domingo, 5 de setembro de 2010

DEIXADOS PARA TRÁS IB

Os restos mortais de Tompkins foram identificados, ao passo que somente documentos pessoais de Williams foram recuperados no local.
Rayford Steele tinha um plano. Resolveu ser honesto com Chloe a respeito de sua atração por Hattie Durham e o quanto se sentia culpado. Ele sabia que iria desapontar Chloe, mesmo que o fato não a chocasse. Pretendia compartilhar sua fé com Hattie, na esperança de conseguir algum progresso em relação a Chloe, sem que ela se sentisse forçada. Chloe tinha ido com ele à igreja domingo à noite para o encontro com descrentes, como havia prometido. Mas retirou-se por volta da metade da reunião. Ela também cumpriu a promessa de ver o teipe que o pastor anterior havia gravado. Eles não conversaram nem sobre o encontro na igreja nem sobre o videoteipe.
Eles não teriam muito tempo juntos até chegar a O'Hare, por isso Rayford tocou no assunto no trajeto de carro até o aeroporto, enquanto olharam pasmos para a devastação e os escombros ao longo do caminho. No caminho até o aeroporto, viram mais de uma dúzia de casas consumidas pelo fogo. A suposição de Rayford era que as famílias desaparecidas deixaram alguma coisa no fogão.
- E você acha que foi obra de Deus? - perguntou-lhe Chloe, não em sinal de desrespeito.
- Acho.
- Eu pensava que Ele deveria ser um Deus de amor e ordem
- observou ela.
- Eu creio que Ele é. Este foi seu plano.
- Houve inúmeras tragédias e mortes absurdas antes disso.
- Eu também não compreendo tudo isso - disse Rayford.
- Mas, como Bruce mencionou ontem à noite, vivemos num mundo decaído. Deus permitiu que Satanás assumisse quase todo o controle do mundo.
- Oh! papai - disse ela. - Você pode imaginar por que saí na metade da reunião?
- Suponho que foi porque as perguntas e respostas estavam atingindo você muito intimamente.
- Talvez, mas toda essa história sobre Satanás, a Queda, o pecado e não sei o que mais... - Ela parou e meneou a cabeça.
- Não posso afirmar que compreendo melhor do que você, querida, mas sei que sou um pecador e que este mundo está cheio de pecadores.
- E você me considera um deles?
- Se você faz parte do mundo, então é, e eu sou. Você não é?
- Não propositadamente.
- Você nunca é egoísta, gananciosa, ciumenta, mesquinha, rancorosa?
- Procuro não ser, evitando magoar ou prejudicar qualquer pessoa.
- Mas você pensa que está isenta do que a Bíblia diz sobre cada um de nós ser um pecador, sobre não haver uma pessoa justa em qualquer parte deste mundo, "nenhuma sequer"?
- Não sei, papai. Simplesmente não tenho nenhuma idéia.
- Você sabe, com certeza, o que me preocupa.
- Sim, eu sei. Você acha que o tempo é curto, que neste novo mundo perigoso vou demorar muito tempo para decidir o que fazer, e então poderá ser muito tarde.
- Eu não saberia dizer melhor o que você disse, Chloe. Espero apenas que você saiba que estou pensando somente em você, nada mais.
- Você não tem de se preocupar comigo, papai.
- O que você achou do videoteipe? Ele fez sentido para você?
- Ele faz muito sentido, se alguém aceitar tudo aquilo sem questionar. Quero dizer, a pessoa tem de começar com isso como um alicerce. Então tudo passa a ficar mais claro. Mas, se ela não está segura a respeito de Deus, da Bíblia, do pecado, do céu e do inferno, continua se perguntando o que aconteceu e por quê.
- E é neste ponto que você está?
- Não sei onde estou, papai.
Rayford procurou evitar insistir com ela. Se tivessem tempo bastante em Atlanta durante o almoço, ele tentaria abordar o assunto referente a Hattie. O avião permaneceria apenas 45 minutos em Atlanta antes de retornar a Chicago. Rayford perguntou a si mesmo se seria correto orar para que houvesse um atraso.
- Belo boné - disse Steve Plank entrando rapidamente no aeroporto Kennedy e dando uma palmada no ombro de Buck.
- O que é isso? Barba de dois dias?
- Nunca fui muito bom em disfarces - disse Buck.
- Você não é tão famoso a ponto de precisar se esconder
- disse Steve. - Você pode ficar fora de seu apartamento por algum tempo?
- Sim, e provavelmente no seu. Tem certeza de que não foi seguido?
- Você está ficando um tanto paranóico, não está, Buck?
- Tenho motivos - disse Buck enquanto entravam num táxi.
- Central Park - indicou ele ao motorista. Em seguida, contou a Steve toda a história.
- O que faz você pensar que Carpathia vai ajudar? -perguntou Plank mais tarde, quando caminhavam dentro do parque. - Se a Yard e a Bolsa estiverem por trás disso, e se você considerar que Carpathia está ligado a Todd-Cothran e Stonagal, talvez esteja se perguntando por que Carpathia se voltou contra seus anjos da guarda.
Eles caminhavam sob uma ponte para evitar o sol quente da primavera.
- Tenho um pressentimento sobre esse cara - disse Buck, ecoando sua voz nas paredes de pedra. - Não seria surpresa para mim se viesse a saber que ele se encontrou com Stonagal e Todd-Cothran em Londres há alguns dias. Mas tenho de acreditar que ele é um fantoche.
Steve mostrou um banco em que se sentaram.
- Bem, encontrei Carpathia hoje de manhã em sua entrevista à imprensa - disse Steve - e só espero que você esteja certo.
- Rosenzweig ficou impressionado com ele, e estamos falando de um velho cientista de grande intuição.
- Carpathia é uma pessoa que impressiona - admitiu Steve. - É um tipo atraente como um Robert Redford jovem, e nesta manhã falou em nove línguas, tão fluentemente como se cada uma delas fosse sua língua nativa. A mídia está entusiasmada com ele.
- Você diz isso como se não fizesse parte da mídia -observou Buck.
Steve encolheu os ombros.
- Estou manifestando minha opinião. Aprendi a ser cético, deixando que a revista People e os tablóides corram atrás das celebridades. Mas aqui está urn cara com substância, com cérebro, com alguma coisa a dizer. Gostei dele. Isto é, vi o homem apenas na audiência com a imprensa, mas ele parece ter um plano. Você vai gostar dele, apesar de ser muito mais cético do que eu. E, além do mais, ele quer vê-lo.
- Fale-me sobre isso.
- Eu disse a você. Ele tem uma pequena comitiva de joões-ninguém, com uma exceção.
- Rosenzweig.
- Correto.
- Qual é a conexão com Chaim Rosenzweig?
- Ninguém sabe até agora, mas Carpathia parece atrair especialistas e consultores que o mantenham atualizado para acelerar a tecnologia, a política, as finanças e tudo mais. E você sabe, Buck, ele não é tão mais velho que você. Ouvi dizer hoje de manhã que ele tem 33 anos.
- E fala nove línguas? Plank assentiu com a cabeça.
- Lembra-se de quais eram?
- Por que você quer saber?
- Por curiosidade.
Steve puxou uma agenda de seu bolso lateral.
- Você quer em ordem alfabética?
- Sim.
- Alemão, árabe, chinês, espanhol, francês, húngaro, inglês, romeno e russo.
- Diga de novo - pediu Buck, pensativo. Steve repetiu.
- O que você tem em mente?
- Esse cara é o político perfeito.
- Não é. Confie em mim, não houve nenhuma tramóia. Ele conhecia bem essas línguas e as usou com eficácia.
- Você não vê nenhuma ligação entre essas línguas, Steve? Pense um pouco.
- Poupe-me o esforço.
- São as seis línguas da Organização das Nações Unidas, mais as três línguas do país dele.
- Você está brincando? Buck disse que não.
- Então, vou me encontrar com ele logo?
O vôo para Atlanta estava lotado e tumultuado, e Rayford teve de mudar continuamente de altitude para evitar variações atmosféricas. Conseguiu ver Chloe somente por alguns segundos, enquanto seu co-piloto estava no comando e o avião ligado no piloto automático. Ele passou rapidamente pelos corredores, mas não teve tempo de conversar com ninguém.
Rayford teve seu desejo satisfeito em Atlanta. Outro 747 teria de voar de volta a Chicago na metade da tarde, e o único piloto disponível teve de retornar mais cedo. Chicago fez a coordenação com Atlanta, trocou os escalonamentos, e também reservou uma poltrona para Chloe. Com isso, eles teriam mais de duas horas para almoçar, tempo suficiente para saírem do aeroporto.
A taxista, uma jovem com voz cadenciada, perguntou se gostariam de contemplar "uma cena verdadeiramente incrível".
- Se não ficar muito fora de mão.
- Fica apenas a umas duas quadras do lugar aonde vocês estão indo - disse ela.
Ela manobrou contornando vários desvios e cavaletes, passando, em seguida, por duas ruas controladas por guardas de trânsito.
- Olhem lá adiante - disse ela, apontando e entrando num estacionamento de areia rodeado de muros de concreto de quase um metro de altura. - Estão vendo aquele estacionamento do outro lado da rua?
- O que é aquilo? - perguntou Chloe.
- Estranho, não acham? - comentou a motorista.
- O que aconteceu? - perguntou Rayford.
- Isto aconteceu no momento dos desaparecimentos -explicou.
Eles olharam para o estacionamento de seis andares cheio de carros que colidiram de todos os lados, formando um amontoado confuso de veículos tão amassados que os guindastes tinham de levantá-los e retirá-los através das brechas abertas nas paredes laterais do edifício.
- O pessoal chegou ao estacionamento após uma competição que terminou tarde da noite - explicou ela. - A polícia diz que foi horrível. Longas filas de carro tentando deixar o estacionamento, uns passando à frente dos outros enquanto alguns não saíam do lugar, atravancando a passagem. Alguém, que se cansou de esperar, se enfiou no meio da fila, o que levou outros a fazerem o mesmo, vocês compreendem.
- Sim, compreendemos.
Disseram que, de repente, num piscar de olhos, mais de um terço dos carros ficaram sem motoristas. Os carros começaram a se movimentar sozinhos nos vãos livres e bateram em outros ou na parede. Em lugares onde não havia espaço, eles subiram nos que estavam à frente. Os motoristas que não desapareceram não tinham como ir para a frente nem para trás. A confusão foi tamanha que eles deixaram seus carros e passaram por cima dos outros carros para poderem sair do estacionamento em busca de ajuda. De madrugada, dois guinchos transportaram os carros para o andar térreo. Os guindastes chegaram por volta do meio-dia e estão aí até agora.
Rayford e Chloe ficaram fora do carro observando, meneando a cabeça. Guindastes normalmente usados para levantar vigas de ferro para o alto das construções estavam passando cabos de aço em torno dos carros para erguê-los, arrastá-los, empurrá-los um após outro, passando-os pelos rombos feitos na parede de concreto para esvaziar o estacionamento. Pelo jeito, deveria levar mais alguns dias para terminar a remoção dos veículos.
- E quanto a você? - perguntou Rayford à motorista. -Perdeu alguém?
- Sim, senhor. Minha mãe, minha avó, duas irmãzinhas. Mas sei onde elas estão. Estão no céu, exatamente como minha mãe sempre dizia.
- Creio que você está certa - confortou-a Rayford. - Minha esposa e meu filho também se foram.
- E o senhor está salvo agora? - perguntou a jovem. Rayford ficou chocado pela franqueza, mas sabia exatamente o que ela queria dizer.
- Eu estou - disse ele.
- Eu também. A pessoa tem de ser cega ou coisa parecida para não ver a luz agora.
Rayford queria dar uma olhada para Chloe, mas preferiu evitar. Ele deu uma boa gorjeta à jovem motorista quando ela os deixou no restaurante. Durante o almoço, ele contou a Chloe sua história com Hattie, tal como aconteceu.
Chloe ficou em silêncio por um longo tempo. Quando falou, sua voz era fraca.
- Então você realmente não teve um caso com ela? -perguntou-lhe.
- Felizmente, não. Nunca seria capaz de me perdoar.
- Isso teria partido o coração de mamãe, com toda certeza. Ele assentiu pesarosamente.
- Às vezes, sinto-me tão vil como se tivesse sido infiel a ela. Mas procurei comportar-me dignamente pelo fato de sua mãe estar tão obcecada pela religião.
- Eu sei, embora tudo me pareça estranho. Isso ajudou-me a comportar-me mais corretamente na escola. Quero dizer, estou certa de que mamãe ficaria desapontada ao ter conhecimento de uma porção de coisas que eu disse e fiz enquanto estive fora - não me pergunte o quê. Mas, sabendo o quanto ela era sincera e consagrada, e por ter grandes esperanças e expectativas a meu respeito, tive forças para não cometer alguma coisa realmente estúpida. Sabia que ela estava orando por mim. Ela me dizia isso toda vez que me escrevia.
- Ela escrevia a você também sobre o final dos tempos, Chloe?
- Sim, sempre.
- E, mesmo assim, você ainda não quer aceitar?
- Quero, papai. Realmente quero. Mas tenho de ser intelectualmente honesta comigo mesma.
Rayford não podia fazer outra coisa, a não ser acalmar-se. Será que ele havia sido um pseudo-intelectual naquela idade? Certamente. Ele provara todas as coisas ligadas àquela intelectualidade irritante - até recentemente, quando o acontecimento sobrenatural destruiu sua pretensão acadêmica. Mas, como a motorista de táxi disse, é preciso ser cego para não ver a luz agora, não importa o grau de instrução que imaginamos ter.
- Vou convidar Hattie para jantar conosco esta semana -disse ele.
Chloe semicerrou as pálpebras.
- O quê? Você acha que está disponível agora? Rayford ficou pasmo com sua reação. Ele teve de se controlar para não dar um tapa em sua filha, algo que nunca tinha feito. Ele comprimiu fortemente os dentes.
- Como você pode falar assim comigo depois de tudo o que acabei de lhe contar? - reagiu ele. - Isto é um insulto.
- Então era o que você esperava dessa Hattie Durham, papai. Você acha que ela não estava consciente do que se passava? Como você imagina que ela vai interpretar isso? Ela pode chegar aqui em pé de guerra.
- Vou deixar bem claro quais são minhas intenções, e elas são totalmente honestas, mais honestas do que nunca, porque não tenho nada de valor para oferecer a ela.
- Então agora você vai deixar de cortejá-la para pregar o evangelho a ela.
Ele tinha vontade de discutir, mas não podia.
- Eu me preocupo com Hattie como pessoa e desejo que ela conheça a verdade e seja capaz de viver de acordo com essa verdade.
- E o que acontecerá se ela não aceitar?
- A escolha é dela. Posso apenas fazer a minha parte.
- É assim que você sente a meu respeito também? Se eu não agir da forma como você quer, ficará conformado por ter feito a sua parte?
- Deveria, mas evidentemente me preocupo muito mais com você do que com Hattie.
- Você deveria ter pensado nisso antes de arriscar tudo para ir atrás dela.
Rayford estava sendo novamente ofendido, mas absorveu a agressão por sentir que merecia.
- Talvez seja por esse motivo que nunca tomei qualquer iniciativa nesse sentido - disse ele. - Pensar no quê?
- Este assunto é totalmente novo para mim - disse Chloe.
- Espero que você tenha refreado seus impulsos por causa de sua esposa e de seus filhos.
- Quase não consegui.
- Imagino. O que aconteceria se esta estratégia com Hattie tornasse você mais atraente para ela? E o que pode impedir que você sinta atração por ela também? Você não é mais um homem casado, se é que está convencido de que mamãe está no céu.
Rayford pediu a conta e pôs o guardanapo sobre a mesa.
- Talvez esteja sendo ingênuo, mas o fato de sua mãe estar no céu é exatamente como perdê-la numa morte súbita. A última coisa que se passa em minha mente é outra mulher, e certamente não seria Hattie. Ela é muito jovem e imatura, e me sinto desgostoso comigo mesmo por ter sido atraído por ela logo no início. Quero questioná-la e ver o que ela diz. Será importante saber se toda esta história estava apenas em minha mente.
- Você está pensando num caso para o futuro?
- Chloe, amo você, mas está se portando de modo intolerável.
- Eu sei. Sinto muito. Acho que me excedi. Mas, falando sério, como você vai saber se ela está sendo sincera? Se você disser que estava interessado nela por motivos equivocados, e que já não está mais interessado, por que ela deveria ser tão vulnerável a ponto de admitir que pensou que havia possibilidades para vocês dois? Rayford encolheu os ombros.
- Você pode estar certa. Mas tenho de ser honesto com ela, mesmo que ela não seja honesta comigo. Devo a ela esta satisfação. Quero que Hattie me leve a sério quando eu lhe disser qual é a necessidade dela agora.
- Não sei, papai. Penso que é muito cedo para procurar levá-la a Deus.
- O que é muito cedo, Chloe? Não há nenhuma garantia, não agora.
Steve tirou do bolso interno do paletó dois conjuntos de credenciais para a imprensa, que permitiam a seus portadores assistir ao discurso de Nicolae Carpathia na Assembléia Geral da ONU, naquela mesma tarde. As credenciais de Buck estavam em nome de George Oreskovich.
- Devo cuidar de você, ou fazer qualquer outra coisa?
- Nem pensar - disse Buck. - Quanto tempo temos?
- Pouco mais de uma hora - informou Steve, acenando com o braço para chamar um táxi. - E como eu disse, ele quer se encontrar com você.
- Ele deve ler os jornais, você não acha? Está pensando que estou morto.
- Suponho que sim. Mas ele vai se lembrar do que lhe disse esta manhã, e terei meios de assegurar a ele que tanto faz ser entrevistado por George Oreskovich como pelo famoso Cameron Williams.
- Sim, Steve, mas, se ele for como outros políticos de envergadura que conheço, preocupa-se com sua imagem, prefere jornalista de alto nível. Quer você goste ou não, é o que eu sou. Como você vai marcar um encontro dele com um desconhecido?
- Não sei. Talvez eu lhe diga que é realmente você mesmo. E, enquanto você estiver com ele, vou soltar a notícia de que sua morte foi um engano e que, neste mesmo instante, você está fazendo uma entrevista com Carpathia para uma reportagem de capa.
- Uma reportagem de capa? Sua opinião mudou muito depois de ter considerado esse homem um burocrata de baixo nível de um país não-estratégico.
- Eu estive na entrevista com a imprensa, Buck. Falei com ele. E posso ao menos avaliar os competidores. Se não o apresentarmos como alguém proeminente, seremos a única revista de âmbito nacional a não fazê-lo.
- Como já disse, se ele for o político típico que conheço...
- Pode tirar isso da sua mente, Buck. Você vai achar esse cara exatamente o oposto de um político típico. Você vai me agradecer por proporcionar-lhe uma entrevista exclusiva com ele.
- Pensei que a idéia fosse dele por causa de meu nome famoso - disse Buck em tom de brincadeira.
- E daí? Eu poderia diminuir seu cartaz.
- Sim, e ser o editor-executivo da única revista nacional que falhou na cobertura da mais empolgante cara nova a visitar os Estados Unidos.
- Creia-me, Buck - acrescentou Steve durante a corrida de táxi até o edifício da ONU -, esta vai ser uma mudança reanimadora após a ruína e o desalento sobre os quais escrevemos e lemos nos últimos dias.
Os dois usaram suas credenciais para entrar, mas Buck procurou esquivar-se e esconder-se da vista de seus colegas e dos concorrentes, até que se sentassem na Assembléia Geral. Steve reservou um lugar para ele bem atrás, onde não chamaria a atenção quando entrasse sorrateiramente no último minuto. Enquanto isso, Steve usaria seu telefone celular para providenciar a notícia do reaparecimento de Buck, com tempo de alcançar os jornais de circulação vespertina.
Carpathia entrou na assembléia de uma forma digna mas sem brilho, embora estivesse cercado de meia dúzia de personalidades, incluindo Chaim Rosenzweig e um perito das finanças do governo francês. Carpathia aparentava ter cerca de l,85m de altura, ombros largos, troncudo, alinhado, atlético, bronzeado e loiro. A cabeleira espessa estava bem aparada em torno das orelhas, costeletas e pescoço, e seu terno cinza-azulado com riscas brancas combinando com a gravata era perfeitamente conservador.
Mesmo à distância, o homem parecia demonstrar um aspecto de humildade e determinação. Sua presença dominava o ambiente, embora ele não parecesse preocupado com sua aparência. Tinha o queixo e o nariz tipicamente romanos, e seus penetrantes olhos azuis eram profundos e encimados por espessas sobrancelhas.
Buck ficou admirado de Carpathia não portar um caderno de anotações e imaginou que o homem deveria ter suas notas para o discurso em seu bolso interno. Ou, então, algum de seus assessores estaria com as notas. Buck estava enganado a respeito das duas possibilidades.
O secretário-geral Mwangati Ngumo, de Botsuana (África), anunciou que a assembléia tinha o privilégio de ouvir um breve pronunciamento do novo presidente da Romênia e que a apresentação formal do convidado seria feita pelo honorável Dr. Chaim Rosenzweig, com quem estavam todos familiarizados.
Rosenzweig apressou-se em direção à tribuna com um vigor incompatível com sua idade, e inicialmente recebeu uma ovação mais entusiástica do que o próprio Carpathia. O popular estadista e erudito israelense disse simplesmente que tinha o imenso prazer de apresentar "a esta digna e augusta assembléia um jovem estadista que respeito e admiro como uma das personalidades mais brilhantes que conheci. Queiram, senhores, receber Sua Excelência, presidente Nicolae Carpathia, da Romênia".
Carpathia ergueu-se, voltou-se para a assembléia, curvou-se humildemente, e apertou efusivamente a mão de Rosenzweig.
Com maneiras corteses, ele permaneceu ao lado da tribuna até que o idoso apresentador tomasse assento. Em seguida, procurou relaxar e sorrir antes de falar de improviso. Além de não fazer uso de notas, não hesitou em nenhum momento, não cometeu nenhum erro de pronúncia nem tirou os olhos de sua audiência.
Ele falou com seriedade, paixão e freqüentes sorrisos, além de humor ocasional e apropriado. Mencionou respeitosamente que estava consciente e preocupado com a ocorrência do desaparecimento de milhões de pessoas em todo o mundo, fenômeno que não tinha ainda completado uma semana, incluindo muitos que tinham estado "neste mesmo lugar". Carpathia falou num inglês perfeito, somente com um indício -de sotaque romeno. Não usou contrações e pronunciou as -I sílabas de todas as palavras. Uma vez mais, ele empregou todas as nove línguas em que era fluente, e cada vez traduzindo ele mesmo para o inglês.
Em uma das cenas mais comoventes que Buck já tinha testemunhado, Carpathia começou por anunciar que era com humildade e emoção que visitava "pela primeira vez este lugar histórico, para o qual todas as nações voltam seus olhares. Uma após outra têm vindo de todas as partes do globo em peregrinação tão sagrada como as das Terras Santas, expondo suas faces ao calor do sol nascente. Aqui elas têm tomado sua posição para a paz num compromisso duradouro e firmado em rocha sólida, objetivando espantar a insanidade da guerra e do derramamento de sangue. Estas nações, grandes e pequenas, tiveram sua cota de morte e mutilação de seus mais promissores cidadãos no apogeu de sua mocidade.
"Nossos antepassados já pensavam na globalização muito antes de eu nascer", disse Carpathia. "Em 1944, ano em que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial foram estabelecidos, este grande país anfitrião, os Estados Unidos da América do Norte, com a União das Nações Britânicas e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, se reuniram na famosa Conferência de Dumbarton Oaks para propor o nascimento desta organização."
Exibindo sua compreensão da História e sua memória de datas e lugares, Carpathia prosseguiu: "Desde seu nascimento oficial em 24 de outubro de 1945, e daquela primeira sessão de vossa Assembléia Geral em Londres, em 10 de janeiro de 1946, até este dia, tribos e nações se associaram para comprometer-se com todo empenho e sinceridade a lutar pela paz, fraternidade e a comunidade global."
Ele começou quase com um sussurro: "De terras distantes e próximas, elas vieram: do Afeganistão, Albânia, Argélia..." Ele continuou, sua voz alteando-se e baixando dramaticamente com a pronunciação cuidadosa do nome de cada país membro da ONU. Buck sentia nele uma paixão, um amor por esses países e pelos ideais da ONU. Carpathia estava visivelmente comovido à medida que apelava à memória, citando país por país, num ritmo de voz audível e modulada.
A cada nome mencionado de países, observava-se que seus respectivos representantes se levantavam, ficavam em posição ereta e solene, como se estivessem renovando seus votos pela paz entre as nações. Carpathia sorria e cumprimentava à distância cada representante, e quase todos os países estavam ali representados. Em razão do trauma cósmico que o mundo acabara de sofrer, eles vieram em busca de respostas, ajuda e apoio. Agora tinham novamente a oportunidade de reafirmar sua posição.
Buck estava cansado e sentindo-se sujo por usar as mesmas roupas nos últimos dois dias. Mas suas preocupações eram para ele uma distante lembrança enquanto Carpathia continuava. Quando chegou à letra S em sua lista alfabética, os que ali estavam continuavam aplaudindo cada país mencionado. Era algo dignificante e forte essa demonstração de respeito, acolhimento e admiração, essa consolidação de boas-vindas à comunhão global. Os aplausos só não eram mais efusivos para não abafar a voz de Carpathia, mas eram tão espontâneos, sinceros e tocantes que Buck não podia evitar o nó na garganta. De repente, ele notou algo peculiar. Os representantes da imprensa internacional formavam um único bloco com os embaixadores e as delegações. Mesmo a objetividade da imprensa mundial tinha temporariamente se retraído da posição que sustentava em seus artigos contra o . jacobinismo, o excesso de patriotismo e a hipocrisia.
Buck estava também ansioso para levantar-se, entusiasmado pelo fato de o nome de seu país estar perto de ser mencionado, sentindo o orgulho e a euforia aumentando em seu peito. À medida que mais países eram citados e seus representantes se erguiam orgulhosamente, o aplauso crescia, simplesmente por causa do considerável número de nações. Carpathia aproximava-se do fim da relação de membros da ONU, e em sua voz percebia-se uma crescente emoção e ênfase em cada nome de país pronunciado.
Ele se empolgava cada vez que as pessoas se levantavam e aplaudiam. "Síria, Somália, Sri Lanka, Suazilândia, Sudão, Suécia, Suriname!"
Mais de cinco minutos citando nomes de países, e Carpathia não omitiu um sequer. Não havia hesitado um só momento, gaguejado ou falhado na pronúncia de qualquer um dos nomes. Buck estava sentado na beira da poltrona quando o orador terminou os nomes iniciados por T, e continuou "Ucrânia! Uganda! United States of America!" Buck ficou em pé ao lado de Steve e dezenas de outros membros da imprensa.
Alguma coisa tinha acontecido com o desaparecimento de pessoas amadas em toda a superfície do planeta. O jornalismo não podia ser mais o mesmo. Oh! haveria os céticos e aqueles que adoravam a objetividade. Mas o que tinha sucedido com o amor fraternal? O que tinha havido com a dependência uns dos outros? O que tinha acontecido com a fraternidade de homens e nações?
A situação mudou. Embora ninguém esperasse que a imprensa pudesse transformar-se na agência de relações públicas para uma nova estrela política, Carpathia certamente os havia encurralado num canto do ringue naquela tarde. No final de seu rol de quase duzentas nações, o jovem Nicolae estava no ápice do seu ardor e emoção. Com tal força e dinamismo na simples relação de nomes de todos os países que ansiavam manter-se unidos uns com os outros, Carpathia tinha trazido toda a multidão a seus pés, com sua palavra e com os aplausos, bem como os representantes e a imprensa internacionais. Até os céticos Steve Plank e Buck Williams continuaram a bater palmas e a ovacionar, em nenhum momento aparentando embaraço diante da perda de sua objetividade.
E havia mais. Na meia hora seguinte, Carpathia demonstrou tal conhecimento das Nações Unidas, como se ele mesmo tivesse criado e desenvolvido a organização. Para alguém que nunca tinha posto os pés no solo norte-americano e, muito menos, visitado a ONU, ele revelou espantosa compreensão de seus trabalhos internos.
Durante seu pronunciamento, ele mencionou os nomes de todos os secretários-gerais, começando por Trygve Lie, da Noruega, até Ngumo, indicando seus períodos de atividade não apenas por anos, mas especificando as datas de posse e término de mandato. Ele exibiu conhecimento e compreensão de cada um dos seis órgãos principais da ONU, suas funções, seus ocupantes atuais e seus desafios peculiares.
Em seguida, Carpathia citou as 18 agências da ONU, dizendo o nome de cada uma, seus atuais diretores, e a localização de seus centros de operação. Foi uma espantosa demonstração. De repente, percebeu-se que não foi sem razão que esse homem cresceu tão rapidamente em sua nação, não foi à toa que o líder anterior sucumbiu diante dele e foi posto de lado. Não era de admirar que Nova York já havia se rendido a ele.
Depois disso, Buck sabia, Nicolae Carpathia seria reconhecido por toda a América. E depois pelo mundo.









QUATORZE.


O AVIÃO de Rayford desceu na pista de O'Hare, em Chicago, durante a hora de pico, segunda-feira à tarde. Ele e Chloe teriam de seguir em dois carros. Assim, não tiveram oportunidade de continuar a conversa.
- Lembre-se, você prometeu que eu dirigiria seu carro para casa - disse Chloe.
- É importante para você? - perguntou ele.
- Realmente não. Eu simplesmente gosto dele. Posso?
- Claro. Deixe-me apenas tirar o telefone. Quero saber quando Hattie pode jantar conosco. Você concorda, certo?
- Desde que você não espere que eu cozinhe ou faça algo tipicamente doméstico.
- Nem sequer pensei nisso. Ela adora comida chinesa. Vamos fazer o pedido por telefone.
- Ela adora comida chinesa? - repetiu Chloe. - Você está bem familiarizado com essa mulher, não acha?
Rayford meneou a cabeça.
- Não se trata disso. Ou melhor, sim, provavelmente sei mais sobre ela do que deveria. Mas posso dizer a você as preferências culinárias de uma dúzia de membros da tripulação, e raramente sei alguma coisa mais sobre eles. Rayford apanhou o telefone do BMW e ligou a ignição apenas para verificar a marcação do combustível.
- Você pegou o carro certo - disse ele. - Está quase cheio. Você vai chegar antes de mim. O tanque do carro de sua mãe está quase vazio. Você não vai ter problemas de ficar sozinha em casa por alguns minutos? Tenho de fazer algumas compras no caminho.
Chloe hesitou por um instante.
- É um tanto esquisito e melancólico ficar sozinha lá, não é? - disse ela.
- Um pouco. Mas temos de nos acostumar.
- Você tem razão - concordou ela rapidamente. - Eles se foram, e eu não acredito em fantasmas. Estarei bem. Mas não demore.
Na sala da imprensa da ONU para a entrevista com Nicolae Carpathia, da Romênia, Buck tornou-se de repente o centro das atenções. Alguém o reconheceu e expressou surpresa e prazer por ele estar vivo. Buck tentou tranqüilizar a todos, dizendo-lhes que tudo não passara de um equívoco, mas a agitação continuou quando Chaim Rosenzweig o avistou e se apressou em cumprimentá-lo, segurando a mão de Buck e agitando-a vigorosamente.
- Oh! estou muito contente de encontrá-lo vivo e bem -disse ele. - Ouvi a terrível notícia de sua morte. O presidente Carpathia ficou também desapontado com a notícia. Ele queria encontrá-lo e havia concordado em conceder-lhe uma entrevista exclusiva.
- É possível ainda manter essa entrevista? - sussurrou Buck, ante as vaias e assobios dos concorrentes.
- Você é capaz de qualquer coisa para conseguir um furo de reportagem - alguém se queixou. - Até mesmo providenciar uma "auto-explosão".
- Talvez não seja possível, a não ser lá pelo final da noite - disse Rosenzweig. Com a mão, ele apontou para todo o ambiente, congestionado pelas câmeras de televisão, luzes, microfones e a imprensa. - Sua agenda está ocupada o dia todo, e ele terá de posar para uma foto da revista People no começo da noite. Talvez depois dessa foto. Vou conversar com ele.
- Qual é sua ligação com ele? - perguntou Buck, mas o idoso senhor pôs o dedo indicador nos lábios e retornou ao seu lugar perto de Carpathia, quando a entrevista coletiva à imprensa teve início.
O jovem romeno não era menos imponente e persuasivo de perto. Começou a sessão fazendo uma declaração antes da bateria de perguntas. Conduziu-se como um profissional experiente, embora Buck soubesse que o relacionamento daquele homem com a imprensa da Romênia e de outros países da Europa que ele havia visitado não lhe proporcionara a mesma receptividade.
Em vários momentos, Buck observou que Carpathia olhava para cada pessoa na sala, ao menos de relance. Nunca olhou para baixo, nunca olhou à distância e nunca olhou para cima. Comportava-se como quem nada tem a esconder nem a temer. Estava seguro de si e aparentemente não se deixava influenciar pela agitação e pela atenção que lhe dirigiam.
Ele parecia ter uma visão fora do comum; ficou claro que podia ler os nomes nos crachás, mesmo dos que estavam mais distantes na sala. Toda vez que falava a um representante da imprensa, referia-se a ele pelo nome — Senhor X, Senhorita Y. Deu-lhes a liberdade de chamá-lo pelo nome que lhes fosse mais confortável. "Até mesmo Nick", disse sorrindo. Mas ninguém ousou fazê-lo, e continuaram a chamá-lo de "Sr. Presidente" ou "Sr. Carpathia".
Carpathia falava com a mesma desenvoltura, precisão e ênfase que havia usado em seu discurso. Buck gostaria de saber se ele era sempre assim, em público e em particular. Em todos os assuntos abordados, ele demonstrava ser um mestre na arte da comunicação oral, como raramente se via.
- Permitam-me iniciar dizendo que é uma honra para mim estar neste país e neste lugar histórico. Meu sonho, desde quando era menino em Cluj, sempre foi poder conhecer este lugar.
Terminadas as amenidades, Carpathia iniciou sua fala com outro minidiscurso, mostrando novamente um incrível conhecimento da ONU e de sua missão.
- Os senhores devem recordar-se - disse ele - que nas duas últimas décadas a ONU parecia estar em declínio. O presidente Ronald Reagan agravou as controvérsias Leste-Oeste, e a ONU parecia coisa do passado com sua ênfase sobre os conflitos Norte-Sul. Esta organização passou por dificuldades financeiras, com poucos países dispostos a contribuir com sua parcela. Entretanto, com o fim da Guerra Fria nos anos 90, seu sucessor na presidência dos Estados Unidos da América, Sr. Bush, reconheceu o que classificou de "nova ordem mundial", que ressoou fundo em meu jovem coração. A base original para a carta da ONU prometia a cooperação entre os primeiros 51 membros, incluindo as grandes potências.
Carpathia continuou a discorrer sobre várias ações militares da ONU visando a manter a paz, o que vinha ocorrendo desde a guerra da Coréia nos anos 50.
- Como os senhores sabem - disse ele, falando ainda sobre fatos ocorridos antes de ter nascido -, a ONU mantém sua legacia junto à Liga das Nações, que acredito seja a primeira instituição internacional mantenedora da paz no mundo. Ela foi instalada após o término da Primeira Guerra Mundial, mas, ao falhar em evitar a segunda, tornou-se anacrônica. Como resultado desse fracasso, surgiu a ONU, que deve permanecer forte para evitar uma Terceira Guerra Mundial, que acabaria em ampla, senão total, extinção da vida, como sabemos.
Depois de sublinhar sua intenção de apoiar os esforços da ONU de qualquer modo possível, Carpathia foi interrompido por uma pergunta sobre os desaparecimentos de pessoas na semana anterior. Ele ficou repentinamente sério e solene, falando compassivamente e com grande pesar.
- Muitos em meu país perderam pessoas de suas relações nesse horrível fenômeno. Estou certo de que muitos dos remanescentes no mundo inteiro têm suas teorias. Não desejo desconsiderar nenhuma delas, nem as pessoas que as defendem. Pedi ao Dr. Chaim Rosenzweig, de Israel, que trabalhasse com um grupo para tentar encontrar o sentido dessa grande tragédia, permitindo-nos assim tomar medidas para evitar que algo semelhante ocorra novamente.
- Quando chegar o momento propício, pedirei ao Dr. Rosenzweig que fale por si mesmo, mas, por ora, posso dizer-lhes que a teoria que faz mais sentido para mim é, em resumo, a seguinte: O mundo vem acumulando arsenais de armas nucleares por muitos anos. Desde que os Estados Unidos lançaram as bombas atômicas sobre o Japão em 1945, e a União Soviética detonou seus próprios artefatos em 23 de setembro de 1949, a humanidade vem enfrentando o risco de um holocausto nuclear. O Dr. Rosenzweig e sua equipe de renomados estudiosos estão próximos de descobrir um fenômeno atmosférico que pode ter causado o desaparecimento instantâneo de tantas pessoas.
- Que espécie de fenômeno? - perguntou Buck. Carpathia lançou um rápido olhar em seu crachá e respondeu fixando os olhos nos dele.
- Não quero precipitar-me, Sr. Oreskovich - disse ele. Vários representantes da imprensa riram furtivamente, mas Carpathia não perdeu o ritmo nem se perturbou. - Ou, devo dizer,
Sr. Cameron Williams, do Semanário Global. Esse comentário propiciou entusiásticos aplausos por toda a sala. Buck ficou estupefato.
- O Dr. Rosenzweig acredita que alguma confluência de eletromagnetismo na atmosfera, combinada com uma provável mas desconhecida ou inexplicável ionização atômica de um poder nuclear e de armamentos nucleares estocados em todo o mundo, possa ter sido induzida ou acionada - talvez por uma causa natural, como um raio, ou mesmo por uma forma inteligente de vida que descobriu tal possibilidade antes de nós - causando esta ação instantânea por toda parte de nosso mundo.
- Algo semelhante ao ato de alguém riscar um fósforo num ambiente cheio de vapores de gasolina? - sugeriu um jornalista.
Carpathia assentiu pensativamente.
- Como isso é diferente da idéia de alienígenas do espaço exterior raptar todas essas pessoas? - complementou o jornalista.
- Não é inteiramente diferente - admitiu Carpathia -, mas estou mais inclinado a crer na teoria natural, que urn raio reagiu com um campo subatômico.
- Por que os desaparecimentos ocorreram ao acaso? Por que algumas pessoas e não outras?
- Não sei - respondeu Carpathia. - O Dr. Rosenzweig me disse que eles não chegaram ainda a nenhuma conclusão. A esta altura eles estão postulando que certos níveis de eletricidade nos corpos das pessoas tornaram-nas mais suscetíveis de ser afetadas. Isto incluiria todas as crianças e bebês, mesmo na condição fetal, que desapareceram. Seu eletromagnetismo não estava desenvolvido a ponto de poderem resistir a qualquer que tenha sido o fator.
- O que o senhor diz das pessoas que acreditam ter sido obra de Deus, que Ele arrebatou sua Igreja?
Carpathia sorriu com simpatia e respeito.
- Permitam-me ser cauteloso em dizer que não critico nem criticarei nenhuma crença de pessoas sinceras. Esta é a base para a verdadeira harmonia e fraternidade, paz e respeito entre as pessoas. Não aceito esta teoria porque conheço muitas, muitas pessoas que deveriam ter ido, se é que todos os justos foram levados para o céu. Se há urn Deus, respeitosamente me convenço de que este não é o meio caprichoso pelo qual Ele agiria. Pela mesma razão, os senhores não me ouvirão expressar desrespeito àqueles que discordam.
Buck ficou pasmo ao ouvir Carpathia dizer que tinha sido convidado para falar no próximo encontro religioso ecumênico programado para aquele mês em Nova York.
- Lá, discutirei meus pontos de vista sobre o milenarismo, a escatologia, o Juízo Final e a Segunda Vinda de Cristo. O
Dr. Rosenzweig foi muito generoso ao possibilitar esse convite, e até lá penso que seria melhor não tentar falar sobre esses assuntos informalmente.
- Quanto tempo o senhor ficará em Nova York?
- Se o povo romeno deixar, ficarei aqui por todo este mês. Não me agrada afastar-me de meu povo, mas o país compreende que estou interessado no bem-estar do mundo inteiro, e com a tecnologia de hoje e com pessoas competentes ocupando posições de influência na Romênia, sinto-me confiante por poder manter contato com elas e penso que meu país não sofrerá com minha curta ausência.
Durante as apresentações dos noticiários noturnos em rede, uma nova estrela internacional acabava de nascer. Ele tinha até um apelido: Santo Nick. Além do que tinha acontecido na assembléia da ONU e na entrevista com a imprensa, Carpathia apresentou-se por alguns minutos diante de cada programa da televisão, despertando a atenção da audiência ao mencionar os nomes dos países membros, convocando todos para uma reafirmação do compromisso pela paz no mundo.
Ele evitou cautelosamente uma opinião específica sobre o desarmamento global. Sua mensagem era de amor, paz, compreensão, fraternidade, sem falar ostensivamente em cessação de lutas entre grupos e raças. Não havia dúvida de que, retornando a seu país, continuaria repisando estes pontos, mas naquele entretempo Carpathia desfrutava a trajetória mágica de sua vida.
Os comentaristas recomendaram que ele fosse nomeado conselheiro adjunto do secretário-geral da ONU e que visitasse cada centro de operação das várias agências espalhadas pelo mundo. No final daquela noite, ele foi convidado a participar de cada um dos encontros internacionais marcados para dentro de poucas semanas.
Ele foi visto em companhia de Jonathan Stonagal, o que não foi surpresa para Buck. E, logo depois de encerrada a entrevista à imprensa, foi poupado de outros compromissos. O Dr. Rosenzweig procurou Buck.
- Tenho possibilidade de conseguir dele um horário livre no final da noite - disse ele. - Ele tem várias entrevistas, na maioria com o pessoal da televisão, e depois aparecerá ao vivo no programa da ABC, Nightline, com Wallace Theodore. Em seguida, retornará ao hotel e terá satisfação em conceder-lhe meia hora de entrevista ininterrupta.
Buck disse a Steve que precisava ir ao seu apartamento, para se refrescar um pouco, ouvir os recados, correr para o escritório e atualizar-se o mais depressa possível, consultando os arquivos, para estar perfeitamente preparado para a entrevista. Steve concordou em acompanhá-lo.
- Mas continuo confuso - admitiu Buck. - Se Stonagal estiver ligado de algum modo a Todd-Cothran, e sabemos que está, o que será que ele pensa a respeito do que aconteceu em Londres?
- Ninguém sabe - disse Steve. - Mesmo que exista corrupção na Bolsa e na Scotland Yard, não significa que Stonagal tenha qualquer interesse nela. Penso que ele desejaria estar o mais longe possível disso.
- Mas, Steve, você tem de concordar que provavelmente Dirk Burton foi morto porque estava muito perto da ligação secreta de Todd-Cothran com o grupo internacional de Stonagal. Se eles começarem a liquidar pessoas que vêem como inimigas
- mesmo amigos de seus inimigos, como Alan Tompkins e eu
- onde eles vão parar?
- Mas você está admitindo que Stonagal está ciente do que se passou em Londres. Ele está muito acima disso. Todd-Cothran ou o cara da Yard podem ter visto você como uma ameaça, mas Stonagal provavelmente nunca ouviu falar de você.
- Você não acha que ele lê o Semanário?
- Não se ofenda. Você para ele é um mosquito, mesmo que ele saiba seu nome.
- Você sabe o que acontece a um mosquito quando ele leva uma pancada de uma revista, Steve?
- Há um enorme rombo em seu argumento - disse Steve mais tarde quando entraram no apartamento de Buck. - Se Stonagal representa um perigo para você, o que Carpathia representa?
- Como eu disse, Carpathia pode ser apenas um fantoche. .
- Buck! Você acabou de ouvi-lo. Eu por acaso o endeusei?
- Não.
- Você ficou impressionado com ele?
- Sim.
- Ele parece ser um fantoche?
- Não. Portanto só posso admitir que ele nada sabe sobre isso.
- Você tem certeza de que ele se encontrou com Todd-Cothran e Stonagal em Londres antes de chegar aqui?
- Isso fazia parte do negócio - disse Buck. - Planejar a viagem e envolver-se com consultores internacionais.
- Você está correndo um grande risco - alertou-o Steve.
- Não tenho escolha. De qualquer modo, estou disposto. Até que se prove outra coisa, vou confiar em Nicolae Carpathia.
- Ufa! - desabafou Steve.
- O quê?
- Você está agindo exatamente às avessas do que costuma fazer. Desconfia de uma pessoa até que ela prove o contrário.
- Bem, o mundo mudou, Steve. Nada é igual ao que era na semana passada, certo?
Buck apertou a tecla de sua secretária eletrônica enquanto tirava a roupa para tomar um banho.
Rayford entrou na garagem de sua casa levando uma sacola de alimentos no banco a seu lado. Ele conseguiu falar com Hattie Durham, que tentou continuar a conversa, mas ele se desculpou e desligou. Ela estava entusiasmada com o convite para o jantar e confirmou que estaria lá quinta-feira à noite.
Rayford supunha que estava chegando meia hora depois de Chloe e ficou impressionado ao ver que ela havia deixado a porta da garagem aberta para ele. Quando, porém, notou que a porta entre a garagem e a casa estava fechada, ficou preocupado. Ele bateu. Ninguém atendeu.
Rayford abriu de novo a porta da garagem para entrar pela frente da casa, mas antes de sair, parou. Alguma coisa estava diferente na garagem. Ele acendeu as luzes internas, já que a única lâmpada do lado de fora era insuficiente. Os três carros estavam lá, mas...
Rayford passou pelo jipe estacionado no fundo da garagem. As coisas de Raymie não estavam lá! Nem sua bicicleta nem seu carrinho de quatro rodas. O que significava isto?
Rayford correu para a frente da casa. O vidro da anteporta de proteção contra tempestade e neve estava quebrado e ela estava aberta. A porta principal tinha sido arrombada. Não se tratava de simples arrombamento, pois a porta era enorme e pesada com fechadura de trava dupla. Toda a sua estrutura tinha sido destruída e espalhava-se em pedaços sobre o piso da entrada. Rayford correu para dentro, gritando por Chloe. Ele correu de cômodo em cômodo, orando para que nada tivesse acontecido ao único membro da família que lhe restava. Rádios, televisores, videocassetes, jóias, aparelhos de, som, videogames, a prataria e até as louças foram levados. Para seu alívio, não havia sinais de sangue ou de luta.
Rayford estava ao telefone falando com a polícia quando uma ligação de espera deu o sinal.
- Detesto ter de interromper - disse ele -, mas deve ser minha filha.
Era ela.
- Oh, papai! - disse ela, chorando. - Você está bem? Entrei na garagem e dei pela falta de muitas coisas. Pensei que os ladrões poderiam voltar, por isso fechei a porta da garagem
e estava indo fechar a da frente, mas, ao ver os vidros e os pedaços de madeira, corri para cá. Estou a três casas depois da nossa.
- Eles não vão voltar, querida - disse ele. - Vou buscar você.
- O Sr. Anderson disse que vai me levar até aí. Minutos depois, Chloe estava sentada no sofá, os braços cruzados sobre o estômago. Ela disse ao policial o que tinha dito a seu pai; a seguir, ele tomou o depoimento de Rayford.
- Vocês não costumam ligar o alarme contra furto? Rayford meneou a cabeça em sinal negativo.
- A culpa é minha. Deixei-o ligado durante anos quando não precisávamos dele, e me cansei de ser despertado no meio da noite por falsos alarmes e... hã,..
- Você chama a polícia, eu sei - disse o policial. - É o que todo mundo faz. Mas desta vez não teria valido a pena, hein?
- Agora é tarde demais - disse Rayford. - De fato, nunca pensei que precisássemos de segurança neste bairro.
- Este tipo de delito aumentou cerca de 200% por aqui somente na última semana - informou o policial. – Os marginais sabem que não dispomos de tempo nem de homens suficientes para uma missão bem-sucedida.
- Bem, o senhor poderia tranqüilizar minha filha e dizer-lhe que eles não estão interessados em machucar ninguém e que não voltarão mais?
- É isso mesmo, senhorita - disse ele. - Seu pai deve consertar esta porta e fixá-la nos batentes; cuidarei de aumentar o sistema de segurança. Mas não espero uma nova visita, pelo menos não pelo mesmo bando. Falamos com as pessoas do outro lado da rua. Elas viram um pequeno furgão com letreiro de uma firma de serviço de tapetes durante cerca de meia hora esta tarde. Eles entraram pela frente, abriram a porta da garagem e carregaram tudo, quase debaixo de seus narizes.
- Ninguém viu quando arrombaram a porta de entrada?
- Seus vizinhos não têm uma visão clara de sua entrada. Ninguém tem, na verdade. Serviço de profissionais.
- Estou contente de Chloe não ter deparado com eles -comentou Rayford.
O policial meneou a cabeça ao sair.
- Vocês devem ser gratos por isso. Imagino que sua apólice de seguro lhes assegurará o retorno de seus bens. Não temos esperança de recuperá-los. Não temos tido sorte com outros casos.
Rayford abraçou Chloe, que ainda tremia.
- Pode me fazer um favor, papai?
- O que você quiser.
- Quero outra cópia daquele videoteipe, aquele do pastor.
- Vou telefonar a Bruce, e vamos apanhá-lo hoje à noite. De repente ela riu.
- Qual é a graça? - perguntou ele.
- Tive uma idéia - disse ela, sorrindo e com lágrimas nos olhos. - Que tal se os ladrões vissem o teipe?



QUINZE


UMA das primeiras mensagens na secretária eletrônica de Buck era da comissária que conheceu uma semana antes. "Sr. Williams, aqui é Hattie Durham. Estou em Nova York a serviço e me lembrei de chamá-lo para dizer 'Oi' e agradecer mais uma vez sua ajuda em fazer-me contatar minha família. Vou fazer uma pausa por alguns instantes e depois continuarei falando, caso o senhor esteja ouvindo seus recados na gravadora. Seria divertido tomarmos um drinque juntos ou coisa assim, mas não se sinta obrigado. Bem, pode ser numa outra oportunidade."
- Quem é? - Steve perguntou enquanto Buck hesitava perto da porta do banheiro, esperando ouvir seus recados antes de entrar debaixo do chuveiro.
- Apenas uma garota - disse.
- Bonita?
- Mais do que bonita. Deslumbrante.
- É melhor chamá-la de volta.
- Não se preocupe.
Vários outros recados eram sem importância. Em seguida, havia dois que tinham sido gravados naquela mesma tarde. 0 primeiro era do capitão Howard Sullivan, da Scotland Yard. "Ah! sim, Sr. Williams. Hesitei em deixar-lhe este recado em sua secretária, mas desejo falar com o senhor quando lhe convier. Como o senhor sabe, dois homens com quem o senhor se relacionava tiveram morte prematura aqui em Londres. Gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. O senhor pode ter sido ouvido por outras fontes, já que foi visto com uma das vítimas pouco antes de seu fim desditoso. Por favor, telefone-me." E deixou seu número.
O outro recado chegara menos de meia hora depois e era de Georges Lafitte, um detetive da Interpol, a organização internacional da polícia, sediada em Lyon, França. "Sr. Williams", dizia ele num inglês com forte sotaque francês, "tão logo o senhor receba este recado, apreciaria que me chamasse do posto policial mais próximo. Eles saberão como entrar em contato conosco diretamente e terão um impresso com informações sobre o motivo por que precisamos falar com o senhor. Em seu próprio benefício, insisto em que não deve se demorar.".
Buck pôs a cabeça fora do banheiro para mirar os olhos de Steve, que estava tão confuso quanto ele.
- O que você é agora? - perguntou Steve. - Um suspeito?
- Seria melhor não ser. Depois do que ouvi de Alan sobre Sullivan e como ele está nas mãos de Todd-Cothran, não me sinto obrigado a ir a Londres e voluntariamente colocar-me sob sua custódia. Esses recados não são imposições, são? Não devo atendê-los só pelo fato de os ter ouvido, devo?
Steve encolheu os ombros.
- Ninguém além de mim sabe que você ouviu esses recados. De qualquer modo, agências internacionais não têm jurisdição aqui em nosso país.
- Você acha que posso ser extraditado?
- Só se eles ligarem você a uma ou outra daquelas mortes.


Chloe não quis ficar em casa sozinha naquela noite. Ela acompanhou seu pai até a igreja, onde Bruce Barnes os encontrou e deu-lhes uma segunda cópia do videoteipe. Ele meneou a cabeça quando ouviu a respeito do assalto à casa de Rayford.
- Está se tornando uma epidemia - disse. - Parece que o centro da cidade foi transferido para os bairros. Não estamo mais seguros aqui.
Rayford teve de se conter para não dizer a Bruce que a substituição do teipe roubado era idéia de Chloe. Ele queria pedir a Bruce que continuasse orando, para que ela pensasse no assunto. Talvez a invasão da casa tivesse contribuído para que Chloe se sentisse vulnerável. Quem sabe ela estava chegando ao ponto de admitir que o mundo agora era mais perigoso, que não havia garantias, que seu tempo de vida seria mais curto. Mas Rayford também sabia que poderia ofendê-la, insultá-la ou afastá-la, se usasse esta situação para instigar Bruce a convencê-la. Ela dispunha de informações suficientes; cabia-lhe simplesmente deixar que Deus operasse sua graça no coração de sua filha. Por outro lado, ele estava animado e desejoso de que Bruce soubesse o que estava acontecendo. Reconheceu, porém, que teria de esperar uma ocasião mais oportuna.
Enquanto estavam fora, Rayford comprou alguns itens que precisavam ser repostos imediatamente, incluindo um aparelho de televisão e um videocassete. Ele providenciou o conserto da porta da frente e começou a preparar a papelada para obter a indenização do seguro. Mais importante, reforçou o sistema de segurança. Entretanto, sabia que nem ele nem Chloe teriam um sono tranqüilo naquela noite.
Eles chegaram a casa e logo receberam um telefonema de Hattie Durham. Rayford pensou que ela deveria estar se sentindo sozinha. Ela não parecia ter um bom motivo para telefonar-lhe. Simplesmente disse-lhe que estava muito grata pelo convite para jantar e esperava ansiosamente pelo dia. Ele contou-lhe o que havia acontecido em sua casa, e ela ficou sinceramente aborrecida.
- As coisas estão ficando estranhas - disse ela. - Você sabe que tenho uma irmã que trabalha numa clínica de gestantes.
- Hã-hã - disse Rayford. - Você já me contou.
- Eles fazem planejamento familiar e dão conselhos e orientações para gravidez avançada.
- Sim.
- Eles também estão preparados para fazer abortos. Hattie parecia estar esperando algum sinal de afirmação ou reconhecimento de que ele a estava escutando. Rayford ficou impaciente e permaneceu em silêncio.
- De qualquer modo - disse ela -, não quero tomar seu tempo. Mas minha irmã me disse que o movimento da clínica é zero.
- Bem, isso faz sentido, em virtude dos desaparecimentos de bebês em gestação.
- Minha irmã não parece estar feliz com essa situação.
- Hattie, imagino que todo mundo está horrorizado com isso. Os pais estão sofrendo no mundo inteiro.
- Mas as mulheres que minha irmã e seus colegas estavam aconselhando queriam abortar.
Rayford ensaiou uma resposta apropriada.
- Sim, diante disso, talvez essas mulheres estejam gratas por não terem de praticar o aborto.
- Talvez, mas minha irmã e seus chefes, bem como os demais da equipe, estão sem trabalho agora, até que as mulheres comecem a engravidar novamente.
- Entendo. É uma questão de dinheiro.
- Eles têm de trabalhar, por causa de suas despesas e famílias.
- Mas, além de aconselhamento para abortar e prática de abortos, eles não têm mais nada para fazer?
- Nada. Não é horrível? Seja lá o que for que aconteceu, isso acabou deixando minha irmã e muita gente como ela sem trabalho, e na verdade ninguém sabe ainda se terá condições de engravidar outra vez.
Rayford tinha de admitir que nunca achou que Hattie fosse bem dotada em matéria de cultura, mas naquele momento ele gostaria de fixar bem os olhos nos dela.
- Hattie, hã... não sei como lhe perguntar. Você está dizendo que sua irmã espera que as mulheres engravidem novamente para poderem abortar e, assim, permitir que ela continue trabalhando?
- Bem, naturalmente que sim. Que outra coisa ela pode fazer? Os empregos de aconselhamento em outros campos são difíceis de encontrar, você sabe.
Ele meneou a cabeça, sentindo-se estúpido, por saber que ela não podia vê-lo. Que espécie de insanidade era aquela? Ele não devia estar consumindo energia discutindo com alguém que nitidamente não enxergava um palmo à frente do nariz; entretanto, não podia evitar discutir.
- Sempre achei que as clínicas como essa em que
sua irmã trabalha considerassem a gravidez indesejada um transtorno. Elas não deveriam ficar contentes se tais problemas desaparecessem, ou mesmo muito felizes se a gravidez nunca acontecesse novamente? Mas pode haver uma pequena complicação. A raça humana deixaria de existir. Não havia mais ironia na voz de Hattie.
- Mas Rayford, esse é o trabalho dela. É para isso que a clínica existe. É o mesmo que um posto de combustível ficar sem nenhum freguês que queira abastecer o carro ou usar os serviços, como óleo, lavagem, pneus.
- Trata-se de um negócio de oferta e procura.
- Exatamente! Você entende? Eles precisam da gravidez indesejada porque vivem disso.
- Entendo. É como um médico que deseja que as pessoas fiquem doentes ou se machuquem para que ele tenha alguma coisa para fazer? - Agora você compreendeu, Rayford.
Depois que Buck fez a barba e tomou banho, Steve lhe disse:
- Falei há pouco com o escritório. Os detetives de Nova York estão procurando você no escritório. Infelizmente, alguém lhes disse que mais tarde você estaria no Plaza com Carpathia.
- Que mancada!
- Eu sei. Talvez você tenha de enfrentar isso.
- Ainda não, Steve. Deixe-me começar a entrevista com Carpathia. Depois vou tentar desfazer esse nó.
- Você está esperando que Carpathia possa ajudá-lo?
- Exatamente.
- E se você não conseguir chegar até ele? Alguém pode apanhá-lo antes.
- Vou conseguir. Ainda tenho minhas credenciais da imprensa com o nome e a identificação de Oreskovich. Se os tiras estiverem esperando por mim no Plaza, é bem provável que não me reconheçam.
- Veja bem, Buck. Você acha, a esta altura, que eles não estão cientes de sua identidade falsa? Vamos trocar nossos documentos. Se eles me barrarem por estar passando com o documento de Oreskovich, isso pode dar a você tempo suficiente para chegar até Carpathia.
Buck encolheu os ombros.
- Vale a tentativa - disse. - Não quero ficar aqui, mas pretendo ver Carpathia no programa Nightline.
- Quer ir para o meu apartamento?
- Eles provavelmente já estarão também procurando por mim lá.
- Deixe-me ligar para Marge. Ela e o marido não moram longe daqui.
- Não use meu telefone! Steve fez uma careta.
- Você age como um espião de filmes de cinema. Steve usou seu telefone celular. Marge insistiu para que
fossem imediatamente para lá. Ela disse que seu marido queria ver a reprise da série M*A*S*H naquele horário, mas pediria a ele que gravasse o programa para assistir mais tarde.
Enquanto entravam num táxi, Buck e Steve viram duas viaturas, sem identificação da polícia, estacionadas bem em frente do prédio onde Buck morava.
- Parece filme de espionagem - disse Buck.
O marido de Marge não estava nem um pouco satisfeito por ficar sem sua poltrona favorita e seu filme favorito, mas mostrou-se interessado quando começou o Nightline. Carpathia estava bem natural e à vontade. Ele olhava diretamente para a câmera sempre que possível e parecia estar conversando com os telespectadores individualmente.
- Seu discurso hoje na ONU - começou o entrevistador Wallace Theodore -, que foi intercalado por duas entrevistas com a imprensa, parece ter eletrizado Nova York. Como grande parte delas foi levada ao ar tanto no início da noite como depois nos noticiosos das emissoras, o senhor se tornou de uma hora para outra um homem popular neste país.
Carpathia sorriu.
- Como todas as pessoas da Europa, particularmente da Europa Oriental, estou impressionado com sua tecnologia, Eu...
- Mas não é verdade, senhor, que suas raízes estão realmente na Europa Ocidental? Embora tenha nascido na Romênia, o senhor não está ligado por hereditariedade à Itália?
- Isto é verdade, como é verdade para muitos romenos nativos. Daí a razão do nome de nosso país. Mas eu estava falando da tecnologia alcançada neste país. É espantosa, mas confesso que não vim aqui para tornar-me ou ser transformado numa celebridade. Tenho uma meta, uma missão, uma mensagem, e isto nada tem a ver com minha popularidade ou...
- Mas não é verdade que o senhor teve uma sessão de fotos para a revista Peoplel
- Sim, mas eu...
- E não é verdade também que eles já decidiram indicá-lo como o Homem Mais Atraente da atualidade?
- Não sei realmente o que isso quer dizer. Submeti-me a uma entrevista que foi basicamente sobre minha infância, meus negócios e minha carreira política e tive a impressão de que eles costumam eleger um homem atraente para aparecer na edição de janeiro de cada ano; portanto, ainda é muito cedo para o próximo ano.
- Sim, estou certo, Sr. Carpathia, de que ficou impressionado, como todos ficamos, com o jovem cantor que recebeu esse título há dois meses, mas...
- Lamento dizer que não tinha conhecimento desse jovem antes de ver sua fotografia na capa da revista.
- Mas o senhor está dizendo que não está ciente de que a revista People está quebrando uma tradição ao desbancar seu atual homem mais atraente e colocar o senhor em seu lugar na próxima edição?
- Creio que eles tentaram dizer-me isso, mas não compreendo. O jovem mencionado causou danos a um hotel ou alguma coisa desse tipo, e portanto...
- E portanto o senhor seria um substituto conveniente para ele.
- Nada sei a esse respeito. Para ser honesto, eu poderia não ter concedido aquela entrevista sob tais circunstâncias. Não me considero atraente. Estou numa cruzada para ver as pessoas do mundo se unirem. Não procuro uma posição de poder ou autoridade. Simplesmente peço para ser ouvido. Espero que minha mensagem também seja veiculada no artigo da revista.
- O senhor já desfruta uma posição de poder e autoridade, Sr. Carpathia.
- Bem, nosso pequeno país pediu-me para servir, e estou disposto a isso.
- Que resposta o senhor daria àqueles que dizem que o senhor quebrou o protocolo e que sua ascensão ao posto de presidente da Romênia foi parcialmente efetuada pela violência armada?
- Diria que esta é a forma perfeita de atacar urn pacifista, alguém que está comprometido com o desarmamento não somente na Romênia e nos demais países da Europa, mas lambem em todo o globo.
- Então o senhor nega ter causado a morte de um homem de negócios há sete anos e usado a intimidação e amigos poderosos na América para usurpar a autoridade do presidente da Romênia?
- O assim chamado rival morto era um de meus amigos mais queridos, e eu lamento amargamente sua morte até hoje. Os poucos amigos americanos podem ter influência aqui, mas não podem ter qualquer peso na política romena. O senhor deve saber que nosso último presidente pediu-me que o substituísse por motivos pessoais.
- Mas isso afronta totalmente os procedimentos constitucionais de seu país para a sucessão do poder.
- Isso foi votado pelo povo e pelo governo e ratificado por grande maioria.
- Depois do acontecido.
- De certo modo, sim. Mas, por outro lado, se eles não tivessem ratificado, tanto pela população como pelas casas legislativas, eu teria sido o presidente de mandato mais curto na história de nossa nação.
O marido de Marge resmungou:
- Esse jovem romano é um azougue.
- Romeno - corrigiu Marge.
- Ele mesmo disse que seu sangue era inteiramente italiano
- retrucou o marido. Marge piscou para Steve e Buck.
Buck estava impressionado com a coordenação de pensamentos de Carpathia e seu conhecimento da língua. Theodore perguntou-lhe:
- Por que a Organização das Nações Unidas? Alguém poderia lhe ter dito que o senhor obteria mais impacto e maior avanço se visitasse nosso Senado e a Câmara dos Deputados.
- Eu nem mesmo sonharia com tal privilégio - disse Carpathia. - Mas o senhor percebe que não estou procurando avanço. A ONU era vista originalmente como um órgão pacificador. Ela deve voltar a ter essa função.
- O senhor deu a entender hoje, e noto em sua voz neste momento, que tem um plano específico para a ONU, o qual a tornaria melhor e seria de alguma ajuda nesta fase horrenda da história.
- Sim. Não considerei que me caberia sugerir tais mudanças como hóspede que sou; contudo, não tenho nenhuma hesitação neste contexto. Sou um proponente do desarmamento. Não é segredo para ninguém. Ao mesmo tempo que estou impressionado com as amplas potencialidades, planos e programas da ONU, acredito que, com uns poucos ajustes e a cooperação de seus membros, ela possa vir a ser tudo aquilo para o que foi concebida. Podemos verdadeiramente tornar-nos uma comunidade global.
- O senhor pode resumir essa idéia em poucos segundos? O riso de Carpathia pareceu autêntico.
- É sempre perigoso - disse ele -, mas vou tentar. Como o senhor sabe, o Conselho de Segurança da ONU tem cinco membros permanentes: Estados Unidos, Federação Russa, Grã-Bretanha, França e China. Há também dez membros transitórios, dois de cada uma das cinco diferentes regiões do '• mundo, que atuam por períodos de dois anos.
- Respeito a natureza vitalícia dos cinco países originais. Proponho a escolha de outros cinco, exatamente um de cada uma das cinco diferentes regiões do mundo. A condição transitória seria abolida. Teríamos então dez membros permanentes no Conselho de Segurança, mas o restante de meu plano é revolucionário. Presentemente, os cinco membros permanentes têm poder de veto. Votos sobre procedimentos requerem a maioria de nove membros; votos sobre a substância requerem maioria simples, incluindo os cinco membros permanentes. Proponho um sistema mais estrito. Proponho a unanimidade.
- Perdão, não entendi.
- Selecionar cuidadosamente os dez membros permanentes. Eles devem obter dados e informações, bem como apoio, de todos os países de suas respectivas regiões.
- Isso parece um pesadelo.
- Mas funcionaria, e lhe digo por quê. Pesadelo foi o que nos aconteceu na semana passada. O momento é propício para que os povos do mundo se levantem e insistam com seus governantes no sentido de desarmarem seus países e destruírem tudo, exceto 10% de seus armamentos. Esses 10% seriam, efetivamente, doados à ONU, de modo que ela pudesse voltar ao seu lugar apropriado como um organismo pacificador internacional, com autoridade, poder e equipamento para cumprir sua missão.
Carpathia esclareceu, especialmente os telespectadores, que foi em 1965 que a ONU fez uma adendo à sua carta original para aumentar o Conselho de Segurança de 11 para 15 membros. Disse também que o poder de veto original dos membros permanentes tinha impedido os esforços militares pela paz, tais como na Coréia e durante a Guerra Fria.
Onde o senhor obteve esse conhecimento enciclopédico sobre a ONU e os assuntos internacionais?
Todos nós conseguimos tempo para fazer o que realmente desejamos. Esta é minha paixão.
Qual é sua meta pessoal? Um papel de liderança no Mercado Comum Europeu?
- A Romênia não é nem sequer membro, como o senhor sabe. Mas não, não tenho nenhuma meta de liderança, sou apenas uma voz. Devemos desarmar, devemos fortalecer a ONU, devemos mudar para uma moeda única, e devemos tornar-nos uma aldeia global.
Rayford e Chloe sentaram-se em silêncio diante do novo aparelho de televisão, com a atenção presa no novo rosto e nas idéias estimulantes de Nicolae Carpathia.
- Que cara! - disse Chloe finalmente. - Desde que eu era menininha que não ouço um político dizer alguma coisa importante, e naquela época eu não entendia nem a metade do que essa gente dizia.
- Ele tem alguma coisa diferente - concordou Rayford. -É estimulante ver alguém que parece não visar a interesses pessoais.
Chloe sorriu.
- Você não está querendo compará-lo com o enganador contra o qual o videoteipe do pastor nos alertou, alguém da Europa que tentará dominar o mundo?
- Claro que não - disse ele. - Não vejo nada de mal ou de egoísmo neste homem. Alguma coisa me diz que o enganador de que falou o pastor se evidenciaria um pouco mais.
- Mas - disse Chloe -, se ele for urn enganador, talvez seja um dos bons.
- Ei, de que lado você está? Esse homem se parece com o anticristo para você?
Ela meneou a cabeça negativamente.
- Ele se parece com um sopro de ar puro para mim. Se ele começasse a forjar seu caminho para o poder, eu ficaria desconfiada, mas como desconfiar de um homem pacifista, satisfeito de ser presidente de um país pequeno? Sua única influência é sua sabedoria, e seu poder está fundamentado em sua sinceridade e humildade.
O telefone tocou. Era Hattie, ansiosa por conversar com Rayford. Ela estava bastante entusiasmada elogiando Carpathia.
- Você viu aquele cara? Ele é tão atraente! Preciso conhecê-lo. Você tem algum vôo programado para Nova York?
- Quarta-feira no final da manhã, e retomo na manhã seguinte. À noite, vamos recebê-la aqui para o jantar, certo?
- Sim, será muito bom, mas, Rayford, você se importaria se eu tentasse trabalhar nesse vôo? Ouvi a notícia de que a morte do redator da revista foi desmentida e ele está em Nova York. Vou ver se posso encontrá-lo e conseguir que ele me apresente a esse Carpathia.
- Você acha que ele o conhece?
- Buck conhece todo mundo. Ele faz todas essas grandes reportagens internacionais. Ele deve conhecê-lo. Mesmo que não o conheça, ficaria satisfeita de rever Buck.
Isto foi um alívio para Rayford. Hattie não teve receio de falar sobre dois jovens que ela estava nitidamente interessada em ver ou encontrar. Ele estava certo de que ela não disse isso apenas para testar seu grau de interesse por ela. Certamente ela sabia que ele não estava interessado em ninguém em razão do desaparecimento tão recente de sua esposa. Rayford perguntou a si mesmo se deveria seguir seu plano de ser honesto com ela. Talvez ele devesse apenas pedir-lhe logo de início que visse o videoteipe do pastor.
- Bem, boa sorte então - disse Rayford um tanto indeciso.
- Mas posso me inscrever para trabalhar em seu vôo?
- Por que você não verifica se seu nome está indicado?
- Rayford!
- O quê?
- Você não me quer em seu vôo? Por quê? Eu disse ou fiz alguma coisa?
- Por que você pensa assim?
- Você pensa que não sei que você rejeitou minha última solicitação?
- Não foi exatamente o que fiz. Eu apenas disse...
- Você pode muito bem ter feito isso.
- Eu disse apenas o que já havia dito a você. Não me oponho a que você trabalhe em meus vôos, mas por que não deixa que as escalas aconteçam naturalmente?
- Você sabe como são essas coisas! Se eu esperar, as possibilidades serão contra mim. Quando me candidato para trabalhar em um vôo, geralmente consigo, por causa da posição que ocupo. O que está acontecendo, Rayford?
- Podemos falar sobre esse assunto quando você vier para o jantar?
- Vamos falar agora. Rayford fez uma pausa, procurando as palavras.
- Veja o que seus pedidos especiais causam às programações, Hattie. Todos os demais têm de ser remanejados para favorecê-la. - É este o motivo? Você está preocupado com "todos os ' demais"?
Ele não queria mentir.
- Em parte - disse ele.
- Isso nunca o incomodou antes. Você costumava me incentivar a candidatar-me para os seus vôos e algumas vezes confirmava comigo para se certificar.
- Eu sei.
- Então, o que mudou?
- Hattie, por favor. Não quero discutir esse assunto por telefone.
- Então me encontre em algum lugar.
- Não posso fazer isso. Não posso deixar Chloe sozinha logo após termos sofrido um assalto.
- Então eu vou até aí. - Já é muito tarde.
- Rayford! Você está me evitando?
- Se eu estivesse evitando você, não a teria convidado para jantar.
- Com sua filha em sua casa? Acho que estou sendo passada para trás.
- Hattie, o que você está dizendo?
- Somente que você desfrutou minha companhia em privacidade, pretendendo que alguma coisa estivesse por acontecer.
- Tenho de admitir isso.
- Sinto muito o que aconteceu a sua esposa, Rayford, sinto realmente. Talvez você esteja se sentindo culpado, apesar de nunca termos feito nada que justificasse essa culpa. Mas não me ponha de lado antes que você tenha uma chance de se recuperar de sua perda e começar a viver novamente.
- Não é isso. Hattie, o que é pôr de lado? Nunca tivemos um caso. Se tivéssemos, por que está tão interessada nesse sujeito da revista e no romeno?
- Todo mundo está interessado em Carpathia - disse ela. - E Buck é o único meio que conheço para chegar até ele. Você não pode pensar que eu tenha alguma intenção a respeito de Buck. Francamente! Um redator de notícias internacionais? Pense bem, Rayford. .
- Não me preocupo se você tiver. Estou apenas querendo saber o que isso tem a ver com nosso suposto caso.
- Você quer que eu não vá a Nova York e esqueça os dois?
- Absolutamente. Não estou dizendo isso.
- Se alguma vez eu sentisse que teria realmente uma chance com você, tentaria segurá-lo, creia-me.
Rayford ficou perplexo. Seus receios e suposições estavam corretos, mas agora ele se sentia defensivo.
- Você nunca pensou que houvesse uma chance?
- Você nunca me deu nenhum indício. Tudo o que eu sabia é que você me achava uma garota bonita, uma companhia agradável, mas não para ser tocada.
- Há alguma verdade nisso.
- Mas você nunca desejou que houvesse alguma coisa mais, Rayford?
- É sobre isso que eu gostaria de falar com você, Hattie.
- Você pode responder agora mesmo. Rayford suspirou.
- Sim, em algumas ocasiões desejei que houvesse alguma coisa mais.
- Bem, aleluia. Meu instinto falhou. Eu tinha desistido, imaginando que você fosse intocável.
- Eu sou.
- Agora você é claro. Posso até entender. Você está sofrendo e provavelmente sofrendo ainda mais porque considerou alguém, além de sua esposa, por um certo tempo. Mas só por causa disso eu não posso voar com você, tomar um drinque com você? Podemos voltar a ser como antes. Não haveria nada de mais, a não ser que exista alguma coisa em sua mente.
- Isto não significa que você não possa falar comigo ou trabalhar comigo quando nossas escalas coincidirem. Se eu não tivesse nada a tratar com você, não a teria convidado para vir aqui.
- Posso entender o que está acontecendo, Rayford. Não venha me dizer que eu não conseguiria ser apenas "sua amiga".
- Talvez isso e um pouco mais.
- Como o quê?
- Simplesmente alguma coisa sobre a qual desejo falar com você.
- E se eu lhe disser que não estou interessada em compromissos sociais? Não espero que você me queira, agora que sua esposa se foi, mas também não quero ser esquecida por você.
- Como você pode ser esquecida por mim se a estou convidando para jantar aqui?
- Por que você nunca me convidou antes? Rayford ficou em silêncio.
- E então? - insistiu ela.
- Teria sido inadequado - murmurou ele.
- E agora também não é inadequado nos encontrarmos?
- Francamente, sim. Mas quero muito falar com você, e não é sobre evitá-la.
- Você acha que a minha curiosidade vai me forçar a ir até aí, Rayford? Veja bem, vou ter de recusar. Vou estar muito ocupada. Queira aceitar minhas desculpas. Surgiu algo importante, inevitável, espero que você compreenda.
- Por favor, Hattie. Nós desejamos realmente que você venha.
- Rayford, não se preocupe. Há muitos vôos para Nova York. Não pretendo fazer nenhuma ginástica para trabalhar em seus vôos. Na verdade, vou me certificar de que estou fora deles.
- Você não tem de fazer isso.
- Claro que vou fazer. Sem ressentimentos. Eu gostaria de conhecer Chloe, mas provavelmente você se sentiria obrigado a dizer a ela que um dia esteve muito inclinado por mim.
- Hattie, você poderia ouvir-me por um segundo? Por favor. -Não.
- Quero que você venha aqui quinta-feira à noite. Tenho, realmente, um assunto importante para dizer-lhe.
- Diga o que é.
- Não por telefone.
- Então não vou.
- Se eu disser o assunto por alto, você virá?
- Depende.
- Bem, tenho uma explicação a respeito dos desaparecimentos, está me ouvindo? Sei o que eles significaram e quero ajudar você a encontrar a verdade.
Hattie ficou em completo silêncio por vários segundos.
- Você não se tornou um fanático, certo?
Rayford teve de pensar um pouco. A resposta era sim, ele certamente se tornara um fanático, mas não diria isso a ela.
- Você me conhece muito bem.
- Pensei que conhecesse.
- Confie em mim, isto é digno de sua atenção.
- Dê-me alguma pista, e vou dizer se quero ou não ouvir.
- Absolutamente não - disse Rayford, surpreso com sua reação. - De jeito nenhum. Só se for pessoalmente.
- Então não vou.
-Hattie!
- Adeus, Rayford.
- Hat...
Ela desligou.


DEZESSEIS


- EU NÃO FARIA isso para ninguém mais - disse Steve Plank depois que ele e Buck agradeceram a Marge e se dirigiram a táxis separados. - Não sei por quanto tempo vou poder mantê-los entretidos e convencê-los de que sou você pretextando ser outra pessoa, por isso não se demore a entrar.
- Não se preocupe.
Steve pegou o primeiro táxi, portando na lapela as credenciais falsas de Buck em nome de George Oreskovich. Ele deveria ir diretamente ao Hotel Plaza, onde confirmaria a entrevista com Carpathia. A esperança de Buck era que .. Sleve fosse imediatamente interceptado e preso como sendo Buck, abrindo assim o caminho para ele entrar. Se Buck fosse abordado por autoridades, ele mostraria sua identidade como Steve Plank. Ambos sabiam que o plano era vulnerável, mas Buck estava disposto a tentar qualquer coisa para evitar ser extraditado e enquadrado pelo assassinato de Alan Tompkins e até mesmo pelo de Dirk Burton.
Buck pediu a seu motorista que esperasse cerca de um minuto depois que Steve tivesse saído do outro táxi para entrar no Plaza. Ele chegou ao hotel no meio de carros da polícia com luzes piscando, uma perua para conduzir presos, vários carros sem emblemas de identificação. Enquanto abria caminho entre os curiosos, os policiais empurravam Steve, algemado com as mãos nas costas, para fora da porta de entrada, descendo os degraus da escada.
- Já lhe disse - resmungava Steve. - O nome é Oreskovich!
- Sabemos quem você é, Williams! Poupe sua garganta.
- Esse não é Cam Williams! - disse um repórter, apontando com o dedo e rindo. - Seus idiotas! Esse é Steve Plank.
- Sim, é isso mesmo - Plank reforçou a informação. - Sou o chefe de Williams, do Semanáriol
- Claro que você é - disse um policial à paisana, forçando-o a entrar num carro sem emblema de identificação.
Buck se desviou do repórter que havia reconhecido Plank, mas, quando entrou no saguão do hotel e pegou um telefone de cortesia para chamar o apartamento de Rosenzweig, outro colega da imprensa, Eric Miller, virou-se para Buck e, pondo a mão sobre o fone em que falava, sussurrou:
- Williams, o que está acontecendo? Os tiras acabam de prender seu chefe alegando que ele era você!
- Faça-me um favor - pediu Buck. - Guarde isso só para você por uma meia hora, pelo menos. Você me deve esse favor.
- Não devo nada a você, Williams - disse Miller. - Mas você parece bem assustado. Dê-me sua palavra de que serei o primeiro a saber o que está acontecendo.
- Tudo bem. Você será o primeiro cara da imprensa que ficará sabendo. Não posso prometer que não vou dizer a outra pessoa.
- Quem?
- Adivinhe.
- Se você está querendo contatar Carpathia, Cameron, pode esquecer. Ficamos tentando a noite inteira. Ele não vai dar mais nenhuma entrevista hoje.
- Ele voltou?
- Voltou, mas está incomunicável.
Rosenzweig atendeu a ligação de Buck.
- Chaim, é Cameron Williams. Posso subir?
Eric Miller pôs seu fone no gancho e se aproximou de Buck.
- Cameron! - disse Rosenzweig. - Não posso me comunicar com você. Primeiro, você está morto, depois você está vivo. Acabamos de receber um telefonema dizendo que você foi preso no saguão para ser questionado sobre um assassinato em Londres.
Buck procurou evitar que Miller detectasse alguma coisa.
- Chaim, tenho de me apressar, estou usando o nome Plank, está bem?
- Vou armar o esquema com Nicolae e receber você em meu apartamento de qualquer maneira. - disse Chaim informando o número a Buck.
Buck pôs o dedo nos lábios para que Miller não fizesse pergunta, mas não pôde se livrar dele. Disparou em direção ao elevador, mas Eric entrou junto. Um casal tentou usar o mesmo elevador.
- Sinto muito, amigos - disse Buck. - Este elevador está com defeito.
O casal saiu, mas Miller continuou. Buck não queria que ele visse o andar em que ia descer, por isso esperou as portas do elevador se fecharem. Em seguida, desligou-o, agarrou Miller pela camisa à altura do pescoço e jogou-o contra a parede do elevador.
- Ouça, Eric, eu disse que informaria a você, em primeira mão, o que está acontecendo aqui, mas, se você der com a língua nos dentes ou me seguir, vou deixá-lo a ver navios, entendeu?
Miller se desvencilhou das garras de Buck e recompôs suas roupas.
- Está bem, Williams! Calma! Fique tranqüilo, cara!
- Sim, eu fico tranqüilo, e você fica bisbilhotando por aí.
- É meu trabalho, rapaz. Não se esqueça disso.
- Meu também, Eric, mas não vou atrás de ninguém. Faço eu mesmo o meu trabalho.
- Você entrevistando Carpathia? Apenas me diga isso.
- Não, estou arriscando minha vida para ver se uma estrela de cinema está no hotel.
- Então é Carpathia mesmo?
- Eu não disse isso.
- Vamos, homem, deixe-me entrar nessa! Farei o que você quiser!
- Você me disse que Carpathia não estava dando nenhuma entrevista esta noite - disse Buck.
- E, ele não está mais querendo dar entrevista, exceto para as redes de TV e rádio, e com isso nunca vou chegar perto dele.
- O problema é seu.
-Williams!
Buck avançou de novo no pescoço de Miller.
- Estou indo! - disse Eric.
Quando Buck chegou ao andar VIP, ficou abismado ao constatar que Miller havia de algum modo passado à sua frente apresentando-se a um guarda uniformizado como Steve Plank.
- O Sr. Rosenzweig está esperando pelo senhor, cavalheiro - disse o guarda.
- Aguarde um instante! - Buck gritou, exibindo as credenciais de jornalista de Steve. - Eu sou Plank. Tire esse impostor daqui.
O guarda pôs as mãos nos ombros de cada um.
- Os dois devem esperar aqui enquanto chamo o detetive do hotel.
Buck disse:
- Chame Rosenzweig e peça-lhe que decida.
O guarda encolheu os ombros e ligou para o apartamento usando um telefone portátil. Miller se inclinou, viu o número e correu em direção ao apartamento. Buck saiu atrás dele ao mesmo tempo em que o guarda desarmado gritava tentando localizar alguém pelo telefone.
Buck, mais jovem e em melhor forma, alcançou Miller e atirou-o ao chão do corredor, fazendo várias portas de hóspedes alarmados se abrirem para ver o que ocorria.
- Vão brigar em outro lugar - vociferou uma mulher. Buck derrubou Miller a seus pés e aplicou-lhe uma gravata por trás, imobilizando-o.
- Você é um palhaço, Eric. Você realmente acha que Rosenzweig permitiria que um estranho entrasse em seu apartamento?
- Consigo entrar em qualquer lugar usando apenas minha lábia, Buck, e você sabe que teria de fazer a mesma coisa.
O guarda os reteve.
- O Dr. Rosenzweig sairá em instantes.
- Tenho apenas uma pergunta para ele - disse Miller.
- Não, não tem - disse Buck. Ele se voltou para o guarda. - Ele não.
- Deixem que o Sr. Rosenzweig decida - respondeu o guarda. Então, de repente, recuou, encostando-se na parede do corredor e puxando Buck e Miller com ele para desobstruir o caminho. Quatro homens de ternos escuros entraram no corredor, escoltando o inconfundível Nicolae Carpathia.
- Queiram desculpar, cavalheiros - disse Carpathia. -Perdoem-me.
- Oh! Sr. Carpathia. Quero dizer Presidente Carpathia -exclamou Miller.
- Como? - disse Carpathia, voltando-se para ele. Os guarda-costas olharam furiosos para Miller. - Oh! olá, Sr. Williams -disse Carpathia, notando a presença de Buck. - Ou devo dizer Sr. Oreskovich? Ou, quem sabe, Sr. Plank? •
O intruso deu um passo à frente.
- Eric Miller, do Mensário Beira-Mar.
- Conheço bem sua revista, Sr. Miller - disse Carpathia -, mas estou atrasado para uma entrevista. Se o senhor me ligar amanhã, falaremos por telefone. Combinado?
Miller parecia desnorteado. Assentiu com a cabeça e retirou-se.
- Parece que ouvi o senhor dizer que seu nome era Plank! -interveio o guarda, fazendo todos sorrirem, exceto Miller.
- Vamos entrar, Buck - disse Carpathia, acenando para que caminhassem juntos. Buck ficou calado. - É assim que o chamam, não é?
- Sim, senhor - respondeu Buck, certo de que nem mesmo Rosenzweig o sabia.
Rayford ficou terrivelmente abalado após a conversa com Hattie Durham. As coisas não poderiam ter sido piores. Por que ele não permitiu que ela trabalhasse em seu vôo? Ela não teria sido nenhum empecilho, e ele poderia ter a chance de expor sua verdadeira e nobre intenção durante o jantar de quinta-feira à noite. Agora ele tinha estragado tudo.
Como Rayford abordaria o assunto com Chloe? Seu verdadeiro motivo, quando falasse com Hattie, era que Chloe também ouvisse. Ela já não tinha visto o suficiente? Não deveria ele estar mais estimulado pela insistência da filha em substituir o videoteipe roubado? Ele perguntou se ela gostaria de acompanhá-lo a Nova York no vôo noturno. Ela respondeu que preferia ficar em casa e começar a procurar uma escola local para freqüentar. Ele quis insistir, mas não ousou.
Depois que Chloe se deitou, Rayford telefonou a Bruce Barnes e contou-lhe sua frustração.
- Você está insistindo demais, Rayford - disse o jovem pastor. - Cheguei a pensar que agora seria mais fácil falar de nossa fé a outras pessoas, mas encontrei o mesmo tipo de resistência.
- É ainda mais difícil quando se trata da própria filha.
- Posso imaginar - disse Bruce.
- Não, você não pode - disse Rayford. Mas está tudo bem.
Chaim Rosenzweig estava hospedado numa bela e ampla suíte de vários quartos e salas. Os guarda-costas ficaram postados bem em frente à porta. Carpathia convidou Rosenzweig e Buck a irem à sala de estar para um encontro exclusivamente dos três. Carpathia tirou o casaco e o estendeu cuidadosamente no encosto do sofá.
- Fiquem à vontade, cavalheiros - disse.
- Eu não preciso estar aqui, Nicolae - sussurrou Rosenzweig.
- Oh! isso é um contra-senso, doutor! Você não se importa, não é, Buck?
- Absolutamente.
- Você não se importa se eu o chamar de Buck?
- Não, senhor, mas costumeiramente só o pessoal da...
- Da sua revista, sim, eu sei. Eles lhe puseram esse apelido porque você é contra as tradições, tendências e convenções, estou certo?
- Sim, mas como...
- Buck, este foi o dia mais incrível da minha vida. Tenho sido tão bem recebido aqui. E as pessoas parecem tão receptivas a minhas propostas. Estou dominado pela emoção. Retornarei a meu país como um homem feliz e satisfeito. Mas não já. Solicitaram que eu permanecesse um pouco mais. Você sabia disso?
- Ouvi dizer.
- Você não acha surpreendente que os diversos encontros internacionais a se realizarem aqui em Nova York durante as próximas semanas serão todos sobre a cooperação universal em que estou interessado?
- Sem dúvida - concordou Buck. - E fui destacado para cobrir todos eles.
- Então poderemos nos conhecer melhor.
- Tenho boas perspectivas a esse respeito, senhor. Fiquei entusiasmado com o que ouvi hoje na ONU.
- Obrigado.
- E o Dr. Rosenzweig falou-me muito sobre o senhor.
- Ele também me falou sobre você.
Alguém bateu à porta. Carpathia demonstrou aborrecimento.
- Achei que não seríamos interrompidos.
Rosenzweig levantou-se cautelosamente e foi nas pontas dos pés até a porta, mantendo uma conversação em voz baixa. Depois voltou e dirigiu-se a Buck:
- Temos de sair por uns dois minutos, Cameron - sussurrou -, para que ele atenda a um importante telefonema.
- Oh! não - disse Carpathia. - Atenderei mais tarde. Este encontro é prioritário para mim...
- Senhor - disse Rosenzweig -, com sua licença... é o presidente.
- O presidente?
- Dos Estados Unidos.
Buck levantou-se imediatamente para deixar a sala acompanhado de Rosenzweig, mas Carpathia insistiu para que ficassem.
- Não sou tão importante a ponto de não poder partilhar tal honra com meu velho amigo e meu novo amigo. Sentem-se!
Eles se sentaram, e Carpathia pressionou a tecla do telefone.
- Aqui fala Nicolae Carpathia.
- Sr. Carpathia, é Fitz. Gerald Fitzhugh.
- Senhor Presidente, sinto-me lisonjeado em ouvi-lo.
- Bem, é um prazer tê-lo entre nós!
- Fico-lhe grato por sua nota de congratulação quando de minha posse na presidência, senhor, e por seu pronto reconhecimento de minha administração.
- Sr. Carpathia, foi surpreendente a forma como o senhor chegou à presidência de seu país. De início, não acreditei no que aconteceu, mas suponho que nem o senhor acreditou.
- É isso mesmo. Ainda estou tentando me acostumar.
- Bem, acredite na experiência de um veterano que ocupa essa posição há seis anos. O senhor nunca vai se acostumar. Vai apenas criar calos nos lugares certos, se é que está me entendendo.
- Sim, Senhor Presidente.
- A razão de meu telefonema é esta: fui informado de que o senhor permanecerá em nosso país por mais algum tempo; portanto, gostaria de convidá-lo a passar uma noite ou duas em minha companhia e de Wilma. O senhor aceita?
- Em Washington?
- Exatamente, aqui na Casa Branca.
- Seria para mim um grande privilégio.
- Indicarei uma pessoa para falar com seus assessores, a fim de fixarmos o dia conveniente, mas acredito que será em breve, uma vez que o Congresso está em sessão, e estou informado de que o senhor será convidado a falar aos parlamentares.
Carpathia meneou a cabeça, e Buck percebeu que ele se emocionou.
- Ficarei muito honrado, senhor.
- E por falar em fatos surpreendentes, seu discurso de hoje e sua entrevista desta noite... bem, foram fenomenais. Será uma honra recebê-lo.
- A honra é mútua, senhor.
Buck estava um pouco menos emocionado que Carpathia e Rosenzweig. Fazia muito tempo que ele deixara de admirar os presidentes dos Estados Unidos, notadamente este, que insistia em ser chamado de Fitz. Buck havia escrito uma matéria sobre Fitzhugh como o Fazedor da Notícia do Ano -, o primeiro trabalho de Buck e a segunda vez que Fitzhugh recebia essa homenagem. Por outro lado, Buck considerava um fato inusitado o presidente ligar para alguém que estava a seu lado naquele momento.
A satisfação pelo telefonema recebido estava estampada no rosto de Carpathia, mas, após desligar, ele mudou rapidamente do assunto.
Buck, quero responder a todas as suas perguntas e proporcionar-lhe o que for necessário para sua matéria. Você tem sido tão bom para Chaim que estou disposto a confiar-lhe um pequeno segredo, que você poderá chamar de "furo jornalístico". Mas, antes de mais nada, você está em grande dificuldade, meu amigo. E desejo ajudá-lo, se estiver ao meu alcance.
Buck não tinha a menor idéia de como Carpathia ficou sabendo que ele estava em apuro. Então não era preciso nem mesmo contar-lhe o problema para recorrer ao seu auxílio? Isso era bom demais para ser verdade. A questão era a seguinte: o que Carpathia sabia, e o que deveria saber?
O romeno sentou à frente de Buck e fixou-o diretamente nos olhos. Isso deu a Buck uma sensação de paz e segurança tão grande que o fez sentir-se livre para dizer a ele toda a verdade. Tudo, até mesmo que seu amigo Dirk lhe contara que alguém se encontraria com Stonagal e Todd-Cothran, e que, na opinião de Buck, esse alguém era Carpathia.
- Era eu mesmo - disse Carpathia. - Mas permita-me que torne isto bem claro. Não estou sabendo de nenhuma conspiração. Nem sequer ouvi falar de tal coisa. O Sr. Stonagal considerou que seria bom para mim um encontro com alguns de seus colegas e homens de influência internacional. Não tenho opinião formada sobre nenhum deles, nem me sinto devedor a eles.
- Vou dizer-lhe uma coisa, Williams. Acredito em sua história. Não o conheço, senão por seu trabalho e sua reputação com pessoas que respeito, como o Dr. Rosenzweig. Mas seu relato tem o timbre da verdade. Fui informado de que você está sendo procurado em Londres pela morte de um agente da Scotland Yard, e que eles têm várias testemunhas que juram ter visto você desviar a atenção de Tompkins, colocar o artefato explosivo no carro e acionar a explosão do interior da taverna.
- Isso é uma loucura.
- Claro, se for verdade que vocês estavam lamentando a morte de um amigo em comum.
- Era isso exatamente o que estávamos fazendo, Sr. Carpathia. E também tentando descobrir a verdade.
Rosenzweig foi novamente atender à porta; em seguida, sussurrou ao ouvido de Carpathia.
- Buck, venha cá - pediu Carpathia, levantando-se e conduzindo-o até a janela, longe de Rosenzweig. - Seu plano de entrar aqui enquanto estava sendo perseguido foi muito engenhoso, mas seu chefe foi identificado e agora eles sabem que você está aqui. Eles pretendem mantê-lo em custódia e extraditá-lo para a Inglaterra.
- Se isso acontecer, e se a teoria de Tompkins estiver correta - disse Buck -, sou um homem morto.
- Você acredita que eles o matarão?
- Eles mataram Burton e Tompkins. Sou muito mais perigoso para eles por ser um jornalista em potencial.
- Se essa trama for como você e seus amigos disseram, Cameron, escrever sobre essa gente, expô-los, não vai proteger você.
- Eu sei. Talvez eu deva fazer isso de qualquer modo. Não vejo outra saída.
- Tenho meios de livrá-lo dessa ameaça.
A mente de Buck começou a girar rapidamente. Era o que ele desejava, mas estava temeroso de que Carpathia não pudesse agir com rapidez suficiente para evitar que ele caísse nas mãos de Todd-Cothran e Sullivan. Será que Carpathia estava mais ligado a essas pessoas do que Buck supunha?
- Senhor, preciso de sua ajuda. Mas sou um jornalista ; em primeiro lugar. Não posso ser comprado nem aceitar barganhas.
- Oh! claro que não. Eu nunca lhe pediria tal coisa. Permita-me dizer-lhe o que pretendo fazer por você. Vou tomar providências para que as tragédias de Londres sejam reexaminadas e reavaliadas, isentando-o de culpa.
- Como o senhor fará isso?
- Faz alguma diferença, se a história for verdadeira? Buck pensou um instante.
- É verdadeira.
- Claro.
- Mas como o senhor fará isso? O senhor tem demonstrado ser urn homem simples, Sr. Carpathia, urn homem modesto. Como pode interferir no que aconteceu em Londres?
Carpathia suspirou.
- Buck, eu disse a você que seu amigo Dirk estava enganado quanto a uma conspiração. É verdade. Eu não durmo com Todd-Cothran nem com Stonagal ou outros líderes internacionais que tive a honra de conhecer recentemente. Contudo, há decisões importantes e ações iminentes que terão efeitos sobre eles, e é meu privilégio ter voz ativa nesses desdobramentos.
Buck perguntou a Carpathia se ele se importaria em sentarem de novo. Carpathia fez um sinal a Rosenzweig para que os deixasse a sós por alguns minutos.
- Veja - disse Buck quando se sentaram -, sou jovem, mas adquiri muita experiência. Sinto que estou prestes a descobrir até que ponto o senhor está envolvido nessa história. Se não se tratar de uma conspiração, trata-se de uma ação organizada. Posso concordar e salvar minha vida, ou posso recusar e aí o senhor deixará que eu me aventure sozinho em Londres.
Carpathia levantou um dos braços e balançou a cabeça.
- Buck, permita-me reiterar que estamos falando de política e diplomacia, não de fraude ou desonestidade.
- Estou ouvindo.
- Primeiro - disse Carpathia -, quero falar um pouco sobre meu passado. Acredito no poder do dinheiro. Você acredita?
- Não.
- Você vai acreditar. Fui um homem de negócios acima da média na Romênia, quando ainda freqüentava a escola secundária. Estudei muitas línguas à noite, aquelas que eu precisava conhecer para ser bem-sucedido. Durante o dia, administrava meus negócios de importação-exportação e consegui tornar-me um homem de dinheiro. Mas o que eu entendia por riqueza era insignificante diante do que se poderia fazer com ela. Aprendi do modo mais difícil. Tomei emprestado milhões de um banco europeu e então descobri que alguém daquele banco informou ao meu maior • concorrente o que eu estava fazendo. Fui derrotado nos negócios, tornei-me inadimplente e enfrentei dificuldades. Então aquele mesmo banco me concedeu um refinanciamento e arruinou meu concorrente. Eu não tinha essa intenção nem queria prejudicar o concorrente. Ele foi usado para que o banco me amarrasse numa transação.
- Esse banco pertencia a um americano influente? Carpathia não respondeu à pergunta.
- O que tive de aprender, em mais de uma década, é quanto dinheiro está lá.
- Lá onde?
- Nos bancos do mundo todo.
- Especialmente os pertencentes a Jonathan Stonagal -insinuou Buck.
Carpathia ainda não quis morder a isca.
- Este tipo de capital significa poder.
- É exatamente contra isso que escrevo.
- E é isso que vai salvar sua vida.
- Sim, estou ouvindo.
- Esse é o tipo de dinheiro que atrai a atenção de um homem. Ele se dispõe a fazer concessões por causa do dinheiro. Começa a vislumbrar a possibilidade de que alguém, um homem mais novo, com mais entusiasmo, vigor e idéias novas assuma o poder.
- Foi o que aconteceu na Romênia?
- Buck, não me insulte. O último presidente da Romênia pediu-me espontaneamente que o substituísse, e o apoio para essa mudança foi unânime dentro do governo e quase totalmente favorável no meio do povo. A situação de todos melhorou.
- O último presidente está fora do poder.
- Ele tem uma grande fortuna.
Buck tinha dificuldade para respirar. O que Carpathia estava insinuando? Buck olhou fixo para ele, meio atordoado, incapaz de se mover, incapaz de reagir. Carpathia continuou.
- O secretário-geral Ngumo preside um país que está morrendo de fome. O mundo está pronto para aceitar meu plano de dez membros no Conselho de Segurança. Estas coisas vão caminhar juntas. O secretário-geral deve dedicar seu tempo aos problemas de Botsuana. Com o incentivo adequado, ele será bem-sucedido. Será um homem feliz, próspero, num país de pessoas prósperas. Mas primeiro ele vai apoiar meu plano para o Conselho de Segurança. Os representantes de cada um dos dez membros formarão uma mescla interessante composta de alguns embaixadores atuais e principalmente de pessoas novas com bons suportes financeiros e idéias progressistas.
- O senhor está me dizendo que se tornará secretário-geral da ONU?
- Eu jamais ambicionarei essa posição, mas como poderia recusar tal honra? Quem poderia virar as costas a uma responsabilidade tão grande?
- Que poder o senhor exercerá perante os representantes de cada um dos dez membros permanentes do Conselho de Segurança?
- Minha função será meramente a de líder colaborador. Você conhece conceito? O indivíduo lidera colaborando, e não ditando normas.
- Permita-me arriscar uma suposição ousada - interveio Buck. - Todd-Cothran terá uma função em seu novo Conselho de Segurança.
Carpathia aprumou-se e recostou-se no sofá, como se estivesse vislumbrando uma nova possibilidade.
- Não seria interessante? - perguntou. - Por que não escolhermos um ilustre especialista em finanças, desvinculado da política, cuja sabedoria e visão ampla permitiram que o mundo passasse a utilizar um sistema de três moedas, um homem generoso a ponto de não incluir nesse sistema a moeda de seu país, a libra esterlina? Ele não teria nenhum impedimento para exercer esse cargo. O mundo teria muito a ganhar com ele, você não acha?
- Suponho que sim - disse Buck, sentindo-se deprimido, como se estivesse sucumbindo a olhos vistos. - A menos que... Todd-Cothran estivesse envolvido em um misterioso suicídio, um carro explodido, esse tipo de coisa.
Carpathia sorriu.
- Eu penso que um homem que ocupa uma posição de potencial internacional como aquela desejaria ter a casa limpa exatamente agora.
- E o senhor poderia realizar isso?
- Buck, você está me superestimando. Estou apenas dizendo que, se você estiver certo, posso tentar impedir uma ação visivelmente antiética e ilegal contra um homem inocente -
_você. Não consigo ver nada de errado nisso.
Rayford Steele nao conseguiu dormir. Por alguma razão, ele estava novamente dominado pela angústia e remorso com a perda de sua esposa e seu filho. Ele levantou-se e ajoelhou-se na beira da cama, enterrando o rosto no lençol do lado em que sua esposa costumava dormir. O cansaço, a tensão e a preocupação a respeito de Chloe nos últimos dias tinha sido tão grandes que a terrível perda já não lhe causava tanto sofrimento no coração, na mente e na alma. Ele acreditava firmemente que sua esposa e seu filho estavam no céu e que viver no céu era infinitamente melhor que viver aqui na terra.
Rayford sabia que tinha obtido o perdão divino por ter zombado de sua esposa, por nunca tê-la ouvido, por ter desprezado Deus durante tantos anos. Estava grato por ter-lhe sido dada uma segunda oportunidade e porque agora tinha novos amigos e urn lugar onde estudar a Bíblia. Mas isso não fazia cessar o doloroso vazio em seu coração, o anseio de abraçar sua esposa e seu filho, beijá-los e dizer-lhes o quanto os amou. Ele orou para que aquela angústia diminuísse, mas algo dentro dele desejava e sentia necessidade de que o sofrimento perdurasse.
De certo modo ele se considerava merecedor desse sofrimento, embora já tivesse aprendido um pouco mais. Estava começando a compreender o perdão de Deus, e Bruce lhe havia dito que ele não precisava continuar sentindo vergonha pelos pecados que cometeu.
Enquanto permanecia ajoelhado, orando e chorando, uma nova angústia invadiu todo o seu ser. Ele não via esperança para Chloe. Todas as suas tentativas de sensibilizá-la haviam falhado. Fazia pouco tempo que ela perdera a mãe e o irmão e menos tempo ainda que ele se convertera. O que mais podia ele dizer ou fazer? Bruce o incentivara a simplesmente orar, mas ele achava que só orar não bastava. Ele oraria, claro, mas sempre havia sido um homem de ação.
Agora, toda ação parecia afastá-la para longe. Ele tinha receio de que, se dissesse ou fizesse qualquer coisa mais, seria responsável pela decisão dela de rejeitar Cristo de uma vez por todas. Rayford nunca se sentira tão frágil e desesperado. Ansiava ter Irene e Raymie a seu lado. Estava desesperado a respeito de Chloe.
Ele ficou orando em silêncio, mas o tormento assomava dentro dele, fazendo-o ouvir o clamor lancinante de sua voz: "Chloe! Oh! Chloe! Chloe!"
Ele chorou amargamente na escuridão silenciosa, repentinamente quebrada por um rangido, parecendo estalos no soalho de madeira, e um leve ruído de passos. Ele voltou-se bruscamente e viu Chloe. A luz fraca e difusa de seu quarto permitiu distinguir a silhueta dela trajando camisola, parada diante da porta. Ele não sabia o que a filha tinha ouvido.
- Você está bem, papai? - perguntou ela com voz branda.
- Sim.
- Pesadelo?
- Não. Sinto ter perturbado você.
- Eu também sinto falta deles - disse ela com voz trêmula. Rayford aprumou-se e sentou-se com as costas apoiadas na cabeceira da cama, estendendo os braços em direção à filha. Ela aproximou-se e sentou-se ao lado dele, descansando a cabeça em seu peito, envolta por seu braço.
- Eu creio que algum dia vou vê-los novamente - disse ele.
- Eu sei - disse ela, sem nenhum desrespeito na voz. - Eu sei que você vai vê-los.



DEZESSETE


APÓS alguns minutos, Chloe deu a Rayford indício de que havia ouvido seu choro.
- Não se preocupe comigo, papai. Eu vou chegar lá.
Chegar aonde? Estaria ela dizendo que sua decisão era apenas uma questão de tempo ou simplesmente que estava superando sua tristeza? Rayford queria muito dizer-lhe que estava preocupado, mas ela sabia disso. A presença de Chloe ali trouxe-lhe conforto, mas, quando ela retornou a seu quarto, ele sentiu-se de novo desesperadamente só.
Ele não conseguia dormir. Desceu a escada nas pontas dos pés e ligou o televisor novo. De Israel, veio uma notícia muito estranha. A tela mostrava um grupo de pessoas em frente do famoso Muro das Lamentações cercando dois homens que pareciam estar gritando.
"Ninguém conhece os dois homens", disse o repórter que cobria a notícia, "que se referem um ao outro como Eli e Moisés. Eles estão aqui diante do Muro das Lamentações desde antes do alvorecer pregando num estilo que lembra claramente os antigos evangelistas norte-americanos. Como seria de esperar, os judeus ortodoxos estão alvoroçados, acusando-os de profanar o lugar santo ao proclamar que Jesus Cristo do Novo Testamento é o cumprimento da profecia de um messias, de acordo com a Torá.
"Até aqui, não houve nenhuma violência, embora os ânimos estejam acirrados, e as autoridades acompanham de perto este incidente. A polícia e o Exército israelenses normalmente se mostram relutantes em intervir nesta área, deixando que os fanáticos religiosos resolvam seus problemas neste lugar. Esta é a situação mais explosiva na Terra Santa desde a destruição da força aérea russa, e esta próspera nação tem estado desde esse último episódio preocupada basicamente com as ameaças externas.
"De Jerusalém, Dan Bennett, em reportagem exclusiva."
Se não fosse pelo adiantado da hora, Rayford teria telefonado a Bruce Barnes. Ele sentou-se diante da televisão sentindo-se parte da família de crentes, à qual aparentemente pertenciam aqueles dois homens em Jerusalém. Isto era exatamente o que havia aprendido, que Jesus era o Messias do Velho Testamento. Bruce havia dito a ele e aos demais participantes do núcleo dirigente da Igreja Nova Esperança que surgiriam brevemente 144 mil judeus que creriam em Cristo e começariam a evangelizar pelo mundo. Seriam aqueles os dois primeiros?
A apresentadora-âncora voltou ao noticiário nacional. "Nova York está ainda alvoroçada acompanhando hoje as várias aparições do novo presidente romeno Nicolae Carpathia. O líder de 33 anos causou boa impressão à mídia numa pequena entrevista jornalística esta manhã, seguida de um vigoroso pronunciamento perante a Assembléia Geral da ONU, tendo sido aplaudido de pé por todo o auditório, inclusive a imprensa. Ao que se anunciou, ele posou numa sessão de fotos para a reportagem de capa da revista People, comentando-se que ele será o primeiro Homem Mais Atraente a aparecer na revista menos de um ano após o último indicado.
"Os assessores de Carpathia anunciaram que ele resolveu estender sua programação para incluir pronunciamentos em vários encontros internacionais em Nova York, durante as próximas duas semanas, e que ele foi convidado pelo presidente Fitzhugh a falar numa sessão conjunta do Congresso, bem como passar uma noite na Casa Branca.
"Numa entrevista à imprensa esta tarde, o presidente manifestou seu apoio ao novo líder."
A imagem do presidente ocupou toda a tela. "Nesta hora difícil da história universal, é fundamental que os amantes da paz e da união entre os povos dêem um passo à frente para relembrar-nos que somos parte de uma comunidade global. Qualquer amigo da paz é um amigo dos Estados Unidos, e o Sr. Carpathia é um amigo da paz."
A rede de televisão transmitiu uma pergunta feita ao presidente: "Presidente, o que o senhor acha das idéias de Carpathia para a ONU?"
"Permitam-me apenas dizer isto: Creio que jamais ouvi, dentro ou fora da ONU, uma pessoa mostrar uma total compreensão da história, da organização e da direção daquela casa. Ele cumpriu seu dever e tem um plano. Eu ouvi com atenção. Espero que os respectivos embaixadores e o secretário-geral Ngumo tenham igualmente ouvido. Ninguém deve entender uma visão nova como uma ameaça. Estou certo de que cada líder no mundo concorda com minha opinião de que precisamos de toda ajuda possível nesta hora."
A apresentadora-âncora continuou: "Ainda de Nova York, chega-nos esta noite a notícia de que um redator do Semanário Global foi inocentado de todas as acusações e suspeita na morte de um investigador da Scotland Yard. Cameron Williams, principal redator do Semanário, ganhador de vários prêmios, tinha sido dado como vítima na explosão de um carro que tirou a vida do investigador Alan Tompkins, que era lambem um conhecido de Williams.
"Os restos de Tompkins foram identificados, e o passaporte o carteira de identidade de Williams foram encontrados entre os destroços após a explosão. A notícia da morte de Williams foi veiculada pelos jornais de todo o país, mas ele reapareceu em Nova York no final desta tarde e foi visto na entrevista à imprensa na ONU, logo depois do pronunciamento de Nicolae Carpathia.
"No início da noite, Williams foi considerado fugitivo internacional, procurado pela Scotland Yard e pela Interpol para um interrogatório relacionado com a citada morte por explosão. Ambas as agências anunciaram que ele tinha sido isentado de todas as acusações e considerado um homem de sorte por ter escapado ileso. Nas notícias de esportes, as equipes da Liga Principal de Beisebol em treinamento para a temporada enfrentam a assustadora tarefa de substituir numerosos atletas perdidos nos desaparecimentos cósmicos..."
Rayford ainda estava sem sono. Ele preparou um café e, em seguida, telefonou para a linha "24-horas", que informa os vôos e as designações dos tripulantes. Ele teve uma idéia.
- Pode dizer-me se ainda existe a possibilidade de Hattie Durham ser escalada para meu vôo a JFK quarta-feira? -perguntou.
- Vou ver se posso - foi a resposta. - Deixe-me ver... hã-hã... negativo! Não é possível. Ela já está escalada para Nova York. O vôo dela é às oito da manhã, e o seu, às dez.
Buck Williams tinha retornado ao seu apartamento depois da meia-noite, após ter sido informado por Nicolae Carpathia que suas preocupações haviam terminado. Carpathia tinha telefonado a Jonathan Stonagal, pressionando a tecla viva-voz para permitir que Buck ouvisse a conversa. O mesmo procedimento foi usado por Stonagal ao fazer a ligação no meio da noite para Londres que livrou Williams. Buck ouviu a voz rouca de Todd-Cothran concordando em ligar para a Yard e a Interpol.
- Mas meu pacote está garantido? - perguntou Todd-Cothran.
- Claro - disse Stonagal.
O mais desconcertante para Buck era que Stonagal fez um trabalho sujo, pelo menos neste caso. Buck lançou um olhar acusador a Carpathia, apesar de seu alívio e gratidão.
- Sr. Williams - disse Carpathia -, eu estava confiante de ' que Jonathan poderia dar um jeito nisso, mas sei tanto quanto você sobre os detalhes.
- Mas isto prova que Dirk estava certo! Stonagal está conspirando com Todd-Cothran, e o senhor sabia disso! E Stonagal prometeu a ele que seu pacote estava garantido, seja lá o que for que isso signifique.
- Buck, asseguro-lhe que nada sabia a este respeito até você me dizer. Não tinha nenhum conhecimento prévio.
- Mas agora já sabe. O senhor aceita, em sã consciência, que Stonagal o ajude a promover-se na política internacional?
- Confie em mim, vou tratar das duas coisas.
- Mas deve haver muitos mais! E quanto aos outros pretensos dignitários que o senhor conheceu?
- Buck, esteja certo de que não há nenhum lugar à minha volta para insinceridade e injustiça. Vou cuidar delas no devido tempo.
- E enquanto isso não acontece?
- O que você aconselharia? Aparentemente, não estou em posição de agir neste momento. Eles parecem ter a intenção de projetar-me, mas, antes disso, nada posso fazer, a não ser o que sua mídia chama "colocar a boca no trombone". Até que ponto posso conviver com essa situação, antes de saber aonde chegam os tentáculos dessa gente? Até pouco tempo atrás, você não teria considerado a Scotland Yard um organismo digno de toda a confiança?
Buck acenou com a cabeça concordando, mas sentia-se desprezível.
- Sei o que o senhor quer dizer, mas odeio isso. Eles sabem que o senhor está a par de tudo.
- Isto pode funcionar a meu favor. Eles podem pensar que estou do lado deles, que estou cada vez mais dependente deles.
- E o senhor não está?
- Apenas temporariamente. Você tem minha palavra. Vou tratar disso. Por ora, estou contente de ter livrado você de uma situação delicadíssima.
- Estou contente também, Sr. Carpathia. Há alguma coisa que posso fazer pelo senhor?
O romeno sorriu.
- Bem, preciso de um assessor de imprensa.
- Estava receoso de que o senhor dissesse isso. Não sou o homem indicado.
- Claro que não. Eu nem sonharia com tal coisa. E, em tom jocoso, Buck sugeriu:
- O que o senhor acha do homem que encontrou no corredor?
Carpathia revelou uma vez mais sua prodigiosa memória.
- Aquele senhor Eric Miller?
- Ele mesmo. O senhor gostaria dele.
- Já pedi a ele que me telefonasse amanhã. Posso dizer-lhe que você o recomendou?
Buck meneou a cabeça.
- Eu estava brincando.
Ele contou a Carpathia o que tinha acontecido no saguão do hotel, no elevador e no corredor, antes de Miller apresentar-se. Nicolae não achou graça naquilo.
- Vou quebrar a cabeça e ver se posso indicar outro candidato para o senhor - assegurou Buck. - Bem, o senhor também me prometeu um furo de reportagem.
- É verdade. É uma informação nova, mas não deve ser anunciada até que eu esteja apto a torná-la realidade.
- Entendo.
- Israel é particularmente vulnerável, como era antes de a Rússia tentar invadi-lo. Eles tiveram sorte aquela vez, mas o restante do mundo inveja sua prosperidade. Precisam de proteção. A ONU pode proporcionar-lhes isso. Em troca da fórmula química que fez o deserto reverdecer, o mundo ficará satisfeito e propenso a garantir-lhes a paz. Se as demais nações se desarmarem e entregarem 10% de seus armamentos à ONU, somente a ONU terá de assinar o acordo de paz com Israel. Seu primeiro-ministro deu ao Dr. Rosenzweig a liberdade de negociar tal acordo, porque ele é o verdadeiro proprietário da fórmula. Eles estão, naturalmente, insistindo nas garantias de proteção durante, no mínimo, sete anos. Buck sentou-se abanando a cabeça.
- O senhor vai ganhar o "Prêmio Nobel da Paz", o título de "Homem do Ano", da revista Time, e o nosso "Fazedor da Notícia do Ano".
- Estas certamente não são minhas metas.
Buck despediu-se de Carpathia acreditando tanto nessas palavras como jamais acreditara em qualquer outra coisa. Aqui estava um homem desvinculado do dinheiro que podia comprar homens de posição inferior.
Em seu apartamento, Buck encontrou outro recado de Hattie Durham. Ele tinha de telefonar para a garota.
Bruce Barnes convocou o núcleo dirigente para uma reunião de emergência na Igreja Nova Esperança na terça-feira à tarde. Rayford foi até lá, esperando que isso valesse seu tempo e que Chloe não se importasse de ficar em casa sozinha. Os dois estavam traumatizados desde o assalto.
Bruce reuniu todos em redor de sua mesa no escritório. Pediu em oração que ele fosse lúcido e objetivo, a despeito de sua agitação, e em seguida pediu que todos abrissem a Bíblia no livro de Apocalipse.
Os olhos de Bruce estavam brilhantes, e sua voz revelava a mesma paixão e emoção de quando ligara para convocar a reunião. Rayford estava curioso por saber o que o havia entusiasmado tanto. Tinha perguntado a Bruce por telefone, mas ele insistiu que ia contar-lhes pessoalmente.
- Não quero retê-los aqui por muito tempo - disse ele -, mas descobri algo muito importante que desejo transmitir a vocês. Quero que todos sejam cautelosos, agindo com a prudência das serpentes e a simplicidade das pombas, como ensina a Bíblia.
- Como vocês sabem, venho estudando o Apocalipse e lendo vários comentários sobre os eventos dos últimos dias. Bem, encontrei hoje nos arquivos do pastor um de seus sermões sobre o tema. Estive lendo a Bíblia e os livros que tratam do assunto, e eis o que descobri.
Bruce levantou a primeira folha de um bloco e mostrou uma escala de datas e respectivos eventos que ele havia anotado.
- Vou separar um tempo nas próximas semanas para doutriná-los criteriosamente, mas pareceu-me, e a muitas pessoas versadas no assunto que viveram antes de nós, que este período da história que estamos atravessando vai durar sete anos. Os primeiros 21 meses abrangem o que a Bíblia chama de os sete Julgamentos Selados, ou os Julgamentos do Livro Selado com Sete Selos. Em seguida, vem outro período de 21 meses, no qual veremos os sete Julgamentos das Trombetas. Nos últimos 42 meses destes sete anos de tribulação, se permanecermos vivos, sofreremos as provações mais severas, os sete Julgamentos das Taças. Esta última metade dos sete anos é chamada a Grande Tribulação. Se permanecermos vivos até o seu final, seremos recompensados pela visão do Aparecimento Glorioso de Cristo.
Loretta levantou a mão.
- Por que você mencionou duas vezes a expressão "se permanecermos vivos"? Que são esses julgamentos?
- Eles se tornarão progressivamente piores, e, se eu estiver lendo corretamente, serão cada vez mais difíceis de suportar. Se morrermos, estaremos no céu com Cristo e com nossos amados familiares, irmãos e amigos que abraçaram a salvação.
Mas poderemos sofrer mortes horríveis. Se, por acaso, atravessarmos esses sete anos de provação, especialmente a segunda metade, o Aparecimento Glorioso será para nós ainda mais glorioso. Cristo voltará para estabelecer seu reino de mil anos na terra.
- O Milênio.
- Exatamente. Bem, temos bastante tempo pela frente e, naturalmente, podemos estar apenas no início do primeiro período de 21 meses. Repetindo: se eu estiver lendo corretamente, o anticristo brevemente chegará ao poder, prometendo paz e tentando unir o mundo.
- O que há de errado em unir o mundo? - perguntou alguém. - Num tempo como este, parece que precisamos nos aproximar.
- Pode não haver nada de errado em tentar unir o mundo, exceto que o anticristo será um grande enganador, e, quando seus verdadeiros propósitos forem revelados, ele sofrerá oposição. Isso causará uma grande guerra, provavelmente a Terceira Guerra Mundial.
- Daqui a quanto tempo?
- Receio que seja logo. Precisamos observar com atenção o novo líder mundial.
- O que você acha do jovem da Europa que é tão popular nos Estados Unidos?
- Estou impressionado com ele - respondeu Bruce. - Terei de ser cauteloso e estudar o que ele diz e faz. Ele parece muito humilde e retraído para enquadrar-se nas características daquele que vai dominar o mundo.
- Mas estamos no momento certo para que alguém faça exatamente isso - comentou um dos participantes mais idosos. - Pessoalmente, gostaria que esse indivíduo fosse nosso presidente.
Vários outros concordaram.
- Precisamos estar de olho nele - acrescentou Bruce. - Mas, por ora, permitam-me apenas resumir brevemente o Livro Selado com Sete Selos de Apocalipse 5, e em seguida poderão ir. Por um lado, não pretendo transmitir a vocês uma sensação de medo, mas todos sabemos que estamos ainda aqui porque negligenciamos a salvação antes do Arrebatamento. Sei que estamos todos gratos por termos uma segunda oportunidade, mas não podemos evitar as provações que virão.
Bruce explicou que os primeiros quatro selos do livro foram apresentados como homens sobre quatro cavalos: um cavalo branco, um vermelho, urn preto e um amarelo.
- O cavaleiro do cavalo branco é aparentemente o anticristo, que inicia com urn a três meses de diplomacia enquanto se organiza e promete paz. O cavalo vermelho significa guerra. O anticristo terá a oposição de três governantes do Sul, e milhões serão mortos.
- Na Terceira Guerra Mundial?
- Esta é minha suposição.
- E isso ocorreria dentro dos próximos seis meses.
- Penso que sim. E imediatamente depois desse período, que terá lugar somente por três a seis meses por causa do arsenal disponível de armas nucleares, a Bíblia prediz inflação e fome -o cavalo preto. Enquanto o rico aumenta sua riqueza, o pobre morre de fome. Outros milhões morrerão nessas condições.
- Assim, se sobrevivermos à guerra, precisaremos estocar alimento?
Bruce assentiu com a cabeça.
- Eu estocaria.
- Devemos trabalhar juntos.
- Boa idéia, porque as coisas vão piorar. Essa fome mortal pode perdurar por um tempo curto, como dois ou três meses antes da chegada do quarto Selo do Julgamento, o quarto cavaleiro montado num cavalo amarelo — símbolo da morte. Além da fome após a guerra, uma praga se espalhará pelo mundo inteiro. Antes do quinto Selo do Julgamento, um quarto da atual população mundial terá sido morta.
- Qual é o quinto Selo do Julgamento?
- Bem - disse Bruce -, você o reconhecerá porque já falamos dele antes. Lembram-se de eu ter falado de 144 mil testemunhas judaicas que tentariam evangelizar o mundo, ganhando pessoas para Cristo? Muitos de seus convertidos, talvez milhões, serão martirizados pelo líder mundial e pela prostituta, que é o nome dado à religião mundial que nega a pessoa de Cristo.
Rayford anotava tudo pressurosamente. Ele se recordava de que três semanas antes considerava tais pensamentos uma insensatez. Como podia ter perdido isso? Deus havia tentado advertir seu povo colocando sua Palavra por escrito durante séculos. Apesar de toda sua educação e inteligência, ele reconhecia ter sido um tolo. Agora ele não tinha condição de assimilar todas aquelas informações, mas tornava-se cada vez mais claro que haveria muito sofrimento para quem sobrevivesse até o Aparecimento Glorioso de Cristo.
- O sexto Selo do Julgamento - continuou Bruce - é o ato de Deus derramando sua ira contra os que martirizaram seus santos. Isto virá em forma de um tremor de terra mundial tão devastador que nem os mais aperfeiçoados aparelhos serão capazes de medi-lo. Essa hecatombe será tão terrível que as pessoas rogarão que as pedras caiam sobre elas para cessar seu sofrimento. Vários dos presentes começaram a chorar.
- O sétimo selo - continuou Bruce - anuncia os Julgamentos das Trombetas, que terá lugar na segunda quarta parte deste período de sete anos.
- O segundo período de 21 meses - esclareceu Rayford.
- Exatamente. Não desejo falar desse período esta noite, mas quero adverti-los que ele será progressivamente pior. Gostaria de prover-lhes um pequeno estímulo. Vocês estão lembrados de que falamos brevemente de duas testemunhas, e eu disse que estudaria isso com mais cuidado? Apocalipse
11.3-14 esclarece que as duas testemunhas especiais de Deus, tom poder sobrenatural para operar milagres, profetizarão durante 1.260 dias, vestidas de pano de saco. Quaisquer pessoas que tentarem causar-lhes danos serão devoradas pelo fogo que sai de suas bocas. Nenhuma chuva cairá durante o tempo em que profetizarem. Elas terão poder para transformar água em sangue e promover o aparecimento de pragas, tantas vezes quanto quiserem.
- Satanás as matará no fim de três anos e meio, e seus corpos ficarão estendidos na rua da cidade em que Cristo foi crucificado. As pessoas que elas atormentaram celebrarão suas mortes, não permitindo que seus corpos sejam sepultados. Mas, depois de três dias e meio, se levantarão dentre os mortos e subirão ao céu numa nuvem, enquanto seus inimigos ficarão observando. Deus enviará outro grande terremoto, um décimo da cidade cairá, e sete mil pessoas morrerão. As restantes ficarão aterrorizadas e darão glória a Deus.
Rayford lançou um olhar em volta do escritório e viu as pessoas murmurando umas às outras. Todos eles tinham visto a notícia de dois homens "maníacos" pregando a respeito de Jesus no Muro das Lamentações, em Jerusalém.
- São eles? - alguém perguntou.
- Quem mais poderia ser? - disse Bruce. - Não chove em Jerusalém desde os desaparecimentos. Não se sabe de onde esses homens vieram. Eles têm o poder miraculoso de santos como Elias e Moisés, e chamam um ao outro de Eli e Moisés. Neste momento, os homens ainda estão pregando.
- As testemunhas.
- Sim, as testemunhas. Se qualquer um de nós ainda abrigava quaisquer dúvidas ou temores, ou sentia-se inseguro sobre o que está acontecendo, essas testemunhas devem acalmá-lo totalmente. Creio que essas testemunhas verão centenas de milhares de convertidos, os 144 mil, que anunciarão Cristo ao mundo. Estamos do seu lado. Temos de fazer nossa parte.
Buck localizou Hattie Durham em casa na terça-feira à noite.
- Então, você está vindo a Nova York? - perguntou ele.
- Sim, e adoraria ver você e talvez ter um encontro com uma pessoa muito importante.
- Você está dizendo um outro além de mim?
- Um bonitão - disse ela. - Você já esteve com Nicolae Carpathia?
-Claro.
- Eu sabia! Conversei com alguém outro dia e disse-lhe que gostaria de encontrar esse homem.
- Não prometo nada, mas vou ver o que posso fazer. Onde podemos nos encontrar?
- Meu vôo chega por volta das 11, e tenho um compromisso às 13 horas no Clube da Pan-Continental. Mas, se não retornar em tempo para esse compromisso, não há problema. Só vou retornar a Chicago na manhã seguinte, e nem mesmo garanti ao cara que o encontraria às 13 horas.
- Outro cara? - perguntou Buck. - Você tem um fim de semana bem agitado.
- Não é nada disso - respondeu Hattie. - É um piloto que quer conversar comigo sobre alguma coisa, e não estou certa de que tenho interesse em ouvir. Se eu voltar e tiver tempo, muito bem. Mas não me comprometi com ele. Por que não nos encontramos no clube e vemos aonde podemos ir depois?
- Vou tentar marcar um encontro com Mr. Carpathia, provavelmente em seu hotel.
Já era tarde na terça-feira à noite quando Chloe mudou de idéia e concordou em ir a Nova York com seu pai.
- Posso perceber que você não está preparado para sair sem mim - disse ela, abraçando-o e sorrindo. - Fico contente por ser necessária.
- A bem da verdade - disse ele - vou insistir num encontro com Hattie e gostaria que você estivesse presente.
- Para proteção dela ou sua?
- Não estou achando graça. Deixei um recado insistindo em que ela me encontre no Clube Pan-Continental, no aeroporto Kennedy, às 13 horas. Se ela vai ou não, não sei. De qualquer modo, você e eu teremos algum tempo juntos.
- Papai, tempo juntos é tudo o que temos tido. Acho que você já deve estar cansado de mim a esta altura.
- Isso nunca vai acontecer, Chloe.
Logo cedo na quarta-feira, Buck foi convocado a comparecer ao escritório de Stanton Bailey, redator-chefe do Semanário Global. Em todos os seus anos de trabalhos premiados, ele tinha estado lá apenas duas vezes. Uma vez, para celebrar seu prêmio Hemingway como correspondente de guerra; outra vez, por ocasião do Natal, quando ganhou uma excursão como prêmio.
Buck passou antes na sala de Steve para vê-lo, quando soube por Marge que ele já estava com o redator-chefe. Seus olhos estavam vermelhos e inchados.
- O que está acontecendo? - perguntou ele.
- Você sabe que não posso comentar nada - disse Marge. - Apenas vá até lá.
A imaginação de Buck ia de um pólo a outro quando chegou ao vestíbulo que dava para o conjunto de salas da diretoria. Ele não havia sido informado de que Plank também tinha sido convocado. O que significava aquilo? Estariam os dois em dificuldade por causa daquela trapaça em que se meteram segunda-feira à noite? O Sr. Bailey teria de algum modo descoberto detalhes do negócio em Londres e como Buck tinha escapado? E naturalmente esperava que essa reunião terminasse em tempo para seu encontro com Hattie Durham.
A recepcionista de Bailey indicou-lhe a entrada para a sala, onde a secretária ergueu ligeiramente a cabeça franzindo a testa e indicou-lhe a porta.
- Você não vai me anunciar? - brincou ele. Ela sorriu afetadamente e voltou ao seu trabalho.
Buck bateu delicadamente e abriu a porta devagar. Plank estava sentado de costas para Buck e não se mexeu. Bailey não se levantou, mas acenou indicando-lhe a cadeira.
- Sente-se ali ao lado de seu chefe - disse Bailey, o que Buck interpretou como uma interessante escolha de palavras. Evidentemente, Steve era seu chefe, mas não costumava exigir que o chamassem dessa forma.
Buck sentou-se e disse:
- Eu o chamo de Steve.
Steve inclinou ligeiramente a cabeça em resposta e continuou olhando para Bailey.
- Duas coisas, Williams - começou Bailey, -, antes de tratarmos de negócios. Você está isento de qualquer coisa que aconteceu no exterior, certo?
Buck concordou com a cabeça e disse:
- Sim, senhor. Não deveria haver nenhuma dúvida.
- Bem, certamente não deveria, mas você teve sorte. Suponho que foi muita esperteza sua dar a entender que a pessoa que o perseguia conseguiu pegá-lo, mas você também nos enganou por algum tempo, como já sabe.
- Sinto muito. Não havia outra maneira.
- E você se livrou do acidente, dando a eles munição para usar contra você, se quisessem incriminá-lo por alguma razão.
- Eu sei. Isso me causou surpresa.
- Mas conseguiu que alguém cuidasse disso.
- Certo.
- Como?
- Perdão, senhor...
- Que parte do "como" você não entendeu? Como você se livrou disso? Temos informação de que houve testemunhas que disseram que você era culpado. - Deve ter havido outros que sabiam a verdade. Tompkins era meu amigo. Eu não tinha nenhum motivo para matá-lo, mesmo que tivesse, não teria meios. Nunca tive a menor idéia de como montar uma bomba nem de como transportá-la ou detoná-la.
- Você deve ter pago alguém para fazer isso.
- Mas não paguei. Não ando nesses círculos e, se andasse, não teria mandado alguém matar.
- Bem, a cobertura da imprensa é um tanto vaga e não nos compromete. Diz apenas que houve um mal-entendido.
- Foi realmente isso.
- Claro que foi. Cameron, quis vê-lo esta manhã porque acabo de aceitar um dos mais desagradáveis pedidos de demissão que já recebi.
Buck ficou em silêncio, com a cabeça girando.
- Steve me disse que será uma novidade para você; portanto, vou direto ao assunto. Ele está se demitindo para aceitar o cargo de assessor internacional de imprensa de Nicolae Carpathia. Recebeu uma proposta que não podemos nem de longe cobrir, e, embora eu não ache prudente ou conveniente, ele acha que sim, e a vida é dele. O que você acha disso? Buck não conseguiu se conter.
- Acho isso uma droga. Steve, aonde você quer chegar? Vai se mudar para a Romênia?
- Meu centro de operação vai ser aqui, Buck. No Plaza.
- Beleza. Steve, esse cargo não serve para você. Você não é um relações-públicas.
- Carpathia não é um líder político comum. Diga-me se não esteve aos pés dele, badalando-o, na segunda-feira.
- Estive, mas...
- Mas coisa nenhuma. Esta é a oportunidade de toda uma vida.
Buck meneou a cabeça.
- Não posso acreditar. Sabia que Carpathia estava procurando alguém, mas...
Steve riu.
- Diga a verdade, Buck. Ele ofereceu a posição primeiro a você, não foi?
- Não.
- Ele me disse que sim.
- Bem, ele não me convidou. Na realidade, recomendei Miller, do Mensário Beira-Mar. Plank encolheu-se e olhou rapidamente para Bailey.
- É verdade?
- Sim, por que não? Ele faz mais o tipo.
- Buck - esclareceu Steve -, o corpo de Eric Miller desapareceu na Staten Island ontem à noite. Ele caiu da balsa durante a travessia e se afogou.
- Bem - disse Bailey sumariamente -, chega de notícias desagradáveis. Steve recomendou você para substituí-lo.
Buck ainda estava tentando absorver a notícia sobre Miller, mas ouviu a proposta.
- Oh! por favor - disse -, o senhor não está falando sério.
- Você não deseja ocupar esse cargo? - perguntou Bailey. -Moldar a revista, determinar a cobertura, continuar escrevendo suas grandes reportagens? Claro que sim. Nessa posição, seu salário será quase dobrado, e, se isto é o que pode fazê-lo concordar, eu lhe garanto.
- Não é isso - disse Buck. - Sou muito jovem para preencher essa função agora.
- Se você acreditasse nisso, não seria tão bom em sua função atual.
- Sim, mas este é o sentimento da equipe.
- O que há com essa gente? - bradou Bailey. - Eles acham que sou muito velho e que Steve é complacente. Outros acham que ele é muito exigente. Esse pessoal reclamaria até mesmo de um santo. Você me entende. Então, como ficamos?
- Eu nunca poderia substituir Steve, senhor. Sinto muito. O pessoal pode ter se queixado, mas sabia que ele era o homem certo nessa posição.
- E assim seria você.
- Mas eles nunca me dariam apoio. Estariam aqui me solapando e se queixando desde o primeiro dia.
- Eu não permitiria isso. Agora, Buck, esta proposta não vai ficar sobre a mesa indefinidamente. Quero que você aceite para que eu possa fazer a comunicação imediatamente.
Buck encolheu os ombros e olhou para o chão.
- Posso ter um dia para pensar?
- Vinte e quatro horas. Nesse ínterim, não diga uma só palavra a quem quer que seja. Plank, alguém mais sabe sobre você?
- Somente Marge.
- Podemos confiar nela. Ela jamais dirá uma palavra. Tivemos um caso durante três anos, e ela nunca abriu a boca.
Steve e Buck pareciam perplexos.
- Bem - disse Bailey -, vocês nunca souberam de nada, certo?
- Não - responderam em uníssono.
- Viram como ela é urn "túmulo"? - disse Bailey, aguardando a reação dos dois. - Estou brincando, rapazes. Estou brincando!
E ficou rindo enquanto eles saíam do escritório.



DEZOITO


BUCK acompanhou Steve a sua sala.
- Você ouviu a notícia sobre aqueles dois malucos no Muro, das Lamentações? - perguntou Steve.
- Não estou interessado nessa história - retrucou Buck. - Sim, ouvi, e não quero trabalhar nessa reportagem. O que isso representa?
- Esta será sua função, Buck. Marge será sua secretária.
- Você não pode pensar que eu queira seu lugar. De início, não posso dar-me ao luxo de perder você, a única pessoa aqui com a cabeça no lugar.
- Incluindo você?
- Incluindo eu, principalmente. Você deve ter interferido na escolha de Bailey, para que ele pense que sou alguma coisa alem de um barril de pólvora em sua equipe.
- Sua equipe.
- Você acha que devo substituí-lo.
- Não tenho dúvida. Não sugeri ninguém mais, e Bailey não tinha outros candidatos.
- Ele teria os candidatos que quisesse, se apenas anunciasse a vaga. Quem não desejaria essa posição, exceto eu?
- Se é uma posição invejável, por que você não quer?
- Eu teria a sensação de estar sentado numa cadeira que é sua.
- Então peça a sua própria cadeira.
- Você sabe o que quero dizer, Steve. Não serei o mesmo sem você. Não sou o homem para o cargo.
- Olhe a coisa por este lado, Buck. Se você não aceitar, não terá nenhuma idéia de quem vai ser seu novo chefe. Há alguém nesta equipe com quem você desejaria trabalhar?
- Sim, você.
- Impossível. Vou ficar aqui até amanhã. Agora, falando sério, você gostaria de ter Juan como chefe?
- Você não o recomendaria.
- Não vou recomendar ninguém além de você. Bem, se você não aceitar o cargo, vai selar seu destino. Vai acabar trabalhando para um colega que tem ressentimentos a seu respeito. Quantos trabalhos "quentes" você acha que ele vai atribuir a você?
- Se eu for perseguido, vou ameaçar ir para a Time ou para outro lugar. Bailey não permitiria que isso acontecesse.
- Se você recusar uma promoção, ele até pode fazer que isso aconteça. Dar as costas ao progresso não é um bom sinal em qualquer carreira.
- Eu apenas quero escrever.
- Diga-me sinceramente quantas vezes você pensou em chefiar este departamento editorial melhor do que eu.
- Muitas.
- Pois aqui está sua chance.
- Bailey jamais iria tolerar que eu designasse a mim mesmo para as melhores reportagens.
- Faça disso uma condição para aceitar. Se ele não gostar, a decisão será dele, não sua.
Pela primeira vez, Buck permitiu que uma réstia de luz entrasse em sua mente no tocante à possibilidade de ocupar o posto de editor-executivo.
- Ainda não consigo acreditar que você vai nos deixar para ser um assessor de imprensa, Steve. Mesmo que seja para • trabalhar com Nicolae Carpathia.
- Você sabe o que está reservado para ele, Buck?
- Um pouco.
- Há um oceano de poder, influência e dinheiro atrás dele, que vai colocá-lo no mais elevado posto mundial de poder tão rapidamente que fará a cabeça de muita gente girar.
- Ouça o que diz seu coração. Você nasceu para ser jornalista.
- Já ouvi, Buck. Eu não aceitaria trabalhar como assessor de imprensa nem para o presidente dos Estados Unidos nem para o secretário-geral da ONU.
- Você acha que ele vai ser maior do que todos.
- O mundo está pronto para Carpathia, Buck. Você esteve lá segunda-feira. Você viu. Você ouviu. Alguma vez conheceu alguém como ele?
-Não.
- E jamais conhecerá outro igual. Se você me perguntasse, eu diria que a Romênia é muito pequena para ele. A Europa é muito pequena para ele. A ONU é muito pequena para ele.
- O que ele vai ser, Steve, rei do mundo? Steve riu.
- Este não será o título, mas não o menospreze. A melhor parte de tudo é que ele não está consciente de seu potencial. Ele não está à procura dessas funções. Elas foram oferecidas por causa de seu intelecto, seu poder, sua paixão.
- Você sabe, naturalmente, que Stonagal está por trás dele.
- Sei, claro. Mas ele brevemente vai suplantar Stonagal em influência por causa de seu carisma. Stonagal não pode aparecer muito, por isso nunca terá as massas atrás dele. Quando Nicolae chegar ao poder, ele terá, em essência, jurisdição sobre Stonagal.
- Não seria sensacional?
- Sei que vai acontecer mais cedo do que alguém pode imaginar, Buck.
- Exceto você, naturalmente.
- É exatamente o que sinto. Você sabe que sempre tive bons instintos. Estou certo de estar assistindo de perto a uma das maiores ascensões ao poder da história da humanidade. Talvez a maior de todas. E estarei lá ajudando a acontecer.
- O que você acha dos meus instintos, Steve? Steve apertou os lábios.
- Além de suas redações e reportagens, seus instintos são os que mais ambiciono.
- Então fique tranqüilo. Meu sentimento, em essência, é o mesmo que o seu. E, embora não possa jamais ser assessor de imprensa de qualquer pessoa, chego a invejá-lo. Você está em posição privilegiada para desfrutar pelo resto da vida.
Steve sorriu.
- Vamos manter contato. Você sempre terá acesso, a mim e a Nicolae.
- Não posso pretender mais do que isso.
Marge interrompeu pelo interfone, sem antes dar o sinal.
- Ligue sua TV agora, Steve, ou a TV de outra pessoa. Steve sorriu para Buck e ligou na estação mais importante.
Ela estava transmitindo ao vivo de Jerusalém, onde dois homens tentaram atacar os pregadores no Muro das Lamentações. O repórter Dan Bennett aparecia na tela.
"Foi uma confrontação muito feia e perigosa para aqueles dois que estão sendo chamados de profetas hereges, conhecidos como Moisés e Eli", relatou Bennett. "Sabemos seus nomes porque eles se referem um ao outro desta forma, mas não tivemos condições de localizar alguém que saiba alguma coisa mais sobre eles. Não conhecemos seus sobrenomes, nem suas cidades de origem, nem familiares ou amigos. Eles falam um de cada vez - ou pregam, como vocês preferirem - durante horas, continuando a afirmar que Jesus Cristo é o Messias. Eles proclamam repetidamente que os desaparecimentos ocorridos em todo o mundo na última semana, incluindo muitos aqui em Israel, evidenciam o Arrebatamento da Igreja de Cristo.
"Um entrevistador perguntou-lhes por que eles não tinham desaparecido, se sabiam tanto. Um deles, Moisés, respondeu, e vou repetir aqui: 'De onde viemos e para onde vamos, vocês não podem saber.' Seu companheiro, afirmou: 'Na casa de meu Pai há muitas morada, aparentemente uma citação atribuída a Cristo no Novo Testamento."
Steve e Buck trocaram olhares.
"Cercados pelos zelotes, ou fanáticos, na maior parte do dia, os pregadores foram finalmente atacados há poucos momentos por dois homens de aproximadamente 25 anos. Observe a gravação à medida que nossas câmeras focalizavam a ação. Vocês podem vê-los atrás da multidão, tentando abrir caminho. Ambos estão usando vestes longas com capuzes e barba. Vocês podem ver que eles exibem armas à medida que surgem no meio da multidão.
"Um deles tem uma arma automática, como uma metralhadora curta, e o outro, um sabre-baioneta, que parece ler sido tirada de um rifle militar israelense. O que está portando o sabre-baioneta coloca-se à frente, exibindo sua arma para Moisés. Eli, atrás de Moisés, dobra imediatamente os joelhos, o rosto voltado para o céu. Moisés pára de falar e simplesmente olha para o homem, que parece drogado. Ele fica estendido no solo enquanto o homem com a metralhadora aponta a arma para os pregadores e parece acionar o gatilho.
"Não houve nenhum som de tiro quando a metralhadora foi acionada, e o agressor parece tropeçar em seu parceiro, ficando ambos inertes no chão. O grupo de espectadores afastou-se e correu para abrigar-se, mas olhem de novo com atenção enquanto voltamos as imagens. Aquele que está com a metralhadora parece ter caído espontaneamente, sem nenhuma ação visível.
"Enquanto falamos, os dois agressores estão estendidos aos pés dos pregadores, que continuam a pregar. Espectadores ' irados exigem que os agressores sejam socorridos, e Moisés está falando em hebraico. Vamos ouvir e traduzir simultaneamente enquanto prosseguimos.
"Ele está dizendo: 'Homens de Sião, carreguem seus mortos! Removam de nossa frente estes chacais que não têm poder sobre nós!'
"Uns poucos da multidão se aproximam com esse propósito, enquanto os soldados israelenses se ajuntam na entrada que dá acesso ao Muro. Os zelotes acenam a eles para que se afastem. Eli está falando:
'Vocês que ajudam os caídos não correm perigo, a menos que se oponham aos ungidos do Altíssimo, referindo-se aparentemente a si mesmo e ao seu companheiro. Os agressores estendidos no chão estão sendo virados de costas, e os que os socorrem estão chorando, gritando e afastando-se. 'Mortos! Ambos estão mortos!, exclamam eles, e agora a multidão parece desejar que os soldados entrem no recinto. Eles estão abrindo espaço para que os soldados avancem. Os soldados estão, naturalmente, fortemente armados. Se vão tentar prender os estranhos, não sabemos, mas, pelo que vimos, os dois pregadores nem atacaram nem se defenderam contra os homens estendidos no chão.
"Moisés está novamente falando: 'Levem daqui seus mortos, mas não se aproximem de nós, diz o Senhor Deus dos Exércitos!' Isto ele disse com tal sonoridade e autoridade que os soldados rapidamente levaram os corpos embora. Voltaremos a dar qualquer notícia sobre os dois homens que tentaram atacar os pregadores aqui no Muro das Lamentações, em Jerusalém. Neste momento, os pregadores continuam proclamando em voz alta: 'Jesus de Nazaré, nascido em Belém, Rei dos Judeus, o escolhido, regente de todas as nações.'
"De Israel, falou Dan Bennet."
Marge e mais alguns funcionários foram até a sala de Steve durante a transmissão.
- Que dupla de doidos! - comentou alguém.
- Qual das duplas? - perguntou Buck. - Você não vai dizer que os pregadores, quem quer que eles sejam, não os advertiram.
- O que está acontecendo por lá? - outro perguntou.
- Tudo o que sei - disse Buck - é que ali acontecem coisas que ninguém pode explicar.
Steve ergueu as sobrancelhas.
- Se você acredita no parto virginal de Maria, sabe que o que acabou de dizer é uma realidade há muitos séculos.
Buck levantou-se.
- Tenho de ir até o aeroporto Kennedy - disse.
- O que você vai decidir a respeito do convite para a nova função?
- Tenho 24 horas, lembra-se?
- Não use todo esse tempo. Se você responder muito depressa, vai parecer ansioso; se demorar, indeciso.
Buck sabia que Steve estava com a razão. Ele teria de aceitar a promoção para proteger-se de outros pretendentes. Não queria ficar obcecado com isso o dia inteiro. Buck estava contente pela distração reconfortante de rever Hattie Durham. Sua única dúvida agora era se poderia reconhecê-la. Eles se conheceram sob circunstâncias extremamente traumáticas.
Rayford e Chloe chegaram a Nova York poucos minutos depois do meio-dia de quarta-feira e foram diretamente ao Clube Pan-Continental para esperar por Hattie Durham.
- Estou apostando que ela não vai aparecer - disse Chloe.
- Por quê?
- Porque, no lugar dela, eu não apareceria.
- Você não é ela, graças a Deus.
- Oh! não a diminua, papai. O que faz você sentir-se melhor que os outros?
Rayford sentia-se horrível. Chloe estava certa. Por que deveria ele desvalorizar Hattie simplesmente por ela às vezes parecer incompreensível? Isso não o aborrecia quando ele a via somente como um passatempo físico. E agora, só pelo fato de ela ter sido grosseira ao telefone e nunca ter confirmado seu último convite para se encontrarem hoje, ele a tinha qualificado como menos desejável ou menos digna.
- Não me sinto melhor que ninguém - admitiu ele. - Mas por que você não apareceria, se fosse ela?
- Porque eu teria idéia do que você faria. Você irá dizer-lhe que não tem mais os mesmos sentimentos por ela, mas que agora se preocupa com a alma dela.
- Você está fazendo com que isso pareça trivial.
- Por que deveria impressioná-la dizendo que se preocupa com sua alma, quando ela pensa que você costumava interessar-se por ela como pessoa?
- É exatamente isto, Chloe. Nunca estive interessado nela como pessoa.
- Ela não sabe disso. Pelo fato de você ter sido tão sério e cuidadoso, ela achava que você era melhor do que a maioria dos homens, que simplesmente seriam mais objetivos e agressivos. Estou certa de que ela se sente desconfortável a respeito de mamãe e, provavelmente, compreende que você está psicologicamente impedido de começar um novo relacionamento. Mas você não pode estragar o dia dessa moça atribuindo-lhe qualquer culpa.
- Mas, de qualquer modo, foi culpa dela.
- Não, não foi, papai. Ela estava disponível, e você não, apesar de ter sinalizado que era um homem livre. Neste tipo de jogo, hoje em dia, ambos têm chances iguais.
Ele meneou a cabeça.
- Talvez seja esta a razão por que nunca fui bom nesse jogo.
- Estou contente, pela memória de mamãe, por você nunca ter sido.
- Então, você acha que não devo deixá-la ressentida como está, ou falar com ela sobre Deus?
- Você já a deixou ressentida, papai. Ela imaginou o que você ia dizer, e você o confirmou. É por este motivo que digo que ela não virá. Ela ainda está magoada. Provavelmente furiosa.
- Oh! ela estava furiosa, tem razão.
- Então o que faz você pensar que ela vai aceitar sua conversa fiada sobre o céu?
- Não é conversa fiada! De qualquer modo, isso não prova que agora me preocupo com ela de um modo genuíno e decente?
Chloe levantou-se para pegar um refrigerante. Quando voltou e sentou-se mais perto do pai, ela colocou a mão em seu ombro.
- Não quero parecer uma sabichona - disse ela. - Sei que você tem mais que o dobro da minha idade, mas permita-me dar-lhe uma idéia de como uma mulher pensa, especialmente uma como Hattie. Está bem?
- Sou todo ouvidos.
- Ela tem algum antecedente religioso?
- Creio que não.
- Você nunca lhe perguntou? Ela nunca disse?
- Nenhum de nós jamais deu atenção a esse assunto.
- Você nunca se queixou a ela da obsessão de mamãe, como você às vezes fazia comigo?
- Sim, cheguei a pensar nessa possibilidade. Naturalmente, estava tentando usar isso para provar que sua mãe e eu não estávamos nos entendendo.
- Mas Hattie não disse alguma coisa sobre suas idéias a respeito de Deus?
Rayford procurava se lembrar.
- Você sabe, acho que ela disse alguma coisa como se estivesse apoiando as idéias de Irene ou se simpatizando com elas.
- Isto faz sentido. Mesmo que tivesse desejado ficar entre vocês dois, ela queria estar segura de que você é quem ergueria uma parede entre você e mamãe, não ela.
- Não estou entendendo.
- De qualquer modo, este não é o ponto aonde quero chegar. O que estou querendo dizer é que você não pode esperar que alguém que nem sequer freqüenta igreja seja receptiva acerca do céu e de Deus. Eu estou encontrando dificuldade de lidar com esse assunto, apesar de amar você e saber que ele se tornou a coisa mais importante de sua vida. Você não pode pretender que ela tenha qualquer interesse, especialmente se isso for interpretado por ela como uma espécie de prêmio de consolação.
- Por?
- Por perder sua atenção.
- Mas agora minha atenção é mais pura, mais genuína!
- Para você, talvez. Para ela, isso vai se tornar muito menos atrativo do que a possibilidade de ter alguém que possa amá-la e estar presente em sua vida.
- Isso é o que Deus vai fazer por ela.
- Para você, estas palavras passaram a ser verdadeiras. Estou simplesmente lhe dizendo, papai, que ela não vai querer ouvi-las neste momento.
- E se ela aparecer aqui? Não devo tocar no assunto?
- Não sei. Se ela vier, pode significar que ela ainda está esperando que haja uma chance com você. Há?
- Não.
- Então você tem o dever de tornar isso claro. Mas não seja tão enfático, nem queira aproveitar esta oportunidade para vender a ela...
- Pare de falar sobre minha fé como algo que estou querendo vender ou atirar a ela.
- Perdão. Estou apenas tentando refletir como isso vai soar para ela.
Agora Rayford não tinha nenhuma idéia sobre o que dizer ou fazer em relação a Hattie. Ele tinha receio de que sua filha estivesse certa. O que Chloe acabara de dizer o fez ver com clareza o que se passava na mente dela. Bruce Barnes tinha dito a ele que em sua maioria as pessoas são cegas e surdas para a verdade até encontrá-la; agora ele entendia tudo. Como poderia ele contestar? Era exatamente o que tinha acontecido com ele.
Hattie correu ao encontro de Buck quando ele chegou ao clube por volta das 11 horas. Sua expectativa de quaisquer possibilidades em relação a Hattie se dissiparam quando a primeira coisa que ela disse foi:
- E então, vou encontrar-me com Nicolae Carpathia? Quando Buck prometera tentar apresentá-la a Nicolae, ele não tinha a intenção de levar adiante a idéia. Agora, depois de ouvir Steve exagerar a respeito da grandiosidade de Carpathia, ele considerava perda de tempo perguntar-lhe se podia apresentar uma amiga, uma fã. Ele ligou para o Dr. Rosenzweig.
- Doutor, eu me sinto um tanto idiota por fazer-lhe este pedido, e talvez seja melhor o senhor dizer não, que ele está muito ocupado. Sei que ele está sobrecarregado e esta garota não é uma pessoa importante que ele precise conhecer.
- É uma garota?
- Bem, uma jovem. Ela é aeromoça.
- Você quer que ele conheça uma aeromoça?
Buck não sabia o que dizer. Essa reação era exatamente o que ele temia. Enquanto hesitava, ouviu Rosenzweig cobrir o fone com a mão e chamar por Carpathia.
- Doutor, não! Não peça isso a ele! - gemeu Buck.
Mas Rosenzweig pediu e retomou a conversa com Buck:
- Nicolae diz que qualquer amigo seu é amigo dele. Ele dispõe de pouquíssimo tempo, apenas alguns minutos, agora, imediatamente.
Buck e Hattie saíram depressa em direção ao Plaza num táxi. Buck percebeu imediatamente quão desajeitado se sentia e quão envergonhado estava com esse incidente. Apesar da boa reputação que desfrutava com Rosenzweig e Carpathia como jornalista internacional, seu conceito ficaria para sempre manchado. Ele seria conhecido como o oportunista que arrastou uma fã para apertar a mão de Nicolae.
Buck não conseguia esconder seu desconforto e, no elevador, ele disse sem pensar:
- Ele realmente tem apenas um segundo, por isso não podemos nos alongar.
Hattie olhou para ele.
- Sei como lidar com pessoas importantes, você sabe - disse ela. - Eu muitas vezes as atendo nos vôos.
- Claro que sei.
- Quero dizer, você se sente embaraçado por minha causa ou...
- Não é nada disso, Hattie.
- Se você acha que não vou saber como me comportar...
- Sinto muito. Estou apenas pensando na agenda dele.
- Bem, neste momento estamos dentro de sua agenda, não estamos?
Ele suspirou.
- Suponho que sim.
Por que, oh! por que eu me envolvo nessas coisas?
No vestíbulo, Hattie parou diante de um espelho e apurou sua imagem. Um guarda-costas abriu a porta, acenou para Buck e mediu Hattie da cabeça aos pés. Ela não deu atenção a ele e esticou o pescoço para localizar Carpathia. O Dr. Rosenzweig surgiu na sala de estar.
- Cameron - disse ele -, venha até aqui, por favor.
Buck desculpou-se com Hattie, que não parecia nem um pouco à vontade. Rosenzweig puxou-o de lado e sussurrou:
- Nicolae quer saber se você pode falar com ele primeiro. Lá vou eu, pensou Buck, lançando a Hattie urn rápido olhar, como que se desculpando, e assinalando com o dedo para indicar que não demoraria. Carpathia vai pedir minha cabeça por tomar seu tempo.
Ele encontrou Nicolae em pé a um metro do televisor assistindo ao noticiário. Seus braços estavam cruzados, o queixo apoiado numa das mãos. Ele olhou rapidamente para Buck, que esperava à porta, fazendo-lhe sinal para entrar. Buck fechou a porta, sentindo-se como um aluno do curso primário entrando na sala do diretor. Mas Nicolae não fez referência a Hattie.
- Você viu o que está acontecendo em Jerusalém? - indagou. Buck sinalizou positivamente.
- A coisa mais estranha que já vi.
- Não para mim - retrucou Buck.
- Não?
- Eu estava em Tel-Aviv quando a Rússia atacou o país. Carpathia estava com os olhos pregados na tela enquanto a emissora reprisava as cenas do ataque contra os pregadores e a queda ao chão dos pretensos assassinos.
- Sim - resmungou. - Deve ter sido algo parecido com isso. Algo inexplicável. Ataques cardíacos, dizem.
- Como?
- Os agressores morreram de ataque cardíaco.
- Não estou sabendo.
- Sim. E a metralhadora não foi disparada. Estava perfeita e com toda a carga de munição.
Nicolae parecia aterrorizar-se diante das imagens. Ele continuou olhando enquanto falava.
- Gostaria de saber sua reação à minha escolha do assessor de imprensa.
- Fiquei atordoado.
- Foi o que imaginei. Veja isto. Os pregadores em nenhum momento tocaram neles. Qual é a probabilidade? Eles estavam apavorados diante da morte, foi isso?
A pergunta era retórica. Buck não respondeu.
- Hã, hã, hã - exclamou Carpathia -, é sem dúvida muito estranho. Acredito que Plank pode desempenhar bem seu novo trabalho, concorda?
- Certamente. Espero que o senhor saiba que mutilou o Semanário.
- Ah! Eu o fortaleci. Que melhor meio de ter a pessoa que desejo no topo?
Buck estremeceu, aliviando-se quando Carpathia finalmente desviou a atenção da TV.
- Isto me faz sentir exatamente como Jonathan Stonagal manobrando pessoas e posições - disse Carpathia, rindo, e Buck ficou satisfeito ao notar que ele estava brincando.
- O senhor soube o que aconteceu a Eric Miller? - perguntou Buck.
- Seu amigo do Mensário Beira-Mar? Não. O quê?
- Afogou-se na noite passada. Carpathia mostrou-se chocado.
- Não me diga! Que coisa terrível!
- Ouça, Sr. Carpathia.
- Buck, por favor. Queira chamar-me de Nicolae.
- Não sei se me sentiria à vontade chamando-o desse modo. Eu queria desculpar-me por trazer esta jovem para conhecê-lo. Ela é apenas uma aeromoça, e...
- Ninguém é insignificante - disse ele, segurando o braço de Buck. - Todos têm o mesmo valor, independentemente de sua posição.
Carpathia conduziu Buck até a porta, insistindo em que ele a apresentasse. Hattie foi moderada e reservada, embora tenha dado uma risadinha quando ele a beijou em ambas as faces. Ele fez perguntas sobre ela, sua família, seu trabalho. Buck indagava-se se Carpathia tinha feito algum curso sobre como fazer amigos e influenciar pessoas.
- Cameron - sussurrou o Dr. Rosenzweig. - Telefone. Buck atendeu em outra sala. Era Marge.
- Imaginei que você pudesse estar aí - disse ela. - Acabo de receber um telefonema de Carolyn Miller, esposa de Eric. Ela está muito transtornada e quer falar com você.
- Não posso ligar para ela daqui, Marge.
- Bem, telefone para ela logo que tiver um minuto.
- O que está acontecendo?
- Não tenho nenhuma idéia, mas ela parecia estar desesperada. Aqui está o número do telefone.
Quando Buck reapareceu, Carpathia e Hattie despediam-se. Ele beijou-lhe a mão.
- Estou encantado - disse ele. - Obrigado, Sr. Williams. E Srta. Durham, será um prazer para mim se nossos caminhos se cruzarem novamente.
Buck a conduziu para fora e notou que ela estava tomada de emoção.
- Ele é uma pessoa diferente, hein? - disse ele.
- Ele me deu seu número de telefone! - disse ela, com voz estridente.
- O número de seu telefone?
Hattie mostrou a Buck o cartão de visita que Nicolae tinha dado a ela. Lá estava seu título como presidente da República da Romênia, mas seu endereço não era o de Bucareste, como seria de esperar. Era do Hotel Plaza, número da suíte, telefone, etc. Buck ficou sem fala. Carpathia tinha escrito a lápis outro número de telefone, não do Plaza, mas também de Nova York. Buck memorizou o número.
- Podemos comer alguma coisa no Clube Pan-Continental -disse Hattie. - Eu na verdade não quero ver esse piloto, mas penso que vou encontrá-lo, somente para me vangloriar de ter conhecido pessoalmente Nicolae.
- Oh! agora é Nicolae, hein? - controlava-se Buck, ainda agitado e confuso por causa do cartão de visita de Carpathia. -Tentando deixar alguém enciumado?
- Mais ou menos - disse ela.
- Dê-me um minutinho, por favor - disse Buck -, preciso dar um telefonema antes de retornarmos.
Hattie esperou no saguão enquanto Buck se desviava de pessoas que lotavam todo o espaço até encontrar uma cabina telefônica disponível e ligar para Carolyn Miller. Ela parecia arrasada, como se tivesse chorado por muito tempo e sem dormir, o que deveria ser verdade.
- Oh! Sr. Williams, agradeço seu telefonema.
- Pois não, senhora, sinto muito sua perda. Eu...
- Está lembrado de que nos conhecemos?
- Desculpe-me. Por favor, ajude-me a lembrar.
- No iate presidencial, no verão de dois anos atrás.
- Ah! sim, certamente! Perdoe-me.
- Sr. Williams, meu marido telefonou-me na noite passada, antes de entrar na balsa. Ele me disse que tinha em vista uma grande reportagem no Plaza quando se encontrou com o senhor.
- É verdade.
- Ele me contou uma história maluca a respeito de uma briga que teve com o senhor ou algo parecido sobre uma entrevista com esse presidente romeno que falou na...
- É verdade também. Não foi nada sério. Apenas um desentendimento. Não ficou nenhum ressentimento.
- Foi o que entendi. Mas essa foi a última conversa que tive com ele, e isso está me deixando louca. O senhor sabe como estava fria a noite passada?
- Um frio cortante, como me recordo - disse Buck, confuso com a brusca mudança de assunto.
- Frio, senhor. Muito frio para estar do lado de fora da balsa, o senhor não acha?
- Sim, madame.
- E mesmo que estivesse do lado de fora, ele era um bom nadador. Foi campeão na escola secundária.
- Com todo o respeito, madame, mas isso deve ter sido... o que... uns trinta anos atrás?
- Mas ele era ainda bom nadador. Acredite em mim. Eu sei.
- O que está querendo dizer, Sra. Miller?
- Não sei! - exclamou ela, chorando. - Eu apenas tinha esperança de que o senhor pudesse esclarecer alguma coisa. Quero dizer, ele caiu da balsa e se afogou? Isso não faz sentido!
- Para mim também não, madame, e gostaria de poder ajudar. Mas não posso.
- Eu sei - disse ela. - Eu estava apenas com esperança de que pudesse.
- Madame, alguém está com a senhora, cuidando da senhora?
- Sim, estou amparada. Minha família está aqui.
- Estarei com meus pensamentos voltados para a senhora.
- Obrigada.
Buck avistou Hattie quieta, séria, pensativa. Ela parecia bastante paciente. Ele ligou para um amigo da companhia telefônica.
- Alex! Faça-me um favor. Você ainda pode informar a quem pertence um telefone, se eu lhe der o número?
- Contanto que não diga a ninguém mais, vou consultar.
- Você me conhece, homem.
- Diga o número.
Buck recitou o número que havia guardado na memória ao ver o cartão de visita que Carpathia dera a Hattie. Alex voltou com a informação em poucos segundos, lendo os dados na tela do computador.
- Nova York, ONU, escritórios administrativos, escritório do secretário-geral, não listado, linha confidencial, fora do painel de comando das telefonistas e da mesa da secretária. Está bem?
- Ótimo, Alex. Fico lhe devendo mais esta.
Buck estava perdido. Ele não conseguia fazer com que as coisas encaixassem. Correu até Hattie.
- Vou precisar de mais um minuto - disse a ela. - Você se incomoda?
- Não. Desde que eu possa estar de volta às 13 horas. Sem levar em conta o tempo que o piloto pode esperar. Ele veio com sua filha.
Buck retornou à cabina telefônica, contente por não ter interesse em competir com Carpathia ou com esse piloto para, ganhar o afeto de Hattie Durham. Ele telefonou para Steve. Marge atendeu, e Buck falou rapidamente com ela.
- Ei, sou eu. Preciso falar com Plank imediatamente.
- Bem, tenha um bom dia - disse ela, e em seguida pôs Steve na linha.
- Steve - disse Buck apressado -, seu garoto acaba de cometer seu primeiro erro.
- Do que você está falando, Buck?
- Seu primeiro trabalho deverá ser anunciar Carpathia como o novo secretário-geral?
Silêncio.
- Steve? E então?
- Você é um bom repórter, Buck. O melhor. Como isso vazou?
Buck falou-lhe do cartão de visita.
- Caramba! Isso não parece ser coisa de Nicolae. Não posso imaginar que tenha sido um descuido. Deve ter sido intencional.
- Talvez ele esteja supondo que essa senhorita Durham seja * bastante astuta para não se apressar - disse Buck - ou que ela não me mostraria o cartão. Mas como ele sabe que ela não vai ligar para esse número logo de cara e procurar por ele?
- Contanto que ela espere até amanhã, Buck, tudo bem.
- Amanhã?
- Você não pode utilizar esta informação, entendeu? Você não está gravando, está?
- Steve! A quem você pensa que vou falar sobre isto? Você já está trabalhando para Carpathia? Você ainda é meu chefe. Se você não quiser que eu faça alguma coisa, basta me dizer. Lembra-se?
- Bem, vou lhe contar. O deserto Kalahari compreende uma parte importante de Botsuana, de onde o secretário-geral Ngumo é oriundo. Ele retorna a seu país amanhã como herói, tendo se tornado o primeiro líder a ter acesso à fórmula do fertilizante israelense.
- E como ele pôde fazer isso?
- Por sua brilhante diplomacia.
- E ele não pode pretender cuidar dos deveres da ONU e de seu país ao mesmo tempo durante este momento estratégico importante na história de Botsuana, certo, Steve?
- E por que deveria, quando alguém está tão perfeitamente preparado para assumir a posição? Nós estivemos lá segunda-feira, Buck. Quem vai se opor a isso?
- Você não vai?
- Acho que foi uma jogada de mestre.
- Você vai ser um perfeito assessor de imprensa, Steve. E eu decidi aceitar seu velho posto.
- Bom para você! Agora, você vai ficar de bico calado até amanhã, entendido?
- Prometo. Mas você pode me dizer uma coisa mais?
- Se eu puder, Buck.
- Em que Eric Miller estava metido? Ou que golpe ele estava farejando?
A voz de Steve ficou mais fraca, num tom quase sussurrado.
- Tudo o que sei sobre Eric Miller - disse - é que ele chegou muito perto do parapeito da balsa da companhia de navegação Staten Island.



DEZENOVE


Rayford observava Chloe enquanto ela caminhava descuidada pelo Clube Pan-Continental e, em seguida, olhou através da vidraça. Ele sentia-se um inútil. Durante dias, tinha dito a si mesmo para não forçá-la, não fatigá-la. Ele a conhecia. Ela era como ele; escaparia para outro lado, se ele insistisse muito. Chloe havia até mesmo tentado persuadi-lo a afastar-se de Hattie Durham, se ela aparecesse.
O que havia com ele? Nada era como antes nem seria de novo. Se Bruce Barnes estivesse certo, o desaparecimento do povo de Deus tinha sido apenas o começo do período mais cataclísmico da história do mundo. E aqui estou eu, refletia Rayford, preocupado em melindrar as pessoas. Serei responsável por "não melindrar" minha filha e ela acabar se perdendo.
Rayford sentia-se desconfortável também por ter se aproximado tanto de Hattie. Ele teve de reconhecer o próprio erro por cobiçá-la e lamentava tê-la enganado ou fazê-la sonhar. Mas ele também não podia mais tratá-la com luvas de pelica. O que mais o atemorizava era que transparecia, segundo aquilo que Bruce estava ensinando, que muitas pessoas seriam enganadas durante esses dias. Quem quer que se apresentasse proclamando paz e união teria de ser considerado suspeito. Não haveria paz. Não haveria união. Este momento era o começo do fim, e tudo seria o caos dali por diante.
O caos faria com que os pacificadores e oradores de fala mansa fossem apenas mais atraentes. E, àqueles que não quisessem admitir que Deus estava por trás dos desaparecimentos, qualquer outra explicação lhes daria uma consciência tranqüila. Não havia mais tempo para conversas amenas, para convencimento brando. Rayford tinha de levar as pessoas a conhecerem a Bíblia e seus ensinos proféticos. Ele se sentia muito limitado em seus conhecimentos. Tinha sido sempre um leitor erudito, mas este assunto de Apocalipse, Daniel e Ezequiel era novo e estranho para ele. Espantosamente, aquilo fazia sentido. Ele havia começado a levar a Bíblia de Irene a todos os lugares aonde ia, lendo-a sempre que possível. Enquanto o co-piloto lia revistas nas horas de folga, Rayford pegava sua Bíblia e lia atentamente.
- O que está havendo? - perguntaram-lhe mais de uma vez. Sem nenhuma vergonha ou constrangimento, ele dizia que estava procurando respostas e orientação que não tivera antes. Mas e quanto à sua filha e sua amiga? Ele tinha sido muito cortês.
Rayford olhou o relógio. Faltavam ainda alguns minutos para as 13 horas. Seus olhos cruzaram com os de Chloe à distância, e ele fez um sinal de que ia dar um telefonema. Ligou para Bruce Barnes e contou-lhe o que estava pensando.
- Você está certo, Rayford. Também estive refletindo sobre isso há alguns dias, preocupado com o que as pessoas pensariam de mim, não desejando que ninguém ficasse indiferente. Isto não faz mais sentido, não é?
- Não, não faz. Bruce, preciso de apoio. Vou começar a ser detestável, infelizmente. Se Chloe quiser caçoar ou procurar outro rumo, vou forçá-la a tomar uma decisão. Ela terá de saber exatamente o que está fazendo. Terá de enfrentar o que encontramos na Bíblia, refletir e resolver isso de vez. Quero dizer, somente os dois pregadores em Israel são suficientes para dar-me a confiança de que essas coisas estão acontecendo exatamente como a Bíblia diz.
- Você teve oportunidade de ver o noticiário hoje de manhã?
- Vi de passagem aqui no terminal. Eles continuam reprisando o ataque.
- Rayford, veja o que está passando na TV agora mesmo.
- O quê?
- Vou desligar, Ray. Veja o que aconteceu aos agressores e se isso não confirma todas as coisas que lemos sobre as duas testemunhas.
- Bruce...
- Vá procurar uma TV, Rayford. E comece a testemunhar por si mesmo, com confiança total.
Bruce desligou abruptamente. Rayford o conhecia suficientemente bem, apesar de seu breve relacionamento, para entender que a reação do pastor deveria deixá-lo intrigado, e não ofendido. Ele correu para a frente de um televisor e ficou atordoado ao ouvir o relato da morte dos dois agressores. Tirou da maleta a Bíblia de Irene e leu a passagem de Apocalipse, da qual Bruce tinha falado. Os homens em Jerusalém eram as duas testemunhas, pregando o evangelho de Cristo. Foram atacados e não precisaram sequer reagir. Os agressores caíram mortos, e nenhum mal aconteceu às testemunhas.
Naquele momento, Rayford observava pela TV a multidão se aproximando e se amontoando na área em frente ao Muro das Lamentações para ouvir as testemunhas. As pessoas se ajoelhavam, choravam, algumas com o rosto em terra. Eram essas as mesmas pessoas que antes acharam que os pregadores estavam profanando o lugar santo. Agora pareciam acreditar no que as testemunhas diziam. Ou era somente por medo?
Rayford sabia mais do que isso. Sabia que os primeiros dos 144 mil judeus evangelistas estavam se convertendo a Cristo diante dos espectadores. Sem tirar os olhos da tela, ele orou em silêncio: Senhor, enche-me de coragem, de poder, de tudo quanto preciso para ser uma testemunha. Não quero nunca mais sentir medo ou dúvida. Não quero esperar mais. Não quero preocupar-me se estou ou não ofendendo as pessoas. Dá-me a capacidade de persuasão enraizada em tua Palavra. Sei que é o teu Espírito que fala aos corações das pessoas, mas usa-me. Quero ser usado na conversão de Chloe. Quero ser um instrumento para a conversão de Hattie. Por favor, Senhor, ajuda-me.
Buck Williams sentia-se nu sem a sua valise de repórter. Ele estaria pronto para trabalhar somente quando tivesse seu telefone celular, seu gravador e seu novo laptop. Ele pediu ao taxista que parasse em frente ao prédio do Semanário Global, para que pudesse apanhar sua valise. Hattie ficou esperando no táxi, mas preveniu-o de que não gostaria de perder seu encontro no aeroporto. Buck lhe disse de fora do táxi que demoraria apenas um minuto.
- Entendi que você não estava interessada em encontrar esse cara.
- Bem, mas agora estou, entendeu? Seja por desforra ou mágoa ou o que quer que seja, não é sempre que a gente pode dizer a um capitão-aviador que conheceu alguém que ele não conhece.
- Você está falando de Nicolae Carpathia ou de mim?
- Que engraçadinho! De qualquer modo, ele conheceu você.
- Você está falando do capitão-aviador daquele vôo em que nos conhecemos?
- Sim... agora, ande depressa!
- Talvez eu queira encontrá-lo.
-Vá!
Buck ligou para Marge da recepção.
- Você poderia pegar minha valise e encontrar-me no elevador? Tenho um táxi me esperando aqui.
- Está bem - disse ela -, mas tanto Steve como o velho cavalheiro estão esperando por você.
E agora? Ele se perguntou. Buck olhou para o relógio, desejando que o elevador fosse mais rápido. Assim é a vida nos arranha-céus.
Ele recebeu a valise das mãos de Marge, foi rapidamente à sala de Steve e perguntou:
- O que há de novo? Estou com pressa.
- O chefão quer vê-lo.
- Qual é o assunto? - perguntou Buck, enquanto caminhavam pelo corredor.
- Eric Miller, imagino. Talvez mais. Você sabe que Bailey não se abalou com meu pedido de demissão. Ele só concordou porque pensou que você agarraria a promoção com unhas e dentes e por você conhecer tudo o que se passa aqui e o que está sendo planejado para as próximas semanas.
No escritório de Bailey, o chefe foi direto ao ponto.
- Quero fazer algumas perguntas incisivas a vocês dois e ouvir respostas diretas e rápidas. Muitos assuntos estão surgindo precisamente agora, e devemos estar à frente de cada um deles. Antes de mais nada, Plank, correm rumores de que Mwangati Ngumo está convocando a imprensa no final desta tarde, e todo mundo acha que ele vai renunciar ao cargo de secretário-geral.
- É mesmo? - perguntou Plank.
- Não se faça de bobo comigo - resmungou Bailey. – Não é preciso ser um gênio para imaginar o que está acontecendo aqui. Se ele estiver se afastando, seu novo chefe sabe disso. Você se esquece de que eu dirigia o departamento africano quando Botsuana se tornou membro associado do Mercado Comum Europeu. Jonathan Stonagal tinha as mãos em cima disso tudo, e todo mundo sabe que ele é um dos anjos protetores de Carpathia. Qual é a relação?
Buck notou a palidez no rosto de Plank. Bailey sabia mais do que os dois esperavam. Pela primeira vez em anos, Steve pareceu nervoso, quase em pânico.
- Vou contar a você o que sei - disse Steve, mas Buck imaginava que havia mais coisa que ele não contaria. -Minha primeira tarefa amanhã cedo será negar o interesse de Carpathia pelo cargo. Ele vai dizer que tem muitas idéias revolucionárias e que insiste em aprovação quase unânime da parte dos membros atuais. Eles terão de concordar com suas idéias de reorganização, de mudança de prioridades, e outras coisas mais.
-Quais?
- Não tenho liberdade de... Bailey levantou-se. Seu rosto estava vermelho.
- Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Plank. Gosto de você. Você tem sido a meu ver uma superestrela. Vendi sua imagem aos outros diretores quando ninguém reconhecia suas qualificações. Você me vendeu a imagem deste principiante aqui, e ele nos pareceu bom em tudo. Paguei a você salários de seis dígitos, mesmo antes de você merecê-los, porque sabia que urn dia isso valeria a pena. E valeu. Agora, estou lhe dizendo que nada do que você revelar aqui vai passar destas paredes, por isso não quero que você esconda nada de mim.
- Vocês, meninos, pensam que, porque estou há dois ou três anos ausente do campo, já não tenho mais meus contatos, não tenho meu ouvido encostado ao chão. Bem, deixem-me dizer-lhes, meu telefone não pára de tocar desde que vocês saíram daqui esta manhã, dando-me a impressão de que algo grandioso está para acontecer. O que é?
- Quem ligou para o senhor? - perguntou Plank.
- Bem, logo de início, recebi um telefonema de uma pessoa que conhece o vice-presidente da Romênia. Foi pedido a ele que se preparasse para dirigir os assuntos do dia-a-dia daquele país por um período indeterminado. Ele não vai se tornar o novo presidente, porque o país acaba de eleger um, mas isso indica, a meu ver, que Carpathia espera ficar aqui por um bom tempo.
- Depois, pessoas que conheço na África me disseram que Ngumo levou vantagem sobre os demais e conseguiu acesso à fórmula de Israel, mas ele não está muito feliz porque o acordo requer seu afastamento da ONU. Ele vai deixar o cargo, mas haverá problemas se tudo não correr conforme prometido.
- Em seguida, recebi uma ligação do diretor de redação do Mensário Beira-Mar querendo extrair de mim por que você, Cameron, e aquele sujeito que se afogou na noite passada estavam trabalhando na mesma matéria sobre Carpathia e se eu acho que você também vai morrer misteriosamente. Respondi que, até onde eu sabia, você estava trabalhando numa reportagem de capa sobre Carpathia e que estávamos convictos de seu sucesso. Ele disse que seu funcionário pretendia usar um método ligeiramente diferente, ou seja, enquanto os outros estivessem trabalhando de um lado, ele trabalharia do outro. Miller estava escrevendo um artigo sobre o significado dos desaparecimentos, o mesmo assunto que você planejava publicar daqui a uma ou duas semanas. Que ligação isso tem com Carpathia e por que o rapaz foi apagado, não sei. Você sabe?
Buck meneou a cabeça.
- Vejo os dois casos como peças totalmente diferentes. Perguntei a Carpathia o que ele pensava dos desaparecimentos, e todos ouviram a resposta. Eu não sabia em que Miller estava trabalhando, nem imaginava que ele pudesse de algum modo estar ligando Carpathia com os desaparecimentos.
Bailey sentou-se.
- Para dizer a verdade, logo que recebi o telefonema do diretor do Mensário, imaginei que ele estivesse telefonando para obter referências sobre você, Cameron. E fiquei pensando: se eu perder esses dois "metidos" na mesma semana, vou antecipar minha aposentadoria. Podemos resolver aquele assunto antes que Plank me diga o que mais ele sabe?
- Que assunto? - perguntou Buck.
- Você está pensando em sair?
-Não.
- Está aceitando a promoção?
- Estou.
- Ótimo! Agora, Steve. Que mais Carpathia pretende antes de aceitar o posto na ONU?
Plank hesitou parecendo estar considerando se devia dizer o que sabia.
- Você me deve esta resposta - disse Bailey. - Não tenho a intenção de usá-la. Desejo apenas saber. Cameron e eu temos de decidir qual reportagem entrará primeiro em pauta. Quero que ele tome conta daquela que mais me interessa, aquela sobre o que existe por trás dos desaparecimentos. Penso, às vezes, que nos tornamos muito arrogantes como revista noticiosa e nos esquecemos de que há pessoas morrendo de medo querendo encontrar uma explicação para tudo isso. Steve, você pode confiar em mim. Já lhe disse que não vou contar nada a ninguém nem comprometê-lo. Apenas me diga o que sabe. O que pretende Carpathia? Ele vai aceitar esse cargo? Steve apertou os lábios e começou a falar com relutância.
- Ele quer organizar um novo Conselho de Segurança, que incluirá algumas de suas idéias para embaixadores.
- Como Todd-Cothran da Inglaterra? - perguntou Buck.
- Provavelmente, mas por tempo limitado. Ele não está totalmente satisfeito com esse relacionamento, como você deve saber.
Buck repentinamente percebeu que Steve estava a par de tudo.
- E? - pressionou Bailey.
- Carpathia quer que Ngumo insista que será ele quem o substituirá, com o voto da grande maioria dos representantes, e duas outras coisas que, francamente, não acredito que ele consiga. Militarmente, ele quer um compromisso de desarmamento dos países membros, a destruição de 90% de seus arsenais de guerra e a doação dos 10% remanescentes para a ONU.
- Com o propósito de manter a paz - disse Bailey. - Parece ingênuo, mas tem lógica. Você está certo, ele provavelmente não vai conseguir isso. Que mais?
- Talvez o ponto mais controvertido e menos provável. A logística por si é incrível, o custo, o... tudo.
- O quê?
- Ele quer transferir a ONU.
- Transferir? Steve meneou a cabeça num gesto de afirmação;
- Para onde?
- Parece estúpido.
- Todas as coisas parecem estúpidas nestes dias - disse - Bailey.
- Ele quer transferi-la para Babilônia.
- Você não está falando sério.
- Ele está.
- Ouvi dizer que a cidade está sendo reconstruída há anos. Milhões de dólares investidos para transformá-la em quê? Na Nova Babilônia?
- Bilhões.
- Você acha que alguém vai concordar com isso?
- Depende do apoio que ele receber - Steve riu furtivamente. - Ele estará hoje no Show da Noite.
- Ele vai ficar mais popular do que nunca!
- E está se reunindo neste momento com os dirigentes de todos os grupos internacionais que estão na cidade para outros encontros.
- O que ele quer com eles?
- O assunto continua confidencial, certo? - perguntou Steve.
- Claro.
- Ele está pedindo apoio para os objetivos que deseja atingir. O tratado de sete anos de paz com Israel em troca de sua habilidade como intermediário da fórmula do fertilizante para o deserto. A mudança para a Nova Babilônia. O estabelecimento de uma religião única para o mundo, provavelmente com sede na Itália.
- Ele não vai conseguir grande coisas com os judeus nessa questão.
- Os judeus são uma exceção. Ele vai ajudá-los a reconstruir o templo durante os anos em que vigorar o tratado de paz. Ele acha que os judeus merecem um tratamento especial.
- E eles merecem mesmo - reforçou Bailey. - O homem é brilhante. Nunca vi alguém com idéias tão revolucionárias e que agisse tão depressa.
- Vocês não estão um tanto inseguros a respeito desse homem? - perguntou Buck. - Parece-me que as pessoas que chegam muito perto acabam eliminadas.
- Inseguros? - perguntou Bailey. - Bem, acho que ele é um pouco ingênuo, e eu ficaria muito surpreso se ele conseguisse tudo o que está pretendendo. Mas, por outro lado, é um político. Ele não vai impor sua vontade como se fosse um ultimato, e pode ainda aceitar a posição mesmo que não obtenha tudo o que deseja. Pode parecer que ele tratou Ngumo sem consideração, mas penso que ele tem em mente os melhores interesses para favorecer Botsuana. Carpathia será melhor que Ngumo como executivo da ONU. E ele está certo. Se o que aconteceu em Israel acontecer em Botsuana, Ngumo precisa ficar perto de casa para administrar a prosperidade. Inseguro? Não. Estou tão impressionado com o homem tanto quanto vocês dois. Ele é o que precisamos neste momento. Não há nada errado em buscar união e convergência num tempo de crise.
- E quanto a Eric Miller? - Buck quis saber.
- Acho que estão dando muito destaque a essa história. Não sabemos se sua morte foi simplesmente o que pareceu e apenas coincidiu com o desentendimento entre vocês sobre a entrevista com Carpathia. De qualquer modo, Carpathia não sabia o que Miller queria, sabia?
- Acho que não - respondeu Buck, mas ele notou que Steve não abriu a boca.
A voz de Marge foi ouvida no interfone.
- Cameron, há um recado urgente de Hattie Durham. Ela diz que não pode mais esperar.
- Oh! não - disse Buck. - Marge, peça-lhe mil desculpas. Diga-lhe que tive uma reunião inesperada e que vou ligar para ela ou dar um jeito de encontrá-la mais tarde.
Bailey demonstrou aborrecimento.
- É isso o que posso esperar de você no horário de trabalho, Cameron?
- Na verdade, apresentei-a a Carpathia esta manhã e quero que ela me apresente a um capitão de uma companhia aérea que está na cidade hoje, com o propósito de cobrir parte daquela reportagem sobre o que as pessoas pensam que aconteceu na última semana.
- Não vou questionar sobre isso, Cameron - disse Bailey. - Vamos apresentar a grande reportagem de Carpathia na próxima edição e depois prosseguir com as teorias a respeito dos desaparecimentos. Se você me perguntar, essa poderia ser a reportagem mais comentada que já fizemos. Penso que vamos bater a Time e todas as demais com nossa cobertura do evento. A propósito, gostei da sua matéria. Não sei se vamos ter alguma coisa realmente nova ou diferente sobre Carpathia, mas precisamos dar a esse importante assunto o melhor que pudermos. Francamente, gosto da sua idéia de apresentar todas as teorias. Você deve incluir a sua.
- Gostaria de ter uma - disse Buck. - Estou em dúvida como todo mundo. O que estou descobrindo, entretanto, é que as pessoas que têm uma teoria acreditam nela obstinadamente.
- Bem, tenho a minha - disse Bailey. E é quase fantástico como ela se aproxima e se encaixa no assunto Carpathia, Rosenzweig ou qualquer outro. Tenho parentes que acreditam nessa história dos alienígenas do espaço. Tenho um tio que acha que foi Jesus, mas ele também acha que Jesus se esqueceu dele. Ah! Penso que foi um acontecimento natural, algum tipo de fenômeno em que toda nossa alta tecnologia interagiu com as forças da natureza. Na verdade, nós mesmos não temos uma idéia mágica a este respeito. Agora, vamos lá, Cameron. Qual é a sua posição neste caso?
- Estou na posição perfeita para o meu trabalho jornalístico - disse ele. - Não tenho a mínima idéia.
- O que as pessoas estão dizendo?
- O habitual. Um médico no aeroporto O'Hare me disse que estava certo de que se tratava do Arrebatamento. Outras pessoas têm dito o mesmo. O senhor sabe que a chefe do nosso escritório em Chicago...
- Lucinda Washington? Está na hora de você providenciar alguém para preencher sua vaga. Você deve ir lá, estudar o terreno, fazer contatos. Mas você estava dizendo...?
- O filho de Lucinda acredita que ela e o restante da família foram levados para o céu.
- Então, como ele foi deixado para trás?
- Não sei explicar - respondeu Buck. - Alguns cristãos são melhores do que outros ou algo assim. Este é um dos mistérios que vou procurar esclarecer antes de encerrar a reportagem. Esta aeromoça que acabou de ligar... não estou certo do que ela pensa, mas o piloto com quem ela vai se encontrar hoje contou-lhe que tem uma explicação.
- Um piloto de aviação - Bailey repetiu. - Seria interessante. Contanto que sua idéia não seja a mesma de outros cientistas. Bem, prossiga com seu trabalho. Steve, vamos fazer o anúncio hoje. Desejo-lhe boa sorte, e não se preocupe. Nada do que foi dito aqui será publicado na revista, a menos que possamos obter as informações de outras fontes. Estamos concordes com isso, não estamos, Williams?
- Sim, senhor - confirmou Buck.
Steve não parecia tão certo disso.
Buck correu até o elevador e ligou para a o serviço de informações para obter o número do Clube Pan-Continental. Ele pediu que contatassem Hattie por meio de seu pager, mas, como não puderam localizá-la, ele supôs que ela ainda não havia chegado ou tinha saído com seu amigo capitão-aviador. Buck deixou um recado para que ela ligasse para o seu celular e, em seguida, pegou um táxi e dirigiu-se ao clube. na expectativa de encontrá-la.
Sua mente estava zumbindo. Ele concordava com Stanton Bailey de que a grande reportagem era o que estava por trás dos desaparecimentos, mas agora também estava começando a suspeitar de Nicolae Carpathia. Talvez não devesse considerá-lo suspeito. Talvez devesse concentrar a atenção em Jonathan Stonagal. Carpathia devia ser bastante esperto para perceber que sua ascensão ao poder ajudaria Stonagal a ser desleal com seus concorrentes. No entanto, Carpathia tinha afiançado que iria "negociar" com ambos, Stonagal e Todd-Cothran, sabendo perfeitamente que eles estavam por trás de negócios ilícitos.
Isto fazia de Carpathia um inocente? Buck sinceramente esperava que sim. Ele nunca desejou confiar tanto numa pessoa. Nos últimos dias, desde os desaparecimentos, ele raramente teve um segundo para pensar em si mesmo. A perda de sua cunhada, sobrinho e sobrinha pesava em seu coração quase constantemente e algo o levava a indagar se não havia alguma verdade nesta história do Arrebatamento. Se alguém neste mundo tinha de ser levado para o céu, eles eram bons candidatos.
Mas Buck sabia mais do que isso. Ele foi educado nas escolas da Ivy League. Deixou de freqüentar a igreja depois de conseguir livrar-se da repressão familiar que ameaçava levá-lo à loucura em sua juventude. Ele nunca se considerou religioso, embora orasse de vez em quando pedindo ajuda e livramento. Havia construído sua vida em torno de desafios, empolgações e - ele não podia negar - realizações pessoais. Gostava do status que alcançara por ter seu nome mencionado no início de cada artigo ou reportagem, dos temas que desenvolvia ou redigia, de suas idéias publicadas por uma revista de âmbito nacional. Contudo, havia momentos de solidão em sua vida, especialmente agora com a saída de Steve. Buck havia namorado e considerado a possibilidade de um relacionamento sério, mas sempre se achou muito instável para uma mulher que desejasse estabilidade.
Desde o evento claramente sobrenatural que havia testemunhado em Israel, com a destruição da força aérea russa, ele sabia que o mundo estava mudando. As coisas nunca mais seriam as mesmas de antes. Ele não estava aceitando a teoria dos desaparecimentos praticados por seres alienígenas do espaço, e, embora essa teoria pudesse muito bem ser atribuída a alguma incrível reação energética cósmica, quem ou o que estava por trás disso? O incidente no Muro das Lamentações era outro inexplicável indício do sobrenatural.
Buck estava mais intrigado com os "porquês" da história, como ele gostava de pensar, do que com o surgimento de Nicolae Carpathia. Fascinado que estava pelo homem, Buck esperava, acima de tudo, que ele não fosse outro político frustrante. Ele era o melhor dentre os que já tinha visto, mas a morte de Dirk, de Alan, de Eric e a ameaça sofrida por ele mesmo seriam totalmente alheias a Carpathia?
Ele esperava que sim. Desejava acreditar numa pessoa que surge uma só vez em cada geração que pudesse compreender os anseios do mundo. Poderia Carpathia ser outro Lincoln, Roosevelt ou Kennedy?
Por impulso, enquanto o táxi tentava furar o incrível tráfego na região do aeroporto JFK, Buck ligou o modem do laptop em seu telefone celular e chamou à tela um serviço noticioso.
Procurou rapidamente os trabalhos principais de Eric Miller nos últimos dois anos e ficou atordoado ao descobrir que ele tinha escrito sobre a reconstrução e progresso da Babilônia. O título da série de Miller era "Nova Babilônia, o Último Sonho de Stonagal". Uma rápida olhada no artigo mostrou que a maior parte do financiamento vinha dos bancos de Stonagal espalhados pelo mundo. E naturalmente havia uma citação atribuída a Stonagal: "Apenas coincidência. Não tenho idéia dos pormenores dos financiamentos concedidos por nossas várias instituições."
Buck percebeu que o ponto determinante de Nicolae Carpathia nada tinha a ver com Mwangati Ngumo ou Israel, ou mesmo com o novo Conselho de Segurança. No entender de Buck, a prova definitiva para Carpathia era o que ele faria em relação a Jonathan Stonagal, uma vez empossado como secretário-geral da ONU.
Porque, se os demais membros da ONU se submetessem às condições de Nicolae, ele se tornaria, do dia para a noite, o líder mais poderoso do mundo. Ele teria a capacidade de impor seus desejos militarmente, se cada membro se desarmasse e a ONU se tornasse todo-poderosa. O mundo ficaria desesperado pela ação de um líder em quem confiara implicitamente ao concordar com tal sistema. E o único líder digno do manto do poder seria aquele que jamais toleraria um assassino que forjava mortes nos bastidores, como Jonathan Stonagal.



VINTE


Rayford e Chloe Steele esperaram até as 13h30, e então resolveram ir para o hotel. A caminho da saída do Clube Pan-Continental, Rayford parou para deixar um recado para Hattie, caso ela chegasse.
- Acabamos de receber outra mensagem para ela - informou a moça do balcão. - Uma secretária falando em nome de Cameron Williams informou que ele a encontraria aqui, se ela o chamasse logo ao chegar.
- Quando chegou o recado? - perguntou Rayford.
- Logo depois das 13 horas.
- Talvez devêssemos esperar mais alguns minutos. Rayford e Chloe estavam sentados perto da entrada quando Hattie chegou apressada. Rayford sorriu para ela, mas ela imediatamente diminuiu os passos, como se os tivesse encontrado por acaso.
- Oh! Olá - disse ela, mostrando sua identificação no balcão e recebendo seu recado. Rayford deixou que ela fizesse seu jogo de cena. Ele merecia isso.
- Na verdade, eu não devia ter vindo vê-los - disse ela depois de ser apresentada a Chloe. - Mas, já que estou aqui, devo retornar esta ligação. É do articulista de quem lhe falei. Ele me apresentou a Nicolae Carpathia esta manhã.
- Não me diga.
Hattie meneou a cabeça afirmativamente, sorrindo.
- E o Sr. Carpathia me deu seu cartão. Você sabia que ele vai ser apontado o Homem Mais Atraente da revista Peoplel
- Eu ouvi isso, sim. Bem, estou impressionado. Uma manhã cheia para você, hein? E como está o Sr. Williams?
- Muito bem, porém muito ocupado. Acho melhor telefonar para ele. Com licença.
Buck estava na escada rolante dentro do terminal quando seu telefone tocou.
- Até que enfim - disse Hattie.
- Sinto muito, Srta. Durham.
- Oh! por favor - disse ela. - Uma pessoa que me deixa no centro de Manhattan numa corrida de táxi cara pode bem me chamar pelo primeiro nome. Eu insisto.
- E eu insisto em pagar essa corrida.
- Estou apenas brincando, Buck. Vou agora me encontrar com esse capitão-aviador e sua filha, por isso não se sinta obrigado a estar presente.
- Já estou aqui - disse ele.
- Oh!
- Mas tudo bem. Tenho muito que fazer. Foi bom ter visto você novamente. Na próxima vez que vier a Nova York...
- Buck, não quero que você se sinta obrigado a ser meu cicerone.
- Mas não me sinto obrigado.
- Claro que sim. Você é uma pessoa maravilhosa, mas é óbvio que não temos afinidade. Obrigada por me encontrar e especialmente por me apresentar ao Sr. Carpathia.
- Hattie, preciso de um favor. Seria possível me apresentar ao piloto? Quero entrevistá-lo. Ele vai pernoitar aqui?
- Vou perguntar a ele. Você vai também conhecer a filha dele. Ela é uma boneca.
- Talvez eu a entreviste também.
- Sim, é uma boa aproximação.
- Apenas pergunte a ele, Hattie, por favor,
Rayford estava imaginando que talvez Hattie tivesse um encontro com Buck Williams naquela noite. A coisa certa a fazer seria convidá-la para um jantar no hotel. Agora ela estava acenando para que ele fosse até o telefone público.
- Rayford, Buck Williams deseja encontrar-se com você. Ele está fazendo uma reportagem e quer entrevistá-lo.
- Verdade? Eu? - respondeu ele. - Sobre o quê?
- Não sei. Não perguntei. Suponho que seja sobre o vôo ou os desaparecimentos. Ele estava naquele vôo quando aconteceu.
- Diga-lhe que vou vê-lo, com certeza. Na verdade, por que não pedir a ele que se junte a nós três para um jantar, se vocês estiverem livres.
Hattie olhou bem para ele como se estivesse sendo enganada em alguma coisa.
- Vamos lá, Hattie. Você e eu conversaremos esta tarde e, depois, iremos todos jantar às seis no Carlisle.
Ela voltou ao telefone e perguntou a Buck:
- Onde você está agora? - Ela fez uma pausa. - Não acredito! - Hattie olhou para fora, riu e acenou. Cobrindo o bocal do telefone, voltou-se para Rayford. - Lá está ele, bem ali com o telefone celular!
- Bem, por que os dois não desligam para que você faça as apresentações? - perguntou Rayford.
Hattie e Buck desligaram, e Buck, ao entrar, guardou seu telefone na maleta.
- Ele está conosco - disse Rayford à recepcionista na mesa à entrada. Em seguida, apertou a mão de Buck. - Então o senhor é o redator do Semanário Global que estava em meu avião.
- Sou eu mesmo - respondeu Buck.
- A respeito do que o senhor deseja me entrevistar?
- Quero saber sua opinião sobre os desaparecimentos. Estou fazendo uma reportagem de capa sobre as explicações ou teorias que estão por trás do acontecido, e seria bom conhecer seu ponto de vista como um profissional e como alguém que estava bem no meio do tumulto quando o fato aconteceu.
Que oportunidade! pensou Rayford. - Com prazer - disse. -O senhor pode nos acompanhar num jantar?
- Certamente - disse Buck. - E esta é sua filha?
Buck estava impressionado. Ele adorou o nome de Chloe, seus olhos, seu sorriso. Ela olhou diretamente nos olhos dele, e deram-se um forte aperto de mão, algo que ele apreciava numa mulher. Muitas mulheres acham que é mais feminino estender uma mão frouxa, hesitante. Que garota bonita! Pensou ele. Ele sentiu vontade de dizer ao capitão Steele que, a partir do dia seguinte, não seria mais um articulista, mas, sim, editor-executivo. Mas receou que isso pudesse ser interpretado como presunção, e não uma simples informação, por isso nada falou.
- Olhe - disse Hattie -, o capitão e eu precisamos de uns poucos minutos, então por que vocês dois não se conhecem melhor e nos reunimos de novo mais tarde? Você dispõe de tempo, Buck?
Agora sim, pensou. - Certamente - disse ele, olhando para Chloe e seu pai. - Está bem para vocês dois?
O capitão pareceu vacilar, mas sua filha olhou para ele com uma expressão esperançosa. Ela era evidentemente amadurecida para tomar decisões, mas, por outro lado, não queria fazer o que parecesse inadequado aos olhos de seu pai.
- Está bem - disse o capitão Steele com alguma hesitação. - Esperamos aqui.
- Vou guardar minha valise, e vamos dar uma volta pelo terminal - disse Buck. - Se você desejar, Chloe.
Ela sorriu e meneou a cabeça assentindo.
Fazia bastante tempo que Buck não se sentia desajeitado e tímido com uma garota. Enquanto ele e Chloe caminhavam e conversavam, ele não sabia para que lado olhar e o que fazer com as mãos. Deveria pô-las nos bolsos ou deixá-las soltas? Braços parados ou balançando? Ela preferiria sentar-se, andar no meio das pessoas ou ver as vitrinas das lojas?
Ele perguntou a respeito dela, em que lugar freqüentou a faculdade e em que estava interessada profissionalmente. Chloe contou o que houve com sua mãe e seu irmão, e ele se mostrou sério e compassivo. Buck ficou impressionado ainda com a desenvoltura, articulação verbal e maturidade que ela demonstrava. Esta era uma garota em quem ele poderia ter interesse, mas ela devia ser pelo menos dez anos mais nova do que ele.
Chloe quis saber sobre a vida e a carreira de Buck. Ele respondeu às suas perguntas e acrescentou um pouco mais. Somente quando ela perguntou-lhe se havia perdido algum conhecido nos desaparecimentos, ele falou de sua família em Tucson e seus amigos na Inglaterra. Naturalmente, nada comentou a respeito das conexões de Stonagal e Todd-Cothran.
Quando a conversa se acalmou, Chloe o surpreendeu olhando fixamente para ela. Ele instantaneamente desviou o olhar para longe. Quando ele se voltou para Chloe, ela o estava fitando. Ambos sorriram timidamente. Isto é uma loucura, pensou ele. Buck esteve a ponto de perguntar se ela namorava alguém, mas não conseguiu.
As perguntas dela correspondiam mais a um feitio de uma pessoa jovem a um profissional veterano sobre sua carreira. Ela teve inveja de suas viagens e experiência. Ele não a entusiasmou com isso, assegurando-lhe que ela se cansaria desse tipo de vida.
- Você já foi casado? - perguntou ela.
Ele gostou da pergunta. Ficou feliz em dizer a ela que não, que nunca teve realmente algum caso bastante sério para levá-lo ao noivado e casamento.
- E quanto a você? - perguntou ele, sentindo que a conversa era agora um jogo equilibrado. - Quantas vezes você já se casou?
Ela riu e respondeu-lhe:
- Tive somente um namorado firme. Quando eu era caloura na faculdade, ele estava no último ano. Eu pensava que fosse amor, mas, quando se formou, nunca mais ouvi falar dele.
- Literalmente?
- Ele viajou para o exterior, enviou-me uma lembrança barata, e esse foi o fim de tudo. Agora está casado.
- Pior para ele.
- Obrigada. Buck sentia-se mais impetuoso.
- O que ele era, cego? - Chloe não respondeu. Ele se esmurrou mentalmente e procurou recompor-se. - Quero dizer, alguns indivíduos não sabem o que têm nas mãos.
Ela continuava em silêncio, e ele se sentia um idiota. Como se explica que eu seja tão bem-sucedido em algumas coisas e um desajeitado em outras? ele refletiu.
Chloe parou em frente de uma confeitaria.
- Você se acha um doce? - perguntou Chloe.
- Por quê? Eu pareço um?
- Como eu podia saber que aquilo estava acontecendo? -perguntou ela. - Compre-me um doce, e eu deixarei que essa ansiedade tenha uma morte natural.
- Morte por velhice, você quer dizer - acrescentou ele.
- Essa agora foi boa.
Rayford foi tão sincero, honesto e direto com Hattie, como jamais tinha sido. Eles sentaram-se frente a frente em cadeiras bem almofadadas a um canto de uma sala grande e barulhenta, o que impedia que outros ouvissem sua conversa.
- Hattie - começou ele -, não estou aqui para debater opiniões nem para uma simples troca de idéias. Há coisas que preciso dizer a você e peço-lhe que simplesmente ouça.
- Não posso dizer nada? Porque pode haver coisas que eu também quero que você saiba.
- É claro que deixarei que você me diga o que desejar, mas esta primeira parte, minha parte, eu não quero que seja um diálogo. Eu preciso expressar algumas coisas e gostaria que você tivesse uma visão completa do quadro antes de reagir, certo?
Ela encolheu os ombros.
- Acho que não tenho escolha.
- Você teve uma escolha, Hattie. Você não foi forçada a vir.
- Na verdade, eu não queria vir. Eu lhe disse isso e você deixou-me aquela mensagem, pedindo que eu viesse.
Rayford ficou frustrado.
- Você percebe aonde eu não queria chegar? - disse ele. - ' Como posso me desculpar, quando tudo o que você quer é discutir se deveria ou não estar aqui?
- Você quer desculpar-se, Rayford? Não vou impedi-lo. Hattie estava sendo sarcástica, mas ele conseguiu que ela ouvisse.
- Sim, quero. Agora, você me permite? Ela assentiu com a cabeça.
- Quero expor a você o que experimentei, explicar tudo direitinho, assumir todas as incriminações que me couberem, e depois explicar o que insinuei por telefone naquela noite.
- A respeito do que você descobriu sobre aqueles desaparecimentos.
Ele levantou a mão.
- Não se antecipe a mim.
- Desculpe - disse ela, colocando a mão na boca. - Mas por que você não espera que eu tome conhecimento quando responder às perguntas de Buck hoje à noite?
Rayford revirou os olhos.
- Eu estava apenas cogitando - acrescentou ela. - Apenas uma sugestão para que você não tenha de repetir depois.
- Obrigado - disse ele -, mas vou lhe dizer por quê. Isto é tão importante e tão pessoal que preciso dizer a você em particular. E não me importo de repetir várias vezes. Se minha intuição estiver certa, você não vai se importar de ouvir isso várias vezes.
Hattie ergueu as sobrancelhas como se estivesse surpresa, acrescentando, porém:
- Sou toda ouvidos. Não vou mais interrompê-lo. Rayford inclinou-se para a frente apoiando os cotovelos nos joelhos, gesticulando às vezes enquanto falava.
- Hattie, devo a você um grande pedido de desculpa e peço que me perdoe. Fomos amigos. Desfrutamos mutuamente esse companheirismo. Eu gostava de estar perto de você e passar alguns momentos a seu lado. Achava você bonita e atraente, e acho que percebeu que eu estava interessado em relacionar-me com você.
Ela parecia surpresa, mas Rayford admitia que, se não fosse pelo compromisso de ficar em silêncio, ela teria dito que ele possuía um jeito pouco insinuante de mostrar interesse. Ele continuou.
- Provavelmente, a única razão de eu nunca ter persistido em alguma coisa mais avançada com relação a você foi porque eu era completamente inexperiente nessas coisas. Mas seria somente uma questão de tempo. Se eu tivesse notado que você estava disposta, eu teria possivelmente feito alguma coisa errada.
Ela enrugou a testa e pareceu ofendida.
- Sim - disse ele -, teria sido errado. Eu era casado, não inteiramente feliz ou bem-sucedido, mas por falha minha. Além disso, eu tinha feito um voto, um compromisso, e, por mais que eu justificasse meu interesse por você, teria sido um erro. O olhar de Hattie dava a entender que ela não concordava.
- De qualquer modo, eu enganei você. Não fui totalmente honesto. Mas agora tenho de dizer-lhe que me sinto aliviado por não ter feito alguma coisa... Hã, estúpida. Não teria sido correto para você. Sei que não sou seu juiz nem julgador, e não tenho nada a ver com seus princípios de moralidade. Mas não teria havido nenhum futuro para nós.
- Deixando de lado nossa diferença de idade, o fato é que o único interesse real que eu tinha em você era físico. Você tem o direito de me odiar por isso, e eu não vou culpá-la. Eu não a amava. Você tem de concordar que aquele não teria sido o tipo de vida que merece.
Ela assentiu com a cabeça, aparentando tristeza e desapontamento. Ele sorriu.
- Vou permitir que você interrompa seu silêncio por pouco tempo - disse Rayford. - Preciso saber se você ao menos me perdoa.
- Algumas vezes eu me indago se a honestidade é sempre a melhor política - disse Hattie. - Eu até concordaria, se você tivesse dito que o desaparecimento de sua esposa o fez sentir-se culpado pelo que estava acontecendo. Sei que não houve nada sério entre nós, mas esta teria sido uma maneira mais suave de se justificar.
- Mais suave, porém falsa. Hattie, estou sendo inteiramente sincero. Eu preferia mil vezes ter sido mais gentil e delicado para evitar que você ficasse ressentida comigo, mas apenas não posso mais ser falso. Não fui sincero durante anos.
- E agora você é?
- A ponto de tornar esta conversa desinteressante para você - disse ele.
Ela assentiu novamente.
- Por que eu desejaria fazer isso? - prosseguiu Rayford. Todo mundo gosta de ser apreciado. Eu podia ter atribuído a culpa à minha esposa ou outra pessoa. Mas quero viver em paz comigo mesmo. Quero ser capaz de convencer você, quando eu começar a falar sobre coisas bem mais importantes, sem ter outros motivos em vista.
Os lábios de Hattie tremiam. Ela os apertou e olhou para baixo, enquanto uma lágrima deslizava em sua face. Olhar para ela com simpatia era tudo o que Rayford podia fazer para não ter de abraçá-la. Não haveria nada de sensual nesse gesto, mas ele não queria ser mal interpretado.
- Hattie - disse ele. - Sinto muito, muito mesmo. Perdoe-me. Ela assentiu movendo a cabeça, mas incapaz de falar. Tentou dizer alguma coisa, mas não conseguiu recompor-se.
- Agora, depois de tudo isso - disse Rayford -, tenho de convencê-la de algum modo de que me preocupo com você como amiga e como pessoa.
Hattie levantou ambas as mãos, esforçando-se para não chorar. Sacudiu a cabeça, como se não estivesse preparada para ouvir mais nada.
- Não, não diga nada - pediu ela. - Não agora.
- Hattie, eu tenho de dizer.
- Por favor, me dê um minuto.
- Fique à vontade, mas não fuja de mim agora - insistiu ele. - Eu não seria um verdadeiro amigo para você, se não lhe dissesse o que encontrei, o que aprendi, o que estou descobrindo cada vez mais a cada dia.
Hattie escondeu o rosto nas mãos e chorou.
- Eu não queria fazer isso. Não queria dar a você essa satisfação!
Rayford falou tão ternamente quanto podia.
- Agora, você está me ofendendo - disse ele. - Se você não extraiu nada desta conversa, deve saber que suas lágrimas não me dão nenhuma satisfação. Cada uma delas é uma punhalada para mim. Sou o responsável. Eu estava errado.
- Dê-me um minuto - disse ela, afastando-se apressadamente.
Rayford remexeu sua maleta para encontrar a Bíblia de Irene e rapidamente localizou algumas passagens. Ele tinha decidido não falar com Hattie com a Bíblia aberta. Não queria que ela se sentisse constrangida ou intimidada, apesar de ter adquirido uma grande coragem e determinação.
- Você vai achar muito interessante a teoria de meu pai sobre os desaparecimentos - disse Chloe a Buck.
- Vou? - perguntou ele.
Ela meneou levemente a cabeça confirmando, e ele notou um pedacinho de chocolate no canto da boca de Chloe.
- Permita-me - disse ele estendendo a mão.
Ela levantou o queixo, e ele retirou o chocolate com o dedo polegar. E agora o que ele devia fazer? Limpar o dedo com um guardanapo? Impulsivamente, ele lambeu o polegar.
- Seu louco! - reagiu ela. - E se eu tiver uma doença contagiosa?
- Então agora nós dois estamos doentes - e riram. Buck sentiu o rosto arder, algo que não lhe acontecia há muito tempo, e por isso tratou de mudar de assunto.
- Você fala da teoria de seu pai como se talvez não fosse também a sua. Vocês divergem neste ponto?
- Ele pensa que sim, porque discuto com ele, e isso lhe tem causado aborrecimento. Eu só não quero parecer muito fácil de ser persuadida, mas, se tivesse de ser honesta, eu diria que estou muito perto. Veja, ele pensa que...
Buck levantou a mão.
- Oh! perdão, não me diga. Quero ouvir isso dele em primeira mão e gravar na fita cassete.
- Oh! desculpe-me.
- Está tudo bem. Não quis deixá-la embaraçada, mas é exatamente como gosto de trabalhar. Apreciaria muito também conhecer sua teoria. Pretendemos ainda conhecer as idéias de alguns garotos colegiais, mas seria improvável usar duas pessoas da mesma família. Naturalmente, você acaba de me dizer que está basicamente de acordo com seu pai, por isso seria melhor esperar e ouvir ambos ao mesmo tempo. Ela ficou em silêncio de repente e parecia séria.
- Sinto muito, Chloe, eu não quis insinuar que não estou interessado em sua teoria.
- Não é isso - disse ela. - Mas você simplesmente me enquadrou entre eles.
- Enquadrei você?
- Como uma garota colegial.
- Oh! não fiz isso, fiz? Minha falta, perdoe-me. Sei disso muito bem. Os alunos universitários não são garotos. E eu não a vejo como garota, embora você seja um bocado mais jovem do que eu.
- Colegiais! Há muito tempo não ouço esta expressão.
- Estou revelando minha idade, não estou?
- Qual é a sua idade, Buck?
- Trinta e meio, a caminho dos 31 - disse ele piscando o olho.
- Pergunto, qual é a sua idade? - ela gritou, como se estivesse falando com um ancião surdo. Buck explodiu numa gargalhada.
- Vou comprar outro doce para você, garotinha, mas não quero tirar seu apetite.
- É melhor não fazer isso. Meu pai adora boa comida, especialmente quando ele tem convidados. Ele é um bom anfitrião.
- Está bem, Chloe.
- Posso dizer-lhe algo, sem que você pense que sou estranha? - perguntou ela.
- Agora é muito tarde - disse ele.
Ela fez uma carranca e deu-lhe um soco de brincadeira.
- Eu estava apenas querendo dizer que gosto do modo como você pronuncia meu nome.
- Não sabia que havia um outro modo de pronunciá-lo - disse ele.
- Oh! há sim. Mesmo os meus amigos escorregam ao pronunciá-lo em uma sílaba só, como Clói.
- Chloe - repetiu Buck.
- É isso - disse ela. - Exatamente. Duas sílabas, O longo, E longo.
- Gosto de seu nome - falou Buck imitando a voz rouca de um ancião. - É um nome apropriado para uma pessoa jovem. Quantos anos você tem, menina?
- Vinte e meio, a caminho dos 21.
- Oh! meu Deus - exclamou ele, ainda distorcendo a voz -, estou diante de uma menor de idade!
Enquanto caminhavam de volta ao Clube Pan-Continental, Chloe disse:
- Se você prometer não fazer estardalhaço por causa da minha idade, não vou fazer o mesmo com a sua.
- Você se comporta como uma pessoa de mais idade - reagiu ele com um sorriso aflorando aos lábios.
- Vou tomar isso como um elogio - disse ela com um sorriso comedido, como quem não está consciente da sinceridade dessa alusão.
- Estou falando sério - retornou ele. - Poucas pessoas de sua idade têm essa versatilidade e desenvoltura de se expressar.
- Agora tenho certeza de que foi um elogio.
- Você capta as coisas rapidamente.
- É verdade que você entrevistou Nicolae Carpathia? Ele confirmou meneando a cabeça.
- Somos quase amigos.
- Você está brincando!
- Bem, não é tanto assim. Mas nos damos muito bem.
- Fale-me sobre ele. E Buck falou.
Hattie retornou levemente refeita, mas ainda com os olhos inchados, e sentou-se novamente como se estivesse preparada para continuar a ouvir afirmações constrangedoras. Rayford reiterou que estava sendo sincero em seus pedidos de desculpa, e ela completou:
- Vamos simplesmente esquecer tudo isso, está bem?
- Preciso saber se você me perdoou - insistiu ele.
- Você parece estar realmente dependendo de meu perdão, Rayford. Isso vai permitir que você se sinta "libertado", com a consciência tranqüila?
- Talvez sim - disse ele. - Acima de tudo, eu ficaria sabendo que você acredita na minha sinceridade.
- Eu acredito - disse Hattie. - Isso não vai tornar as coisas mais agradáveis nem mais fáceis, mas, se fizer você sentir-se melhor, acredito de fato em sua sinceridade. E não vou guardar ressentimentos, o que significa que você está perdoado.
- Bem, vou aceitar até onde puder - acrescentou ele. -Agora, quero ser muito honesto com você.
- Hã, oh! ainda tem mais? Ou você se refere àquilo que quis me ensinar sobre o que aconteceu na semana passada?
- Sim, exatamente, mas preciso dizer-lhe que Chloe me aconselhou a não falar sobre esse assunto neste momento.
- A mesma conversa como a, hã, outra, você quer dizer.
- Isso mesmo.
- Sua filha é uma garota esperta - disse ela. - Vamos nos entender bem.
- Você não tem muito mais idade do que ela.
- Uma observação fora de propósito, Rayford. Se você está pretendendo usar o tipo de abordagem "Você tem idade para ser minha filha", deveria ter pensado nisto antes.
- Não, a menos que eu tivesse sido seu pai quando tinha 15 anos - disse Rayford. - De qualquer forma, Chloe está convencida de que você não estaria disposta ou preparada para ouvir neste momento.
- Por quê? Isso requer alguma reação? Tenho de aceitar suas idéias ou algo assim?
- É o que espero, porém minha resposta é não. Se for alguma coisa que você não possa aceitar imediatamente, compreendo. Mas admito que você perceberá a premência de assumir uma posição.
Rayford sentia-se como Bruce Barnes, quando este lhe expôs a verdade no dia em que se conheceram. Estava cheio de entusiasmo e persuasão, sentindo que as orações que fez para receber coragem e agir coerentemente tinham sido respondidas à medida que falava. Ele contou a Hattie sua história com Deus, dizendo que fora educado num lar cristão, que todos freqüentavam a igreja e que ele e Irene participaram de várias igrejas durante seu casamento. Chegou a dizer que a preocupação de Irene com os acontecimentos do final dos tempos levou-o a considerar a necessidade pessoal de buscar companhia fora do lar.
Rayford podia perceber pelo olhar de Hattie que ela sabia aonde ele queria chegar, que ele passara a concordar com Irene, aceitando as mesmas crenças dela. Hattie ficou imóvel na cadeira enquanto ele relatava o que tinha encontrado naquela manhã em que chegou a sua casa depois da aterrissagem em O'Hare.
Ele contou-lhe a respeito do telefonema para a igreja, do encontro com Bruce, do relato que este lhe fez, do videoteipe, de seus estudos, das profecias da Bíblia, dos pregadores em Israel, os quais, de forma límpida e irretorquível, correspondiam às duas testemunhas mencionadas no Apocalipse.
Rayford contou-lhe como tinha repetido as palavras da oração do pastor ao ver o videoteipe e como se sentia agora tão responsável por Chloe, desejoso de que ela também reencontrasse Deus. Hattie mantinha os olhos fixos nele.
Nada transparecia nos gestos ou na expressão dela que o animasse, mas ele continuou. Não pediu que ela orasse com ele. Simplesmente disse que não iria mais justificar as coisas em que acreditava.
- Você pode constatar, ao menos, que uma pessoa que aceita esta verdade deve passá-la adiante. Essa pessoa não seria considerada amiga, se não agisse assim.
Hattie não lhe dava nem mesmo a satisfação de um sinal de reconhecimento e respeito, ainda que fosse um simples mover da cabeça.
Depois de quase meia hora, ele esgotou seu novo conhecimento e concluiu:
- Hattie, quero que você pense e medite no que lhe falei, veja o videoteipe, fale com Bruce, se quiser. Não posso fazer você acreditar. Ilido o que posso fazer é alertá-la sobre aquilo que passei a aceitar como verdade. Preocupo-me com você e não gostaria, nem teria minha consciência em paz, que você perdesse a oportunidade simplesmente porque ninguém lhe falou a este respeito.
Finalmente, Hattie aprumou-se na cadeira e suspirou.
- Bem, isto é fascinante, Rayford. É, realmente. Gostei de ouvir sua exposição. Pareceu-me estranho e diferente, porque nunca soube que essas coisas estavam na Bíblia. Minha família freqüentou a igreja quando eu era criança, especialmente em celebrações ou quando era convidada, mas nunca tinha ouvido essas coisas. Vou pensar no assunto. Tenho de fazê-lo de algum modo. Depois de ouvir um relato como esse, é difícil afastá-lo da mente por um bom tempo. É isso o que você vai dizer a Buck Williams no jantar?
- Palavra por palavra. Ela riu furtivamente.
- Fico pensando se algum desses aspectos vai figurar em sua revista.
- Provavelmente serão publicadas ao lado de alienígenas do espaço, guerra bacteriológica e raios mortíferos - pressentiu Rayford.



VINTE E UM


QUANDO Buck e Chloe se reencontraram com Hattie e Rayford, perceberam que Hattie havia chorado. Buck considerou que não deveria aproximar-se para perguntar o que tinha havido, e ela em nenhum momento lhe acenou com essa possibilidade.
Buck estava entusiasmado com a oportunidade de entrevistar Rayford Steele, mas suas emoções eram confusas. As reações do capitão, que havia pilotado o avião em que ele era passageiro quando ocorreram os desaparecimentos, acrescentariam aspectos dramáticos à sua reportagem. Porém, mais do que isso, ele desejava estar perto de Chloe. Buck retornaria ao escritório, em seguida iria para seu apartamento para mudar de roupa e os encontraria mais tarde no Carlisle. No escritório, ele recebeu um telefonema de Stanton Bailey perguntando quando poderia ir a Chicago para providenciar a substituição de Lucinda Washington.
- Devo ir logo, mas não quero perder o desenrolar dos acontecimentos na ONU.
- Tudo o que vai acontecer lá amanhã cedo você já ouviu de Plank - disse Bailey. - Eu soube que as coisas já estão começando a ser decididas. Plank vai assumir sua nova função amanhã cedo, negar o interesse de Carpathia, reiterar o que vai se realizar, e todos nós ficaremos na expectativa de alguém morder a isca. Não acredito que isso vai acontecer.
- Eu desejaria que sim - disse Buck, na esperança de ainda poder confiar em Carpathia e ansioso para ver o que o homem faria em relação a Stonagal e Todd-Cothran.
- Eu também - disse Bailey -, mas quais são as probabilidades? Ele é o homem para este momento, mas seus planos de desarmamento global e de reorganização são muito ambiciosos. Isso nunca vai acontecer.
- Eu sei, mas se o senhor estivesse decidindo, não se empenharia em conseguir?
- Sim - disse Bailey suspirando. - Provavelmente me empenharia. Estou muito cansado de guerra e violência. E eu até apoiaria a mudança para essa Nova Babilônia.
- Talvez os delegados junto à ONU serão bastante atilados para perceber que o mundo está pronto para Carpathia - disse Buck.
- Não seria bom demais para ser verdade? - perguntou Bailey. - Não aposte nessa certeza, não fique ansioso nem faça qualquer outra coisa que não tenha a obrigação de fazer, quando as possibilidades estão contra você.
Buck informou ao seu novo chefe que voaria a Chicago na manhã seguinte e retornaria a Nova York domingo à noite.
- Vou sondar o terreno, descobrir quem está à altura dessa posição em Chicago, ou se vamos ter de procurar candidatos fora.
- Eu preferiria estar por dentro disso - disse Bailey. - Mas é meu estilo deixar que você tome essas decisões.
Buck telefonou para Linhas Aéreas Pan-Continental e foi informado de que o vôo de Rayford Steele sairia às oito da manhã. Ele disse à funcionária encarregada das reservas que a companheira de viagem de Rayford era Chloe Steele.
- Sim - disse ela. - A Srta. Steele tem um bilhete de cortesia na primeira classe. Há uma poltrona vaga ao lado dela. O senhor também é um convidado da tripulação?
-Não.
Ele fez uma reserva na classe econômica por conta da revista e pagaria por fora a diferença para viajar na primeira classe ao lado de Chloe. Ele não diria nada durante o jantar naquela noite sobre a viagem a Chicago.
Fazia muito tempo que Buck não usava gravata, mas agora tratava-se, afinal de contas, do restaurante do Hotel Carlisle. Ele não seria admitido no recinto sem gravata. Felizmente, foram levados a uma mesa privativa numa saleta, onde ele podia esconder sua valise, evitando desta forma ser visto como deselegante. Seus companheiros de mesa supunham que ele precisava da maleta para guardar seus equipamentos, desconhecendo que ele carregava também uma muda completa de roupa.
Chloe estava radiante, aparentando ter cinco anos mais e trajava urn vestido de alto estilo para noite. Estava evidente que ela e Hattie tinham passado parte da tarde num salão de beleza.
Rayford notou que sua filha estava deslumbrante naquela noite e se pôs a considerar o que o redator da revista pensava dela. Claramente esse Williams era um tanto velho para ela.
Rayford passou as horas livres antes do jantar dormindo e depois orou para que tivesse a mesma coragem e clareza que tivera com Hattie. Não fazia idéia do que ela pensava, exceto que ele tinha sido "fascinante" por contar tudo a ela. Ele não sabia ao certo se aquilo era sarcasmo ou condescendência. Só esperava ter dito tudo o que era necessário. Seria bom que ela passasse algum tempo a sós com Chloe. Rayford esperava que Chloe não fosse tão antagônica e relutante a ponto de se aliar a Hattie contra ele.
No restaurante, Williams aparentava olhar insistentemente para Chloe sem dar atenção a Hattie. Rayford considerou essa atitude uma indelicadeza, mas que não parecia incomodar Hattie. Talvez ela tivesse real interesse em Buck e não queria demonstrar. Rayford nada comentou sobre o novo visual de Hattie para a noite, mas aquilo era intencional. Ela estava belíssima como sempre, mas ele evitava trilhar novamente o mesmo caminho.
Durante o jantar, Rayford manteve uma conversa amena. Buck pediu-lhe que o avisasse quando estivesse pronto para a entrevista. Após a sobremesa, Rayford dirigiu-se reservadamente ao garçom.
- Gostaríamos de passar outra hora ou pouco mais aqui, se não houver problema.
- Senhor, temos uma extensa lista de reservas...
- Não quero que esta mesa lhe dê prejuízo - disse Rayford, colocando uma boa gorjeta extra na mão do garçom - e peça-nos que deixemos a mesa quando se tornar necessário.
O garçom lançou um rápido olhar para a nota e enfiou-a no bolso.
- Estou certo de que o senhor não será incomodado - disse ele. E os copos continuaram sendo abastecidos de água.
Rayford gostou de responder às perguntas iniciais de Williams sobre sua atividade, seu treinamento, seus antecedentes familiares e sua educação e formação em geral, mas estava ansioso para falar de sua nova missão na vida. E finalmente veio a pergunta.
Buck tentou concentrar-se nas respostas do capitão, mas estava ao mesmo tempo procurando impressionar Chloe. Toda a imprensa e os leitores do Semanário Global sabiam que ele era o melhor entrevistador do mundo. Além do mais, sua capacidade de peneirar rapidamente o conteúdo de informações e tornar o artigo interessante e agradável de ler também colaborou para que ele ficasse famoso.
Buck fez algumas rápidas perguntas preliminares e gostou das respostas do capitão. Steele parecia honesto e sincero, muito vivo e eloqüente. Ele observou que Chloe era muito parecida com Rayford.
- Agora estou pronto - disse ele - para perguntar sua idéia sobre o que aconteceu naquele fatídico vôo para Londres. O senhor tem uma teoria?
O capitão hesitou e sorriu como que se concentrando.
- Tenho mais do que uma teoria - disse ele. - Você pode pensar que isto parece uma coisa absurda, uma insanidade vinda de uma pessoa de mente voltada para a área técnica, como a minha, mas acredito ter encontrado a verdade e sei exatamente o que aconteceu.
Buck sabia que isso teria um destaque especial na revista.
- Aprecio um homem que conhece sua mente - disse. - Aqui está sua oportunidade de apresentá-la ao mundo.
Chloe escolheu aquele momento para tocar suavemente o braço de Buck e pedir que ele a desculpasse por ter de retirar-se por um momento.
- Eu a acompanho - disse Hattie. Buck sorriu, acompanhando-as com os olhos ao se afastarem.
- O que está acontecendo? - perguntou. - Uma conspiração? Elas foram instruídas a me deixar a sós com o senhor, ou já conhecem a história e não querem ouvir a reprise?
Rayford sentiu-se frustrado intimamente, quase a ponto de enraivecer. Esta era a segunda vez em poucas horas que Chloe se afastava dele num momento crucial.
- Asseguro-lhe que não é este o caso - disse ele, forçando um sorriso. Não podia retardar a entrevista e esperar pelo retorno delas. A pergunta tinha sido feita, ele se sentia pronto, portanto atirou-se de corpo e alma ao assunto, dizendo coisas que poderiam enquadrá-lo na categoria dos loucos ou excêntricos. Da mesma forma que procedera com Hattie, ele resumiu a história de sua vida espiritual irregular e, em pouco mais de meia hora, pôs Williams a par de tudo, contando cada detalhe que considerava relevante. Nesse ínterim, as jovens retornaram.
Buck permaneceu sentado sem interromper, enquanto aquele profissional lúcido e sincero expunha uma teoria que, apenas três semanas antes, ele teria considerado absurda. Pareciam palavras que ouvira na igreja e de amigos, mas seu entrevistado sempre tinha um capítulo e um versículo da Bíblia para dar consistência às suas afirmações. E quanto àqueles dois pregadores em Jerusalém representando as duas testemunhas profetizadas no Apocalipse? Buck estava espantado. Resolveu interromper.
- Este é um ponto interessante. O senhor está sabendo da última notícia? - perguntou Buck, passando, em seguida, a relatar o que vira na televisão durante alguns minutos em seu apartamento. - Milhares de pessoas parecem estar fazendo uma espécie de peregrinação ao Muro das Lamentações. Elas fazem uma fila de vários quilômetros tentando entrar no recinto e ouvir a pregação. Muitos estão se convertendo e saindo para testemunhar ou pregar a mensagem ouvida.
As autoridades são impotentes para conter a multidão, a despeito da forte oposição dos judeus ortodoxos. Aqueles que se opõem aos pregadores são silenciados ou paralisados de algum modo, sem qualquer intervenção física, e muitos dos soldados da guarda mantida pelos ortodoxos estão se juntando aos pregadores.
- É espantoso - respondeu o piloto. - Porém mais espantoso ainda é que tudo isso foi profetizado na Bíblia.
Buck estava ansioso, um tanto agoniado, tentando recompor-se. Não estava seguro daquilo que ouvia, mas as palavras de Steele pareciam-lhe consistentes. Talvez o homem estivesse procurando associar a profecia bíblica ao que estava acontecendo em Israel, mas ninguém tinha outra explicação. O que Steele havia lido para ele no Apocalipse parecia claro.
Talvez aquilo estivesse errado. Talvez se tratasse de uma linguagem complicada e difícil de entender. Entretanto, era a única teoria que se relacionava mais de perto com os incidentes e com alguma lógica. Que outra coisa poderia provocar em Buck constantes calafrios pelo corpo?
Buck concentrou-se na pessoa do capitão Steele, com o pulso disparado, sem olhar para os lados. Ele se sentia paralisado. Imaginava que as duas jovens pudessem estar ouvindo o pulsar de seu coração. Seria tudo isso possível? Poderia ser verdadeiro? Tinha ele testemunhado a clara intervenção divina na destruição da força aérea russa para poder compreender agora um fenômeno como este? Podia ele apenas balançar a cabeça num gesto de descrédito e varrer tudo isso de sua mente? Poderia dormir para refrescar as idéias e voltar ao seu sentido normal pela manhã? Uma conversa com Bailey e Plank teria o condão de sacudi-lo e recolocá-lo no trilho, levando-o a livrar-se dessa tolice?
Ele sentia que não. Alguma coisa mais reclamava atenção. Ele queria acreditar em algo que juntasse todas as peças e formasse um sentido. Mas Buck também queria acreditar em Nicolae Carpathia. Talvez Buck estivesse enfrentando um momento assustador que o tomava vulnerável a pessoas sensíveis. Ele não era assim, mas, então, quem era ele nesses dias? Quem poderia esperar ser a mesma pessoa em tempos como os que estavam sendo vividos?
Buck não queria deixar passar a oportunidade de falar abertamente de si mesmo. Queria perguntar a Rayford a respeito de sua cunhada, sobrinho e sobrinha. Mas tratava-se de um assunto pessoal, que não se relacionava com a reportagem que estava montando. Essa matéria não visava a uma indagação pessoal em busca da verdade. Sua missão era meramente colher fatos que fariam parte de uma reportagem mais ampla.
Em nenhum momento Buck chegou a pensar em escolher uma teoria favorita e defendê-la como se fosse sancionada pelo Semanário Global. Ele deveria juntar todas as teorias, desde as plausíveis até as mais bizarras. Os leitores se incumbiriam de acrescentar suas idéias na seção de Cartas, ou tomariam uma decisão com base na credibilidade das fontes de informação. O piloto da companhia aérea seria visto como um homem de visão e convincente, a menos que Buck o fizesse parecer urn lunático.
Pela primeira vez, até onde podia se lembrar, Buck Williams ficou sem ter o que dizer.
Rayford estava certo de que não tinha sido convincente em impressionar o repórter. Ele esperava apenas que o redator fosse bastante esperto para compreender, citar suas palavras corretamente e representar seus pontos de vista de modo a influenciar os leitores a aceitarem o cristianismo. Pareceu-lhe claro que o próprio Williams não se deixou influenciar. Se Rayford tivesse de adivinhar, diria que Williams estava tentando esconder um sorriso de zombaria - ou então estava se divertindo ou surpreso demais a ponto de não ter conseguido esboçar uma reação.
Rayford teve de lembrar a si mesmo que seu propósito básico era convencer Chloe, em primeiro lugar, e depois talvez influenciar o público leitor, se a revista fosse fiel ao transcrever suas idéias. Se Cameron Williams pensasse que Rayford estava totalmente fora da realidade, poderia simplesmente deixar de fora seu depoimento, com todas as suas idéias absurdas.
Buck não confiava em si mesmo para reagir com coerência. Ele ainda estava com calafrios e, ao mesmo tempo, sentia a roupa grudar em seu corpo suado. O que estava acontecendo com ele? Dirigiu-se a Rayford com voz pausada, quase sussurrando:
- Quero agradecer-lhe o seu tempo e o jantar. Voltarei a contatá-lo antes de usar qualquer de suas declarações.
Isso, evidentemente, não fazia sentido. Ele lançou mão desse expediente unicamente como oportunidade de fazer novo contato com o piloto. Ele poderia ter uma porção de perguntas pessoais sobre o assunto, mas jamais permitiu que as pessoas entrevistadas revissem suas palavras antes da publicação. Sempre confiou em seu gravador e em sua memória e nunca foi acusado de deturpar as declarações de urn entrevistado.
Buck olhou novamente para o capitão e notou uma estranha aparência em seu rosto. Ele parecia... o quê? Desapontado? Sim, e em seguida resignado.
Repentinamente, Buck se lembrou das qualificações da pessoa com quem estava lidando. Tratava-se de um homem inteligente e culto. Certamente ele deveria saber que os entrevistadores jamais retornam a suas fontes para confirmar declarações. O capitão tinha o direito de pensar que estava diante de urn jornalista principiante.
Uma mancada típica de urn "foca", Buck, ele mesmo se repreendeu. Você acaba de subestimar sua fonte.
Enquanto guardava seu equipamento, Buck percebeu que Chloe estava chorando. Lágrimas escorriam em suas faces. O que havia com essas jovens? Hattie Durham tinha chorado quando ela e o capitão terminaram sua conversa naquela tarde. Agora Chloe.
Buck podia imaginar o que se passava, ao menos em relação a Chloe. Se ela estava chorando por ter ficado comovida com a sinceridade e convicção de seu pai, não era de surpreender. Buck sentia um nó na garganta, e pela primeira vez, desde que encostou o rosto no chão, de medo, em Israel durante o ataque russo, ele tinha necessidade de um lugar reservado para chorar.
- Posso perguntar mais uma coisa, fora da gravação? -indagou ele. - Posso perguntar o que o senhor e Hattie estavam conversando esta tarde no clube?
- Buck! - Hattie desabafou colérica. - Não é da sua...
- Se o senhor não quiser responder, vou compreender -disse Buck. - Eu estava apenas curioso.
- Bem, grande parte da conversa foi pessoal - disse Rayford.
- Entendo.
- Mas, Hattie - ponderou o capitão -, não vejo nenhum mal em dizer-lhe que o resto de nossa conversa foi o que tratamos aqui. Certo?
Ela encolheu os ombros.
- Ainda fora da gravação, Hattie - disse Buck. - Você se importa se eu perguntar sua reação a tudo isso?
- Por que fora da gravação? - explodiu Hattie. - A opinião de um piloto é mais importante do que a de uma comissária?
- Vou ligar o gravador, já que você quer - disse ele. - Não sabia que você desejava ter seu depoimento gravado.
- Não quero - disse ela. - Eu queria apenas que alguém me convidasse a depor. Agora é tarde.
- E não se importa de dizer o que acha.
- Não... bem, vou dizer a você. Acho que Rayford é sincero e ponderado. Se ele está certo ou não, não tenho nenhuma idéia. Esse assunto está além do meu entendimento e é muito estranho. Mas estou convencida de que ele acredita nisso. Se ele deve acreditar ou não, com sua formação e tudo mais, não sei. Talvez ele esteja muito impressionado porque perdeu sua família.
Buck assentiu, concluindo que estava mais perto de aceitar a teoria de Rayford do que ela. Olhou para Chloe, esperando que ela estivesse mais calma e pudesse ser ouvida. Ela ainda esfregava os olhos com um lenço.
- Por favor, não me faça perguntas agora - disse ela.
Rayford não se surpreendeu com a resposta de Hattie, mas ficou profundamente desapontado com Chloe. Estava convencido de que ela não quis deixá-lo em situação embaraçosa por ter de dizer que ele foi grotesco. Eu devia estar agradecido, pensava. Pelo menos, sua filha ainda se sensibilizava com os sentimentos dele. Talvez devesse ser mais compreensivo com ela, mas decidiu que não podia permitir mais que aquelas amenidades se tornassem prioritárias. Lutaria pela fé até que ela tomasse sua decisão. Naquela noite, contudo, estava claro que ela ouvira o suficiente. Não a pressionaria. Só esperava poder dormir, a despeito de seu remorso sobre a condição emocional da filha. Ele a amava muito.
- Sr. Williams - disse ele, levantando-se e estendendo-lhe a mão -, foi um prazer. O pastor de Illinois, de quem lhe falei, está bem informado sobre este assunto e sabe mais do que eu a respeito do anticristo e outras coisas. Creio que vale a pena ligar para ele e conhecer mais coisas. Bruce Barnes, Igreja Nova Esperança, Monte Prospect.
- Vou guardar essas informações na mente - disse Buck. Rayford estava convencido de que Williams apenas quis ser gentil.
Falar com esse Barnes seria uma grande idéia, pensou Buck. Talvez ele tivesse tempo no dia seguinte, em Chicago. Deste modo, poderia inteirar-se de tudo por si mesmo, sem misturar o aspecto profissional com interesses próprios.
Os quatro caminharam lentamente até o saguão. - Vou lhes dar meu boa-noite - disse Hattie. - Embarco no primeiro vôo amanhã.
Ela agradeceu a Rayford o jantar, sussurrou alguma coisa ao ouvido de Chloe - que parecia algo sem resposta - e agradeceu a Buck sua hospitalidade naquela manhã.
-Talvez eu telefone para o Sr. Carpathia nesses próximos dias - disse ela.
Buck resistiu ao impulso de dizer-lhe o que sabia sobre o futuro iminente de Carpathia. Ele duvidava de que o homem tivesse tempo para ela.
Chloe parecia como se desejasse acompanhar Hattie até os elevadores e, por outro lado, queria também dizer alguma coisa a Buck. Ele ficou pasmo quando ela disse:
- Dê-nos um minuto, pode ser, papai? Subo em seguida. Buck sentiu-se lisonjeado por Chloe ter permanecido no andar para dizer adeus pessoalmente, mas ela estava ainda emocionada. Sua voz estava trêmula quando lhe disse formalmente dos bons momentos que tiveram naquele dia. Ele tentou prolongar a conversa.
- Seu pai é uma pessoa de muita sensibilidade - comentou ele.
- Eu sei - disse ela. - Em especial nestes últimos dias.
- Posso ver que você pode concordar com ele sobre grande parte daquele assunto.
- Você pode ver?
- Claro! Eu mesmo tenho muito que pensar sobre isso. Você tem dado um bocado de trabalho para ele, hein?
- Dava. Agora, não.
- Não? Por quê?
- Você pode perceber o quanto isso significa para ele. Buck concordou movendo a cabeça. Chloe estava a ponto de se emocionar de novo. Ele estendeu-lhe a mão.
- Foi maravilhoso passar alguns momentos com você - disse ele.
Ela riu meio inibida, como que constrangida sobre o que acabara de pensar.
- O que foi? - insistiu ele.
- Oh! nada. Uma coisa tola.
- Vamos, o que foi?
- Bem, sinto-me uma idiota - disse ela. - Acabo de conhecê-lo e já estou sentindo saudade. Se for a Chicago, ligue para mim.
- É uma promessa - disse
Buck. - Não sei quando, mas, digamos, mais depressa do que você imagina.



VINTE E DOIS


BUCK não dormiu bem, em parte porque estava entusiasmado pela surpresa da manhã seguinte. Só esperava que Chloe ficasse feliz ao vê-lo. Sua mente girava à procura de respostas. Se tudo o que Rayford Steele havia postulado fosse verdade, por que Buck levara uma vida inteira para conhecê-la? Buck sabia instintivamente que, se parte do que ouvira fosse verdadeiro, o todo também seria. Será que ele tentara encontrar a verdade o tempo todo, mal sabendo o que procurava?
No entanto, mesmo o capitão Steele - um piloto organizado, de mente analítica - havia perdido a oportunidade, apesar de alegar ter vivido sob o mesmo teto com uma pessoa defensora de uma causa, devotada e quase fanática. Buck estava tão inquieto que se levantou e pôs-se a caminhar de um lado para o outro. Por mais estranho que parecesse, não se sentia aborrecido nem feliz. Sentia-se simplesmente oprimido. Até poucos dias antes, nada daquilo fazia o mínimo sentido para ele, e agora, pela primeira vez desde a experiência em Israel, não conseguia separar-se de sua reportagem.
O ataque à Terra Santa tinha sido um divisor de águas em sua vida. Ele havia contemplado a morte de frente e teve de reconhecer que alguma coisa do outro mundo - isso mesmo, sobrenatural, alguma coisa vinda diretamente do Deus Todo-poderoso - foi lançada sobre aquelas colinas empoeiradas em forma de fogo no céu. E ele tinha aprendido, sem sombra de dúvida, pela primeira vez na vida, que coisas inexplicáveis não podiam ser dissecadas nem avaliadas cientificamente com imparcialidade sob uma perspectiva acadêmica.
Buck tinha sempre se orgulhado de isolar-se dos fatos, por incluir o elemento humano, o dia-a-dia das pessoas em suas reportagens, quando outros resistiam a tal vulnerabilidade. Esta habilidade permitia que os leitores se identificassem com ele, provassem, sentissem e cheirassem o que lhes era mais importante. Mas sempre tinha sido capaz, mesmo depois de uma proximidade com a morte, de permitir que o leitor vivesse o episódio sem revelar a profunda angústia que sentia no peito sobre a existência de Deus. Agora aquela separação parecia impossível. Como podia ele escrever a reportagem mais importante de sua vida, aquela que já estava perto de esquadrinhar sua alma, sem revelar subconscientemente seu conflito pessoal?
Buck percebeu que, no decorrer de pouquíssimas horas, já começara a pender para o outro lado. Não estava ainda preparado para orar, para tentar falar com um Deus que ele rejeitara havia muito tempo. Nem sequer tinha orado quando se tornou convencido da existência de Deus naquela noite em Israel. O que havia de errado com ele? Todas as pessoas no mundo, ao menos aquelas intelectualmente honestas consigo mesmas, tinham de admitir que havia um Deus depois daquela noite. Coincidências assombrosas tinham ocorrido antes, mas aquela desafiava toda a lógica.
Vencer os poderosos russos foi uma façanha, por certo, totalmente inesperada. Mas a história de Israel estava repleta de lutas legendárias. Por outro lado, não defender-se e não sofrer nenhuma baixa? Isso estava além de toda compreensão - a não ser que tivesse havido a intervenção direta de Deus.
Por que - Buck questionava - aquilo não tinha causado um impacto maior em seu íntimo? Sozinho e no escuro, ele chegou à dolorosa constatação de que separara, havia muito tempo, as necessidades humanas mais básicas em categorias e as classificara como insignificantes. E o que dizer a respeito de si mesmo, da criatura desumana e desprezível em que se transformara, que nem mesmo a contundente evidência do milagre de Israel - porque só poderia ter sido um milagre - foi capaz de abrandar a receptividade de seu espírito perante Deus?
Não se passaram muitos meses, e veio o grande desaparecimento de milhões de criaturas em todos os cantos do mundo. Dezenas de passageiros sumiram do avião em que ele viajava. De que mais ele precisava? Buck parecia estar vivendo o personagem de um filme de ficção. Sem dúvida alguma, ele tinha sobrevivido ao evento mais cataclísmico da História. Constatou que não havia tido um segundo para pensar nas últimas duas semanas. Não fosse pelas tragédias pessoais que havia testemunhado, ele teria acreditado em sua teoria de que o universo ficara fora de controle.
Ele desejava encontrar esse Bruce Barnes, sem mesmo pretender entrevistá-lo para um artigo. Buck estava agora fazendo uma busca pessoal, procurando satisfazer às profundas carências de seu ser. Por longos anos, ele tinha rejeitado a idéia de um Deus pessoal ou que tivesse necessidade desse Deus - se houvesse um. Ele teria de acostumar-se a essa idéia. O capitão Steele afirmara que todos somos pecadores. Buck era realista a tal respeito. Ele sabia que sua vida jamais se nivelaria à de um professor de Escola Dominical. Mas tinha sempre esperado que, se algum dia se colocasse diante de Deus, seu lado bom superaria o mau e que, em termos relativos, ele era tão bom ou melhor do que muita gente.
Agora, se Rayford Steele e todos os versículos de sua Bíblia devessem ser aceitos, não fazia diferença se Buck fosse bom ou mau ou onde ele se situava em relação a outras pessoas. Uma expressão antiga o intrigava e estava freqüentemente em sua cabeça: "Não há nenhum justo, nem um sequer." Ele nunca se considerou justo, neste sentido bíblico. Podia ele avançar um pouco mais e admitir sua necessidade de Deus, de seu perdão, de Cristo?
Seria possível? Poderia ele estar na iminência de tornar-se um cristão nascido de novo? Ele se sentiu um tanto aliviado quando Rayford Steele usou essa expressão. Buck tinha lido e até mesmo escrito sobre "esses tipos" de pessoa; porém, apesar de ter uma vasta cultura sobre assuntos do mundo, ele nunca alcançou exatamente o sentido da expressão. Ele havia sempre considerado o termo "nascido de novo" equivalente a "militante da ala direitista" ou "fundamentalista". Daqui para a frente, se resolvesse dar um passo que nunca sonhara dar, se não pudesse mais, de certo modo, dissociar-se dessa verdade que se tornara intelectualmente incontestável, chamaria a si uma tarefa: ensinar ao mundo o significado verdadeiro dessa curta expressão.
Buck finalmente cochilou no sofá da sala de estar, apesar da lâmpada acesa perto de seu rosto. Ele dormiu profundamente umas duas horas, mas acordou a tempo de chegar ao aeroporto. A expectativa de surpreender Chloe e viajar com ela deu-lhe forças para superar sua fadiga. Mas ainda mais empolgante era a possibilidade de encontrar em Chicago outro homem com respostas, um homem em quem confiava simplesmente pela recomendação de um piloto que parecia expor a verdade com autoridade. Seria interessante dizer a Rayford Steele algum dia quanto aquela entrevista aparentemente inócua tinha significado para ele. Buck, porém, admitia que Steele já havia sentido isso. Talvez fosse por esse motivo que Steele parecia tão apaixonado pelo assunto.
Se aquele acontecimento indicava que em breve se iniciaria o período de tribulação profetizado na Bíblia, e não havia nenhuma dúvida a respeito, Rayford considerava em sua mente se haveria alguma alegria nisto. Bruce parecia achar que não haveria, apesar dos poucos convertidos que sua igreja pudesse ter o privilégio de conseguir. Até aquele momento, Rayford sentia-se um fracassado. Embora estivesse certo de que Deus lhe dera as palavras e a coragem para expor a verdade, ele sentia que havia cometido um erro ao comunicar a mensagem a Hattie.
Talvez ela estivesse certa. Talvez ele tivesse sido egoísta. Talvez ele estivesse querendo aliviar de seus ombros o peso da culpa que sentia. Mas ele sabia mais. Diante de Deus, acreditava que seus motivos eram puros. Entretanto, ficou evidente que ele só conseguira convencer Hattie de estar sendo sincero e de ter algo em que acreditar, nada mais. Até que ponto isso era bom? Se Hattie não tivesse aceitado o que ele lhe dissera, teria de assumir que ele acreditava em uma fantasia, ou então teria de admitir que desprezava a verdade. O que ele transmitira a ela não deixava espaço para outra opção.
E quanto a seu desempenho durante a entrevista com Cameron Williams? Naqueles momentos, Rayford sentira-se confortável, expondo com clareza, calma e racionalidade. Reconhecia que estava tratando de temas revolucionários, dissonantes, mas sentia que Deus o havia capacitado a falar com lucidez. No entanto, se não conseguiu despertar nenhuma reação no repórter além de uma atenção especial, que tipo de testemunha podia ser ele? Do fundo da sua alma, Rayford desejava ser mais eficaz. Acreditava que tinha desperdiçado sua vida antes disto e dispunha agora somente de um curto período para compensar o tempo perdido. Seria eternamente grato por sua salvação, mas agora desejava compartilhá-la, trazendo mais pessoas a Cristo. A entrevista foi uma oportunidade extraordinária, mas no íntimo sentia que não tinha se saído bem. Valeria a pena orar para conseguir outra chance? Rayford acreditava que não seria mais Cameron Williams. O repórter não telefonaria para Bruce Barnes, e as palavras de Rayford jamais seriam vistas nas páginas do Semanário Global.
Enquanto Rayford se barbeava, tomava banho e se vestia, ouviu Chloe arrumando a mala. Ela havia ficado nitidamente embaraçada por causa dele na noite anterior. Provavelmente, chegou a desculpar-se com o Sr. Williams pelas divagações absurdas de seu pai. Pelo menos, ao subir, ela deu uma batidinha na porta do quarto dele para dizer boa noite. Já era alguma coisa, não era?
Toda vez que pensava em Chloe, Rayford sentia um aperto no peito, um grande vazio e angústia. Ele podia conviver com suas outras falhas, se fosse o caso, mas seus joelhos quase se dobraram enquanto orava silenciosamente por Chloe. Não posso perdê-la, pensou, acreditando que seria capaz de trocar a própria salvação pela salvação da filha, se fosse necessário.
Com esta disposição, ele sentiu que Deus lhe falava, mostrando-lhe que esse era precisamente o preço exigido para ganhar almas e guiá-las a Cristo. Essa tinha sido a atitude de Jesus, que tomou sobre si a punição que cabia a homens e mulheres, a fim de que pudessem ser salvos.
Rayford reuniu novas forças enquanto orava por Chloe, ainda lutando com o temor incômodo do fracasso. "Deus, preciso de ânimo", disse ele sussurrando. "Preciso saber se não a afastei de mim para sempre." Chloe lhe dera boa noite, mas ele também a ouviu chorando ao deitar-se.
Ele surgiu diante dela trajando uniforme e sorriu quando a viu à frente da porta, vestida com simplicidade para viajar.
- Está pronta, doçura? - perguntou ele, tentando iniciar uma conversa.
Ela afirmou com um gesto, esboçou um sorriso e, em seguida, deu-lhe um abraço longo e apertado, pressionando o rosto contra o peito dele. Obrigado, orou ele em silêncio, sem saber se devia dizer alguma coisa. Seria aquele o momento? Teria coragem de pressioná-la?
Rayford sentiu de novo a presença de Deus, como se Ele estivesse dizendo diretamente à sua alma: Paciência. Não insista. Não insista. Manter-se em silêncio parecia muito difícil. Chloe também não disse nada. Eles comeram um desjejum leve e partiram para o aeroporto.
Chloe foi a primeira passageira a entrar no avião.
- Vou tentar vê-la durante o vôo - disse Rayford antes de se dirigir à cabina de comando.
- Não se preocupe, se não puder - disse ela. - Eu compreendo.
Buck esperou até que todos os passageiros estivessem a bordo. Quando se aproximou de sua poltrona ao lado de Chloe, ela estava virada para a janela, braços cruzados, o queixo apoiado na mão. Não dava para perceber se ela estava com os olhos abertos. Buck esperava que ela se voltasse e olhasse para ele ao sentar-se, e não pôde evitar um sorriso antevendo sua reação, mas, por outro lado, estava ligeiramente preocupado que ela fosse menos expansiva do que esperava.
Ele sentou-se e aguardou, mas ela não se voltou. Estaria dormindo? Olhando fixamente para alguma coisa? Meditando? Orando? Talvez estivesse chorando Buck esperava que não. Ele já se preocupava muito com ela e não queria vê-la sofrendo.
E agora ele estava diante de um problema. Enquanto espreitava, à espera de que Chloe mudasse de posição para vê-lo, ele se sentiu extremamente fatigado. Seus músculos e juntas doíam, os olhos ardiam. A cabeça pesava como chumbo. Não queria de jeito nenhum cair no sono para que ela não o visse a seu lado.
Buck fez um gesto chamando a atenção da aeromoça.
- Um café, por favor - pediu ele sussurrando. O efeito temporário da cafeína permitiria que ele ficasse acordado por mais algum tempo.
Ao notar que Chloe não se mexia nem mesmo para dar atenção às instruções de segurança, Buck ficou impaciente. No entanto, não queria chamar a atenção para si. Ele queria ser descoberto. E esperou.
Ela devia ter ficado cansada naquela posição, porque se ajeitou um pouco na poltrona e esticou as pernas, usando os pés para empurrar a frasqueira para debaixo da poltrona da frente. Tomou o último gole de suco e colocou o copo sobre a bandeja entre ambos. Ela avistou as botas de couro de pelica de Buck, as mesmas que ele usara na véspera. Seu olhar foi subindo até encontrar o rosto sorridente e ansioso de Buck.
A reação de Chloe mais do que compensou a espera. Ela fechou as mãos e juntou-as de encontro aos lábios, os olhos marejados. Em seguida, segurou a mão dele entre as suas.
- Oh! Buck - ela sussurrou. - Oh! Buck.
- Que bom revê-la - disse ele.
Chloe soltou rapidamente a mão de Buck e recolheu as suas.
- Não quero agir como uma escolar - disse ela -, mas você alguma vez já recebeu uma resposta direta de oração?
Buck olhou para ela fixamente.
- Pensei que seu pai fosse o único que ora em sua família.
- É ele - disse Chloe. - Mas eu tentei minha primeira oração depois de anos, e Deus a respondeu.
- Você orou para que eu me sentasse aqui a seu lado?
- Oh! não, jamais teria sonhado com uma coisa impossível. Como você conseguiu, Buck?
Ele contou-lhe.
- Não foi difícil, uma vez que eu sabia a hora de seu vôo, e eu disse que estaria viajando com você para que ficássemos juntos.
- Mas por quê? Aonde você vai?
- Você não sabe para onde este avião está indo? San José, na Califórnia, espero.
Ela riu.
- Mas prossiga, Chloe. Termine sua história da oração. Eu nunca tive resposta a uma oração.
- É uma longa história.
- Acho que temos tempo.
Ela segurou novamente a mão dele.
- Buck, isto é muito especial. É a coisa mais linda que alguém já fez por mim durante muito tempo.
- Você disse que ia sentir falta de mim, mas não estou aqui somente por sua causa. Tenho negócios em Chicago.
Ela deu uma risadinha e continuou:
- Eu não estava falando de você, Buck, embora esteja muito contente de tê-lo aqui. Estava falando a respeito de Deus fazendo uma coisa linda para mim.
Buck não pôde esconder seu desapontamento.
- Eu sabia - disse ele.
Então ela contou-lhe sua história.
- Você pode ter notado que eu estava muito perturbada ontem à noite. Fiquei muito comovida com a história de meu pai. Quero dizer, eu já tinha ouvido antes. Mas, de repente, ele pareceu tão amoroso, tão interessado nas pessoas. Você pôde perceber quão importante foi para ele e quão sério ele estava?
- Quem não percebeu?
- Se eu não soubesse, Buck, teria pensado que ele estava tentando convertê-lo, em vez de apenas responder às suas perguntas.
- Acho que ele estava.
- Ele ofendeu você?
- Não, absolutamente, Chloe. Para dizer a verdade, ele me comoveu, mexeu com meus sentimentos.
Chloe silenciou e meneou a cabeça. Quando finalmente falou, estava quase sussurrando, e Buck teve de inclinar-se para ouvi-la. Ele gostava do som de sua voz.
- Buck - disse ela - também fiquei comovida, e não foi por causa de meu pai.
- Muito esquisito - disse ele. - Passei a metade da noite pensando nisso.
- Não vai demorar muito para um de nós aceitar, vai? -perguntou ela. Buck não respondeu, mas ele sabia o que ela quis dizer.
- Quando eu vou ter a resposta a uma oração? - ele instigou.
- Oh! logo. Eu estava sentada naquele restaurante ouvindo meu pai despejando suas experiências e sentimentos em cima de você e, repentinamente, percebi por que ele queria minha companhia quando disse a mesma coisa a Hattie. Eu lhe causei tantos problemas antes que ele se afastou de mim. Agora que ele tem o conhecimento e a real necessidade de me convencer, está com receio de falar diretamente comigo. Ele queria que eu ouvisse por meios indiretos. E foi o que aconteceu. Não ouvi como ele começou, porque Hattie e eu estávamos no toalete, mas, na verdade, eu já tinha ouvido antes. Quando retornei, me senti arrasada.
- Não se tratava de novidade para mim. Foi novidade' quando ouvi diretamente de Bruce Barnes e vi aquele videoteipe, mas meu pai logo manifestou insistência e confiança. Buck, não há outra explicação para aqueles dois homens em Jerusalém, há? Só podem ser as duas testemunhas mencionadas na Bíblia. Buck assentiu com a cabeça.
- Papai e Deus estavam procurando convencer-me a abraçar a fé, mas eu ainda não me sentia preparada. Eu estava chorando porque amo muito meu pai e porque é a verdade. Tudo isso é verdade, Buck, você sabia?
- Acho que sim, Chloe.
- Mas ainda não tive oportunidade de contar a meu pai. Eu não sabia o que estava no meu caminho. Sempre fui independente e obstinada. Sei que ele ficou frustrado comigo, talvez desapontado, e tudo o que pude fazer foi chorar. Eu tive de pensar, tentar orar, suportar aquela crise emocional. Hattie não ajudou em nada. Ela não aceita e talvez jamais aceitará. Tudo o que lhe interessa é banal, como tentar planejar um casamento de nós dois.
Buck sorriu e procurou parecer insultado.
- E isso é banal?
- Bem, comparado ao que estamos tratando neste momento, tenho de dizer que sim.
- Neste ponto você está certa - disse Buck. Ela riu.
- Eu sabia que alguma coisa estava errada com papai, por isso fiquei conversando com você durante uns três minutos antes de subir.
- Menos do que isso, provavelmente.
- Quando cheguei à nossa suíte, ele já estava na cama. Disse-lhe boa noite apenas para ter a certeza de que ele não estava aborrecido comigo. Ele não estava. E então fiquei me revirando na cama, ainda não preparada para dar o último passo, chorando por causa da angústia de meu pai por minha causa e por ele me amar tanto.
- Isso aconteceu enquanto eu estava acordado, provavelmente - disse Buck.
- Mas - continuou Chloe - esta não é normalmente minha conduta. Mesmo quando concordo, sou difícil de dar o braço a torcer. Você me entende?
Buck fez um sinal afirmativo.
- Estou passando pela mesma experiência.
- Já me convenci - disse ela -, mas ainda estou lutando. Considero-me uma intelectual. Tenho amigos críticos a quem tenho de dar explicações. Quem vai acreditar nisso? Todos vão julgar que perdi a cabeça.
- Creia-me, eu compreendo - disse Buck, surpreso com as semelhanças entre ambos.
- Foi por isso que fiquei tolhida - disse ela. - Eu não estava indo a lugar algum. Tentei incentivar meu pai deixando de ser tão distante, mas posso dizer que ele me viu sofrendo, embora não creia que ele tivesse idéia de que eu estava muito perto de tomar uma decisão. Embarquei neste avião, desesperada por ficar sozinha, e comecei a cogitar se Deus responde às orações antes de nos tornarmos... Hã, você sabe, antes de sermos realmente um...
- Cristão nascido de novo - interveio Buck.
- Exatamente. Não sei por que isso é tão difícil para eu dizer. Talvez alguém que conheça melhor o assunto possa me dizer com certeza, mas orei e penso que Deus respondeu. Diga-me uma coisa, Buck, com base em seus conhecimentos e razão. Se existe um Deus e se isto tudo for verdadeiro, será que ele não gostaria que tomássemos conhecimento? Eu me explico: Deus não deseja dificultar nossa compreensão e Ele não deixaria, ou, melhor dizendo, não poderia deixar, uma oração desesperada sem resposta, poderia?
- Penso que não.
- Eu também. Por isso, acho que foi um bom teste, um teste razoável, e que minha oração foi aceita. Estou convencida de que Deus respondeu.
- E eu fui a resposta.
- E você foi a resposta.
- Chloe, você orou para que exatamente?
- Ah! bom, a oração em si não foi grande coisa, até ser respondida. Eu simplesmente disse a Deus que precisava aprender um pouco mais. Eu sentia que tudo o que tinha ouvido e tudo o que soube por meio de meu pai não era suficiente. Apenas orei com real sinceridade e disse que gostaria que Deus me mostrasse que Ele se importava comigo, que Ele sabia o que estava acontecendo, e que Ele queria que eu soubesse que Ele estava presente.
Buck sentiu uma estranha emoção - que, se ele tentasse expressá-la, sua voz sairia rouca, truncada, e ele seria incapaz de completar uma sentença. Ele comprimiu a boca com a mão procurando recompor-se. Chloe olhava fixamente para ele.
- E você sente que eu fui a resposta daquela oração? - disse ele por fim.
- Não tenho nenhuma dúvida. Veja, como eu disse, nem mesmo poderia imaginar que uma oração o colocasse aqui ao meu lado neste grande dia de minha vida. Não estava nem mesmo certa de voltar a vê-lo. Mas é como se Deus soubesse melhor do que eu que não havia mais ninguém que eu desejasse encontrar hoje além de você.
Buck estava sensibilizado, emocionado, sem palavras. Ele também havia desejado revê-la. Não fosse assim, poderia ter embarcado no vôo de Hattie, mais cedo, ou em qualquer outro dentre as dezenas que fariam o mesmo trajeto Nova York-Chicago naquela manhã. Buck apenas olhou para ela.
- E então, o que você vai fazer agora, Chloe? Parece-me que Deus atendeu ao seu desafio. Não foi exatamente um desafio, mas você pediu e Ele atendeu. Significa que você está agora obrigada a corresponder.
- Não tenho outra escolha - concordou ela. - E quero corresponder. De tudo o que foi possível reunir das explicações de Bruce Barnes, do videoteipe e de papai, não precisamos ter alguém nos conduzindo, nem estar numa igreja ou em qualquer outro lugar. Assim como eu orei para ter um sinal mais claro, posso orar a este respeito.
- Seu pai deixou tudo muito claro ontem à noite.
- Você quer se aliar a mim? - perguntou ela.
Buck hesitou.
- Não desejo ofendê-la, Chloe, mas não estou preparado.
- Do que mais você precisa?... Oh! sinto muito, Buck. Estou fazendo exatamente o que meu pai fez no dia em que se tornou cristão. Ele mal podia ajudar a si mesmo, e eu fui tão horrível com ele. Mas, se você não está preparado, tudo bem.
- Não preciso ser forçado - disse Buck. - Como você, sinto que estou bem na porta da entrada. Mas estou muito cauteloso. Quero falar com esse Barnes ainda hoje. Tenho de dizer a você, entretanto, que as minhas dúvidas remanescentes mal podem comparar-se ao que está acontecendo com você.
- Você sabe, Buck - disse Chloe -, prometo que esta será a última coisa que digo sobre isso, mas estou pensando do mesmo modo que papai. Tenho urgência de dizer-lhe para não demorar muito, porque nunca se sabe o que pode acontecer.
- Entendo - disse ele. - Vou ter de admitir que este avião não vai cair porque ainda sinto a necessidade de falar com Barnes, mas você sabe aonde quer chegar.
Chloe voltou-se e olhou por cima do ombro.
- Há dois lugares vagos bem ali - disse ela. Ela parou uma aeromoça que passava.
- Você pode dar um recado ao meu pai?
- Certamente. Ele é o capitão ou o co-piloto?
- Capitão. Por favor, diga-lhe que sua filha tem uma notícia extremamente boa para ele.
- Notícia extremamente boa - repetiu a aeromoça.
Rayford estava pilotando o avião manualmente como passatempo quando a chefe do serviço de bordo entregou-lhe a mensagem. Ele não tinha a menor idéia do que aquilo significava, mas pareceu-lhe tão inusitado que Chloe tomasse a iniciativa de fazer a comunicação naqueles termos que ele ficou intrigado.
Ele pediu ao co-piloto que assumisse o comando da aeronave, livrou-se dos cintos de segurança, dirigiu-se à primeira classe e surpreendeu-se ao ver Cameron Williams. Ele esperava que Williams não fizesse parte da notíca extremamente boa de Chloe. Na expectativa de que o repórter estivesse a caminho de cumprir sua promessa de encontrar-se com Bruce Barnes, Rayford também esperava que Chloe não estivesse para anunciar o início de um precipitado e duvidoso romance.
Ele e Buck apertaram-se as mãos, e Rayford expressou uma agradável, porém cautelosa surpresa. Chloe enlaçou seu pescoço com ambos os braços e o puxou suavemente para um lugar em que pudessem conversar em voz baixa.
- Papai, você poderia sentar-se ali por uns dois minutos para conversarmos?
Buck percebeu certo desapontamento nos olhos do capitão Steele. Ele queria dizer ao piloto por que estava feliz por viajar a Chicago. Sentar-se perto de Chloe tinha sido somente um prêmio extra. Ele observou do outro lado, mais atrás, Steele e a filha entregues a uma animada conversa e, em seguida, orando juntos. Buck indagava-se se haveria algum regulamento na aviação contra isso. Ele sabia que Rayford não podia ficar ali na companhia da filha por muito tempo.
Em poucos minutos, Chloe levantou-se, e ambos se abraçaram. Pareciam inundados de emoção. Um casal de meia-idade no lado oposto do corredor inclinou-se e ficou olhando de sobrancelhas erguidas. O capitão percebeu, aprumou-se e caminhou em direção à cabina de comando.
- Minha filha - disse ele desajeitadamente, apontando para Chloe, que sorria entre lágrimas. - Ela é minha filha.
O casal trocou olhares, e a mulher falou:
- Muito bem. E eu sou a rainha da Inglaterra - enquanto Buck soltava uma estrepitosa gargalhada.



VINTE E TRÊS


BUCK telefonou para a Igreja Nova Esperança marcando um encontro com Bruce Barnes para o começo da noite e passou a maior parte da tarde na sucursal do Semanário Global em Chicago. A notícia de que ele seria o novo chefe da sucursal correra de boca em boca, e ele foi cumprimentado com certa frieza pela ex-assistente de Lucinda Washington, uma jovem difícil de lidar. Ela lhe disse em termos inequívocos:
- Plank nada fez para substituir Lucinda, por isso entendi que deveria ocupar seu lugar.
A atitude e presunção dela forçaram Buck a responder:
- É improvável, mas você será a primeira a saber. Eu não mudaria de sala por enquanto.
Os demais da equipe ainda lamentavam o desaparecimento de Lucinda e se mostraram satisfeitos com a visita de Buck. Steve Plank raramente vinha a Chicago e não tinha visitado a sucursal desde o desaparecimento de Lucinda.
Buck instalou-se no antigo escritório de Lucinda, entrevistando os funcionários-chave com intervalos de 20 minutos. Distribuiu o trabalho entre eles e perguntou-lhes quais eram suas teorias a respeito do que acontecera. A pergunta final era: "Onde você acha que Lucinda Washington está agora?" Mais da metade deles pediram que suas respostas não fossem citadas, mas expressaram de modo geral que, "se existisse um céu, era lá que ela estava".
Próximo do final do dia, Buck foi informado de que a televisão estava transmitindo importantes notícias diretamente da ONU. Ele convidou a equipe a ir a sua sala e assistirem juntos ao noticiário. "Na mais dramática e inusitada mudança jamais ocorrida em uma organização internacional", disse o apresentador, “o presidente romeno Nicolae Carpathia foi guindado, com relutância, à liderança da ONU por quase unanimidade de votos”. Carpathia, que insistia em mudanças radicais na direção e jurisdição do organismo, condição indispensável para que pudesse aceitar o cargo, tornou-se há poucos momentos secretário-geral.
"Até o final desta manhã, seu assessor de imprensa e porta-voz, Steve Plank, ex-editor-executivo do Semanário Global, tinha negado o interesse de Carpathia pelo cargo e esboçou numerosas exigências sobre as quais o romeno insistia antes mesmo de considerar o novo cargo. Plank disse que o pedido para a eleição de Carpathia partiu do seu próprio antecessor, secretário-geral Mwangati Ngumo, de Botsuana. Perguntamos a Ngumo por que renunciava ao cargo."
O rosto de Ngumo tomava toda a tela, olhos tristonhos, expressão cuidadosamente disfarçada. "Fazia muito tempo que eu estava cônscio de que minha lealdade dividida entre meu país e a Organização das Nações Unidas me levara a ser menos eficaz em ambas as funções. Tive de escolher, e sou, antes de mais nada, um botsuano. Tenho agora a oportunidade de tornar próspero meu país, devido à generosidade de nossos amigos em Israel. Este é o momento certo, e o novo secretário é mais do que preparado. Vou cooperar com ele ao máximo."
"O senhor teria deixado o cargo se o Sr. Carpathia recusasse a posição?"
Ngumo hesitou. "Sim", disse ele, "eu teria. Talvez não hoje, nem com muita confiança no futuro da ONU, mas, finalmente, sim."
O repórter da televisão continuou: “Em questão de horas, todas as exigências que Carpathia definiu numa entrevista à imprensa nesta manhã transformaram-se em matéria oficial, votadas e ratificadas pelos membros do organismo”. Dentro de urn ano, a sede da ONU será transferida para Nova Babilônia. A composição do Conselho de Segurança passará a ter dez membros permanentes dentro de um mês, e uma coletiva à imprensa está sendo esperada para segunda-feira pela manhã, durante a qual Carpathia apresentará várias pessoas de sua escolha para atuarem como delegados junto à organização.
"Não há nenhuma garantia, naturalmente, de que mesmo os países membros sejam unânimes na decisão pretendida de destruírem 90% de seus arsenais bélicos e entregar à ONU os restantes 10%. Mas vários embaixadores expressaram sua confiança 'de equipar e armar uma instituição internacional de pacificação, tendo em sua direção pacifistas e ativistas radicais comprometidos com o desarmamento. O próprio Carpathia , foi citado ao afirmar: 'A ONU não vai precisar de um poder militar, se cada país abrir mão de seus armamentos, e espero pelo dia em que a própria ONU seja desarmada.'
"Como resultado das reuniões de hoje, foi anunciado também um pacto de paz pelo período de sete anos entre os membros da ONU e Israel, garantindo as fronteiras desse país e prometendo paz na região. Em troca dessa garantia, Israel permitirá à ONU que franqueie seletivamente o uso da fórmula de seu fertilizante, desenvolvida pelo ganhador do prêmio Nobel, Dr. Chaim Rosenzweig, que transformou as estéreis areias do deserto em terras cultiváveis e transformou Israel em importante país exportador."
Buck olhava atentamente quando a emissora focalizou o entusiasmo de Rosenzweig e o endosso inequívoco de Carpathia. As notícias também davam conta de que Carpathia havia solicitado a vários grupos internacionais, presentes em Nova York com o objetivo de se reunir no próximo fim de • semana, que elaborassem propostas, resoluções e acordos. "Insisto em que eles se esforcem para apresentar rapidamente um plano que contribua para a paz mundial e para a união global."
Um repórter perguntou a Carpathia se incluía esse plano uma única religião universal e, possivelmente, um único governo. Sua resposta: "Penso em um processo mais estimulante do que uma união entre as religiões do mundo. Alguns dos piores exemplos de discórdias e lutas têm surgido entre grupos cuja missão fundamental é o amor entre as pessoas. Cada devoto de uma religião autêntica deve acolher com alegria este potencial. O tempo do ódio já passou. Os que amam a humanidade estão se unindo."
O âncora do noticiário continuou: "Entre os fatos que se desenrolaram hoje, há rumores sobre a organização de grupos que defendem um governo mundial único. Foi perguntado a Carpathia se ele aspirava a uma posição de liderança em tal organização."
Carpathia olhou diretamente para a câmera do pool da rede de emissoras e, com os olhos úmidos e voz embargada, disse: "Fiquei muito comovido ao ser solicitado a servir como secretário-geral da ONU. Não aspiro a qualquer outra coisa. Embora a idéia de um governo universal único ressoe profundamente em mim, posso somente dizer que há candidatos muito mais qualificados para liderar tal organização. Seria para mim um privilégio servir de qualquer forma, sempre que solicitado, e, embora não me veja ainda no papel de líder, vou empregar os recursos da ONU nesse sentido, se assim desejarem."
Macio, pensou Buck, com as idéias desfilando na cabeça. Enquanto os comentaristas e líderes mundiais defendiam a moeda universal, uma língua única até e mesmo a generosidade de Carpathia ao expressar seu apoio à reconstrução do templo em Jerusalém, a equipe da sucursal do Semanário Global em Chicago parecia em clima de festa. "Esta é a primeira vez depois de muitos anos que me sinto otimista acerca da sociedade", disse um repórter.
Outro acrescentou: "Esta é a primeira vez que sorrio desde os desaparecimentos. Creio que devemos ser objetivos e céticos, mas como é possível não gostar disso? Serão precisos anos para realizar o que ele pretende, mas algum dia, de algum modo, vamos conhecer a paz mundial. Sem armas, sem guerras, sem disputas de fronteiras nem intolerância lingüística ou religiosa. Caramba! Quem acreditava que chegaríamos a este ponto?"
Buck recebeu um telefonema de Steve Plank.
- Você está vendo o que está se passando? - perguntou Plank.
- Quem não está?
- Empolgante, não acha?
- Sensacional.
- Ouça, Carpathia quer você aqui na segunda-feira de manhã.
- Para quê?
- Ele gosta de você, homem. Não perca esta chance. Antes da entrevista com a imprensa, ele vai reunir-se com seu pessoal de primeiro escalão e com os dez delegados permanentes do Conselho de Segurança.
- E ele me quer lá?
- Sim. E você pode imaginar quem são alguns de seu primeiro escalão.
- Diga-me.
- Bem, um deles é óbvio. -Stonagal.
- Claro.
- E, quanto a Todd-Cothran, acredito que vai ser um novo embaixador do Reino Unido.
- Talvez não - disse Steve. - Outro britânico está lá. Não sei seu nome, mas ele também está neste grupo financeiro internacional que Stonagal comanda.
- Você acha que Carpathia pediu a Stonagal a indicação de outro seu protegido, no caso de Carpathia querer queimar Todd-Cothran?
- Pode ser, mas ninguém ousa pedir alguma coisa a Stonagal.
- Nem mesmo Carpathia?
- Nem mesmo Carpathia. Ele conhece quem o levou ao poder. Mas ele é honesto e sincero, Buck. Nicolae não vai fazer nada ilegal nem secreto nem mesmo muito político. Ele é puro. Puro como a neve. E então, você pode vir?
- Creio que sim. Quantos da imprensa vão estar aí?
- Você está preparado para ouvir? Somente você.
- Você está brincando.
- Falo sério. Ele gosta de você, Buck. - Qual é a jogada?
- Não há jogada nenhuma. Ele não pediu nada, nem mesmo uma reportagem favorável. Ele sabe que você precisa ser objetivo e equilibrado. A mídia em geral tomará conhecimento de tudo na entrevista coletiva, mais tarde.
- Evidentemente não posso perder essa oportunidade - disse Buck, certo de que suas palavras não eram convincentes.
- Qual é o problema, Buck? Isto faz parte da História! Este é o mundo da forma que sempre desejamos e esperamos.
- Espero que você esteja certo.
- Eu estou certo. Há alguma coisa mais que Carpathia deseja.
- Então há uma jogada.
- Não, nada que dependa de uma jogada. Se você não pode fazer, não pode, e pronto. Você será bem-vindo do mesmo modo na segunda de manhã. Mas ele quer ver novamente aquela sua amiga aeromoça.
- Steve, ninguém mais usa o termo aeromoça. Elas são comissárias de bordo.
- Que seja. Traga-a com você, se for possível.
- Por que ele não pede diretamente a ela? O que sou agora, um alcoviteiro?
- Vamos, Buck. Não é nada disso. Uma pessoa solitária numa posição como a dele? Ele não pode sair por aí atrás de namoros. Você a apresentou, lembra-se? Ele confia em você.
Ele deve confiar mesmo, pensou Buck, já que está me convidando para uma reunião antes da entrevista à imprensa. - Vou pedir a ela - disse. - Não prometo nada.
- Não me decepcione, companheiro.
Rayford Steele estava tão feliz como no dia em que tomou a decisão de aceitar Cristo. Ver Chloe sorrir, ver sua fome de ler a Bíblia de Irene, ser capaz de orar com ela e trocar idéias era mais do que ele tinha sonhado.
- Uma coisa que precisamos fazer - disse ele - é você ter uma Bíblia só sua. Você vai acabar gastando esta.
- Quero participar daquele núcleo dirigente - disse ela. -Desejo aprender tudo com Bruce, desde o início. A única parte que me incomoda é que parece que as coisas vão piorar.
No fim da tarde, eles apareceram na igreja para falar com Bruce, que pôde constatar pessoalmente a conversão de Chloe.
- Estou emocionado por recebê-la em nossa família - disse ele -, mas você tem razão. O povo de Deus está vivendo dias tenebrosos. Todos estão. Tenho pensado e orado sobre o que podemos fazer como igreja no espaço de tempo que nos resta, de agora até o Glorioso Aparecimento.
Chloe quis saber o que isso significava, e Bruce mostrou-lhe na Bíblia por que acreditava que Cristo retornaria em sete anos, no final da Tribulação.
- Muitos cristãos serão martirizados ou morrerão em conseqüência de guerras, fome, pragas ou terremotos - disse ele.
Chloe sorriu.
- Não é nada divertido - disse ela -, mas acho que eu devia ter pensado nisso antes desta minha decisão. Você vai ter dificuldade de convencer as pessoas a juntar-se à causa de Cristo diante dessa perspectiva sombria.
Bruce fez uma careta.
- Sim, mas a alternativa é pior. Todos nós perdemos a primeira oportunidade. Poderíamos estar no céu neste momento, se tivéssemos ouvido nossos amados que se foram. Eu não gostaria de ter uma morte horrível durante este período, mas é muito melhor do que ficar perdido para sempre. Todos os outros também correm o risco de ter uma morte horrível. A única diferença é que podemos ter outro tipo de morte.
- Como mártires.
- Exatamente.
Rayford apenas ouvia, consciente do quanto este mundo tinha mudado em tão curto tempo. Não ia tão longe assim a época em que tinha sido urn piloto respeitado, no auge de sua carreira, vivendo uma vida falsa, vazia. Agora aqui estava ele, conversando secretamente no escritório de uma pequena igreja com sua filha e um jovem pastor, tentando determinar como teriam de viver sete anos de tribulação após o Arrebatamento da Igreja.
- Temos nosso núcleo dirigente - disse Bruce -, e Chloe, você é bem-vinda ao nosso meio, se estiver seriamente comprometida com sua fé.
- Qual é a opção? - perguntou ela. - Se o que você estiver dizendo for verdadeiro, não vai adiantar lutar contra os acontecimentos.
- Você tem razão. Mas eu estava pensando também num grupo menor dentro do núcleo dirigente. Estou procurando pessoas de inteligência e coragem acima do normal. Não quero depreciar a sinceridade e dedicação dos demais na igreja, especialmente aqueles da equipe de liderança. Mas alguns deles são tímidos, alguns são velhos, muitos são fracos. Tenho orado sobre um tipo de círculo fechado, composto de pessoas que queiram fazer mais do que apenas sobreviver.
- O que você está pretendendo? - perguntou Rayford. -Passar para a ofensiva?
- Alguma coisa parecida. Penso em um lugar escondido aqui, onde poderíamos estudar e compreender o que está-se passando, para evitar que sejamos enganados. É maravilhoso orar pelas testemunhas que surgiram em Israel, e é muito bom saber que há outros grupos de crentes por todo o mundo. Mas você não sente o desejo de entrar nessa batalha?
Rayford estava curioso, mas não seguro. Chloe estava mais entusiasmada.
- Uma causa - disse ela. - Um ideal que nos impulsione a viver e morrer por ele.
-Sim!
- Um grupo, uma equipe, um comando - disse Chloe.
- Você chegou ao ponto. Um comando.
Os olhos de Chloe brilhavam ante essa perspectiva. Rayford ficou feliz ao ver o entusiasmo juvenil e a ansiedade da filha de comprometer-se com uma causa em questão de horas.
- E como você denominaria esse período? - perguntou ela.
- A Tribulação - disse Bruce.
- Portanto, seu grupo menor dentro do núcleo, uma espécie de Boinas Verdes, passaria a ser o Comando Tribulação.
- Comando Tribulação - confirmou Bruce, levantando-se para escrever no bloco de anotações. - Gostei. Mas não se iluda, não será nem um pouco divertido. Vai ser a causa mais perigosa a que alguém poderia associar-se. Teremos de estudar, nos preparar e evangelizar. Quando se tornar claro quem é o anticristo, o falso profeta, a falsa religião, teremos de nos opor a eles, falar contra eles. Seremos marcados.
Os cristãos que se contentarem em esconder-se em porões com suas Bíblias poderão escapar de muita coisa, menos dos terremotos e das guerras, mas nós estaremos expostos a tudo.
- Virá um tempo, Chloe, em que os seguidores do anticristo deverão ter o sinal da besta. Há todos os tipos de teorias sobre a forma que esse sinal terá, desde uma tatuagem até um carimbo ou selo na testa, que poderá ser detectado somente com luz infravermelha. Mas, certamente, nos recusaremos a receber essa marca. Esse nosso ato de desafio também terá uma marca própria. Seremos os desguarnecidos, os destituídos de proteção por não pertencermos à maioria. Você ainda deseja fazer parte do Comando Tribulação?
Rayford assentiu e sorriu diante da resposta firme de Chloe.
- Não quero ficar de fora de jeito nenhum.
Duas horas depois que os Steeles tinham saído, Buck Williams estacionou seu carro alugado em frente da Igreja Nova Esperança, em Monte Prospect, Illinois. Ele tinha uma sensação de expectativa mesclada com medo. Quem seria esse Bruce Barnes? Com quem se pareceria? E seria ele capaz de identificar um não-cristão por um simples olhar?
Buck ficou sentado no carro, a cabeça entre as mãos.
Ele tinha uma mente analítica, sabia disso, para tomar uma decisão precipitada. Mesmo sua decisão de sair de casa antes de procurar estudar e tornar-se um jornalista tinha sido planejada durante anos. Para sua família, a notícia soou como uma grande surpresa, mas para o jovem Cameron Williams cada passo seguinte tinha um sentido lógico, fazia parte de seu plano a longo prazo.
A situação de Buck naquele momento não fazia parte de qualquer plano. Nada do que havia acontecido desde aquele nefasto vôo a Heathrow tinha se encaixado em seu esquema predefinido.
Ele sempre gostou dos acasos da vida, mas administrava-os por meio da lógica e manipulava-os com racionalidade. O bombardeio em Israel o havia chocado; e mesmo naquela circunstância ele agira com racionalidade. Ele possuía uma carreira, uma posição, um papel. Fora designado para um trabalho em Israel, e, embora não cogitasse tornar-se um correspondente de guerra da noite para o dia, ele se preparara da mesma forma que havia organizado sua vida.
Mas nada o havia preparado para os desaparecimentos ou as mortes violentas de seus amigos. Embora estivesse preparado para a recente promoção, ela tampouco fazia parte de seu plano. Agora esse artigo sobre as teorias aproximava-o de chamas que ele nunca conhecera e que estavam ardendo em sua alma. Ele sentia-se abandonado, desprotegido, vulnerável, e no entanto este encontro com Bruce Barnes tinha sido idéia sua. Não havia dúvida de que o capitão-aviador foi ' quem lhe deu a sugestão, mas poderia tê-la rejeitado sem nenhum remorso. Esta viagem não tinha acontecido para que ' ele passasse umas poucas horas em companhia da bela Chloe, e não havia pressa de visitar a sucursal de Chicago. Ele estava ali, e sabia disso, para encontrar-se com Bruce. Buck sentia-se fisicamente exausto ao dirigir-se à igreja.
Foi uma agradável surpresa para Buck descobrir que ele e Bruce Barnes tinham quase a mesma idade. Bruce aparentava ser inteligente e sincero, exibindo a mesma autoridade e entusiasmo de Rayford Steele. Fazia muito tempo que Buck não entrava numa igreja. Esta parecia simples, razoavelmente nova e moderna, bem arrumada e eficiente. Eles se reuniram numa sala modesta.
- Seus amigos, os Steeles, disseram-me que o senhor me telefonaria antes de vir - disse Barnes.
Buck ficou perplexo com sua franqueza. No mundo em que Buck vivia, ele teria guardado para si aquela observação ríspida para ser usada no momento propício. Mas ele notou que o pastor não estava interessado em nenhum artifício. Nada havia a esconder. Em essência, Buck estava ali para receber informações, e Bruce, interessado em provê-las.
- Quero dizer-lhe de início - advertiu Bruce - que estou ciente de seu trabalho e respeito seu talento. Mas, para ser franco, não disponho mais de tempo para amenidades e conversas superficiais que costumavam caracterizar meu trabalho. Vivemos momentos de perigo. Tenho uma mensagem e uma resposta para pessoas que as buscam com real interesse. Digo a todos previamente que não vou me desculpar por aquilo que tenho a lhes dizer. Se esta é uma regra básica a que o senhor está habituado, tenho todo o tempo de que necessitar.
- Bem, senhor - disse Buck, um tanto vacilante pela emoção e humildade que percebeu na própria voz -, aprecio suas observações. Não sei quanto tempo será necessário, porque não estou aqui a negócio. Talvez fizesse sentido conhecer o ponto de vista de um pastor para minha reportagem, mas as pessoas podem deduzir o que os pastores pensam, especialmente depois que ouvi o depoimento de algumas pessoas que entrevistei.
- Como o capitão Steele. Buck acenou que sim.
- Estou aqui por interesse próprio e tenho de confessar-lhe francamente que não sei em que ponto estou nesta questão. Até pouco tempo atrás, eu jamais poria os pés num lugar como este nem sonharia com qualquer coisa intelectualmente compensadora que pudesse extrair daqui. Sei que, como jornalista, eu não devia estar dizendo estas coisas, mas, como o senhor está sendo honesto, vou colocar-me na mesma condição.
- Fiquei muito impressionado com o capitão Steele. É uma pessoa talentosa, raciocina com clareza, e está profundamente imbuído de suas convicções. O senhor parece ser uma pessoa inteligente, e... Não sei. Estou ouvindo, é tudo o que posso dizer.
Bruce começou contando a Buck a história de sua vida, que foi criado num lar cristão, estudou em um seminário, casou-se com uma cristã, tornou-se pastor, e assim por diante. Ele esclareceu que conhecia a história de Cristo e o caminho para o perdão e para um relacionamento com Deus.
- Eu pensava que tinha o melhor de ambos os mundos. Mas a Escritura diz claramente que não podemos servir a dois senhores. Não podemos ter os dois ao mesmo tempo. Descobri a verdade de uma forma muito cruel.
Ao falar sobre a perda de sua família, dos amigos e de todos os que lhe eram caros, ele chorou:
- A dor é muito grande até hoje, como no dia em que aconteceu - disse ele.
Em seguida, Bruce esboçou, como Rayford tinha feito, o plano de salvação do começo ao fim. Buck ficou nervoso, angustiado. Ele precisava de uma pausa. E interrompeu para perguntar se Bruce queria ouvir um pouco mais sobre ele.
- Certamente - anuiu Bruce.
Buck contou sua história, concentrando-se principalmente no conflito Rússia-Israel e nos difíceis 14 meses que se seguiram.
- Posso ver - interrompeu Bruce - que Deus está tentando atrair sua atenção.
- Bem, Ele conseguiu - disse Buck. - Tenho apenas de avisá-lo que não sou uma pessoa fácil de ser convencida. Tudo isso é interessante e me parece mais plausível do que nunca, mas não é do meu feitio aceitar repentinamente uma idéia.
- Ninguém pode forçá-lo ou impor-lhe qualquer coisa, Sr. Williams, mas devo também reiterar que vivemos momentos perigosos. Não sabemos quanto tempo temos para ponderações como estas.
- O senhor me faz lembrar Chloe Steele.
- E ela faz lembrar o pai - disse Bruce sorrindo.
- E ele, imagino, faz-me lembrar o senhor. Posso entender por que os senhores consideram isto tão urgente, mas como digo...
- Compreendo - disse Bruce. - Se o senhor dispõe de tempo neste momento, permita-me tomar um rumo diferente. Sei que o senhor é uma pessoa inteligente, por isso deve obter todas as informações de que necessita antes de se despedir de mim.
Buck respirou mais aliviado. Ele receava que Bruce estivesse prestes a fazer a pergunta que o forçaria a orar da forma como fizeram Rayford e Chloe. Ele admitia que isso seria parte do processo que assinalaria o início da inter-relação entre ele e Deus - a quem nunca se dirigira. Mas ele não estava pronto. Ao menos pensava que não estava. E não queria ser forçado.
- Vou retornar a Nova York somente segunda-feira pela manhã - disse ele -, por isso vou tomar tanto tempo quanto for possível do senhor esta noite.
- Não quero parecer mórbido, Sr. Williams, mas não tenho mais responsabilidades familiares. Tenho uma reunião com um grupo de cooperadores amanhã, e o domingo é dedicado à igreja. O senhor está convidado a comparecer. Mas tenho bastante energia para ir até meia-noite, se o senhor quiser.
- Estou disposto a ouvi-lo. Bruce dedicou várias horas mais dando a Buck um breve curso sobre profecias e os últimos dias. Buck ouvira muitas informações sobre o Arrebatamento e as duas testemunhas e tinha colhido informações esparsas sobre o anticristo. Mas Buck sentiu o sangue gelar nas veias quando Bruce falou sobre a grande religião única que se instalaria, o mentiroso, o pretenso pacificador que traria derramamento de sangue por meio da guerra, o anticristo que dividiria o mundo em dez reinos. Ele ficou em silêncio, evitando bombardear Bruce com perguntas ou comentários. Ele apenas fazia anotações tão rapidamente como podia.
Ousaria ele dizer a esse homem simples e sincero que acreditava que Nicolae Carpathia poderia ser exatamente o homem de quem as Escrituras falavam? Poderia isso ser coincidência? Seus dedos começaram a tremer quando Bruce lhe falou da profecia de um pacto de sete anos entre o anticristo e Israel, da reconstrução do templo, e mesmo de a Babilônia tornar-se a sede de uma nova ordem mundial.
Finalmente, quando chegou a meia-noite, Buck estava tomado de pavor, que se apoderava de todas as fibras de seu ser. Bruce Barnes não poderia ter tomado conhecimento dos planos de Nicolae Carpathia antes de serem anunciados nos noticiários da tarde. Até certo ponto, ele pensava em acusar Bruce de ter baseado tudo o que estava dizendo nas notícias transmitidas pela televisão, mas, mesmo que o tivesse feito, aqui estava, preto no branco, registrado na Bíblia.
- O senhor viu as notícias de hoje? - perguntou Buck.
- Hoje não - disse Bruce. - Estive em reuniões desde o meio-dia e ouvi apenas alguma coisa antes de o senhor chegar aqui.
Buck contou o que havia acontecido na ONU. Bruce empalideceu.
- Foi por isso que ouvi todos aqueles cliques em minha secretária eletrônica - disse Bruce. - Desliguei a campainha do telefone, portanto eu só sabia que alguém estava telefonando quando ouvia o clique da secretária eletrônica. As pessoas estão ligando para me dar a informação. Fazem isso com freqüência. Costumo falar sobre o que a Bíblia diz que pode acontecer, e, quando acontece, as pessoas ligam para dar a notícia ou deixam a mensagem na secretária eletrônica.
- O senhor acha que Carpathia é esse anticristo?
- Acho que não há outra conclusão.
- Mas eu realmente acreditei nesse homem.
- E por que não? A maioria de nós acreditou. Modesto, interessado no bem-estar das pessoas, humilde, desinteressado de poder e liderança. Mas o anticristo é um enganador. E ele tem o poder de controlar as mentes dos homens. Ele pode fazer as pessoas verem mentiras como sendo verdades.
Buck contou a Bruce a respeito do convite para a reunião antes da entrevista à imprensa.
- O senhor não deve ir - disse Bruce.
- Eu não posso deixar de ir - disse Buck. - Esta é a oportunidade da minha vida.
- Sinto muito - disse Bruce. - Não tenho autoridade sobre o senhor, mas permita-me rogar-lhe, adverti-lo sobre o que está para acontecer. O anticristo vai solidificar seu poder com uma demonstração de força.
- Ele já tem.
- Sim, mas parece que todos esses acordos a longo prazo que ele admitiu levarão meses ou anos para serem efetivados. Agora ele tem de mostrar parte dessa força. O que pode ele fazer para afirmar-se tão solidamente para que ninguém se lhe oponha?
- Não sei.
- Ele indubitavelmente tem motivos ocultos para desejá-lo nessa reunião.
- Não sou útil para ele.
- Seria, se ele o controlasse.
- Mas ele não me controla.
- Se ele for o maligno de quem a Bíblia fala, tem o poder de fazer quase tudo. Quero alertá-lo para não ir lá sem proteção.
- Um guarda-costas?
- Pelo menos. Mas, se Carpathia for o anticristo, você deseja enfrentá-lo sem Deus?
Buck se apavorou. Esta conversa era muito estranha para ele não admitir que Bruce estava usando qualquer argumento para que ele se convertesse. Não havia dúvida de que se tratava de uma questão sincera e lógica, entretanto Buck sentia-se pressionado.
- Sei qual é sua intenção - disse ele lentamente - mas acho que não vou ser hipnotizado ou algo assim.
- Sr. Williams, faça o que bem entender, mas estou suplicando. Se o senhor for àquele encontro sem Deus em sua vida, estará em perigo mortal e espiritual.
Ele mencionou a Buck sua conversa com os Steeles e como eles três em uníssono idealizaram o Comando Tribulação.
- Trata-se de um grupo composto de pessoas seriamente dispostas, que se oporão corajosamente ao anticristo. Eu espero que a identidade desse grupo não se torne evidente logo no início.
O Comando Tribulação mexeu com alguma coisa no íntimo de Buck. A idéia levou-o de volta aos seus primeiros dias como escritor, quando acreditava ter o poder de mudar o mundo. Ele ficava até altas horas da noite tramando com seus colegas como demonstrar coragem e audácia para se oporem à opressão, ao governo discricionário, à intolerância, Ele tinha perdido aquele fogo, aquele arroubo, ao longo dos anos, quando era elogiado por seus escritos. Ainda desejava fazer as coisas certas, mas tinha perdido a paixão pela filosofia "um por todos e todos por um", à medida que seu talento e fama começaram a ultrapassar os de seus colegas.
O idealista, o dissidente que havia nele, gravitava em torno dessas idéias, mas ele se conteve para não se convencer a tornar-se um discípulo de Cristo só por causa de um pequeno e sugestivo clube ao qual podia juntar-se.
- O senhor acha que posso participar da reunião desse grupo amanhã? - perguntou.
- Penso que não - ponderou Bruce. - Penso que o senhor o acharia interessante e, pessoalmente, creio que o grupo poderia ajudar a convencê-lo, mas ele está limitado à nossa equipe de líderes. Na verdade, vou reportar-lhes amanhã o que estamos conversando nesta noite, portanto seria uma reprise para o senhor.
- E domingo?
- O senhor será bem-vindo, mas devo dizer que o assunto será o mesmo que venho reiterando a cada domingo. O senhor já ouviu a exposição de Rayford Steele e a ouviu novamente de mim. Se o fato de ouvir uma vez mais pode ajudá-lo, então venha e observe quantos são os que buscam e encontram. Se a freqüência for como nos últimos dois domingos, haverá espaço somente para pessoas em pé.
Buck levantou-se e espreguiçou-se. Ele havia prendido Bruce até bem depois da meia-noite e desculpou-se.
- Não precisa desculpar-se - disse Bruce -, faz parte de meu trabalho.
- O senhor sabe onde posso obter uma Bíblia?
- Tenho uma que o senhor pode levar - respondeu Bruce.
No dia seguinte, o núcleo dirigente recebeu entusiasticamente e com muita emoção a mais nova participante, Chloe Steele. Eles dedicaram boa parte do dia estudando as notícias e tentando determinar a probabilidade de Nicolae Carpathia ser o anticristo. Nenhum deles pôde deduzir outra coisa.
Bruce relatou a história de Buck Williams, sem usar seu nome ou mencionar sua ligação com Rayford e Chloe. Chloe chorava em silêncio, enquanto o grupo orava por sua segurança e por sua alma.

VINTE E QUATRO


BUCK passou o sábado escondido no escritório vazio da sucursal de Chicago, preparando seu artigo sobre as teorias a respeito dos desaparecimentos. Sua mente era um redemoinho contínuo, forçando-o a pensar em Carpathia e no que diria nesta matéria que traçaria um paralelo entre aquele homem e a profecia bíblica. Felizmente, ele podia esperar encerrar a redação depois do grande dia - segunda-feira - para concluir a matéria.
Por volta da hora do almoço, Buck localizou Steve Plank no Hotel Plaza, em Nova York.
- Estarei aí na segunda de manhã - disse -, mas não vou convidar Hattie Durham.
- Por que não? É um pequeno pedido, de amigo para amigo.
- De você para mim?
- De Nick para você.
- Ah! Agora então é Nick, hein? Bem, ele e eu não somos íntimos o bastante para tal familiaridade, e não vou arranjar uma companhia feminina nem mesmo para meus amigos.
- Nem mesmo para mim?
- Se eu soubesse que você a trataria com respeito, Steve, eu o aproximaria dela.
- Você não vai realmente fazer isso por Carpathia?
- Não. Estou "desconvidado"?
- Não vou dizer a ele.
- Que explicação você vai dar quando ela não aparecer?
- Vou pedir diretamente a ela, Buck, seu melindroso. Buck não disse que alertaria Hattie para não ir. Ele perguntou a Steve se podia ter mais uma entrevista exclusiva com Carpathia antes de começar sua reportagem de capa sobre ele.
- Vou ver o que posso fazer. Além de você não fazer um pequeno favor, ainda quer outra oportunidade?
- Ele gosta de mim, você disse. Você sabe que vou fazer a matéria completa sobre ele. Ele precisa disso.
- Se você viu a TV ontem, sabe que ele não precisa de nada. Nós precisamos dele.
- Precisamos? Você já encontrou pessoas que fizeram uma ligação entre ele e os eventos dos últimos dias na Bíblia?
Steve não respondeu.
- Steve?
- Estou ouvindo.
- Bem, você encontrou? Alguém que pensa que ele seja um dos vilões do Apocalipse?
Steve nada disse.
- Alô, Steve.
- Continuo ouvindo.
- Vamos lá, amigo velho. Você é o assessor de imprensa. Você sabe tudo. Como Carpathia vai responder se eu tocar nesse ponto?
Steve continuava em silêncio.
- Não faça isso comigo, Steve. Não estou dizendo que acredito nessa idéia nem que exista alguém que esteja por dentro de tudo ou pense desse modo. Estou preparando a matéria sobre o que há por trás dos desaparecimentos, e você sabe que isso me leva forçosamente a pesquisar todos os tipos de religião. Alguém já traçou um paralelo sobre isso?
Desta vez, quando Steve permaneceu calado, Buck meramente olhou o relógio, determinado a esperar a manifestação dele. Cerca de vinte segundos depois de um silêncio sepulcral, Steve falou maciamente.
- Buck, tenho uma resposta de duas palavras para você. Está preparado?
- Estou.
- Staten Island.
- Você está dizendo que...?
- Não mencione o nome, Buck! Nunca se sabe quem está ouvindo.
- Então você está me ameaçando com...
- Não estou ameaçando. Estou lhe dando uma alerta. Tome cuidado.
- Lembre-se, Steve, de que não gosto de alertas. Você se recorda de que tempos atrás, quando trabalhávamos juntos, você achava que eu era o mais obstinado perdigueiro que você conhecia na busca de uma reportagem?
- Simplesmente não vá farejar o arbusto cheio de espinhos, Buck.
- Então deixe-me fazer uma pergunta, Steve.
- Cuidado, por favor.
- Você quer falar comigo em outra linha?
- Não, Buck, desejo apenas que seja cauteloso sobre o que diz, pois isso me atinge também.
Buck começou a rabiscar furiosamente sobre urn bloco de papel amarelo.
- Combinado - disse ele, escrevendo Carpathia ou Stonagal resp. por Eric Miller? - O que quero saber é o seguinte: Você acha que eu devo ficar do lado de fora da balsa por causa de quem está ao volante ou por causa de quem fornece o combustível?
- Do último - disse Steve, sem hesitar.
Buck fez um círculo em torno de Stonagal.
- Então você acha que o cara ao volante não está ciente do que o fornecedor de combustível faz em lugar dele.
- Correto.
- Portanto, se alguém chegasse perto do piloto, este poderia ser protegido e nem mesmo saberia disso.
- Correto.
- Mas, e se ele descobrisse?
- Ele cuidaria do problema.
- É o que espero ver logo.
- Não posso comentar sobre isso.
- Você pode me dizer para quem você realmente trabalha?
- Eu trabalho para quem você acha que eu trabalho.
O que significava isso, meu Deus? Carpathia ou Stonagal? Como podia Buck obter uma resposta de Steve por telefone, dentro do Hotel Plaza, que podia estar sendo interceptada e gravada?
- Você trabalha para o homem de negócios romeno?
- Certamente.
Buck quase se esmurrou. Podia ser Carpathia ou Stonagal.
- Você trabalha? - disse ele, esperando por mais informações.
- Meu chefe move montanhas, não acha? - disse Steve.
- Sem dúvida - disse Buck, fazendo um círculo no nome Carpathia desta vez. - Você deve estar contente com todas as coisas que estão acontecendo nestes dias.
- Estou.
Buck rabiscou Carpathia. Últimos tempos. Anticristo?
- E você está me dizendo pura e simplesmente que a outra questão que mencionei é perigosa, mas também uma podridão.
- É uma sujeira total.
- E não devo sequer puxar o assunto com ele, por eu ser um jornalista que cobre todos os aspectos e formula as perguntas mais indigestas?
- Se eu soubesse que você iria mencionar isso, não o incentivaria a fazer a entrevista ou reportagem.
- Rapaz, não foi preciso muito tempo para que você se tornasse urn empresário.
Após a reunião do núcleo dirigente, Rayford Steele conversou particularmente com Bruce Barnes e foi inteirado do encontro com Buck.
- Não posso mencionar os pontos confidenciais - disse o pastor -, mas somente uma coisa me falta para ficar convencido de que esse Carpathia é o anticristo. Não posso por ora enquadrá-lo geograficamente. Quase todos os autores que respeito e que escreveram sobre os últimos dias acreditam que o anticristo virá da Europa Ocidental, talvez Grécia ou Itália ou Turquia.
Rayford não sabia o que pensar.
- Você notou que Carpathia não se parece com um romeno. Eles não são na maioria de pele morena?
- Sim. Deixe-me telefonar para o Sr. Williams. Ele me deu um número. Não sei o que mais ele sabe sobre Carpathia.
Bruce discou e ligou o viva-voz.
- Rayford Steele está aqui ao meu lado.
- Ei, capitão - saudou Buck.
- Estamos neste momento fazendo algum estudo aqui -disse Bruce - e deparamos com uma dúvida. *
Bruce disse a Buck o que tinham encontrado e solicitou mais informações.
- Bem, ele vem de uma cidade onde existe uma das maiores universidades, chamada Cluj, e...
- Oh! ele é de lá? Eu supunha que ele procedesse de uma região montanhosa, você sabe, por causa do nome dele.
- Do nome dele? - Buck repetiu, rabiscando rapidamente em seu bloco tamanho ofício.
- Você sabe que o nome provém dos montes cárpatos. Ou esse nome significa alguma outra coisa naquela região?
Buck sentou-se, empertigou-se na cadeira e teve um estalo na mente. Steve tinha tentado dizer-lhe que trabalhava para Stonagal e não para Carpathia. E naturalmente todos os novos delegados da ONU eram devedores a Stonagal, porque foi ele quem os apresentou a Carpathia. Talvez Stonagal fosse o anticristo! Onde estava a origem de sua linhagem?
- Bem - disse Buck, tentando se concentrar -, talvez ele tenha recebido o nome desses montes, mas ele nasceu em Cluj, e seus ancestrais eram romanos. Eis a razão por que ele tem cabelos loiros e olhos azuis.
Bruce agradeceu-lhe e perguntou se o veria na igreja no dia seguinte. Rayford achou que Buck estava desatento e reservado.
- Não descarto essa possibilidade - disse Buck.
Sim, pensou Buck, desligando. Estarei lá, é claro. Ele pretendia absorver cada partícula de informação antes de chegar a Nova York para escrever a reportagem que poderia custar-lhe a carreira e talvez a vida. Não sabia a verdade, mas nunca desistiu de buscá-la, e não seria agora que iria mudar sua posição. Ele telefonou para Hattie Durham.
- Hattie, você vai receber um telefonema convidando-a a ir a Nova York.
- Já recebi.
- Eles queriam que eu pedisse a você, mas solicitei-lhes que eles mesmos fizessem o convite.
- E eles fizeram.
- Eles querem que você veja Carpathia novamente, faça-lhe companhia na próxima semana, se você estiver livre.
- Eu sei, estou e vou.
- Aconselho você a não fazer isso.
Ela riu.
- Muito bem, vou declinar um convite do homem mais poderoso do mundo? Acho que não.
- Meu conselho é para você não ir.
- Por que razão?
- Porque você não parece ser esse tipo de garota.
- Primeiro, não sou uma garota. Tenho quase a sua idade, e não preciso de um pai ou de um tutor.
- Estou falando como amigo.
- Você não é meu amigo, Buck. Ficou claro que você nem mesmo gosta de mim. Tentei empurrar você para a garotinha de Rayford Steele e não estou certa nem mesmo se você teve a inteligência de se acertar com ela.
- Hattie, talvez eu não conheça você. Mas não a vejo como o tipo de pessoa que se permite ser usada por um estranho.
- Você é quase um estranho e está tentando me dizer o que fazer.
- Bem, você é esse tipo de pessoa? Por não ter dado o recado a você, eu a estava protegendo de alguma coisa que você poderia desfrutar?
- É melhor acreditar que sim.
- Não posso dissuadi-la dessa idéia?
- Você não pode nem mesmo tentar - disse ela e desligou. Buck balançou a cabeça e inclinou-se para trás na cadeira, segurando o bloco de papel amarelo diante dos olhos. Meu chefe move montanhas, Steve havia dito. Carpathia é uma montanha. Stonagal é quem move e agita por trás dele. Steve acha que está realmente com as mãos e os pés amarrados. Ele não é apenas o assessor do homem que Hattie Durham corretamente chama de o mais poderoso do mundo, mas, por trás, Steve também está pactuando com o homem.
Buck pensava no que Rayford e Chloe fariam se soubessem que Hattie tinha sido convidada a ir a Nova York para fazer companhia a Carpathia por alguns dias. Por fim, ele achou que isso não era da conta dele nem deles.
Na manhã seguinte, Rayford e Chloe aguardaram a chegada de Buck até o último momento, mas não puderam mais reservar um lugar para ele sentar-se depois que a nave e as galerias do templo ficaram tomadas. Quando Bruce iniciou sua mensagem, Chloe cutucou seu pai e apontou para o aglomerado de pessoas na calçada em frente à porta principal. Ali, no meio do grupo, ouvindo por um alto-falante externo, estava Buck. Rayford ergueu o punho em sinal de celebração e sussurrou ao ouvido de Chloe:
- Já sei qual vai ser sua oração nesta manhã.
Bruce projetou o videoteipe do antigo pastor, contou novamente sua história, falou brevemente sobre profecia, convidou os presentes a aceitarem Cristo e depois permitiu que usassem o microfone para seus relatos e experiências pessoais. Como havia sucedido nas duas últimas semanas, as pessoas levantaram-se e formaram fila até além de uma hora da tarde, ansiosas por testemunhar que agora, finalmente, confiavam em Cristo.
Chloe disse a seu pai que gostaria de ser a primeira da fila, como ele tinha sido, mas, por causa do tempo que ela levou para deixar a última fileira de bancos da galeria e descer até a nave, acabou sendo uma das últimas. Ela contou sua história, afirmando que o sinal de que ela acreditava em Deus tinha-lhe sido dado na forma de um amigo que se sentara ao lado dela num vôo de retorno a sua casa. Rayford sabia que ela não podia ver Buck no meio da multidão. Rayford também não podia.
Quando do encerramento da reunião, Rayford e Chloe saíram do templo para procurar Buck, mas ele já tinha ido embora. Foram almoçar com Bruce. Chegando em casa, Chloe encontrou um recado de Buck na porta da frente.
Não pense que eu não quis dizer adeus. A verdade é que não pude. Estarei de volta para tratar de negócios na sucursal e talvez apenas para vê-la, se me for permitido. Tenho uma porção de coisas para resolver imediatamente, como você sabe, e francamente não quero que nosso relacionamento fique prejudicado por meus afazeres. Você é uma pessoa maravilhosa, Chloe, e confesso que cheguei às lágrimas ao ouvir sua história. Você me havia contado antes, mas ouvir naquele lugar e naquela circunstância nesta manhã foi lindo. Você poderia fazer por mim algo que nunca antes pedi a ninguém? Orar por mim? Vou telefonar ou vê-la em breve. Prometo. Buck.
Buck sentia-se mais solitário do que nunca no vôo de volta a Nova York. Ele viajou na classe econômica com o avião lotado, mas não conhecia ninguém. Leu várias passagens na Bíblia que lhe foi presenteada por Bruce e que tinham sido previamente marcadas, o que motivou uma senhora a seu lado a fazer-lhe perguntas. Buck respondeu de tal modo que ela pôde perceber que ele não estava disposto a conversar. Não queria parecer rude, mas não desejava, na verdade, confundir alguém em razão de seu limitado conhecimento.
O sono não foi mais fácil naquela noite, embora ele se recusasse a ficar andando no quarto. Deveria ter um encontro pela manhã, do qual tinha sido aconselhado a manter-se afastado. Bruce Barnes tinha sido convincente no sentido de que, se Nicolae Carpathia fosse o anticristo, Buck corria o perigo de ser perturbado mentalmente, sofrer uma lavagem cerebral, ser hipnotizado, ou pior.
Ainda exausto, e enquanto tomava banho e se vestia na manhã de segunda-feira, Buck concluiu que tinha percorrido um longo caminho desde o tempo em que achava que a religião estava ultrapassada. Viu pessoas atordoadas e perplexas imaginando que seus entes queridos haviam voado para o céu, e agora acreditava que grande parte do que estava acontecendo tinha sido profetizado na Bíblia. Ele não estava mais se questionando ou duvidando, disse a si mesmo. Não havia outra explicação para as duas testemunhas em Jerusalém. Nem para os desaparecimentos.
E, por fim, o mais intrigante de tudo — essa história de urn anticristo que engana tanta gente... bem, na mente de Buck já não havia o problema de saber se os fatos eram literais ou verdadeiros. Esta era uma etapa vencida. Ele já havia progredido o suficiente para tentar saber quem era o anticristo: Carpathia ou Stonagal. Buck ainda se inclinava por Stonagal.
Ele passou a alça da maleta por cima do ombro e foi tentado a pegar o revólver no criado-mudo, porém não o pegou, mesmo sabendo que não passaria por detectores de metal. De qualquer modo, compreendia que este não era o tipo de proteção de que precisava. O importante para ele era proteger sua mente e seu espírito.
Por toda a extensão do caminho até a ONU, ele sentia-se angustiado. Oro? perguntava-se. "Faço oração", como tantas daquelas pessoas fizeram na manhã de ontem? Deveria fazer isso apenas para proteger-me da feitiçaria ou do medo? Ele concluiu que tornar-se crente não consistia em usar urn talismã para ter boa sorte. Isso desvalorizaria a crença. Certamente Deus não agia desse modo. E, se Bruce Barnes pudesse merecer crédito, agora, durante este período, os crentes não teriam mais proteção do que qualquer outra pessoa. Quantidades colossais de pessoas deveriam morrer nos próximos sete anos, fossem ou não cristãs. A questão era saber: onde estariam elas depois?
Havia somente uma razão para esta mudança, pensou Buck - se ele verdadeiramente acreditasse que podia ser perdoado e passasse a fazer parte do povo de Deus. Deus tinha se tornado mais do que uma força da natureza ou mesmo um operador de milagres para Buck, como tinha sido naquela noite nos céus de Israel. Aquilo o fez sentir que, se Deus criou as pessoas, Ele desejaria comunicar-se com elas, ligar-se a elas.
Buck entrou na ONU, passando por um exército de repórteres já se instalando para a entrevista à imprensa. Limusines descarregavam passageiros importantes, e multidões esperavam atrás das barreiras policiais. Buck viu Stanton Bailey num ajuntamento perto da porta.
- O que o senhor está fazendo aqui? - perguntou Buck, observando que em cinco anos no Semanário ele nunca tinha visto Bailey fora do edifício-sede.
- Apenas tirando vantagem de minha posição para assistir à entrevista. Estou orgulhoso porque você vai comparecer à reunião preliminar. Esteja certo de se lembrar de cada detalhe. Obrigado por ter-me passado seu primeiro rascunho da matéria sobre as teorias. Sei que você tem uma boa parte ainda em preparo, mas o começo foi espetacular. A reportagem vai ser premiada.
- Obrigado - disse Buck, e Bailey fez o gesto dos dois polegares para cima. Buck imaginou que, se aquilo tivesse acontecido um mês antes, ele teria de abafar o riso diante do ultrapassado e idoso cavalheiro e teria dito a seus colegas que aquele homem para quem trabalhava não passava de um idiota. Agora ele se sentia estranhamente lisonjeado pelo incentivo. Bailey não tinha a menor idéia do que Buck andava planejando.
Chloe Steele falou com seu pai sobre seu plano de procurar uma faculdade naquela segunda-feira.
- Eu estava pensando - disse - em encontrar-me com Hattie para um almoço.
- Pensei que você não tivesse interesse por ela - disse Rayford.
- Não tenho, mas isso não é motivo para não procurá-la. Ela nem mesmo sabe o que aconteceu comigo. Não está respondendo às ligações que fiz. Você tem alguma idéia da programação de vôos dela?
- Não, mas tenho de checar a minha. Vou ver se ela está voando hoje.
Rayford foi informado de que Hattie não estava escalada naquele dia e que havia requerido uma licença de 30 dias.
- Isso é estranho - disse ele a Chloe. - Talvez ela esteja com problemas na família no extremo oeste.
- Talvez ela tenha apenas resolvido descansar um pouco -aventou Chloe. - Vou ligar para ela mais tarde antes de sair. O que você vai fazer hoje?
- Prometi a Bruce que iria até lá para ver a entrevista à imprensa de Carpathia hoje de manhã.
- A que hora vai ser?
- Dez horas em nosso horário, imagino.
- Bem, se Hattie não estiver por perto para o almoço, talvez eu vá até lá.
- De qualquer modo, ligue para nós, querida, e aguardaremos por você.
As credenciais de Buck estavam à disposição dele numa mesa de informações no saguão da ONU. Ele foi levado a uma sala de conferência privada, fora da suíte de escritórios, onde Nicolae Carpathia já tinha se instalado. Buck estava pelo menos 20 minutos adiantado, mas, quando saiu do elevador, sentiu-se solitário no meio de uma multidão. Não conseguiu reconhecer ninguém quando começou o longo caminho por um corredor de vidro e aço que levava à sala onde deveria se reunir a Steve, aos dez embaixadores designados representando os membros permanentes do novo Conselho de Segurança, a vários assessores e conselheiros do novo secretário-geral (incluindo Rosenzweig, Stonagal e diversos í| outros membros de sua confraria internacional de peritos em finanças) e, naturalmente, ao próprio Carpathia.
Buck sempre tinha sido ativo e confiante. Outros haviam notado seu progresso e determinação no cumprimento de suas tarefas. Agora seu modo de andar era vagaroso e inseguro, e, a cada passo, seu temor aumentava. As luzes pareciam diminuir de intensidade, sua pulsação aumentava, e ele tinha um mau pressentimento.
O medo sufocante lembrava-lhe Israel, quando acreditou que ia morrer. Estava ele ameaçado de morte? Ele não podia imaginar perigo físico, no entanto as pessoas que cruzaram o caminho de Carpathia, ou o caminho dos planos de Stonagal para Carpathia, agora estavam mortas. Seria ele mais um na fila dos opositores aos planos de Carpathia, a qual se iniciara anos antes na Romênia, passando por Dirk Burton e Alan Tompkins até chegar a Eric Miller?
Não, ele sabia que não corria o risco de ser morto. Pelo menos não agora, não naquele lugar. Quanto mais perto chegava da sala de conferência, mais ele queria afastar-se dali por sentir a presença de uma força maligna, como se ela estivesse personificada naquele ambiente. Quase sem refletir, Buck se viu orando silenciosamente - Deus, fica comigo. Protege-me.
Mas ele não sentiu nenhum alívio. Ao contrário, seus pensamentos dirigidos a Deus tornaram-no mais sensível à forte presença do mal. Ele parou a três metros da porta aberta e, embora ouvisse risadas e brincadeiras, estava quase paralisado pela atmosfera pesada. Ele queria estar em qualquer lugar, menos ali, e, no entanto, sabia que não podia recuar. Essa era a sala em que os novos líderes do mundo se congregavam. Qualquer pessoa sensata daria tudo para estar ali.
Buck compenetrou-se de que o que realmente queria era já ter estado lá. Ele desejou que já tivesse terminado, que ele já tivesse visto a recepção e o breve discurso de posse ao novo pessoal, e que já estivesse escrevendo a reportagem.
Com os pensamentos confusos, ele fez um esforço para caminhar até a porta. Novamente, clamou a Deus, e sentiu-se um covarde - exatamente como todos os outros - orando na trincheira do inimigo. Ele havia ignorado Deus a maior parte de sua vida, e, agora, ao sentir uma angústia devastadora em sua alma, via-se simbolicamente de joelhos.
Entretanto, ele não pertencia a Deus. Ainda não. Estava consciente disso. Deus havia respondido à oração de Chloe quando ela pediu um sinal antes mesmo de tomar uma decisão espiritual. Por que não podia Ele responder ao apelo de Buck desejoso de serenidade e paz?
Buck não saiu do lugar até o momento em que Steve Plank notou sua presença ali fora.
- Buck! Estamos quase prontos para começar. Entre.
Mas Buck sentia-se horrível, em pânico.
- Steve, preciso ir ao banheiro. Tenho um minuto? Steve olhou para o relógio.
- Dou-lhe cinco minutos - disse ele. - E, quando você voltar, ficará naquele lugar.
Steve indicou uma cadeira a um canto de um quadrilátero de mesas justapostas. O jornalista que havia em Buck gostou do lugar. O ponto estratégico perfeito. Seus olhos moveram-se rapidamente, abrangendo todo o ambiente e detendo-se nas placas indicadoras dos nomes colocadas em cada lugar. Ele ficaria de frente para a mesa principal, onde Carpathia tinha se colocado ao lado de Stonagal... ou Stonagal seria o titular daquela posição? Perto de Carpathia, do outro lado, estava uma placa manuscrita às pressas com o título "Assistente Pessoal".
- É você? - perguntou Buck.
- Não - disse Steve, apontando para um canto oposto ao da cadeira de Buck.
- Todd-Cothran está aqui? - perguntou Buck.
- Lógico. Bem ali, de terno cinza-claro.
O britânico parecia bastante insignificante. Um pouco mais adiante, estavam tanto Stonagal, em costume cinza-escuro, como Carpathia, perfeito em seu terno preto, camisa branca, gravata azul-celeste, com botão de ouro pouco abaixo do nó. Buck estremeceu ao vê-lo, mas Carpathia lançou-lhe um sorriso e acenou-lhe. Buck fez o sinal de que voltaria em seguida.
- Agora você tem somente quatro minutos - disse Steve. -Apresse-se.
Buck pôs sua maleta num canto perto de um guarda de segurança musculoso e grisalho, acenou para seu velho amigo Chaim Rosenzweig e deu uma corrida até o banheiro. Ele pôs para fora da cabina um balde do faxineiro e fechou a porta. Buck apoiou suas costas contra a porta, enfiou as mãos nos bolsos e inclinou o queixo até tocar o peito, lembrando-se do conselho de Bruce de que podia falar com Deus do mesmo modo como se fala com um amigo. "Deus", disse, "preciso de ti, e não apenas nesta reunião".
Ele orava com fé. A oração não era nenhum ensaio ou uma tentativa sem emoção. Ele não estava tão-somente esperando ou tentando fazer um teste. Buck sabia que estava falando com o próprio Deus. Admitiu sua necessidade de Deus, que sabia que estava perdido e era um pecador como qualquer outro. Buck não fez especificamente a oração que tinha ouvido de outros, mas, quando terminou, tinha abrangido os mesmos pontos, e a ligação com Deus estava feita. Ele não era do tipo que se lança a qualquer coisa timidamente. Uma vez comprometido com algo, ele sabia que não havia retorno.
Buck voltou em seguida para a sala de conferência, mais depressa dessa vez, mas estranhamente sem ganhar mais confiança. Ele não tinha orado por coragem ou paz dessa vez. Aquela oração tinha sido por sua alma. Ele não sabia o que ia sentir, mas queria livrar-se daquela contínua sensação de pavor.
Entretanto, ele não hesitou. Quando entrou na sala, todos estavam em seus lugares - Carpathia, Stonagal, Todd-Cothran, Rosenzweig, Steve e os poderosos das finanças e embaixadores. E uma pessoa que nunca esperava ver ali -Hattie Durham. Ele olhava aturdido ao vê-la ocupando o lugar de assistente pessoal de Nicolae Carpathia. Hattie piscou para ele, mas Buck não lhe retribuiu. Ele foi atrás de sua maleta, fez um gesto de agradecimento ao guarda armado e levou unicamente um caderno de apontamentos para sua mesa.
Embora não percebesse nenhum sentimento especial após sua decisão espiritual, ele tinha uma forte sensação de que alguma coisa estava por acontecer ali. Não havia dúvida em sua mente de que o anticristo da Bíblia estava naquela sala. E, a despeito de tudo o que sabia de Stonagal e de suas maquinações na Inglaterra, e a despeito do mal-estar que se apossava dele enquanto observava sua presunção, Buck divisou o mais verdadeiro, o mais profundo, o mais escuro espírito do mal ao ver Carpathia tomar seu lugar. Nicolae esperou até que todos tomassem assento e, em seguida, ergueu-se com sua pseudodignidade.
- Senhores... e senhorita - iniciou ele - este é um momento importante. Em poucos minutos, vamos acolher os representantes da imprensa e apresentar-lhes aqueles dentre os senhores que estão incumbidos de liderar a nova ordem mundial nesta fase dourada da História. A aldeia global torna-se unida, e temos diante de nós a maior das tarefas e a maior oportunidade jamais concedida ao gênero humano.



VINTE E CINCO


NICOLAE Carpathia deixou seu lugar à mesa e cumprimentou os presentes individualmente. Mencionou o nome de cada um pedindo que se levantasse, apertando-lhe a mão e beijando-o em ambas as faces. Ele omitiu Hattie e dirigiu-se ao novo embaixador britânico.
- Sr. Todd-Cothran - disse ele -, o senhor está sendo apresentado como embaixador dos Grandes Estados Britânicos, que compreendem agora a Europa Ocidental e Oriental. Convido-o a integrar a equipe e confiro-lhe todos os direitos e privilégios inerentes a seu novo cargo. Que o senhor possa demonstrar-me e àqueles em seu ofício a firmeza e sabedoria que o trouxeram a esta posição.
- Obrigado, senhor - disse Todd-Cothran, sentando-se enquanto Carpathia dirigia-se à mesa seguinte. Todd-Cothran parecia atônito, como pareceram os outros presentes, quando Nicolae repetiu as mesmas palavras, inclusive precisamente o mesmo título — embaixador dos Grandes Estados Britânicos — ao financista inglês sentado a seu lado. Todd-Cothran sorriu com indulgência. Obviamente, Carpathia tinha meramente cometido uma falha e deveria ter-se referido ao homem como seu consultor financeiro. Até então, Buck nunca tinha visto Carpathia cometer tal deslize.
Ao redor do quadrilátero de mesas justapostas, Carpathia repetiu o mesmo ato, indo de um em um, dizendo exatamente as mesmas palavras a cada embaixador, variando um pouco apenas ao citar o nome e título correspondentes. As palavras mudavam ligeiramente quando se referia a seus assistentes e conselheiros.
Quando Carpathia aproximou-se de Buck, pareceu hesitante. Buck foi pego de surpresa, como se estivesse em dúvida se seria incluído naquela série de apresentações. Um sorriso amistoso de Carpathia sugeriu que se levantasse. Buck ficou um tanto desnorteado, tentando segurar a caneta e o bloco com uma das mãos ao mesmo tempo que estendia a outra para o dramático Carpathia. O aperto de mão de Carpathia foi firme e forte e persistiu enquanto proferia sua ladainha. Olhou diretamente nos olhos de Buck e falou com tranqüila e segura autoridade.
- Sr. Williams - disse -, convido-o a integrar a equipe e confiro-lhe todos os direitos e privilégios inerentes a seu novo cargo...
O que significava aquilo? Não era o que Buck esperava, mas foi categórico e lisonjeiro. Ele não fazia parte de equipe alguma, nem direitos ou privilégios deveriam ser conferidos a ele! Balançou a cabeça levemente, indicando que Carpathia estava novamente confuso, que havia tomado Buck por outra pessoa. Mas Nicolae fez um leve movimento com a cabeça e abriu mais o sorriso, olhando fundo nos olhos de Buck. Ele sabia o que estava fazendo.
- Que o senhor possa demonstrar-me e àqueles em seu ofício a firmeza e sabedoria que o trouxeram a esta posição.
Buck desejou empertigar-se, agradecer a seu mentor, seu líder, o propiciador dessa honra. Mas não! Isso não estava certo! Ele não trabalhava para Carpathia. Era um jornalista independente, não um simpatizante, não um seguidor, e muito menos um empregado. Seu espírito resistiu à tentação de dizer
"Obrigado, senhor", como todos os demais fizeram. Ele sentia e lia os olhos daquele homem possuído da sanha do mal, o que o impediu de apontar para ele e acusá-lo de ser o anticristo. Quase podia ouvir sua voz gritando essa acusação a Carpathia.
Carpathia ainda olhava fixo, ainda sorria, ainda apertava sua mão. Depois de um desconfortável silêncio, Buck ouviu risadas, e Carpathia disse:
- O senhor é muitíssimo bem-vindo, meu amigo tímido e sem fala.
Todos riram e aplaudiram quando Carpathia o beijou, mas Buck não sorriu. Nem mesmo agradeceu ao secretário-geral. Sentiu um gosto amargo na boca.
Enquanto Carpathia prosseguia as apresentações, Buck teve noção do quanto suportou aquele momento. Se ele não pertencesse a Deus, teria sido apanhado na teia daquele homem enganador. Ele podia ver a expressão estampada nos rostos dos demais. Sentiam-se honrados ao extremo ao ser guindados à escala do poder e da confiança, entre eles o próprio Chaim Rosenzweig. Hattie parecia derreter-se na presença de Carpathia.
Bruce Barnes lhe havia rogado que não participasse desse encontro, e agora Buck sabia por quê. Se tivesse entrado ali despreparado, se Bruce e Chloe - e provavelmente o capitão Steele - não tivessem orado por ele, talvez Buck não tivesse se decidido por Cristo a tempo de conseguir reunir forças para resistir ao engodo de aceitar uma posição de poder.
Carpathia terminou essa parte da cerimônia com Steve, que transbordava de orgulho. Em seguida, cumprimentou todos os convidados na sala, exceto o guarda de segurança, Hattie e Jonathan Stonagal. Retornou a sua mesa e voltou-se primeiro para Hattie.
- Srta. Durham - disse ele, tomando ambas as mãos dela nas suas -, a senhorita está sendo apresentada como minha assistente pessoal, depois de ter renunciado a uma carreira brilhante numa companhia de aviação. Convido-a a integrar a equipe e confiro-lhe todos os direitos e privilégios inerentes a seu novo cargo. Que a senhorita possa demonstrar-me e àqueles em seu ofício a firmeza e sabedoria que a trouxeram a esta posição.
Buck tentou cruzar olhares com Hattie e balançar negativamente a cabeça, mas ela estava concentrada em seu novo chefe. A culpa seria de Buck? Ele a havia apresentado a Carpathia logo no início. Haveria possibilidade de acesso a ela? Buck passou os olhos ao redor da sala. Todos sorriram extasiados quando Hattie sussurrou seus sinceros agradecimentos e voltou a sentar-se.
Carpathia virou-se dramaticamente para Jonathan Stonagal. Este exibiu um sorriso estudado e levantou-se majestosamente.
- Por onde começar, meu amigo Jonathan? - disse-lhe Carpathia.
Stonagal baixou a cabeça em sinal de agradecimento, e os outros murmuraram quase em uníssono que este, sem dúvida, era o homem mais importante da sala. Carpathia tomou a mão de Stonagal e começou formalmente:
- Sr. Stonagal, o senhor significa para mim mais do que qualquer pessoa na terra. - Stonagal aprumou a cabeça e sorriu, olhando-se ambos atentamente. - Convido-o a integrar a equipe - prosseguiu Carpathia - e confiro-lhe todos os direitos e privilégios inerentes a seu novo cargo.
Stonagal vacilou, demonstrando claramente que não tinha interesse em tornar-se parte da equipe, ser recebido pelo próprio homem que manobrara para colocar na presidência da Romênia e agora para ser o secretário-geral da ONU. Seu sorriso congelou e, depois, desapareceu quando Carpathia continuou:
- Que o senhor possa demonstrar-me e àqueles em seu ofício a firmeza e sabedoria que o trouxeram a esta posição.
Em lugar de aceitar a honraria e agradecer a Carpathia, Stonagal recolheu sua mão e olhou agressivamente para o jovem líder. Carpathia continuou com os olhos fixos nos dele e falou em tom mais brando e amistoso:
- Sr. Stonagal, pode sentar-se.
- Não! - replicou Stonagal.
- Tomei a liberdade de fazer uma pequena brincadeira com o senhor porque sei que compreenderia.
Stonagal ficou vermelho, nitidamente desapontado por ter-se excedido.
- Peço-lhe desculpas, Nicolae - disse ele por fim, forçando um sorriso, mas claramente insultado por ver-se forçado a se expor daquela forma.
- Por favor, meu amigo - solicitou Carpathia. - Por favor, sente-se. Senhores e senhorita, temos somente uns poucos minutos antes da entrevista com a mídia.
Os olhos de Buck continuavam pregados em Stonagal, que parecia agitado, espumando de raiva.
- Gostaria de apresentar a todos uma pequena lição prática de liderança, partidarismo e, posso dizer, cadeia de comando. Sr. Scott M. Otterness, poderia vir até aqui, por favor?
O guarda de segurança, postado num dos cantos da sala, caminhou apressadamente, revelando surpresa, e apresentou-se a Carpathia.
- Uma das minhas técnicas de liderança é meu poder de observação, combinado com uma memória prodigiosa - disse Carpathia.
Buck continuava de olhos pregados em Stonagal, que parecia estar arquitetando um ato de desagravo por ter sido ridicularizado. Ele parecia pronto para levantar-se a qualquer momento e colocar Carpathia em seu devido lugar.
- O Sr. Otterness está surpreso porque não fomos apresentados, fomos, senhor?
- Não, Sr. Carpathia, não fomos.
- E, apesar disso, eu sabia seu nome.
O idoso guarda sorriu e meneou a cabeça.
- Sei também qual é o nome do fabricante, modelo e calibre da arma que o senhor carrega em seu coldre. Não vou ficar olhando enquanto o senhor exibe sua arma a todos os presentes.
Buck viu horrorizado quando o Sr. Otterness desabotoou a tira de couro que prendia o enorme revólver no coldre. Ele sacou a arma e levantou-a com ambas as mãos, mostrando-a a todos os circunstantes, exceto Carpathia, que havia desviado o rosto para o lado contrário. Stonagal, ainda com o rosto avermelhado, parecia ofegante.
- Notei que o senhor está portando urn revólver especial da polícia, calibre 38, com um tambor de dez centímetros, carregado de balas de alta velocidade e cartucho côncavo.
- O senhor está certo - disse Otterness alegremente.
- Posso segurá-lo, por favor?
- Certamente, senhor.
- Obrigado. Pode retornar a seu posto e continue a vigiar a maleta do Sr. Williams, a qual contém um gravador, um telefone celular e um laptop. Estou certo, Cameron?
Buck olhou-o fixamente, recusando-se a responder. Ele ouviu Stonagal rosnar qualquer coisa sobre "brincadeira de adivinhação". Carpathia continuou olhando para Buck. Nenhum deles falou.
- O que significa isto? - murmurou Stonagal. - Você está-se portando como uma criança.
- Gostaria de dizer o que os senhores estão prestes a ver -disse Carpathia, e Buck sentiu novamente a presença de uma onda do mal na sala. Ele queria mais do que nunca livrar-se do arrepio em seus braços e sair correndo para salvar sua vida. Mas ele estava congelado na cadeira. Os outros pareciam pasmos mas não perturbados, como estavam ele e Stonagal.
- Vou pedir ao Sr. Stonagal que se levante mais uma vez -disse Carpathia, tendo a grande e assustadora arma a seu lado. - Jonathan, queira levantar-se.
Stonagal permaneceu sentado olhando fixamente para ele. Carpathia sorriu.
- Jonathan, você sabe que pode confiar em mim. Gosto de você por tudo o que tem sido para mim e, humildemente, peço que me ajude nesta demonstração. Vejo parte de minha função como a de um professor. Você mesmo disse isso e tem sido meu professor por anos.
Stonagal ergueu-se, precavido e empertigado.
- E agora vou pedir-lhe que troquemos de lugar. Stonagal praguejou.
- O que significa isto? - interpelou ele.
- Tudo ficará muito claro rapidamente, e não vou mais precisar de sua ajuda.
Para os outros, Buck deduziu, aparentemente Carpathia queria dizer que não precisaria mais da ajuda de Stonagal para a demonstração que faria a seguir. Pelo fato de Carpathia ter mandado o guarda desarmado de volta ao seu posto, todos imaginariam que ele agradeceria a Stonagal, permitindo em seguida que ele retornasse a seu lugar.
Stonagal, visivelmente contrariado e franzindo a testa, trocou de lugar com Carpathia. Isto colocava Carpathia à direita de Stonagal. À esquerda de Stonagal, estava Hattie, e, logo a seguir, o Sr. Todd-Cothran.
- E agora peço-lhe que se ajoelhe, Jonathan - disse Carpathia, com o semblante sério e tom de voz áspero. Para Buck, parecia que todos os presentes tomaram fôlego e pararam de respirar.
- Não vou fazer isso - disse Stonagal.
- Sim, você vai - disse Carpathia, polida mas autoritariamente. - Ajoelhe-se.
- Não, de jeito nenhum. Você perdeu a cabeça? Não vou ser humilhado. Se você pensa que galgou uma posição superior à minha, está enganado.
Carpathia levantou o revólver 38, destravou o gatilho e encostou o cano no ouvido direito de Stonagal. O homem num repente afastou a cabeça, mas Carpathia disse:
- Mova-se outra vez e será um homem morto. Vários entre os presentes se levantaram, inclusive Rosenzweig, que clamava entre agoniado e lamentoso.
- Nicolae!
- Sentem-se todos, por favor - disse Carpathia, voltando ao seu tom calmo. - Jonathan, ponha-se de joelhos.
Penosamente, o homem curvou-se, usando como apoio a cadeira de Hattie. Ele não ficou de frente para Carpathia nem olhou para ele. A arma continuava encostada em seu ouvido. Hattie estava pálida e estática.
- Minha cara - disse Carpathia, inclinando-se em direção a ela por sobre a cabeça de Stonagal -, queira, por favor, afastar sua cadeira um metro atrás, a fim de não sujar sua roupa.
Ela não se moveu. Stonagal começou a soluçar.
- Nicolae, por que você está fazendo isso? Sou seu amigo! Não sou nenhuma ameaça!
- Implorar não combina com você, Jonathan. Por favor, fique em silêncio. Hattie - continuou ele, fixando-se agora diretamente nos olhos dela -, levante-se e empurre sua cadeira para trás e fique sentada. Cabelo, pele, pedaços do crânio e resíduos do cérebro atingirão o Sr. Todd-Cothran e outros que estejam perto. Não quero que nada atinja você.
Hattie empurrou sua cadeira para trás. Seus dedos tremiam. Stonagal implorava angustiado:
- Não, Nicolae, não! Carpathia não tinha pressa.
- Vou matar o Sr. Stonagal com um tiro indolor em seu cérebro, que ele não ouvirá nem sentirá. Os senhores ouvirão um som de campainha. Isto será uma advertência para todos. Os senhores ficarão cientes de que estou no comando, que não tenho medo de ninguém e que ninguém pode se opor a mim.
O Sr. Otterness levou a mão à testa, como se tivesse uma vertigem, e caiu sobre urn dos joelhos. Buck pensou na hipótese de dar um pulo suicida por sobre a mesa e alcançar a arma, mas sabia que outros poderiam morrer nesse gesto tresloucado. Ele olhou para Steve, que estava sentado imóvel como os demais. O Sr. Todd-Cothran fechou os olhos e contorceu os músculos do rosto, como se estivesse esperando o estampido a qualquer instante.
- Quando o Sr. Stonagal estiver morto, vou dizer-lhes o que devem lembrar. E, se acaso alguém achar que não estou sendo justo, devo acrescentar que não serão só respingos de sangue que atingirão a roupa do Sr. Todd-Cothran. Uma bala de alta velocidade a esta distância também o matará, o que, como o senhor sabe, Sr. Williams, é algo que lhe prometi que trataria no devido tempo.
Todd-Cothran abriu os olhos ao ouvir esta notícia, e Buck gritou interiormente "Não!" quando Carpathia puxou o gatilho. A explosão ribombou por toda a sala, estremecendo até a porta e as janelas. A cabeça de Stonagal ficou despedaçada, e o impacto atingiu mortalmente Todd-Cothran, caindo ambos de bruços ao chão.
Várias cadeiras tombaram enquanto seus ocupantes cobriam a cabeça horrorizados. Buck olhava desatinado, a boca aberta, enquanto Carpathia friamente punha o revólver na mão direita de Stonagal, tendo o cuidado de colocar o dedo indicador do morto em volta do gatilho.
Hattie tiritava em sua cadeira e tentou emitir um grito que ficou entalado na garganta. Carpathia assumiu a tribuna novamente.
- O que acabamos de testemunhar aqui - disse ele paternalmente, como se estivesse falando a crianças - foi um final horrendo e trágico de duas vidas antes prodigiosamente produtivas. Estes homens foram dois dos que respeitei e admirei mais do que quaisquer outros no mundo. O que compeliu o Sr. Stonagal a correr até o guarda, tirar-lhe a arma, atentar contra a própria vida e a de seu colega britânico, não sei e jamais entenderei completamente.
Buck lutava consigo mesmo para manter-se lúcido, para manter a mente clara - como seu chefe lhe tinha dito ao se encontrarem na entrada do prédio - "lembrar-se de cada detalhe".
Carpathia continuou, com os olhos lacrimejantes.
- Tudo o que posso dizer-lhes é que Jonathan Stonagal me disse hoje, durante o café da manhã, que se sentia pessoalmente responsável por duas recentes mortes violentas na Inglaterra e que não mais conseguia conviver com essa culpa. Honestamente, pensei que ele estivesse prestes a tornar-se uma das autoridades internacionais ainda hoje. Mas como ele renunciou a esta possibilidade, é meu dever substituí-lo. Não tenho idéia de como ele conspirou com o Sr. Todd-Cothran, ocasionando aquelas mortes na Inglaterra. Mas, se ele foi responsável, lamentavelmente, fez-se justiça hoje nesta casa.
- Estamos todos horrorizados e traumatizados por testemunhar esta cena. E quem não estaria? Meu primeiro ato como secretário-geral será fechar a ONU pelo restante deste dia, manifestar publicamente nosso pesar e agradecer e abençoar as vidas destes dois velhos amigos. Confio que os senhores serão capazes de suportar esta nefasta ocorrência, e que isto não venha jamais a obstruir a capacidade de cada um de desempenhar a contento suas funções estatégicas. Obrigado, cavalheiros. Enquanto a Srta. Durham telefona para a segurança, vou fazer um rápido levantamento das opiniões sobre o que sucedeu nesta sala.
Hattie correu ao telefone e mal podia fazer-se compreendida por causa de sua histeria.
- Venha depressa! Houve um suicídio, e dois homens estão mortos! Foi horrível. Corra!
- Sr. Plank? - disse Carpathia e esperou sua versão.
- Foi inacreditável - disse Steve, e Buck sabia que ele estava profundamente sério. - Quando o Sr. Stonagal empunhou o revólver, pensei que ele nos mataria a todos!
Carpathia quis ouvir o embaixador dos Estados Unidos.
- Puxa, eu conhecia Jonathan há anos - disse. - Quem podia imaginar que ele fizesse uma coisa dessa?
- Estou muito contente de ver que o senhor está bem, Sr. Secretário-Geral - disse Chaim Rosenzweig.
- Eu não estou bem - disse Carpathia. - E não estarei por muito tempo. Afinal, eram meus amigos!
E assim foi ele inquirindo os presentes sobre o ponto de vista de cada um. O corpo de Buck parecia de chumbo, sabendo que Carpathia poderia eventualmente querer ouvi-lo, ele que era justamente o único naquela sala que não estava sob o poder hipnótico de Nicolae. Mas o que aconteceria se ele dissesse o que viu? Seria o próximo assassinado? Claro que seria! E tinha de ser. Podia mentir? Devia mentir?
Ele orou desesperadamente enquanto Carpathia ia de mesa em mesa, certificando-se de que todos tinham visto o que ele desejava que tivesse acontecido e que todos estivessem sinceramente convictos disso.
Silêncio, era o que Deus inculcava no coração de Buck. Nenhuma palavra!
Buck estava tão agradecido por sentir a presença de Deus no meio dessa malignidade e violência que chegou às lágrimas. Quando Carpathia aproximou-se, as faces de Buck estavam banhadas de lágrimas, e ele não conseguia dizer uma só palavra. Apenas sacudiu a cabeça e ergueu a mão.
- Terrível, não foi, Cameron? O suicídio que levou também o Sr. Todd-Cothran com ele?
Buck não podia falar e, se pudesse, não o faria.
- Você os apreciava e os respeitava, Cameron, porque não estava ciente de que eles tentaram matá-lo em Londres.
Carpathia chegou ao guarda de segurança.
- Por que você não evitou que ele tomasse seu revólver, Scott? O velho policial ergueu-se.
- Aconteceu tão depressa! Eu sabia quem ele era, um homem importante e rico, e, quando ele correu em minha direção, não sabia o que queria. Ele abriu o coldre e puxou o revólver antes que eu pudesse reagir, e, logo em seguida, se matou.
- Sim, sim - disse Carpathia, enquanto a equipe de segurança do edifício entrava na sala. Todos falavam ao mesmo tempo. Carpathia se retirou a um canto, soluçando em sinal de pesar pela perda de seus amigos.
Um policial à paisana fazia perguntas. Buck desvencilhou-se dele.
- O senhor tem um número suficiente de testemunhas aqui. Permita-me deixar-lhe meu cartão. Se o senhor precisar de mim, telefone-me.
O policial trocou cartão com ele, e Buck teve permissão para retirar-se.
Buck agarrou sua maleta e correu para pegar um táxi, apressando-se em direção ao escritório. Ele se fechou em sua sala e começou furiosamente a digitar cada detalhe da história. Já havia preenchido várias páginas quando recebeu um telefonema de Stanton Bailey. O velho chefe mal podia respirar entre uma pergunta e outra, não dando oportunidade a Buck de responder.
- Por onde você andou? Por que não estava na entrevista à imprensa? Você viu quando Stonagal se matou e levou o britânico com ele? Você devia ter comparecido. Sua presença seria uma questão de prestígio para nós. Como você vai convencer alguém de que estava lá, se não apareceu na entrevista coletiva à imprensa. Cameron, o que se passa com você?
- Vim depressa para cá para incluir a reportagem no sistema.
- Você não tem uma entrevista exclusiva com Carpathia agora? Buck tinha esquecido, e Plank não confirmara. O que devia ele fazer neste caso? Ele orou, mas não sentiu nenhuma orientação. Como precisava falar com Bruce ou Chloe ou mesmo com o capitão Steele!
- Vou telefonar para Steve - disse ele.
Buck sabia que não podia esperar muito tempo para fazer a ligação, mas estava desesperado sem saber o que fazer. Deveria ele permitir-se ficar numa sala sozinho com Carpathia? E, se o fizesse, deveria fingir estar sob o controle da mente dele como todos os outros pareciam estar? Se ele não tivesse visto aquilo com os próprios olhos, não acreditaria. Seria ele sempre capaz de resistir a tal influência sem a ajuda de Deus? Ele não sabia.
Ele ligou para o pager de Steve, e a resposta veio dois minutos depois.
- Estou muito ocupado, Buck. O que há de novo?
- Eu queria saber se ainda tenho aquela entrevista exclusiva com Carpathia.
- Você está brincando, certo? Você ouviu o que aconteceu antes da entrevista à imprensa e ainda quer uma exclusiva?
- Ouvi? Eu estive aí, Steve.
- Bem, se você esteve aqui, então provavelmente sabe o que aconteceu antes da entrevista à imprensa.
- Steve! Vi isso com meus próprios olhos.
- Você não está me entendendo, Buck. Estou dizendo que, se você estivesse aqui para a entrevista à imprensa, teria ouvido sobre o suicídio de Stonagal no encontro preliminar, aquele em que você deveria estar.
Buck não sabia o que dizer.
- Você me viu lá, Steve.
- Nem mesmo vi você na entrevista à imprensa.
- Não estive na entrevista à imprensa, Steve, mas estava na sala quando Stonagal e Todd-Cothran morreram.
- Não tenho tempo para isto, Buck. Não estou brincando. Você devia estar lá, e não esteve. Lamento isso, Carpathia está ofendido, e não haverá nenhuma entrevista exclusiva.
- Tenho as credenciais! Eu as apresentei lá embaixo!
- Então por que não as usou?
- Usei!
Steve bateu o telefone na cara de Buck. Marge avisou pelo interfone que o chefe estava na linha de novo.
- O que houve com você que nem mesmo foi àquele encontro? - perguntou Bailey.
- Estive lá! O senhor me viu entrando!
- Sim, eu vi. Você estava por lá. O que você fez? Achou alguma coisa mais importante para fazer? Envolveu-se em alguma conversa fiada, Cameron?
- Estou-lhe dizendo que estive lá! Vou mostrar-lhe minhas credenciais.
- Acabo de verificar a lista de credenciais, e você não aparece na lista.
- Claro que estou na lista. Vou mostrar minhas credenciais ao senhor.
- Seu nome está lá, estou dizendo, mas não foi registrada sua presença.
- Sr. Bailey, estou olhando agora para minhas credenciais. Elas estão em minhas mãos.
- Suas credenciais não significam coisa alguma se você não as usar, Cameron. Agora, onde você estava?
- Leia minha matéria - disse Buck. - O senhor saberá exatamente onde eu estava.
- Acabo de falar com três ou quatro pessoas que estiveram lá, incluindo um guarda da ONU e a assistente pessoal de Carpathia, sem mencionar Plank. Nenhum deles viu você; você não esteve lá.
- Um policial me viu! Nós trocamos cartões!
- Estou voltando ao escritório, Williams. Se você não estiver aí quando eu chegar, está despedido.
- Estarei aqui.
Buck tirou do bolso o cartão do policial e ligou para o número do telefone.
- Distrito Policial - disse uma voz. Buck leu o nome no cartão:
- Detetive sargento Billy Cenni, por favor.
- Queira repetir o nome.
- Cenni, ou talvez a pronúncia seja Kenny.
- Não reconheço esse nome. Você ligou para o distrito certo? Buck repetiu o número que constava no cartão.
- O número está certo, mas essa pessoa não trabalha aqui.
- Como eu poderia localizá-la?
- Estou ocupado, companheiro. Telefone para outra seção da cidade.
- É importante. Você não tem uma lista telefônica do departamento?
- Ouça, temos milhares de policiais.
- Apenas procure C-E-N-N-I para mim, pode ser?
- Espere um minuto.
O atendente voltou logo em seguida.
- Nada, ouviu?
- Ele poderia ser novo aí?
- Ele poderia ser sua irmã pelo que sei.
- Para onde posso ligar?
Ele deu a Buck o número da sede da polícia. Buck repetiu a mesma conversa, mas, desta vez, tinha contatado uma jovem atenciosa.
- Vou checar mais uma coisa para o senhor - disse ela. -Vou ligar para o departamento do pessoal porque em geral eles não dão informações, a menos que você seja um oficial uniformizado.
Ele ouvia enquanto ela soletrava o nome para o departamento do pessoal.
- Hã-hã-ã-ã-hã - disse ela. - Muito bem. Vou passar esta informação a ele. Senhor? O departamento do pessoal diz que não há ninguém no Departamento Policial de Nova York chamado Cenni, e nunca houve. Se alguém estiver falsificando cartão da polícia, eles gostariam de apanhá-lo.
Tudo o que Buck podia fazer agora era tentar convencer Stanton Bailey.
Rayford Steele, Chloe e Bruce Barnes assistiam à entrevista à imprensa na ONU, atentos, procurando localizar Buck.
- Onde está ele? - perguntou Chloe. - Ele tem de estar em algum lugar. Todo o pessoal do encontro preliminar está lá. Quem é a jovem?
Rayford levantou-se logo que a viu e silenciosamente apontou para a tela.
- Papai - disse Chloe. - Você não está pensando o que estou pensando?
- Claro, parece-se muito com ela - disse Rayford.
- Psiu - fez Bruce -, ele está apresentando um por um.
"E minha nova assistente pessoal, depois de ter renunciado a uma carreira brilhante numa companhia de aviação..." Rayford deixou-se cair pesadamente numa cadeira.
- Espero que Buck não esteja por trás disso.
- Eu também - disse Bruce. - Isso significaria que ele poderia ter sido envolvido também.
A notícia do suicídio de Stonagal e a morte acidental de Todd-Cothran deixaram os três atordoados.
- Talvez Buck tenha aceito meu conselho e não compareceu - disse Bruce. - Sinceramente, espero que sim.
- Não parece ser do feitio dele - disse Chloe.
- Não, não parece - disse Rayford.
- Eu sei - disse Bruce -, mas prefiro esperar. Não quero descobrir que ele aderiu à perfídia, à traição. Quem sabe o que aconteceu por lá, e ele dependendo somente de nossas orações?
- Gostaria de pensar que isto seria suficiente - disse Chloe.
- Não - disse Bruce. - Ele precisava da proteção direta do próprio Deus.
Quando Stanton Bailey entrou atropeladamente na sala de Buck, uma hora depois, Buck percebeu que estava diante de uma força com a qual não podia competir. O registro de sua participação no encontro preliminar tinha sido apagado, tanto quanto da memória de cada participante. Ele sabia que Steve não estava fingindo. Ele acreditava honestamente que Buck não tinha estado lá. O poder que Carpathia exercia sobre aquelas pessoas não conhecia limites. Se Buck tinha necessidade de alguma prova de que sua fé foi real e que Deus estava agora em sua vida, ele a teve. Se ele não houvesse recebido Cristo antes de entrar naquela sala, com certeza seria apenas mais um dentre os fantoches de Carpathia.
Bailey não estava com disposição de discutir, por isso Buck deixou que o velho homem falasse, sem tentar defender-se.
- Não quero ouvir mais nada sobre esse absurdo da sua presença naquele encontro. Sei que você esteve no edifício e vi suas credenciais, mas você sabe e eu sei e todos os que estavam lá sabem que você não compareceu. Não sei o que achou que seria mais importante, mas você estava errado. Isto é inaceitável e imperdoável, Cameron. Não posso ter você como meu editor-executivo.
- Com prazer voltarei a ser redator - disse Buck.
- Você não pode assumir essa função tampouco, camarada Quero você fora de Nova York. Vou colocá-lo na sucursal de Chicago.
- Ficarei feliz em dirigir aquela sucursal para o senhor. Bailey balançou a cabeça.
- Você não vai querer isso, vai, Cameron? Não confio em você. Devia demiti-lo. Mas sei que você vai acabar trabalhando em outro lugar.
- Não quero conversa com quem quer que seja.
- Faz bem, porque, se tentar passar para um concorrente, vou ter de dizer a eles sobre essa demonstração de irresponsabilidade. Você vai ser um redator interno em Chicago, trabalhando para a mulher que foi a assistente de Lucinda. Vou telefonar para ela hoje dando-lhe a notícia. Isso vai significar um apreciável corte nos seus vencimentos, especialmente se considerarmos o que você iria ganhar com : a promoção. Tire alguns dias de folga, coloque suas coisas em ordem aqui, alugue o seu apartamento e procure um lugar em Chicago. Algum dia, desejo que você fique limpo comigo, filho. Esta foi a mais lamentável desculpa já vista na busca de notícia, e justamente partindo de um dos melhores no jornalismo.
O Sr. Bailey saiu batendo a porta.
Buck não via a hora de poder falar com seus amigos em Illinois, mas não queria telefonar do escritório ou de seu apartamento, e ele não sabia com certeza se o telefone celular era seguro. Ele reuniu suas coisas e tomou um táxi até o aeroporto, pedindo ao motorista que parasse em frente de uma cabina telefônica de serviço pré-pago um quilômetro e meio antes do terminal.
Como o telefone tocava e ninguém atendia, resolveu ligar para a igreja. Bruce atendeu e disse-lhe que Chloe e Rayford estavam lá.
- Coloque-os no viva-voz - disse ele. - Vou tomar o vôo das três horas da American Airlines para 0'Hare. Mas antes deixem-me dizer-lhes isto: Carpathia é o homem, sem dúvida. Ele se encaixa em todos os detalhes. Senti suas orações no encontro. Deus me protegeu. Estou me mudando para Chicago e quero ser membro do, como é que você chama isso, Bruce?
- Comando Tribulação?
- É isso aí!
- Isto significa que...? - começou Chloe a dizer.
- Você sabe exatamente o que significa - disse Buck. - Conte comigo.
- O que aconteceu, Buck? - perguntou Chloe.
- Prefiro falar sobre isso pessoalmente - disse ele. - Mas tenho uma história para vocês! E vocês serão as únicas pessoas que conheço capazes de acreditar nela.
Quando seu avião finalmente aterrissou, Buck saiu apressado para atravessar o túnel retrátil de acesso ao portão, onde foi jubilosamente cumprimentado por Chloe, Bruce e Rayford Steele. Eles o abraçaram, inclusive o circunspecto capitão. Quando se reuniram a um canto, Bruce orou agradecendo a Deus seu novo irmão e a proteção que lhe foi concedida.
Atravessando o terminal, foram em direção ao estacionamento, caminhando a passos largos, lado a lado, braços nos ombros um do outro, unidos num propósito comum. Rayford Steele, Chloe Steele, Buck Williams e Bruce Barnes enfrentariam os perigos mais graves que alguém poderia enfrentar, e sabiam bem qual era sua missão.
A tarefa do Comando Tribulação era clara, e sua meta nada menos do que permanecerem firmes e lutarem contra os inimigos de Deus durante os sete anos mais caóticos que o planeta viveria.
Em Breve na rede:
Deixados para trás: o drama continua
Em um momento de pânico total, milhões de pessoas desaparecem ao redor do mundo. Os que foram deixados para trás agora enfrentam guerra, fome, pragas e calamidades naturais tão devastadoras que apenas uma em cada quatro pessoas sobreviva. A situação ainda é pior para os inimigos do Anticristo e de sua nova ordem mundial, pessoas que perceberam que os desaparecimentos eram o arrebatamento profetizado no livro de Apocalipse.
Agora Rayford Steele, Buck Williams, Bruce Barnes e Chloe Steele resolvem se unir para formar o Comando Tribulação, cuja missão é resistir e lutar contra os inimigos de Deus durante os sete anos mais caóticos que o planeta viverá. É uma missão difícil, que exigirá o máximo de cada um deles para que seja cumprida.
Este é o segundo livro da série Deixados para Trás. No primeiro livro da série, também intitulado Deixados para Trás, nossos heróis presenciam o momento do Arrebatamento, em que milhões de cristãos ao redor do mundo desaparecem instantaneamente, tornando o planeta um verdadeiro caos.
Entre os ficaram para trás estava Bruce Barnes, um pastor de uma igreja protestante que acabou se tornando uma pessoa-chave para explicar todos aqueles acontecimentos. Outro que ficou foi Rayford Steele, piloto comercial internacional, que estava em pleno vôo durante o Arrebatamento, vindo a descobrir mais tarde que sua mulher e filho também tinham desaparecido. Ele vai atrás de Bruce, confirmando suas suspeitas sobre o que ocorrera e reconhecendo a soberania de Deus e a salvação em Jesus Cristo. Sua filha, Chloe Steele, ainda resiste por algum tempo em aceitar a verdade dos fatos, mas acaba aceitando a Cristo após observar o comportamento do pai e conversar com o pastor Bruce.
No avião que Rayford pilotava estava o jornalista Cameron Willians, que aceitou a Cristo e descobriu a verdadeira identidade do Anticristo enquanto fazia uma importante reportagem.
Agora nossos quatro heróis se preparam para formar o Comando Tribulação...
Linha do Tempo: Duas semanas após o Arrebatamento. Cobertura: 21 meses.
Julgamentos: I - (Apocalipse 6:1-2), (1 Tessalonicenses. 4:16-17), (Apocalipse 3:10), (Daniel 9:27), (Apocalipse 11:3)
Personagens Principais: Amanda (White) Steele, Dr. Tsion Ben-Judah, Peter Mathews, Rayford Steele, Hattie Durham, Cameron "Buck" Williams, Bruce Barnes, Chloe Steele, Nicolae Jetty Carpathia, Chaim Rosenzweig, Steve Plank
Localidades: Chicago, Nova Iorque, Nova Babilônia (Iraque)

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