swivel
incorporara nos seus módulos – como condição básica para todas, ou
quase todas, as missões futuras – um sistema de emissão permanente de
radiação infravermelha. O berço, no caso de que trato, dispunha de uma
espécie de membrana externa, que cobria a totalidade do veículo, e
cujas funções – entre outras que não posso especificar – eram as
seguintest: 1o Dissimulação do módulo mediante um estudo ou almofada
de radiação infravermelha (acima dos setecentos nanómetros).
Esta fonte de luz infravermelha tornava invisível a totalidade do
aparelho, podendo manobrar por cima de qualquer núcleo humano sem ser
visto. Como antes dizia, este requisito era inteiramente imprescindível
para as nossas observações, sem assim prejudicarem o ritmo natural dos
indivíduos que pretendíamos estudar ou controlar.
2.o Absorção – sem reflexo ou retorno – das ondas decimétricas,
utilizadas, fundamentalmente, nos radares. (No caso dos écrans
militares israelitas, estes dispositivos de segurança foram previamente
ajustados às ondas utilizadas por tais radares (1347 e 2402
megaciclos. ) Este processo simples anulava a possibilidade de localização
electrónica do módulo, enquanto era elevado a oitocentos pés, ponto
ideal para a fase imediata de inversão de massa.
3.o A membrana que reveste a blindagem exterior do berço (cuja
espessura total é de 0 0329 metros) devia provocar uma incandescência
artificial que eliminasse qualquer tipo de gérmen vivo e que sempre
poderia aderir à sua superfície. Esta precaução evitava que tais
gérmenes fossem invertidos tridimensionalmente com a nave. Uma
involuntária entrada de tais organismos noutro tempo ou noutro padrão
tridimensional poderia provocar imprevisíveis consequências de carácter
biológico.
Quanto ao inevitável rugido do motor a jacto J85, que tinha de nos
colocar no estacionário já mencionado, os cientistas conseguiram reduzilo
a um silvo agudo, mediante o acoplamento de potentes silenciadores.
Outra questão – impossível de solucionar até àquele momento – era o
trovão originado no instante da inversão de massa do berço. Felizmente
para nós, aquele estampido podia ser atribuído a qualquer
Como informação puramente dcscritiva, posso dizer que a referida
membrana ou revestimento do berço” possui propriedades de
resistêncta estrutural muito especiais. Uma finíssima rede vascular, por
cujas condutas flui uma liga que se pode liquefazer, mantém activa a
membrana. (Alguns dos seus elementos – para que se faça uma ideia – não
ocupam volumes superiores a 0,07 milímetros cúbicos, sendo compostos,
por sua vez, por microdispositivos à escala celular).
Este revestimento poroso do berço, - de composição cerâmica -
goza de utn elevado ponto de fusão: 7260,64 graus centígrados, sendo o
seu poder de emissão externa igualmente muito elevado. A sua
condutibilidade, em contrapartida é muito baixa: 2,07113. 106
Cal/Cm/s/oC/. (Para esta membrana é muito importante que a ablação se
mantenha dentro de uma margem de tolerância muito ampla.) Para tsso
utiliza-se um sistema de arrefecimento por transpiração, na base do lítio
liquefeito.
Além disso, foi munido com uma fina camada de platina coloidal,
colocada a 0,0108 metros da superfície exterior.
(Nota do Major.)
dos caças israelitas sobrevoando dia e noite o território, que, ao
atravessarem a barreira do som, perturbavam as moléculas do ar, dando
lugar àquilo que, em termos aeronáuticos, é conhecido como um bang
sónico.
Como acontecera com as seis experiências anteriores, no deserto
de Mojave, o cada vez mais próximo lançamento do módulo modificou-nos
o estado de ânimo. Curtiss tentou que o meu companheiro de viagem e eu
nos afastássemos uns dois dias da mesquita da Ascensão. Porém, os
nossos passos acabavam sempre por nos levar ao hangar.
Três dias antes do início da grande viagem, o chefe de Cavalo de
Tróia convocou-nos para uma última reunião, em que recapitulámos as
linhas mestras da operação. Curtiss parecia ter a obsessão da nossa
segurança. Ambos conhecíamos as respectivas obrigações, porém, a
insistência do general inquietou-nos. Que poderia estar a esconder o
director do Projecto Swivel? Meses depois daquela experiência, o meu
irmão e eu tivemos oportunidade de conhecer o verdadeiro motivo da sua
inquietação.. A estratégia a seguir na descida ao tempo de Jesus de
Nazaré fora meditada a fundo. Uma vez em terra, e depois de várias
horas de verificação de comandos, o meu companheiro de módulo – a
quem daqui em diante chamarei Eliseu - teria de permanecer, durante os
onze dias de exploração, ao comando do berço. Só em caso de grande
emergência poderia abandonar a nave. O meu papel, como julgo ter já
insinuado exigia o desembarque em terra e a aproximação até ao Mestre
da Galileia, a quem devena seguir e observar durante todo o tempo que
me fosse possível.
Com o fim de evitar uma provável tentação dos exploradores para
reduzir o tempo estabelecido para a operação, o computador central do
berço fora previamente programado – sem possibilidade alguma de
Para um hipotético observador que sc encontrasse a curta distância
do nosso módulo – e supondo que tivessem sido desactivados os sistemas
infravermelhos de camuflagem – no instante da denominada inversão de
massa”, ele teria a sensação de que a nave fora uaniquilada. Nada mais
longe da realidade. Como já afirmei antes, no instante em que todos os
swivels correspondentes ao espaço limitado pela membrana mudam os
eixos no padrão tridimensional em que está situado o observador, toda a
massa integrada no referido espaço deixa de possuir existência física.
Não que a referida massa seja aniquilada” dado o substrato de tal massa
ser constituído pelos swivels. Dito de outra maneira: a massa deverá ser
encarada como uma espécie de prega da trama dos swivels. Os nossos
cientistas interpretam este fenómeno como se a orientação desta
rcdepressão, ou prega” das entidades constitutivas do espaço mudasse
de sentido, de modo que os órgãos sensoriais ou os instrumentos físicos
do observador não fossem capazes de captar tal mudança. Nesse
instante – que podemos chamar To – o vazio no espaço é absoluto. Não
existe uma única molécula gasosa, e como é natural, nenhuma partícula
sólida ou líquida, nem sequer uma partícula sub,atómica (protão, neutrino,
fotão, etc.) pode locallzar-se probabilisticamente no referido espaço ou
módulo. Dito por outras palavras: a ftutção de probabilidade é nula em T.
No entanto, tal situação instável dura uma fracção infinitesimal de
tempo. O espaço vê-se invadido, consecutivamente, por quanta
energéticos. (Quer dizer, propagam-se no seu seio campos
electromagnéticos e gravitacionais de diferentes frequências.)
Imediatamente, é atravessado por radiações iónicas e no final, produzse
uma implosão, ao precipitar-se o gás exterior no vácuo deixado pela
estrutura desaparecida.
(Nota do Major.)
A prorrogação ou anulação do referido programa – para a
descolagem automática e para o regresso dos eixos do tempo dos swivels
às sete horas de 12 de Fevereiro de 1973. Nesses instantes, tudo
estaria preparado, no recinto da mesquita da Ascensão, para o regresso
do módulo e sua imediata desmontagem.
Enquanto durasse a aventura, os homens de Curtiss dariam por
concluído, no segundo barracão, a montagem do laboratório receptor de
fotografias do Grande Pássaro. Isto permitiria uma rápida evacuação do
material do Cavalo de Tróia, bem como a entrada do pessoal israelita nos
hangares.
Antes de terminar aquela última sessão de trabalho, Curtiss
comunicou-nos que – em conformidade com o Pentágono e, naturalmente,
com Kissmger – vinte e quatro ou trinta e seis horas antes da
descolagem a atenção mundial estaria centrada a milhares de milhas de
Jerusalém, reforçando assim as medidas de segurança do nosso salto
para o século I. Efectivamente, tal como o general anunciara, a 28 de
Janeiro de 1973, e depois de intensos esforços feitos por ambas as
partes, os Estados Unidos e o Vietname assinavam, em Paris, o acordo
definitivo que prometia pôr termo à trágica guerra...
A 30 de Janeiro, Eliseu e eu pouco saímos do hangar. O dia, na sua
quase totalidade, decorreu dentro do berço, verificando os
equipamentos. O meu companheiro teve de se submeter a uma última e
delicada operação: a inserção no recto de uma reduzida sonda, preparada
para recolher as fezes. Estas, tratadas previamente com umas
turbulentas correntes de água a trinta e oito graus centígrados, seriam
aspiradas durante os onze dias da sua permanência obrigatória no
módulo por um dispositivo miniaturizado que lhe ficou acoplado às
nádegas.
Desta forma, as fezes são dissociadas nos seus elementos químicos
básicos. Uma parte é gelificada e transmutada em oxigénio e hidrogénio,
servindo assim para a obtenção sintética de água que é recuperada e
devolvida ao ciclo urina-água, para ingestão. O resto dos elementos é
convertido em lodo e expulso para o exterior em forma gasosa. No meu
caso, este dispositivo para defecar não era aconselhável, já que uma das
normas básicas da conduta para os exploradores que tinham de
trabalhar no exterior era a de transportar o equipamento mínimo
imprescindível e sempre oculto da vista de possíveis exploradores.
Tinha no entanto, de se levar aquilo a que, no calão de Cavalo de
Tróia, chamávamos a pele de serpente. Mediante um processo de
pulverização, o explorador cobria o corpo nu com uma série de
diferentes aerossóis protectores, formando uma epiderme artificial e
milimétrica, capaz de proteger zonas vitais, tanto de uma possível
agressão mecânica como bacteriológica. Ainda que esta segunda pele
pudesse aderir à totalidade do corpo, dada a indumentária que tinha de
vestir, o chefe do Projecto considerou que a couraça – transparente e
de extrema elasticidade – devia limitar-se a uma zona que ia dos órgãos
genitais às áreas do pescoço, para protecção das artérias carótidas.
Este eficientíssimo traje protector – que um dia virá a ser de
grande utilidade aos nossos astronautas, mergulhadores, etc. - pode
resistir, à maneira dos antiquados coletes à prova de bala, a impactes
como o de um projéctil (calibre 22 americano), a vinte pés de distância,
sem que se interrompa o processo normal de transpiração e evitando a
infiltração através dos poros de agentes químicos ou biológicos.

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