domingo, 5 de setembro de 2010

DEIXADOS PARA TRÁS VA

DEIXADOS PARA TRÁS V
PRÓLOGO
Extraído do final de A Colheita
RAYFORD acreditava que a única maneira de inocentar Amanda seria decodificar seus
arquivos, mas ele também conhecia o risco. Teria de enfrentar o que lhe fosse revelado.
Será que ele queria conhecer a verdade? Quanto mais orava sobre isso, mais convencido
ficava de que não devia temer a verdade.
Dependendo do que ele descobrisse, sua atitude em relação ao Comando Tribulação
mudaria. Se a mulher com a qual ele compartilhara sua vida o enganara, em quem mais
poderia confiar? Se ele não sabia julgar o caráter de uma pessoa, que bem poderia fazer
no trabalho pela causa de Cristo? Dúvidas malucas permeavam sua mente, mas ele
precisava conhecer a verdade. Quer ela tivesse sido uma mulher apaixonada ou
mentirosa, esposa ou feiticeira, ele precisava saber.
Na manhã da véspera do início da mais famosa concentração em massa do mundo,
Rayford aproximou-se de Carpathia em seu escritório.
- Sua Excelência - ele começou a dizer, engolindo qualquer vestígio de orgulho -, estou
entendendo que o senhor vai precisar de Mac e de mim para levá-lo a Israel amanhã.
- Não me venha com essa conversa, capitão Steele. Eles estão se reunindo contra a minha
vontade; portanto, não tenho a intenção de dar um aval com minha presença.
- Mas o senhor prometeu proteger...
- Ah! isso também mexeu com você, não?
- O senhor conhece minha posição.
- E você também sabe que sou eu quem diz para onde devo ir, e não o contrário. Você
não acha que, se eu quisesse estar em Israel amanhã, já não lhe teria dito isso antes?
- Então, quer dizer que aqueles que imaginam que o senhor está com medo daquele
estudioso que...
- Medo!
- ... o desmascarou via Internet e que o chamou de enganador diante de pessoas do
mundo inteiro...
- Você está tentando me seduzir, capitão Steele – disse Carpathia, sorrindo.
- Francamente, acredito que o senhor sabe que vai ser destituído em Israel pelas duas
testemunhas e pelo Dr. Ben- Judá.
- Pelas duas testemunhas? Se aqueles dois não pararem com aquela história de magia
negra, falta de chuva e sangue, vão ter de se explicar comigo.
- Eles dizem que o senhor não pode fazer nada que os prejudique até o tempo certo.
- Eu vou decidir qual é o tempo certo.
- Apesar disso, a nação de Israel foi protegida do terremoto e dos meteoros...
- Você acredita que as testemunhas são responsáveis por isso?
- Creio que Deus é o responsável.
- Diga-me uma coisa, capitão Steele. Você ainda acredita que um homem com poderes
de ressuscitar uma pessoa possa ser o anticristo?
Rayford hesitou, desejando que Tsion estivesse presente.
- O inimigo é conhecido por imitar milagres - ele disse. - Imagine qual seria a reação do
público em Israel se o senhor fizesse algo parecido. Lá estarão pessoas de fé em busca de
inspiração. Se o senhor é Deus, se pode ser o Messias, não ficariam emocionadas por
conhecê-lo?
Carpathia encarou Rayford, parecendo esquadrinhar seus olhos. Rayford acreditava em
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Deus. Acreditava que, apesar de seu poder e de suas intenções, Nicolae estaria de mãos
atadas diante de qualquer uma das 144.000 testemunhas que carregavam na testa o selo
do Deus Todo-Poderoso.
- Se você está sugerindo - disse Carpathia, escolhendo as palavras - que é importante
que o potentado da Comunidade Global conceda a esses convidados uma recepção
suntuosa como eles jamais viram, talvez tenha razão.
Rayford não havia dito nada que se referisse a isso, mas Carpathia ouviu o que queria
ouvir.
- Obrigado - ele disse.
- Capitão Steele, prepare o roteiro do vôo.
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UM
RAYFORD Steele estava preocupado com o silêncio de Mac McCullum na cabina de comando
do Comunidade Global Um durante o curto vôo de Nova Babilônia a Tel-Aviv.
- Devemos conversar mais tarde? - perguntou Rayford em voz baixa.
Mac pôs o indicador nos lábios pedindo silêncio e fez um sinal afirmativo com a cabeça.
Rayford terminou a comunicação com o controle de tráfego aéreo e de terra da Nova
Babilônia e estendeu o braço por baixo da poltrona para encontrar o botão secreto que
lhe permitia ouvir a conversa no compartimento dos passageiros do Condor 216 entre o
Potentado da Comunidade Global Nicolae Carpathia, o Supremo Comandante Leon
Fortunato e o Supremo Pontífice Peter Mathews, da Fé Mundial Enigma Babilônia. Mas,
antes de Rayford apertar o botão, sentiu a mão de Mac segurando-lhe o braço. Mac
balançava a cabeça negativamente.
Rayford estremeceu.
- Eles já sabem? - perguntou, fazendo uma careta.
- É melhor nao se arriscar antes de conversarmos - sussurrou Mac.
Rayford recebeu o tratamento esperado quando avisou que ia pousar em Tel-Aviv. A torre
do aeroporto David Ben Gurion afastou os outros aviões da área, mesmo aqueles que já
haviam iniciado as manobras de aterrissagem. Rayford ouviu as vozes iradas dos outros
pilotos enquanto estavam sendo dirigidos para pistas a muitos quilômetros de distância
do Condor. De acordo com o protocolo, nenhuma outra aeronave podia aproximar-se do
Condor, apesar do extraordinário tráfego aéreo esperado em Israel para o Encontro das
Testemunhas.
- Assuma o comando da aterrissagem, Mac – disse Rayford. Mac lançou-lhe um olhar de
espanto, mas obedeceu. Rayford ficou impressionado ao ver que a Terra Santa
havia sido totalmente poupada da destruição causada pelo terremoto da ira do Cordeiro.
Outras calamidades haviam atingido a nação e o povo, mas, para Rayford, Israel era o
único lugar do mundo que, visto de cima, parecia normal desde o terremoto e os
julgamentos subseqüentes.
O tráfego aéreo era intenso no aeroporto Ben Gurion. As grandes aeronaves tinham de
aterrissar lá, ao passo que as menores fariam o pouso nas cercanias de Jerusalém.
Apesar de preocupado com a apreensão de Mac, Rayford não conseguiu conter um
sorriso. Além de ser forçado a permitir o encontro dos crentes, Carpathia também teve
de comprometer-se a protegê-los. Evidentemente, Carpathia era o oposto de um homem
de palavra, mas estava de mãos atadas por ter assumido um compromisso perante o
público. Teria de proteger até mesmo o rabino Tsion Ben-Judá, o líder espiritual do
Comando Tribulação.
Pouco tempo atrás, o Dr. Ben-Judá foi obrigado a abandonar seu país na calada da noite,
tornando-se um fugitivo procurado no mundo inteiro. Agora ele estava de volta como
inimigo confesso de Carpathia e como líder das 144.000 testemunhas e de seus
respectivos convertidos. Carpathia usara as conseqüências dos mais recentes Julgamentos
das Trombetas como pretexto para adiar por duas vezes a conferência em Israel, porém
não podia mais impedi-la.
Pouco antes da aterrissagem, quando todos a bordo deviam estar com os cintos atados,
Rayford foi surpreendido por uma batida na porta da cabina de comando.
- Leon - ele disse, ao virar-se. - Estamos fazendo as manobras de pouso.
- Não se esqueça do protocolo, capitão! – vociferou Fortunato.
- O que o senhor deseja?
- Além de exigir que você me chame de supremo comandante, tenho ordens de Sua
Excelência para que você permaneça na cabina de comando após a aterrissagem.
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- Não vamos a Jerusalém? - perguntou Rayford. Mac olhava firme para a frente.
- Claro - respondeu Fortunato. - Todos nós sabemos que você quer estar lá.
Rayford tinha certeza de que o pessoal de Carpathia tentaria segui-lo para encontrar os
demais membros do Comando Tribulação.
Fortunato saiu e fechou a porta.
- Vou assumir o comando, Mac - disse Rayford.
Mac transferiu-lhe o comando da aeronave, e, a seguir, Rayford exagerou no ângulo de
descida enquanto apertava o botão secreto. Ele ouviu Carpathia e Mathews acudindo
Fortunato, que certamente havia levado um tombo. Assim que o avião pousou, Fortunato
irrompeu na cabina de comando.
- O que aconteceu, co-piioto McCullum?
- Minhas desculpas, comandante - disse Mac. - Não foi intencional. Com todo o respeito, o
senhor não deveria estar fora do lugar durante a aterrissagem.
- Prestem atenção, cavalheiros - disse Fortunato, ajoelhando-se entre eles. - Sua
Excelência pede que vocês dois permaneçam em Tel-Aviv, porque não temos certeza de
quando ele vai retornar à Nova Babilônia. Fizemos reservas para vocês em um hotel perto
do aeroporto. O pessoal da Comunidade Global cuidará de transportá-los até lá.
Buck estava sentado no interior do estádio Teddy Kollek, em Jerusalém, tendo ao lado sua
esposa Chloe, que estava grávida. Ele sabia que ela ainda não se restabelecera dos
ferimentos sofridos por ocasião do grande terremoto e que nada justificava sua viagem
aérea a Israel, mas não conseguira dissuadi-la. Naquele momento, ela parecia exausta.
Seus ferimentos e cicatrizes começavam a desaparecer, mas ela ainda mancava, e seu
belo rosto revelava uma estranha graciosidade por causa do novo formato adquirido pelo
osso malar e pela órbita ocular.
- Você precisa ajudar os outros, Buck - ela disse. – Pode ir. Eu vou ficar bem.
- Eu gostaria que você voltasse para o alojamento – ele disse.
- Eu estou bem - ela insistiu. - Só preciso ficar sentada por algum tempo. Estou
preocupada com Hattie. Eu disse que não a deixaria sozinha, a menos que ela melhorasse
ou se convertesse, mas nada disso aconteceu.
Hattie, que estava grávida, permanecia em casa lutando para sobreviver por ter sido
envenenada. O Dr. Floyd Charles
ficou encarregado de cuidar dela enquanto o restante do Comando Tribulação - inclusive o
novo componente Ken Ritz, outro piloto - viajava para Israel.
- Floyd cuidará bem dela.
- Eu sei. Agora me deixe sozinha por um pouco de tempo.
Rayford e Mac foram instruídos para aguardar dentro do avião enquanto Carpathia,
Fortunato e Mathews eram recebidos com entusiasmo na pista do aeroporto. Fortunato
permanecia em pé e em posição de sentido um pouco mais atrás enquanto Mathews
transferia a Carpathia o convite recebido para fazer um breve discurso.
- É um prazer muito grande estar de voita a Israel - disse Carpathia com um largo
sorriso. - Estou ansioso por dar as boas-vindas aos seguidores do Dr. Ben-Judá e
demonstrar que as portas da Comunidade Global estão abertas para qualquer opinião e
crença. Tenho a satisfação de reiterar minha garantia de proteção ao rabino e aos
milhares de visitantes do mundo inteiro. Abstenho-me de outros comentários, pois
entendo que serei convidado a falar na mui digna concentração que se realizará nos
próximos dias.
As autoridades presentes foram conduzidas a um helicóptero para um curto vôo até
Jerusalém, e suas respectivas comitivas seguiram em suntuosas limusines.
Depois que Rayford e Mac concluíram as verificações após o vôo e desembarcaram, foram
transportados até o hotel por um jipe da Comunidade Global. Mac fez um sinal a Rayford
para que não falasse nada durante o trajeto nem nos quartos do hotel. Quando entraram
em um bar, Rayford finalmente perguntou o que estava acontecendo.
Buck desejou que Chloe tivesse dormido durante o vôo dos Estados Unidos a Israel. Ken
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Ritz havia conseguido um jato modelo Gulfstream, e Buck considerou que aquele foi o vôo
internacional mais confortável em que ele viajara. Mas os quatro - Ken, Buck, Chloe e
Tsion - estavam muito eufóricos para descansar. Tsion passou metade do tempo
trabalhando em seu laptop, cujas mensagens eram transmitidas por Ken, via satélite,
mantendo o rabino em contato com seu rebanho composto de milhões de pessoas do
mundo inteiro.
Um grande número de igrejas domésticas havia surgido da noite para o dia - como que
espontaneamente -, organizadas por judeus convertidos, que faziam parte das 144.000
testemunhas e assumiram a posição de líderes. Eles transmitiam ensinamentos diários
com base nos sermões e aulas virtuais do talentoso Ben-Judá. Dezenas de milhares de
igrejas domésticas clandestinas, cuja existência era de conhecimento de todos, inclusive
da Fé Mundial Enigma Babilônia, viam, diariamente, corajosos convertidos sendo
admitidos em seu meio.
Tsion insistira com as congregações locais que enviassem seus líderes ao grande Encontro
das Testemunhas, a despeito das advertências da Comunidade Global. Nicolae Carpathia
mais uma vez tentara cancelar a reunião no último momento, usando como argumento os
milhares de mortes ocorridas por causa da contaminação da água em mais de um terço do
planeta. Emocionando os fiéis por chamar de blefe essa atitude de Carpathia, Tsion reagira
publicamente pela Internet.
"Sr. Carpathia", ele escrevera, "estaremos em Jerusalém conforme programado, com ou
sem sua aprovação, permissão ou proteção prometida. A glória do Senhor será a nossa
retaguarda."
Buck necessitaria de proteção quase tanto quanto Tsion. Por ter decidido aparecer em
público ao lado de Ben-Judá, Buck estava sacrificando sua posição de editor-chefe de
Carpathia e seu salário exorbitante. A presença de Buck perto do rabino confirmaria a
alegação de Carpathia de que ele se tornara um inimigo ferrenho da Comunidade Global.
O rabino Ben-Judá havia estabelecido a estratégia de simplesmente confiar em Deus.
- Permaneça a meu lado quando desembarcarmos do avião - ele disse. - Nada de
disfarces, nada de manobras, nada de esconderijos. Se Deus pode me proteger, Ele
também pode proteger você. Vamos parar de fazer o jogo de Carpathia.
Havia muito tempo que Buck transmitia anonimamente uma revista eletrônica, via
Internet, intitulada A Verdade, que doravante passaria a ser seu único meio de dar vazão
a seu talento de escrever. Ironicamente, a revista atraiu dez vezes mais o número de
leitores que ele possuía. Buck preocupava-se com sua segurança, evidentemente, porém
mais com a de Chloe.
Tsion parecia estar recebendo uma proteção sobrenatural. Mas, após essa concentração, o
Comando Tribulação inteiro mais as 144.000 testemunhas e seus milhões de convertidos
tornar-se-iam arquiinimigos declarados do anticristo. Eles passariam metade do tempo
pregando e metade do tempo tentando sobreviver. Apesar de tudo o que já haviam
sofrido, parecia que o período de sete anos de tribulação tinha apenas começado. Eles
teriam ainda quase cinco anos pela frente até o Glorioso Aparecimento de Cristo para
estabelecer seu reino de mil anos na terra.
As cartas via Internet de Tsion e a revista eletrônica clandestina de Buck conseguiram
uma façanha estupenda em Israel. Ali chegavam dezenas de milhares de testemunhas
judaicas convertidas, pertencentes às doze tribos de Israel espalhadas no mundo inteiro.
Em vez de pedir a Ken Ritz que encontrasse uma pista alternativa onde o Comando
Tribulação pudesse entrar secretamente no país, Tsion informara seu itinerário a todos os
seus seguidores - inclusive, é claro, Carpathia & Companhia.
Ken havia pousado no pequenino aeroporto de Jerusalém ao norte da cidade, e um grupo
de simpatizantes cercou imediatamente o avião para dar-lhes as boas-vindas. Um
pequeno contingente da CG composto de guardas armados, aparentemente idéia de
Carpathia para proteger Tsion, teria de abrir fogo se quisesse aproximar-se dele. As
testemunhas de todas as partes do mundo aplaudiam, cantavam e tentavam tocar Tsion
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enquanto o Comando Tribulação abria caminho até chegar a uma van. O motorista
israelense passou cuidadosamente pela multidão e seguiu pela rua principal na direção sul
rumo à Cidade Santa e ao Hotel Rei Davi.
Ao chegarem, tomaram conhecimento de que o supremo comandante Leon Fortunato
havia cancelado sumariamente as suas reservas e as de várias outras pessoas, exigindo,
com autoridade suprema, que o último andar fosse destinado a Nicolae Carpathia e seu
grupo.
- Suponho que você tenha feito reservas alternativas para nós - disse Tsion ao funcionário
da recepção após aguardar mais de meia hora na fila.
- Peço-lhe desculpas - disse o jovem, entregando um envelope a Tsion. O rabino olhou
para Buck e afastou-se com ele para um lugar reservado onde poderia abrir o envelope.
Buck olhou para Ken, que fez um sina! afirmativo com a cabeça para garantir-lhe que
cuidaria da frágil Chloe.
O bilhete estava escrito em hebraico.
- É de Chaim - disse Tsion. - Ele diz o seguinte: "Perdoe meu bom amigo Nicolae por esta
vergonhosa insensibilidade. Tenho acomodações para você e seus companheiros e insisto
que fiquem comigo. Peça para chamarem o Jacov pelo alto- falante, e ele cuidará de
vocês."
Jacov era o motorista e criado de Chaim Rosenzweig. Ele carregou as malas até uma
perua Mercedes e, logo a seguir, o Comando Tribulação já estava instalado nos quartos de
hóspedes da propriedade de Chaim, protegida por muros altos e portão, cuja distância até
a Cidade Velha poderia ser percorrida a pé. Buck tentou convencer Chloe a permanecer ali
e descansar. Ele, Ken e Tsion iriam sem ela para o estádio.
- Não vim até aqui para ficar à margem dos acontecimentos - disse ela. - Sei que você
está preocupado comigo, mas deixe que eu decida se tenho condições ou não.
Ao chegar ao estádio Teddy Kollek, Buck ficou estarrecido, tanto quanto os outros, ao ver o
que havia sido preparado para o evento. Tsion estava certo. Deus usara os apelos virtuais
do rabino para conclamar as testemunhas israelenses a cuidarem da logística desta
conferência inusitada.
Apesar do caos em que o mundo se encontrava, grupos designados especialmente para
esta finalidade haviam providenciado transporte, alojamento, comida, aparelhos de som,
intérpretes e a programação do evento. Buck observou que Tsion quase não se continha
de emoção diante da eficiência e simplicidade da programação.
- Dr. Ben-Judá - disse alguém -, tudo o que o senhor tem a fazer é estar preparado para
receber a inspiração de Deus e nos informar quando chegar o momento certo de usar o
microfone.
Tsion sorriu tristemente e afirmou:
- Estar preparado e orar para que todos nós possamos permanecer debaixo da proteção
de nosso Pai celestial.
- Eles estão desconfiados de você - disse Mac entre uma mordida e outra em um
sanduíche com molho. Rayford balançou a cabeça.
- Não faço segredo do que penso, e Carpathia sabe disso há meses. Do que você está
falando?
- Você está sob minha responsabilidade.
- Continue.
- Não tenho acesso direto ao chefão, mas fui chamado ontem à noite para ter uma
conversa com Leon. A boa notícia é que eles não desconfiam de mim.
- Esta é uma boa notícia. Mas eles têm conhecimento do botão secreto no avião?
- Leon não disse nada, mas deixou bem claro que você é um elemento perigoso. Se aquele
botão ainda estiver funcionando...
- Está.
- ...vou usá-lo e manter você informado.
- E eu? Onde estarei?
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- Em qualquer lugar menos aqui, Ray. Tenho certeza de que o motorista prestou atenção
em tudo. Deve haver microfones escondidos no carro, na cabina de comando e, sem
dúvida, em nossos quartos.
- Eles esperam que eu os leve até o restante do grupo, mas o grupo vai estar à vista de
todos em Jerusalém.
- Eles querem mantê-lo afastado do grupo, Ray. Por que você acha que fomos instruídos
para ficar em Tel-Aviv?
- E se eu sair daqui?
- Vou ter de avisá-los imediatamente. Será o seu fim, Ray.
- Mas eu preciso ver minha família e os outros do Comando Tribulação.
- Não aqui. Carpathia assumiu o compromisso de proteger Tsion e os outros. Não você.
- Eles acham realmente que não irei a Jerusalém?
- Eles esperam que você não vá. Você não deve ir. Rayford endireitou o corpo e fez uma
expressão de
desagrado. Não queria perder o emprego, porque estava muito próximo do campo do
inimigo e podia saber o que se passava ali. Ele gostaria de saber que final teria essa fase
inusitada de sua vida.
- Você vai assumir o meu lugar? - perguntou Rayford.
- Foi o que me disseram - respondeu Mac. - Há mais uma notícia boa. Eles gostam de
David e confiam nele.
- Hassid? Que bom!
- Ele ficou encarregado das compras. Além do trabalho que faz no computador, é ele quem
cuida de todas as compras importantes, inclusive materiais eletrônicos utilizados na
aviação.
Rayford semicerrou os olhos. Mac tirou uma folha de papel amarelo do bolso da jaqueta e
entregou-o a Rayford por cima da mesa.
- Não me diga que ele comprou um avião para mim -disse Rayford.
Mac deu um longo suspiro.
- Eu devia ter pensado nisso. Você conhece aqueles pequenos organizers eletrônicos
portáteis? David fez um pedido de meia dúzia, especialmente montados. Ele ainda não
sabe que não vai mais ver você por lá.
- Eu não posso furtá-los, nem mesmo de Carpathia.
- Você não vai precisar furtá-los, Ray. Nesta folha estão apenas as especificações e onde
encontrá-los. Eles não são baratos, mas espere para ver o que estas maravilhas podem
fazer. Vocês não vão mais precisar de laptops. Bem, talvez o rabino ainda necessite de um
teclado, mas essas coisas são movidas a luz solar, conectadas a satélites e contêm chips
de posicionamento geográfico. Corn elas, você poderá ter acesso à Internet, enviar e
receber mensagens e usá-las como telefone ou como quiser. Rayford meneou
negativamente a cabeça.
- Talvez ele tenha pensado em blocos rastreadores.
- Claro.
Rayford guardou a folha de papel no bolso.
- O que devo fazer, Mac?
- Você vai ter de sumir desta parte do mundo, não há outra saída.
- Mas eu preciso saber essa história sobre Amanda. Buck só vai me contar pessoalmente,
e ele está em Jerusalém.
Mac abaixou os olhos.
- Você já sabe o que ele vai lhe dizer, Ray. Eu seria a última pessoa no mundo a íalar a
um homem o que se passou
com a esposa dele, mas nós dois sabemos que as evidências apontam para aquilo que
você não quer ouvir.
- Ainda não consegui aceitar, mas preciso saber a verdade.
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- Buck descobriu alguma coisa?
- Parece que sim.
- E como ele pode ter certeza?
- Eu já contei a você sobre Hattie. -Sim.
- Ela sabe.
- Então pergunte a ela, Ray. Vá para casa.
- Você acha que ninguém perceberia se eu tentasse fugir daqui amanhã cedo?
- A CG não tem condições de tomar conta de tudo. Use o piloto que está trabalhando para
seu pessoal - Ritz, é esse o nome dele? O que ele vai fazer nos próximos dias?
Rayford olhou admirado para Mac.
- Você não é tão bobo quanto parece, meu velho amigo. Mac tirou seu celular do bolso.
- Você sabe o número dele?
- O seu telefone não está grampeado? Se alguém me pegar conversando com Ken Ritz no
seu ou no meu telefone...
- Você é mais bobo do que parece se pensa que eu correria esse risco. Conheço o
encarregado das compras, lembra-se? - Mac mostrou o telefone a Rayford, um modelo
comum que tinha sido inspecionado por David Hassid.
Rayford discou para o número de Chloe.
- Papai! - ela exclamou exultante. - Você está aqui?
Buck considerou um privilégio orar com a delegação israelense antes de retornar com Ken
e Tsion ao local onde Chloe o aguardava. Ele passou o braço ao redor dos ombros de Tsion.
- Você está tão cansado quanto eu?
- Exausto. Só espero que o Senhor me permita dormir esta noite. Estou pronto para
transmitir sua mensagem a estes prezados membros da família, mas, antes disso, falta
conversar com Eli e Moisés. Você irá comigo, não?
- Não quero perder esse encontro.
- Nem eu - disse Ken.
Porém, as notícias dadas por Chloe mudaram os planos de Ken.
- Papai ligou - ela disse em voz baixa. - Ele precisa voltar para casa amanhã.
Depois que Chloe contou qual era a situação de Rayford, Ken resolveu que tiraria o
Gulfstream do aeroporto de Jerusalém naquela noite e o levaria ao Ben Gurion. Buck
perdeu as esperanças de conversar com Rayford pessoalmente.
- Pelo menos ele vai ouvir a verdade sobre Amanda diretamente da pessoa envolvida -
ele disse.
Uma hora mais tarde, Jacov levou o grupo de carro, deixando Ken no aeroporto.
- Esperamos vê-lo de volta aqui sexta-feira - disse Tsion, abraçando-o.
Chloe dormiu com a cabeça encostada no ombro de Buck durante o trajeto noturno até o
Monte do Templo. Quando eles desceram do carro, tiveram uma visão espetacular do
templo novo resplandecendo no horizonte.
- Não quero nem olhar para a nova construção do templo - disse Tsion. - É uma
abominação.
- Não vejo a hora de me encontrar com as testemunhas - disse Chloe.
- Talvez você não vá se encontrar com os dois – advertiu Tsion. - Eles são seres celestiais
e fazem o que querem. Pode ser que se comuniquem conosco; pode ser que não. Vamos
nos aproximar deles com muito cuidado.
Buck sentiu uma euforia tomar conta de todo o seu corpo.
- Você já conhece as histórias, querida. Chloe movimentou a cabeça afirmativamente.
- Não posso dizer que não estou assustada.
Os três aproximaram-se lentamente do costumeiro agrupamento de pessoas que se
postava a uns dez metros de distância da cerca de ferro, atrás da qual as testemunhas
permaneciam, às vezes em pé, outras, sentadas ou falando ao povo. Ninguém os vira
dormindo e ninguém ousava aproximar-se. Os que ameaçaram a vida dos dois tiveram
mortes horríveis.
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A euforia de Buck sobrepujava seu cansaço. Ele estava preocupado com Chloe, mas não podia
negar-lhe esse privilégio.
Por trás do grupo composto de cerca de 40 pessoas, Buck conseguiu enxergar um pouco
além da cerca, onde Eli estava sentado à moda indiana, com as costas apoiadas na
parede de pedra de um cômodo. Seus cabelos compridos e a longa
barba balançavam suavemente ao sabor da brisa, mas ele permanecia imóvel, sem
piscar. A tonalidade de sua pele rija misturava-se com seus trajes de aniagem.
Moisés estava em pé a um pouco mais de meio metro da cerca, em silêncio, imóvel, olhos
fixos no grupo de pessoas à sua frente. De vez em quando, alguém gritava:
- Falem! Digam alguma coisa!
As pessoas recuavam diante daqueles gritos, temendo as conhecidas reações violentas
das testemunhas. Moisés mantinha os pés afastados um do outro e os braços caídos ao
longo do corpo. Horas antes, naquele mesmo dia, Buck havia acompanhado, em seu
computador, um longo monólogo de Moisés. Às vezes, as duas testemunhas intercalavam
suas pregações, mas aquele dia parecia ter sido reservado a Moisés.
- Observe-os atentamente - cochichou Buck ao ouvido de Chloe. - Em determinadas
ocasiões, eles se comunicam sem abrir a boca. É incrível como todos compreendem no
próprio idioma o que eles dizem.
Um vozerio vindo de trás do grupo forçou o povo a abrir caminho. Alguém gritou:
- É Carpathia! O potentado! Tsion levantou a mão.
- Vamos ficar exatamente aqui - ele sussurrou.
Buck fixou o olhar em Leon Fortunato, que supervisionava com calma os guardas da CG
encarregados de manter os curiosos afastados de Carpathia. Com ar circunspecto e
cabeça erguida, o potentado caminhou por entre o povo e parou a três metros da cerca.
- Salve, potentado! - alguém gritou.
Carpathia virou-se e levou o dedo aos lábios pedindo silêncio. Fortunato acenou para um
guarda, que se postou na frente do grupo, fazendo-o recuar um pouco mais.
- Fiquem aqui - disse Buck, afastando-se.
- Querido, espere! - chamou Chloe, mas Buck contornou a multidão e escondeu-se nas
sombras.
Ele sabia que os guardas o tomariam por alguém que simplesmente estava abandonando
o local. Mas, quando se encontrava a uma distância razoável, ele olhou para trás por
entre os arbustos, de onde podia avistar Carpathia encarando Moisés.
Carpathia esboçou um ar de susto quando, de repente, Moisés começou a falar bem alto.
- Ai do inimigo do Deus Altíssimo!
Nicolae recompôs-se rapidamente, sorriu e falou mansamente:
- É improvável que eu seja inimigo de Deus - ele disse. - Muitos dizem que eu sou o
Deus Altíssimo.
Moisés movimentou-se pela primeira vez, cruzando os braços diante do peito. Carpathia,
com o queixo apoiado na mão, levantou a cabeça e observou Moisés atentamente. Moisés
falou em voz baixa, em um tom que só Buck e Carpathia puderam ouvir.
- A tua cabeça será traspassada à espada - disse Moisés com voz ameaçadora. - E,
certamente, morrerás.
Buck sentiu um calafrio, mas Carpathia continuava impassível.
- Vou dizer uma coisa a você e a seu companheiro – ele disse com os dentes cerrados. -
Vocês vêm perseguindo Israel há muito tempo com falta de chuva e transformaram a
água em sangue. Ou vocês param com essas mistificações ou vão se arrepender.
Eli levantou-se e trocou de lugar com Moisés, acenando para que Carpathia se aproximasse.
O potentado titubeou e olhou para seus guardas, que ameaçaram erguer suas armas. Eli
falou em tom de voz tao alto que os curiosos se dispersaram e correram. Mesmo Tsion e
Chloe recuaram um pouco.
- Até o devido tempo, não terás autoridade sobre os ungidos do Deus Todo-Poderoso!
Os guardas abaixaram as armas, e Fortunato pareceu esconder-se atrás deles. Carpathia
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continuava com um sorriso de zombaria nos lábios, mas Buck tinha certeza de que ele
estava espumando de raiva.
- Veremos - ele disse -, quem será o vencedor final. Eli parecia olhar através de
Carpathia.
- O vencedor final já estava determinado antes do início dos tempos - ele disse. - O
veneno que infligiste sobre a terra fará apodrecer tuas entranhas por toda a eternidade.
Carpathia afastou-se, ainda sorrindo com ar de zombaria.
- Quero adverti-los a permanecer afastados desses que se dizem santos. Garanti a
proteção deles, e não a de vocês.
Eli e Moisés falaram em uníssono.
- Aquele ou aquela que tem ouvidos para ouvir, ouça. Não estamos limitados nem a
tempo nem a espaço, e os que se beneficiarem de nossa presença e testemunho ouvirão
o som de nossa proclamação.
Buck emocionou-se diante dessa mensagem e olhou para o local onde estavam Tsion e
Chloe. O rabino levantou a mão fechada, em sinal de que havia entendido a mensagem, e
caminhou ao lado de Chloe de volta para o carro. Buck escondeu-se no meio dos arbustos
e saiu pelo outro lado, chegando ao estacionamento instantes depois.
- Você ouviu? - perguntou Tsion.
Buck assentiu com um movimento de cabeça.
- Inacreditável!
- Eu não entendi - disse Chloe. - O que eles disseram?
- Você ouviu o som da língua hebraica? - perguntou Tsion.
- Eles falaram em hebraico.
- Eu ouvi em inglês - ela disse.
- Eu também - interveio Buck. - Eles disseram: "Aquele ou aquela que tem ouvidos para
ouvir..."
- Eu ouvi - interrompeu Chloe. - Só que não entendi.
- Foi a primeira vez que os ouvi acrescentarem "ou aquela"
- disse Tsion. - Eles se referiram a você, Chloe. Sabiam que estávamos aqui. Não nos
aproximamos deles, não nos identificamos, não tivemos de ficar frente a frente com
Carpathia antes de estar preparados. Nem mesmo perguntamos a Eli e Moisés se eles
compareceriam ao estádio. Eles disseram que "os que se beneficiarem de nossa presença
e testemunho ouvirão o som de nossa proclamação".
- Eles irão embora? - perguntou Chloe.
- Foi o que deduzi.
- Quando?
- No momento certo.
16
DOIS
RAYFORD descobriu que tinha muita coisa em comum com Ken Ritz e gostou muito dele.
Apesar de estar preocupado com seu futuro - e seus ganhos - e temeroso do que poderia
ouvir sobre sua falecida esposa, apreciou a companhia de Ken. O piloto tinha dez anos
rnais do que ele, era um militar reformado, de fala rude, franco e, conforme Tsion Ben-
Judá dizia, vibrava diante de seu "primeiro amor" por Cristo.
Durante o vôo de volta para casa, Rayford e Ken passaram horas contando suas
experiências de vida. Rayford orou silenciosamente a Deus, agradecido por ter
encontrado um novo amigo. Seu relacionamento com Tsion era o de aluno para mestre.
Para Buck, ele era sogro. Como ele sentia falta de Bruce Barnes, seu primeiro amigo e
mentor espiritual depois do Arrebatamento! Ken parecia uma dádiva de Deus.
Ritz assegurou que Rayford poderia aprender a pilotar o Gulfstream em questão de
minutos.
- Vocês, acostumados a pilotar aquelas aeronaves enormes, são capazes de manipular um
aviãozinho destes como um corredor de bicicleta pedalando um triciclo.
- Eu gostaria que fosse tão fácil assim - disse Rayford -, mas vou lhe pedir que me dê
algumas lições.
- Positivo. Mas como é mesmo o nome de seu substituto que está trabalhando para
Carpathia?
- Mac. Mac McCullum.
- Ah, sim. Com ele, somos três pilotos a fazer parte do Comando Tribulação. Agora
precisamos convencer aquele médico a abandonar o hospital da CG antes que desconfiem
dele. Assim, teremos um médico no Comando Tribulação.Três pilotos, um médico e um
rabino - não parece o início de uma piada? Apenas sua filha não tem uma especialidade,
mas ela é o que eu chamo de voz da razão. Ninguém é mais racional que Tsion, é claro,
mas Chloe é a voz da razão para gente como eu que não entende tudo o que aquele
intelectual diz.
Rayford contou a Ritz a história de David Hassid.
- Não tenho idéia de quanto tempo levará para que desconfiem de David, mas ele é mais
um par de olhos e ouvidos dentro do território inimigo. Algum dia, ele e Mac terão de fugir.
Imagine só como ficará o nosso grupo.
- Que maravilha! - exclamou Ritz, batendo palmas. – Eu não gosto de estar na defensiva,
homem! Vamos enfrentar aquele patife!
Rayford nunca ouvira alguém se referir a Nicolae como patife, mas gostou da atitude de
Ritz. Cansado de ter vivido tanto tempo em torno de Carpathia, ele também desejava
muito partir para a ofensiva.
Ritz ficou um pouco sem jeito quando Rayford falou de Amanda.
- Lamento muito - ele disse, quando Rayford lhe contou tudo sobre a queda do avião no
rio Tigre que causou a morte dela.
- Você também conhece o resto da história? – perguntou Rayford, sem mencionar as
acusações que pesavam sobre ela.
- Sim. Não cheguei a nenhuma conclusão, mas posso imaginar como você se sente.
- Buck não lhe contou o que descobriu depois de conversar com Hattie?
- Eu nem sabia que ela estava em condições de falar. Para dizer a verdade, vou ficar
surpreso se ela ainda estiver viva quando chegarmos lá.
- Eu não gostaria que isso tivesse acontecido.
Buck esperava conseguir dormir mais facilmente no novo fuso horário por ter ficado
acordado até tarde. Seu relógio biológico, porém, continuava funcionando no horário de
Chicago. Ele deitou-se e ficou acordado, olhando para o teto. Chloe dormia profundamente
17
a seu lado, e ele se sentia agradecido por essa bênção.
Quando o dia já estava amanhecendo em Israel, ele ouviu Chloe remexer-se na cama,
mas estava tão exausto que não conseguiu se movimentar nem abrir os olhos. Sentiu o
leve toque dos lábios de Chloe em sua face, mas não foi capaz de emitir nem um som
sequer.
- Descanse, garotão - ela sussurrou. - Temos um grande dia pela frente.
Ela levantou-se. Em seguida, Buck sentiu um cheiro agradável de café, mas caiu no sono
novamente e só ,
despertou no início da tarde.
Rayford ficou impressionado diante da facilidade com que Ken Ritz manipulou o rádio e
pousou nas primeiras horas do dia no aeroporto de Palwaukee na periferia de Chicago.
- Você manobra este avião como se ele lhe pertencesse - disse Rayford.
- Ele seria muito útil ao Comando Tributação, você não acha? O reluzente Range Rover de
Buck estava estacionado atrás de um hangar danificado. Quando se aproximaram do
carro, viram um moço caminhando na direção deles.
- O Rover é fácil de limpar, não? - ele disse, afastando os cabelos ruivos do rosto.
- É, sim - disse Ritz. - Você também andou mexendo debaixo do capo?
- Sorte sua. Ele estava muito acelerado.
- Eu lhe disse isso antes, Ernie.
- Você também me disse que só voltaria daqui a uma semana. Só resolvi mexer no carro
porque estava cansado de não ter o que fazer.
Ritz apresentou Ernie a Rayford, o qual permaneceu na defensiva até Ritz puxar o moço para
perto de si e perguntar-lhe:
- Você notou alguma coisa?
Ernie aproximou-se de Rayford e examinou atentamente sua testa. Em seguida, sorriu e
afastou o cabelo do rosto com as duas mãos.
- Meu irmão - disse Rayford, abraçando-o.
- Aqui há mais gente igual a nós, inclusive o chefe – disse Ritz -, mas não muitos, por isso
devemos tomar cuidado. Ernie é um dos discípulos entusiasmados de Ben-Judá.
- É isso mesmo - disse Ernie. - Não vejo a hora de começar a grande concentração. Vai
ser transmitida pela Internet amanhã, ao meio-dia.
- Vamos assistir - disse Rayford, ansioso por ir embora.
Meia hora depois, ele e Ken entraram no quintal da casa secreta de Monte Prospect dentro
do macio Range Rover.
- Precisamos manter contato com Ernie - disse Rayford. - Este carro precisa estar em
ótimas condições de uso como qualquer outro avião que a gente venha a conseguir – disse
Rayford.
- Você percebeu um movimento na cortina quando passamos peia frente da casa, Ray?
Enquanto não teve certeza de que éramos nós, Floyd devia estar imaginando como
conseguiria levar Hattie para o esconderijo subterrâneo.
- Há muitos curiosos por aqui?
- Quase nenhum. O quarteirão está deserto. As ruas, conforme você viu, estão
praticamente intransitáveis. Até agora, este tem sido um lugar perfeito para nós. Você
gostaria de ver a sepultura da esposa de Donny?
Rayford já sabia como Buck e Tsion haviam encontrado aquela casa. Ele fez um movimento
afirmativo com a cabeça.
O Dr. Fíoyd Charles foi ao encontro deles, com ar de indagação no rosto.
- Tentamos ligar para você - disse Ritz.
- Estive usando o telefone para falar com um colega no hospital.
- Este aqui é Rayford Steele. Eu ia mostrar a sepultura a ele.
- Da mulher que nós dois não conhecemos, mas suponho que o senhor a conheceu,
capitão.
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Rayford balançou a cabeça negativamente.
- Não, só ouvi falar dela. Ei, somos irmãos em Cristo, doutor. Pode me chamar de Ray.
- Obrigado. Você pode me chamar como quiser, menos de Floyd.
- Como está Hattie?
- Não muito bem. Ela está dormindo.
- Ela vai conseguir sair dessa?
- Não estou otimista - disse o Dr. Charles balançando a cabeça. - O diagnóstico do
hospital em Atlanta é ridículo. Ela e eu temos um pressentimento de que alguém da CG
injetou alguma substância venenosa em seu organismo. Se eles tiverem acesso à
amostra de sangue que enviei, vão me desmentir ou provar que estou errado.
Eles caminharam até o túmulo e pararam ali, em silêncio.
- Eu gostaria de colocar uma placa ou um sinal qualquer neste lugar - disse Rayford -,
mas seria apenas uma indicação para nós, que sabemos quem era a esposa de Donny e
onde ela está agora. Não devemos chamar a atenção para este lugar.
Rayford sentiu-se profundamente agradecido por saber que a sede do Comando
Tribulação localizava-se na casa que um dia pertencera a essa mulher. Ele não pôde
deixar de pensar no número de mortes recentes de pessoas de seu relacionamento. A
lista foi aumentando até alcançar Amanda. Ele já havia sofrido muitas perdas e temia
sofrer outras tantas antes de chegar a sua vez.
Floyd Charles deu um rápido giro com Rayford pelo local enquanto ambos conversavam
sobre suas respectivas situações. Rayford ficou impressionado com a casa, principalmente
com o abrigo subterrâneo que Donny construíra. Por certo, chegaria o dia em que todos
eles teriam de morar embaixo da casa, e não dentro dela. Porém ninguém sabia quanto
tempo ainda levaria para chegarem a esse ponto. Nada podia ser previsto, a não ser os
julgamentos do céu meticulosamente descritos nos apontamentos bíblicos de Tsion. Quem
sobreviveria - e por quanto tempo -, eram indagações que estavam sob o controle e o
tempo determinados por Deus.
Ao longo da vida, Rayford já tinha ouvido a respiração de um moribundo, mas agora a
frágil figura de sua ex-colega de trabalho, amiga e por quem ele sentira uma certa atração
causava-lhe agora uma estranha emoção. Ele ficou em pé ao lado de Hattie,
compadecendo-se dela, torcendo para que ela melhorasse e orando por ela.
Evidentemente, Rayford queria extrair o que Hattie sabia sobre Amanda, mas não seria
tão egoísta a ponto de desejar que ela sobrevivesse apenas para contar-lhe alguma
coisa. Ele afastou carinhosamente uma mecha de cabelo da testa dela. A fraca iluminação
do ambiente não lhe permitia enxergar se havia ou não a marca dos escolhidos de Deus.
O Dr. Charles balançou a cabeça negativamente.
- Ela tem conversado muito ultimamente, mas, por enquanto, não tomou nenhuma
decisão. Pelo menos do modo que gostaríamos.
- Chloe achou que ela estava muito perto de se decidir - disse Rayford. - O Senhor sabe
que ela já recebeu informações suficientes. Não sei o que mais será necessário.
- Eu tenho insistido com ela o tempo todo - disse o médico. - Ela é teimosa. Está
esperando não sei o quê. Já fiz tudo o que podia.
- Ore para que ela tenha mais um dia de vida – disse Rayford. - E me acorde se ela
esboçar alguma reação.
- Você quer tomar algum comprimido que o ajude a dormir?
Rayford ergueu as sobrancelhas.
- Não imaginei que você fosse favorável a essas coisas.
- Sou criterioso. Eu não tomo nada para dormir, mas me preocupo com gente como você
que viaja muito.
- Nunca sofri de insônia.
- Que bom!
Rayford virou-se para subir a escada e parou.
- E quanto a você, doutor? Está tendo problemas para dormir?
19
- Eu já lhe disse, não tomo esses comprimidos.
- Não foi o que eu perguntei.
O Dr. Charles abaixou os olhos e balançou a cabeça.
- Como você adivinhou?
- Desculpe-me a franqueza, mas você parece exausto. Floyd limitou-se a assentir com a
cabeça.
- Você quer conversar? - perguntou Rayford.
- Você está cansado.
- Ei, doutor, pelo que entendi, você abandonou o hospital para fazer parte de nosso
grupo. Somos uma família. Eu sempre tenho tempo para minha família.
- O fato é que eu não esperava falar disso a ninguém enquanto todos não tivessem
retornado.
Rayford pegou uma cadeira da cozinha.
- Sobre o quê?
- Estamos na mesma situação, Rayford.
- Livres da CG, você quer dizer? Você foi demitido?
- Tenho um colega crente no hospital. Eu estava conversando com ele no meio da noite,
aparentemente enquanto Ken tentava ligar para mim. Meu colega me disse que não sabia
onde eu estava e não queria saber, mas recomendou, de amigo para amigo, que eu
desaparecesse.
Rayford deu-lhe um aperto de mão.
- Bem-vindo ao grupo. Você acha que alguém o seguiu
até aqui?
- Não. Tomei muito cuidado. Mas tenho me ausentado tantas vezes do hospital que talvez
estejam desconfiados de mim.
- Se eles não sabem de seu paradeiro, você está tão protegido quanto nós.
O Dr. Charles encostou-se na geladeira.
- O problema é que não quero ser um peso para vocês. A CG pagava bem, e nunca
negociei meus princípios. Sempre trabalhei muito para salvar vidas e proporcionar alívio
às pessoas.
- Em outras palavras, seu problema de consciência é menor do que o meu no que se
refere a ganhar a vida trabalhando para o inimigo?
- Eu não insinuei nada.
- Eu sei. Você está preocupado por juntar-se ao nosso grupo sem ter meios de sustentarse.
- Exatamente.
- Veja a minha situação, doutor. Sou um dos membros titulares e estou desempregado.
Não tenho renda nenhuma.
- Eu gostaria que isso me fizesse sentir melhor.
- Acho que podemos proporcionar-lhe acomodação e comida em troca de seus serviços
médicos. Veja que sua situação é melhor do que a minha. Sou apenas um piloto a mais e
não tenho avião.
Floyd esboçou um sorriso, mas, em seguida, seus joelhos começaram a dobrar-se.
- Você está bem? - perguntou Rayford.
- Só um pouco cansado.
- Quando foi que dormiu pela última vez?
- Dormi um pouco, mas não se preocupe com...
- Quanto tempo faz que você não dorme?
- Faz muito tempo, mas estou bem.
- Ken! - chamou Rayford. Ritz apareceu na escada que dava para o porão. - Você tem
condições de ficar ao lado de Hattie por um pouco de tempo?
- Eu estou bem. Tenho tanta cafeína dentro de mim que posso ficar acordado o dia inteiro.
20
O médico olhou para Ken com ar de gratidão.
- Vou aceitar a gentileza de vocês, cavalheiros. Obrigado. - Floyd fez algumas
recomendações a Ken e subiu penosamente a escada.
Ken sentou-se ao lado da cama de Hattie com a Bíblia apoiada em um dos joelhos e o
laptop no outro. Rayford achou engraçado o modo como Ken olhava por cima dos óculos
de leitura para ver se Hattie estava bem. Ele era uma babá perfeita.
Alguns minutos depois, enquanto descansava no pavimento superior, Rayford ouviu Floyd
roncando no quarto ao lado.
Buck, Chloe e Tsion reuniram-se com a delegação local, dentro do estádio, 24 horas antes
da abertura da cerimônia noturna do Encontro das Testemunhas, para fazerem a revisão
final do programa. Quando retornaram à van, Jacov comunicou que havia um recado para
eles. O motorista leu o que estava escrito em um pedaço de papel: "O Dr. Rosenzweig foi
chamado para comparecer aos aposentos do potentado e retornou com um pedido pessoal
do supremo comandante."
- Eu não posso esperar - disse Buck.
- Não compreendi, senhor - disse o motorista.
- Eu me expressei mal. Você pode nos dizer qual é o ped...
- Não sei de nada, senhor. Fui simplesmente encarregado de levá-los de volta à casa do Dr.
Rosenzweig o mais rápido possível.
Buck aproximou-se de Tsion.
- Você faz idéia do que se trata? O que Fortunato desejaria?
- Talvez Carpathia queira se encontrar comigo. Provavelmente por motivos de relações
públicas ou políticos.
- Por que Carpathia nao fez esse pedido diretamente a Rosenzweig?
- Por causa do protocolo. Você conhece, Buck.
- Mas eles são amigos - interveio Chloe - de longa data. Não foi o Dr. Rosenzweig que o
apresentou a Carpathia, Buck?
Buck assentiu com a cabeça.
- Não há dúvida de que Nicolae gosta de manter Chaim em seu devido lugar.
Quando eles chegaram à casa de Chaim, encontraram-no vibrando de entusiasmo.
- Eu não sou tolo, Tsion - disse Chaim. - Sei que você andou falando mal de meu amigo e
discutiu publicamente com ele via Internet. Mas preciso dizer que você tem uma idéia
errada a respeito dele. Posso dizer que ele é um homem maravilhoso, um homem
piedoso. Ele está apenas pedindo humildemente que lhe cedam um espaço na
programação para mostrar sua boa vontade e...
- Um espaço na programação! - disse Chloe. - Impossível! O estádio estará lotado de
judeus convertidos que têm certeza de que Nicolae é o anticristo.
- Oh! minha querida - disse Chaim, sorrindo para ela. - Nicolae Carpathia? Ele deseja a
paz mundial, o desarmamento, a união de todos os povos.
- Eu falei exatamente o que penso. Chaim virou-se para seu protegido.
- Tsion, com certeza você pode ver que a única coisa sensata a fazer é convidá-lo
cordialmente para subir ao palco.
- Você conversou pessoalmente com Carpathia, Chaim? Chaim empertigou-se e deu de
ombros.
- Claro que não. Ele é um homem atarefado demais. O supremo comandante Fortunato,
o homem em que ele mais confia...
- Atarefado demais para você? - perguntou Tsion. - Você é um herói nacional, um ícone,
um homem que ajudou Israel a ser o que é hoje! Sua fórmula foi a chave para a
ascensão de Carpathia ao poder. Como ele pode se esquecer disso e se recusar a receber
um velho amigo como...
- Ele não se recusou a receber-me, Tsion! Se eu tivesse pedido, ele teria me concedido
uma audiência.
21
- De qualquer maneira - disse Tsion -, Chloe tem razão. Por mais que eu queira humilhálo,
seria uma situação bastante esdrúxula. Que tipo de recepção você acha que ele teria
das 25 mil testemunhas que lotarão o estádio e de outras centenas de milhares que
estão circulando por toda a cidade?
- Com certeza, em nome do amor cristão, elas receberiam o governador do mundo com
cordialidade.
Tsion balançou a cabeça e inclinou-se para a frente, pousando a mão no joelho de seu exmentor.
- Chaim, você tem sido um pai para mim. Gosto muito de você. Eu o acolheria no estádio de
braços abertos. Mas Nic...
- Eu não sou crente, Tsion. Então, por que você não acolhe outra pessoa igual a mim com
a mesma cordialidade?
- Porque ele não é igual a você. Ele é o inimigo de Deus, de tudo que defendemos. Apesar
de você ainda não ser crente, nós não o consideramos um ini...
- Ainda não ser crente! - Chaim jogou o corpo para trás e soltou uma risada. - Você diz
isso com muita confiança.
- Tenho orado por você todos os dias.
- E eu sou muito grato por suas orações, meu amigo. Mas sou judeu, de nascimento e de
criação. Apesar de não ser um religioso, acredito que o Messias virá um dia. Não fique
esperançoso de que eu me torne uma de suas testemunhas. Eu...
- Chaim, Chaim! Você não viu as provas que apresentei no dia em que falei ao mundo
sobre minha conversão?
- Sim! Foi fascinante, e ninguém pode contestar que você não foi convincente. O resultado
está aqui. Mas você não deve achar que todos se convenceram.
Buck percebeu que Tsion não acreditava nas palavras de Chaim.
- Dr. Rosenzweig - disse o rabino -, eu ficaria muito grato se você me permitisse exporlhe
minhas idéias. Se eu pudesse mostrar-lhe meus textos, meus argumentos, creio que
teria
condições de provar-lhe que Jesus Cristo é o Messias e que Nicolae Carpathia é o
arquiinimigo dele. Eu só gostaria de...
- Um dia eu lhe darei este privilégio, meu amigo – disse Rosenzweig. - Mas não na
véspera do dia mais importante de sua vida. E preste atenção no que vou lhe dizer. Eu
teria
mais facilidade de acreditar que Jesus foi o Messias do que acreditar que Nicolae seja
inimigo dele. O inimigo de Jesus não é o homem que conheço.
- Estou munido de força e entusiasmo esta noite, doutor. Por favor.
- Mas eu não - disse Chaim, sorrindo. - No entanto, vamos fazer um trato. Você cede um
espaço a Nicolae na programação durante a cerimônia de abertura, e eu dedicarei toda a
minha atenção a esses assuntos daqui a algum tempo.
Rosenzweig recostou-se na cadeira, aparentemente satisfeito com sua sugestão. Tsion,
visivelmente frustrado, olhou para Buck, em seguida para Chloe, e deu de ombros.
- Não sei - ele disse. - Francamente, doutor, eu gostaria que um velho e querido amigo
como você ouvisse, sem impor condições, o que um admirador seu está lhe dizendo.
Rosenzweig levantou-se, caminhou até a janela e olhou para fora pelo vão da cortina.
- Nicolae providenciou guardas armados para assegurar que você não sofra o que sua
família sofreu e que não seja novamente banido de sua terra natal. Eu só peço que você
trate o homem mais poderoso do mundo com a deferência que ele merece. Se você achar
que não deve, ficarei decepcionado. Mas esse pedido não está amarrado ao fato de um dia
eu deixar que você tente me convencer de suas idéias.
Tsion levantou-se e enfiou as mãos nos bolsos, dando as costas a Buck e a Chloe.
- Bem, obrigado por tudo - ele disse, quase num sussurro. - Vou ter de orar para saber
o que fazer com o pedido de Carpathia.
22
Buck não podia imaginar como Carpathia conseguiria mostrar o rosto diante de uma
reunião como aquela e qual seria a reação dos presentes. Por que Carpathia se sujeitaria
a tal situação?
- Tsion - disse Chaim -, preciso dar uma resposta ao potentado ainda esta noite. Eu
prometi a ele.
- Chaim, não terei uma resposta enquanto não orar sobre o assunto. Se o Sr. Fortunato
insistir...
- Não se trata da insistência de Fortunato, Tsion. Eu dei minha palavra.
- Eu não tenho uma resposta.
- Então eu devo dizer a ele que você está orando sobre o assunto, é isso?
- Exatamente.
- Tsion, quem você acha que está cuidando de protegê-lo no estádio Teddy Kollek?
- Não sei.
- É Nicolae! Você acha que meus patrícios ofereceram essa proteção? Você se uniu àqueles
dois do Muro das Lamentações que amaldiçoaram o nosso país, o seu país! Eles se
orgulham de ter provocado a seca que está nos destruindo. Transformaram a água em
sangue, enviaram pragas sobre nós. Dizem que aparecerão no estádio!
- Espero que sim - disse Tsion.
Os dois se encararam, com as mãos caídas ao longo do corpo.
- Meu caro Tsion - disse Chaim -, você vê a que ponto chegamos? Se Nicolae for
corajoso o suficiente para fazer um pronunciamento em um estádio lotado de inimigos, ele
deve
ser admirado.
- Vou orar - disse Tsion. - É tudo o que posso dizer. Quando eles se retiraram para seus
quartos, Buck ouviu
Chaim conversando por telefone com Fortunato.
- Leon, sinto muito...
No final da tarde em Illinois, Rayford foi despertado por ruídos de passos na escada. A
porta de seu quarto foi aberta.
- Você está acordado, Ray? - Rayford sentou-se na cama, desviando os olhos da claridade.
- Devo chamar o doutor? - perguntou Ken Ritz. - Hattie despertou.
- Ela está precisando de alguma coisa?
- Acho que não.
- Então deixe-o dormir. Ela está bem?
- Está querendo conversar.
- Diga a ela que vou descer em seguida.
Rayford caminhou com passos trôpegos até o banheiro e lavou o rosto com água fria. Seu
coração batia acelerado. Desceu apressado a escada e avistou Ken dando carinhosamente
um copo d'água a Hattie.
- Capitão Steele! - ela chamou com voz estridente e olhos arregalados, acenando para
Rayford aproximar-se. - Você poderia deixar-nos a sós? - ela pediu a Ken. Enquanto ele
se afastava, Hattie estendeu a mão para Rayford. - Nicolae quer me matar. Ele me
envenenou. Ele vai me encontrar em qualquer lugar que eu esteja.
- Como você sabe, Hattie? Como você sabe que ele a envenenou?
- Eu sabia que ele me envenenaria. - A voz dela era fraca e ofegante. - Ele envenenou seu
amigo Bruce Barnes.
- Você sabia disso?
- Ele se orgulhava dessa façanha. Contou-me que se tratava de um veneno lento. Bruce
ficaria cada vez mais doente, e, se tudo corresse de acordo com seus planos, ele morreria
depois de retornar aos Estados Unidos.
- Você tem forças para continuar conversando? – perguntou Rayford. Hattie movimentou a
cabeça afirmativamente. – Eu não quero que você se canse.
- Eu posso falar.
23
- Você sabe alguma coisa sobre Amanda?
Os lábios de Hattie tremeram, e ela desviou o rosto.
- Você sabe? - ele insistiu. Ela assentiu, com ar deplorável. - Então me conte.
- Sinto muitíssimo, Rayford. Eu sabia desde o início e poderia ter lhe contado.
Ele cerrou os dentes. Suas têmporas latejavam a ponto de doer.
- Ter me contado o quê?
- Eu estava envolvida - ela disse. - Não foi idéia minha, mas eu poderia ter impedido.
24
TRÊS
A mente de Rayford girava rapidamente. O máximo que ele se permitia pensar a respeito
de Amanda era que talvez ela tivesse, no início, sido uma espiã. Hattie poderia ter
passado informações suficientes a Carpathia sobre Rayford e sua primeira esposa,
fornecendo elementos para que Amanda contasse uma história convincente sobre a
maneira como conhecera Irene. Porém, mesmo que isso fosse verdade, Amanda não
poderia ter simulado a própria conversão. Ele não aceitava essa idéia.
- Carpathia mandou matá-la só porque ela se converteu? Hattie olhou firme para Rayford.
- O quê?
- Hattie, por favor. Eu preciso saber.
- Você vai me odiar.
- Não. Eu me preocupo com você. Sei até que você se sente mal por ter tomado parte
nisso. Conte-me a verdade.
Hattie voltou a deitar-se, ofegante.
- Foi tudo uma farsa, Rayford. Tudo.
- Amanda também?
Ela fez um movimento afirmativo com a cabeça e tentou sentar-se, mas precisou da ajuda
de Rayford.
- Os e-mails eram falsos, Rayford. Fui treinada a fazer isso. Eu vi todos eles.
- Os e-maüsi
- Os anônimos para Bruce. Nós sabíamos que alguém os encontraria. E também aqueles
entre Nicolae e Amanda, e vice-versa. Amanda nem sequer sabia que eles estavam no
disco rígido do computador dela. Estavam criptografados e codificados. Ela teria de ser
uma especialista no assunto para descobri-los.
Rayford não sabia mais o que perguntar.
- Mas eles pareciam ter sido escritos por ela, da maneira como ela se expressava. Fiquei
muito assustado.
- Nicolae tem especialistas treinados para essa missão. Eles interceptaram todos os seus emails,
Rayford, e usaram o estilo de Amanda contra ela.
Rayford sentia-se exaurido. Os soluços brotavam com tanta força de dentro dele que
parecia que seu coração e pulmões iam estourar.
- Então ela era o que sempre acreditei que fosse? – ele perguntou.
Hattie assentiu com a cabeça.
- Ela era mais, Rayford. Ela o amava demais, era completamente dedicada a você. Eu me
senti tão desprezível na última vez que a vi que não tive coragem de contar nada a ela. Eu
sabia que devia. Eu queria contar. Mas o que fiz foi horrível demais, maldoso demais. Ela
sempre gostou de mim, desde o início. Sabia o que havia se passado entre você e mim. Nós
duas discordávamos sobre tudo o que era importante na vida, e, mesmo assim, ela gostava
de mim. Eu não podia contar a ela que ajudei alguém a tentar transformá-la em uma
traidora.
Rayford balançava a cabeça, tentando assimilar tudo.
- Obrigado, Hattie.
Então, o motivo para Amanda não ter o selo de Deus na testa, quando Rayford viu a
imagem grotesca e cadavérica de seu rosto, foi porque o avião afundou antes que a
marca ficasse visível na testa dos crentes.
A confiança de Rayford em Amanda havia sido restaurada, e ele nunca duvidara da
salvação dela. Mesmo quando se sentiu forçado a se questionar por que Amanda se
aproximara dele, Rayford nunca duvidou da devoção sincera de sua esposa a Deus.
Rayford ajudou Hattie a deitar-se.
25
- Vou buscar alguma coisa para você comer - ele disse. - E, depois, vamos conversar sobre
você.
- Poupe-me dessa conversa, Rayford. Faz dois anos que você e seus amigos estão
tentando me convencer. Não há nada que você possa me dizer que eu não saiba. Eu já
lhe
contei o que fiz, e existem coisas muito piores.
- Você sabe que Deus a perdoará.
Ela assentiu com um movimento de cabeça.
- Mas será que Ele deveria? Sinceramente, não acredito.
- Claro que Ele não deveria. Nenhum de nós merece ser perdoado.
- Mas você aceitou o perdão de Deus - ela disse. – Eu não posso aceitar. Eu e Deus
sabemos que não sou digna de seu perdão.
- Quer dizer que você está decidindo se Ele deve ou não perdoá-la?
- Se for em relação a mim... -É.
- Cheguei à conclusão de que sou uma pessoa indigna e não posso merecer... sua... como
é mesmo o nome?
- Misericórdia?
- Bem, acho que sim, mas eu quero dizer que existe uma diferença muito grande entre o
que pode ser verdade e o que deve ser verdade.
- Seria uma injustiça, você quer dizer.
- Exatamente. Deus me salvar quando Ele e eu sabemos quem sou e o que fiz - seria uma
injustiça muito grande.
Quando o relógio marcava 16h45 na casa de Chaim Rosenzweig, Tsion pediu a Buck e
Chloe que fossem até seu quarto. Buck sorriu ao ver o inseparável laptop de Tsion sobre
uma mesinha. Os três ajoelharam-se ao lado da cama.
- Vamos orar com a delegação no estádio - disse Tsion -, mas pode haver algum
imprevisto de última hora, e não quero iniciar a reunião sem buscar a presença de Deus.
- Posso saber - perguntou Chloe - qual foi sua resposta a Fortunato?
- Eu simplesmente disse a Chaim que não daria meu aval nem agradeceria a presença de
Nicolae. Também não o apresentaria nem pediria a outra pessoa que o fizesse. Se ele
aproximar-se da plataforma, não vou impedi-lo. – Tsion sorriu com ar de cansaço. - Como
seria de esperar, Chaim apresentou argumentos sinceros, advertindo-me a não fazer tal
afronta ao potentado. Mas de que outra maneira eu poderia agir? Não vou dizer o que
gostaria, não vou instigar os crentes a manifestarem insatisfação pela presença dele, não
vou dizer quem ele é. É o melhor que posso fazer.
- Quando você espera a chegada das testemunhas? - perguntou Chloe.
- Acho que já começaram a chegar.
- Estou falando de Eli e Moisés.
- Ah! Deixei este assunto nas mãos do Senhor. Eles
disseram que estarão lá, e a conferência vai se estender por mais dois dias e duas noites.
Você pode ter certeza de que os recepcionarei com alegria na plataforma sempre que eles
quiserem comparecer.
Buck sempre se comovia com as orações sinceras do Dr. Ben-Judá. Ele vira o rabino sofrer
a maior dor que um homem pode suportar quando soube da notícia do massacre de sua
esposa e de dois filhos adolescentes. Ouvira-o orar em meio ao terror, certo de que seria
capturado em um vôo noturno quando fugiu de Israel. Agora, enquanto aguardava com
ansiedade o momento de reunir-se a dezenas de milhares de novos irmãos e irmãs em
Cristo procedentes das 12 tribos de Israel espalhadas pelo mundo inteiro, Tsion
encontrava-se de joelhos, em atitude de humildade.
- Senhor Deus, nosso Pai - ele iniciou - graças te damos pelo privilégio que em breve
desfrutaremos. Estamos avançando na linha de frente da batalha amparados por tua
coragem, e sob teu poder e proteção. Teus santos preciosos estarão sedentos de conhecer
um pouco mais a tua Palavra. Permite que os outros pregadores e eu tenhamos o dom de
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transmiti-la da melhor forma possível. Que possamos dizer o que tu tens a nos dizer, e que
eles possam ouvir o que tu queres que eles ouçam.
Buck continuava profundamente concentrado na oração quando uma batida leve na porta
os interrompeu.
- Com licença, Tsion - disse Chaim. - A escolta da CG chegou.
- Eu pensei que Jacov nos levaria...
- Ele vai levá-los. Mas disseram que você precisa sair imediatamente, se quiser chegar no
horário ao estádio.
- O estádio é muito perto daqui!
- Eu sei. Mas o trânsito já está tão congestionado que só a escolta da CG poderá garantir
que você chegue lá em tempo.
- Você decidiu nos acompanhar, Chaim?
- Assistirei pela televisão. Pedi a Jacov que leve uma garrafa de água para você. Dizem
que aqueles dois pregadores que estão diante do Muro das Lamentações vão transformar
novamente a água potável em sangue. Embora a água já deva ter sido tratada desde que
os visitantes começaram a chegar, nunca se sabe o que pode acontecer. O povo do
Ocidente não deve arriscar-se a beber água da torneira.
A escolta da CG era composta de dois jipes com luzes amarelas intermitentes. Cada
veículo transportava quatro guardas armados que se limitaram a olhar para os membros
do Comando Tribulação quando eles entraram na van.
- Outro pequeno exemplo de exibição de autoridade de Carpathia - disse Chloe.
- Se ele fosse esperto - disse Tsion -, teria nos deixado à própria sorte para chegarmos
atrasados.
- Vocês não chegariam atrasados - disse Jacov com seu acentuado sotaque. - Eu teria feito
vocês chegarem no horário de qualquer maneira.
Buck nunca tinha visto - nem mesmo em Nova York -um trânsito tão congestionado como
aquele. Todas as vias de acesso ao estádio estavam apinhadas de carros e pedestres. Ele
também nunca vira tantos rostos sorridentes desde antes do Arrebatamento. Os pedestres
caminhavam apressados, carregando mochilas, cadernos de apontamentos e garrafas de
água, estampando no rosto seriedade e determinação. Muitos conseguiam avançar mais
depressa do que os carros, vans e ônibus.
A escolta atraiu a atenção do povo, que reconheceu Tsion Ben-Judá dentro da van. Eles
acenavam, gritavam e batiam alegremente nas portas e janelas do carro. Os veículos da
CG os afastavam, advertindo-os por meio de alto-falantes e apontando para eles suas
armas automáticas.
- Detesto estar aqui sob a proteção da Comunidade Global - disse Tsion.
- Eles não sabem cortar caminho - disse Jacov. – Três destes veículos estão equipados
para desviar o trajeto.
- Você conhece um caminho mais rápido? – perguntou Tsion. - Então, vamos por ele!
- Posso?
- Eles não vão abrir fogo. Terão de seguir atrás de nós. Jacov girou o volante para a
esquerda, passou por uma valeta,
atravessou no meio dos carros que andavam em marcha lenta e rumou para um campo
aberto. Os jipes da CG ligaram as sirenes e rodaram em disparada atrás deles. O jipe
principal finalmente os alcançou e passou à frente da van. O motorista apontou para a janela
e gritou para Jacov em hebraico.
- Ele disse a Jacov para não fazer isso novamente - explicou Tsion. - Mas eu achei muito
divertido.
Jacov pisou com força no freio, e o jipe que vinha atrás parou a uma curta distância,
destruindo a grama. Jacov abriu a porta e ficou em pé ao lado da van. Sua figura alta
destacava-se bem acima do teto do carro. O motorista aguardou alguns instantes e, em
seguida, recuou ao ouvir Jacov gritar:
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- É melhor vocês me seguirem, se não quiserem ser responsabilizados por chegarmos
atrasados!
Tsion lançou um olhar divertido para Chloe.
- Como é mesmo que seu pai costuma dizer?
- Vá na frente, acompanhe ou saia do caminho.
A medida que Jacov seguia na frente dos irados motoristas da CG em direção ao estádio,
ficou claro que havia muito mais de 25 mil pessoas querendo entrar.
- Temos aparelhos de TV do lado de fora? - perguntou Tsion. Buck confirmou com um
movimento de cabeça e disse:
- O público excedente deveria acomodar-se nas redondezas, mas parece que todos
querem ficar aqui.
Os soldados da CG que acompanhavam Jacov saltaram dos veículos e insistiram em
escoltar o pequeno grupo até o interior do estádio. Eles olharam zangados para Jacov,
que contou a Buck que ficaria aguardando na van no mesmo lugar em que os deixara.
- Você vai assistir pela TV? - perguntou Buck, olhando ao redor.
Jacov apontou para um aparelho de TV a uns oito metros de distância.
- Posso também ouvir pelo rádio - ele disse.
- Você se interessa por esse assunto?
- Muito. Acho um pouco confuso, mas faz tempo que desconfio do potentado, embora o Dr.
Rosenzweig o admire. E o professor é um homem sábio e muito gentil.
- Você o viu pela televisão quando ele...
- Todo mundo viu, senhor.
- Então o assunto não é totalmente novo para você. Vamos conversar mais tarde.
A delegação estava enlevada dentro do estádio. Buck gostava muito de ouvir orações em
grupo, feitas em inglês, hebraico e em algumas outras línguas que ele podia identificar.
Por todo o recinto, ele ouvia a expressão "Jesus, o Messias" sendo proferida como "Jesus
the Messiah", "Jesus Cristo" e "Yeshua Hamashiach".
Ajoelhado ao lado de Chloe, Buck sentiu que ela apertou sua mão e encostou a cabeça em
seu ombro.
- Oh! Buck - ela disse - parece que estamos no céu.
- E a cerimônia ainda nem começou - ele murmurou. Enquanto o povo afluía ao estádio,
ouviam-se gritos e
cânticos de louvor.
- O que eles estão dizendo? - perguntou Buck.
- "Aleluia" e "Louvado seja o Senhor" - respondeu alguém. - E estão gritando o nome de
Jesus.
Um pouco antes das 19 horas, Daniel, o mestre-de-cerimônias, dirigiu-se ao grupo.
- Conforme vocês já sabem, o programa é simples. Farei uma breve saudação e a oração
de abertura. Conduzirei o cântico de "Preciosa Graça de Jesus!" e, em seguida, apresentarei
o Dr. Ben-Judá. Ele pregará e ensinará usando o tempo que achar necessário. Os doze
intérpretes deverão ter em mãos uma cópia das anotações do Dr. Ben-Judá e dirigir-se aos
microfones instalados na parte inferior do palco.
- E lembrem-se - disse Tsion com serenidade -, não posso garantir que ficarei restrito às
anotações. Tentarei não falar muito depressa.
As pessoas presentes no recinto assentiram com a cabeça, e muitas olharam para o
relógio. Buck ouviu o som de cânticos e sentiu um entusiasmo tão grande como nunca
sentira.
- Todas essas pessoas são nossos irmãos e irmãs – ele disse a Chloe.
Faltavam três minutos para as 19 horas. Tsion separou-se do grupo e curvou a cabeça. Um
jovem chegou apressado.
- As outras ruas estão vazias! - ele disse. - Todos estão aqui. Todos tiveram a mesma
idéia!
- Quantos? - perguntou alguém.
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- Há mais de 50 mil do lado de fora do estádio – ele disse -, pelo menos o dobro do
pessoal que está dentro. E nem todos são testemunhas. Alguns não são sequer judeus. O
povo está curioso.
Daniel levantou as mãos, e todos silenciaram.
- Sigam-me por este corredor, subam a rampa até a escada que dá para o palco. Vocês
poderão ficar nas laterais, mas os intérpretes irão na frente e se posicionarão no nível do
solo,
em frente à plataforma. Ninguém subirá ao palco, a não ser o Dr. Ben-Judá e eu. Silêncio,
por favor. Querido Deus que estás nos céus, somos teus filhos.
Com uma das mãos ainda levantada, ele e Tsion conduziram o grupo em direção aos
fundos do palco. Buck notou que todos os lugares estavam tomados, inclusive os
corredores e o gramado. Muitos seguravam a mão da pessoa ao lado. Outros, com os
braços passados ao redor dos ombros dos companheiros, cantavam e balançavam o
corpo.
Os intérpretes desceram os degraus e ficaram a postos. O povo se aquietou. Às 19 horas,
Daniel caminhou até um púlpito simples de madeira e disse:
- Sejam bem-vindos, meus irmãos e irmãs, em nome do Senhor Deus Todo-Poderoso...
Ele fez uma pausa para os intérpretes, mas, antes que suas palavras fossem traduzidas, o
estádio irrompeu em aplausos. Surpreso, Daniel sorriu com ar de desculpa e dirigiu-se aos
intérpretes.
- Vou esperar vocês terminarem - disse ele em voz baixa, enquanto o povo continuava a
gritar e aplaudir.
Quando os aplausos cessaram, ele fez um sinal afirmativo com a cabeça para os
intérpretes e eles repetiram a frase.
- Não! Não - gritava a multidão. - Nein! Nyet! Daniel prosseguiu:
- ... criador do céu e da terra...
O povo continuou a gritar. Ele aguardou a tradução, mas a multidão não parava de gritar.
- ... e de seu Filho, Jesus Cristo, o Messias! Enquanto a multidão gritava, agitada, um
colaborador aproximou-se do palco.
- Por favor! - Daniel o repreendeu. - Ninguém aqui no palco, a não ser...
- Não há necessidade de tradução! - gritou o colaborador. - Não use os intérpretes! O
povo está ouvindo sua fala na própria língua e pede que o senhor prossiga!
Enquanto a multidão continuava a dar gritos entusiasmados, Daniel caminhou até a parte
da frente do palco e chamou os intérpretes com um gesto.
- Vocês não são necessários! - disse ele, sorrindo.
- Enquanto os intérpretes se dispersavam, parecendo surpresos, mas satisfeitos, ele
voltou ao microfone.
- Devemos manifestar nossa gratidão àqueles que se dispuseram a...
Ovações ensurdecedoras vinham das arquibancadas. Finalmente, Daniel levantou as mãos
para acalmar o povo. Cada frase proferida era saudada com gritos e aplausos.
- Não será necessário dizer aos senhores o motivo de sua presença aqui! Faz muito
tempo que somos conhecidos como o povo escolhido de Deus, mas o que os senhores
acham
disto? Os senhores orariam comigo?
O povo imediatamente silenciou. Muitos se ajoelharam.
- Pai, nós te somos gratos porque, pela tua misericórdia e amor, poupaste nossa vida.
Tu és verdadeiramente o Deus dos novos começos e das segundas oportunidades.
Ouviremos em seguida a mensagem de nosso querido rabino, e te suplicamos que
despertes os nossos corações e mentes para que possamos assimilar cada palavra que tu
tens a nos dizer por intermédio desse nosso irmão. Oramos em o nome imaculado do Rei
dos reis e Senhor dos senhores. Amém.
Um estrondoso "Amém!" ecoou por todo o estádio. Daniel dirigiu-se à multidão e começou
a cantar baixinho: "Preciosa o. graça de Jesus, que um dia me salvou! Perdido andei, sem
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ver a luz, mas Cristo me encontrou!"
Buck não conseguiu cantar. "Preciosa Graça de Jesus!" tinha se tornado seu hino favorito,
um retrato pungente de sua fé. Ao ouvir 25 mil crentes cantando essa letra do fundo do
coração, ele se comoveu profundamente. A multidão ao redor do estádio também
cantava. Em pé, Buck e Chloe choravam emocionados diante da beleza dessa cena.
Quando lá vivemos dez mil anos atrás, prosseguia a letra do hino, brilhando como o sol,
louvamos ao Senhor da mesma forma que o louvamos no dia em que o conhecemos.
Nos últimos acordes do hino, Daniel pediu à multidão que se assentasse.
- Quase todos nós aqui presentes conhecemos o orador desta noite apenas como um
nome que aparece na tela de nossos computadores - ele disse. - É para mim uma
honra...
Mas a multidão levantou-se e começou a gritar, bater palmas, assobiar. Daniel tentou
acalmar o povo, mas, ao ver que não conseguia, deu de ombros e retornou a seu lugar
enquanto Tsion, com ar constrangido, hesitava. O povo que estava na lateral gritava para
que ele se levantasse, e o ruído era ensurdecedor. Buck e Chloe também batiam palmas,
homenageando seu pastor e mentor. Buck nunca sentiu um privilégio tão grande por fazer
parte do Comando Tribulação e conhecer aquele homem.
Tsion levantou-se humildemente e caminhou até o púlpito, colocando sua Bíblia aberta e
suas anotações diante de si. Os gritos continuaram até que, finalmente, ele olhou para a
multidão com um sorriso tímido nos lábios e agradeceu, levantando as duas mãos para
pedir silêncio. Depois de alguns instantes, a multidão sentou-se.
- Meus amados irmãos e irmãs, aceito sua calorosa saudação no nome que está acima de
todos os nomes. Honra e glória sejam dadas ao Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
Quando o povo começou a gritar outra vez, Tsion levantou rapidamente a mão.
- Meus queridos, estamos atravessando dias de experiências tão maravilhosas que tudo
o que se diz a respeito de nosso Deus é motivo para ser comemorado. Mas estamos aqui
como convidados. Existe um momento de reflexão. E espero que os senhores me perdoem
por eu pedir-lhes que se abstenham de manifestar seus louvores até o final de minha
mensagem.
A multidão mergulhou em um silêncio tão profundo que Tsion franziu a testa e olhou ao
redor.
- Será que eu ofendi vocês? - ele perguntou. Um caloroso aplauso o incentivou a
continuar.
- Posteriormente, no momento apropriado, nosso mestre- de-cerimônias lhes dará a
oportunidade de erguerem suas vozes para louvar o nosso Deus. A Bíblia diz: "Louvem o
nome do Senhor, porque só o seu nome é excelso: a sua majestade está acima da terra e
do céu."
- Senhoras e senhores - prosseguiu Tsion, afastando os pés um do outro e curvando os
ombros para ler suas anotações -, nunca em minha vida me senti tão ansioso por
transmitir uma mensagem baseada na Palavra de Deus. Estou aqui diante dos senhores
tendo o privilégio ímpar, acredito eu, de me dirigir às 144.000 testemunhas profetizadas na
Bíblia. Eu me incluo nesse número, e fui encarregado por Deus de ensiná-los a evangelizar.
Evidentemente, muitos dos senhores já sabem como evangelizar e têm conquistado almas
para o Salvador todos os dias. Milhões de pessoas por todo o mundo já o aceitaram.
- Desejo, porém, revisar com os senhores os elementos básicos do plano de Deus para a
salvação, de modo que, ao sairmos deste lugar, possamos voltar ao trabalho para o qual
Ele nos chamou. A cada um dos senhores foi designado um local apropriado, onde estarão
evangelizando amanhã e depois de amanhã, durante o dia inteiro. Nas duas noites, nos
reuniremos aqui para transmitir-lhes ânimo, solidariedade e ensinamentos.
A seguir, Tsion apresentou os mesmos argumentos que usara naquele polêmico programa
de TV que fez dele um fugitivo, provando, com base no Antigo Testamento, que
Jesus era o Messias. Ele enumerou os vários nomes de Deus e terminou com a magnífica
mensagem contida em Isaías 9.6: "Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o
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governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus
Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz."
Sem conseguir conter-se, a multidão saltava de alegria. Tsion sorriu e fez um gesto de
aprovação e de incentivo, apontando para o céu.
- Sim, sim - ele disse após alguns instantes. - Eu não poderia jamais reprimir este louvor
ao Deus Altíssimo. Jesus disse que, se não glorificarmos ao Senhor, as próprias pedras
clamarão.
Tsion discorreu sobre o plano redentor de Deus desde o começo dos tempos, mostrando
que Jesus foi enviado como o cordeiro sem mácula, que foi sacrificado para levar consigo
os pecados do mundo. Ele explicou as verdades que só recentemente haviam se tornado
claras para os iniciantes, dizendo que o homem nasce em pecado e que, sozinho, ele
nada pode fazer para reconciliar-se com Deus. O homem só poderá nascer de novo
espiritualmente para a vida eterna se crer e confiar no que Cristo fez por ele na cruz.
- Em João 14.6 - prosseguiu Tsion, erguendo a voz pela primeira vez -, Jesus disse que Ele
é o caminho, a verdade e a vida, e que ninguém pode chegar ao Pai senão por Ele. Esta é
a nossa mensagem para todos os povos. Esta é a nossa mensagem para os desesperados,
os enfermos, os amedrontados, os encarcerados. Neste momento, não deve haver dúvida
na mente de ninguém - nem mesmo na mente daqueles que decidiram viver em oposição
a Deus - de que Ele é real e que só há dois caminhos: viver para Ele ou contra Ele. Nós,
principalmente, devemos ter a ousadia de Cristo para dizer com intrepidez ao mundo que só
há esperança nele.
- O ponto principal, meus irmãos e irmãs, é que Ele nos chamou como suas
testemunhas - 144.000 pessoas firmes e decididas - por meio das quais ele já iniciou
uma grande colheita de almas. O resultado será o que João, o Revelador, chama de
"multidão que ninguém podia enumerar". Antes de dormirem esta noite, leiam Apocalipse
7 e exultem comigo com a descrição da colheita para a qual os senhores e eu fomos
chamados. João diz que, nessa colheita, haverá almas de todas as nações, tribos, povos e
línguas. Um dia, elas estarão em pé diante do trono e diante do Cordeiro, trajando
vestiduras brancas, com palmas nas mãos!
Em uma atitude espontânea, a multidão no estádio Teddy Kollek levantava-se e sentavase,
acompanhando a entonação da voz de Tsion. Buck segurou a mão de Chloe com força e
desejou gritar "Amém" quando Tsion disse bem alto:
- Elas clamarão em grande voz, dizendo: "Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao
Cordeiro, pertence a salvação." Os anjos ao redor do trono se prostrarão sobre os seus
rostos e adorarão a Deus, dizendo: "Amém. O louvor, e a glória,
e a sabedoria, e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus,
pelos séculos dos séculos. Amém."
O povo começou a gritar e aplaudir novamente, e Tsion não fez nenhum gesto para
acalmá-lo. Limitou-se a dar um passo para trás e olhar para o chão. Buck teve a
impressão de que ele estava muito emocionado e aproveitou aquela pausa para se
recompor. Quando ele se aproximou de novo do microfone, os milhares de pessoas
silenciaram, como se todos estivessem desesperados para captar cada palavra.
- Um dos anciãos que estava diante do trono perguntou a João: "Estes, que se vestem de
vestiduras brancas, quem são e donde vieram?" E João respondeu: "Meu Senhor, tu o sabes."
E o ancião disse: "Sao estes os que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as
alvejaram no sangue do Cordeiro." Tsion aguardou que os aplausos terminassem e
prosseguiu.
- "Jamais terão fome, nunca mais terão sede." O Cordeiro os alimentará e os guiará para
as fontes da água da vida. E, o melhor de tudo, meus amados, é que Deus enxugará dos
seus olhos toda lágrima.
Desta vez, quando a multidão começou a aplaudir novamente, Tsion permaneceu diante
do púlpito e levantou a mão. Todos silenciaram.
- Estaremos aqui em Israel por mais dois dias e duas noites, preparando-nos para a
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batalha. Afastem o medo! Cinjam-se de coragem! Os senhores não ficaram surpresos ao
ver que todos nós, sem exceção, fomos poupados dos últimos julgamentos sobre os quais
escrevi? Quando a chuva, os granizos e o fogo foram atirados do céu, e os meteoros
queimaram um terço das plantações e envenenaram a terça parte da água do mundo, por
que escapamos? Por sorte? Por acaso?
- Não! - exclamou a multidão.
- Não! - repetiu Tsion. - A Bíblia diz que um anjo que subia do leste, tendo o selo do Deus
vivo, clamou em grande voz aos quatro anjos, àqueles aos quais fora dado fazer dano à
terra e ao mar, dizendo: "Não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até
selarmos em suas frontes
os servos do nosso Deus." E João escreve: "Então ouvi o número dos que foram selados,
que era cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel."
- E agora vou terminar lembrando aos senhores que o alicerce de nossa fé repousa no
versículo que nossos irmãos e irmãs gentios sempre gostaram desde o início. João 3.16 diz
-
e neste ponto Tsion começou a falar de modo tão suave e tão terno que ele teve de
aproximar-se do microfone, e as pessoas inclinaram-se para a frente a fim de ouvir melhor:
"Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho..."
Um fraco ruído vindo de cima transformou-se em um persistente toc-toc-toc que abafou a
voz de Tsion. Um reluzente helicóptero branco atraiu a atenção de todos. O povo olhava
assustado enquanto o helicóptero, ostentando o emblema da CG em um dos lados, descia
lentamente. As lâminas de sua imensa hélice despentearam os cabelos de Tsion e
agitaram suas roupas, fazendo-o afastar-se do púlpito.
O motor do aparelho foi desligado, e ouviu-se um vozerio no meio da multidão quando
Leon Fortunato desceu e dirigiu-se para o púlpito. Ele fez um movimento de cabeça para
Tsion e ajustou o microfone à sua altura. Tsion não esboçou nenhuma reação.
- Dr. Ben-Judá, delegações organizadoras locais e internacionais, senhores e senhoras
presentes - ele começou a dizer com grande entusiasmo, porém imediatamente os
milhares de pessoas olharam uns para os outros com ar de surpresa, encolheram os
ombros e começaram a falar ao mesmo tempo.
- Intérpretes! - gritou alguém. - Precisamos de intérpretes! Fortunato olhou com ar de
interrogação para Tsion, o qual
continuou impassível, olhos fixos à frente.
- Dr. Ben-Judá - implorou Fortunato -, há alguém aqui que possa servir de intérprete?
Quem o senhor está usando?
Tsion não olhou para ele.
- Desculpem-me - disse Fortunato ao microfone -, mas há intérpretes designados para
este evento. Por favor, venham rápido. Sua Excelência, o potentado, ficará muito
agradecido.
Buck levantou-se e conseguiu avistar o local perto da primeira fila no gramado, onde os
intérpretes estavam sentados. Todos tinham os olhos fixos em Tsion, e Fortunato falava
sem saber onde eles se encontravam.
- Por favor - ele disse -, não é certo que apenas aqueles que entendem inglês possam
apreciar os pronunciamentos dos dois próximos anfitriões.
Anfitriões?, pensou Buck. Aquela palavra atraiu a atenção de Tsion, e ele olhou
instintivamente para Leon.
- Por favor - disse Leon em voz baixa enquanto a multidão gritava cada vez mais alto.
Tsion olhou para os intérpretes, que aguardavam com os olhos fixos nele. O rabino
levantou
um pouco a cabeça, como se estivesse fazendo um gesto de aprovação. Os intérpretes
correram até os microfones.
- Obrigado por sua gentileza, Dr. Ben-Judá – disse Fortunato. - O senhor foi muito
generoso. Sua Excelência também lhe agradece.
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Tsion não tomou conhecimento.
Falando com a cadência necessária para facilitar o trabalho dos intérpretes, Fortunato
dirigiu-se novamente à multidão.
- Como supremo comandante da Comunidade Global e como um homem agraciado com
seus poderes sobrenaturais de fazer milagres, terei o prazer de anunciar, dentro de
poucos minutos, a presença de Sua Excelência, o potentado da Comunidade Global Nicolae
Carpathia!
Fortunato terminou sua fala com um floreio, como se estivesse esperando gritos e
aplausos. Mas limitou-se a sorrir e, na opinião de Buck, ficou constrangido e perturbado
ao ver que a platéia não reagiu. Ninguém sequer se mexeu no lugar. Todos os olhos
estavam cravados em Fortunato, exceto os de Tsion.
Leon recompôs-se rapidamente.
- Sua Excelência os saudará pessoalmente, mas antes eu gostaria de apresentar-lhes o
venerável chefe da Fé Mundial Enigma Babilônia, o supremo papa, sumo pontífice Peter
Segundo!
Fortunato deu um passo para trás com imponência, acenando para o helicóptero, de onde
surgiu a figura cômica do homem que Buck conhecia como Peter Mathews, ex-arcebispo de
Cincinnati. Ele se tornara papa logo após o desaparecimento do pontífice anterior, e agora
estava encarregado de fazer a fusão de quase todas as religiões do mundo, exceto o
judaísmo e o cristianismo.
Mathews conseguira descer do helicóptero em grande estilo, apesar da pompa e do
requinte de seus trajes clericais, tão vistosos como Buck nunca vira.
- O que significa isto? - perguntou Chloe.
Boquiaberto, Buck viu quando Peter Segundo levantou as mãos para a multidão e virouse
lentamente em círculo como se quisesse incluir todos os presentes em sua saudação
empolada e piedosa. Ele ostentava na cabeça um barrete alto e pontudo com uma
infinidade de símbolos na parte da frente, e trajava um manto longo amarelo faiscante
com uma imensa cauda e mangas folgadas, cujo tecido macio caía em cascata. Suas
vestimentas eram ornamentadas com enormes pedras coloridas incrustadas, borlas e
cordões entrelaçados, e tiras de veludo azul-celeste, seis em cada manga, como se ele
tivesse recebido alguma espécie de grau de doutorado em um concurso de fantasias. Buck
cobriu a boca com a mão para conter uma gargalhada. Quando Mathews deu uma volta
completa, deixou à mostra os signos astrológicos desenhados na cauda de seu manto.
Suas mãos movimentavam-se em círculos como se ele estivesse abençoando a todos.
Buck gostaria de saber como Peter se sentia por não ter recebido nenhuma demonstração
de apreço vinda da platéia. Será que Carpathia ousaria enfrentar essa indiferença, essa
hostilidade?
Peter pegou o microfone, aproximou-o da boca e falou com os braços abertos:
- Meus abençoados irmãos e irmãs que buscam estados mais altos de consciência, meu
coração se enternece ao vê-los aqui, estudando e aprendendo com a sabedoria de meu
colega e respeitado literato, Dr. Tsion Ben-Judá!
Mathews certamente esperava que, ao engrandecer o herói da platéia como se estivesse
apresentando um lutador de boxe peso-pesado, receberia uma estrondosa ovação, mas a
multidão permaneceu em silêncio e imóvel.
- Concedo a todos aqui presentes as bênçãos das divindades universais, representadas
por pai, mãe e reino animal, que carinhosamente guiam nossos passos para a verdadeira
espiritualidade. No espírito da harmonia e do ecumenismo, faço um apelo ao Dr. Ben-Judá
e a outros sob sua liderança que adicionem a riqueza de sua herança, história e erudição
à nossa manta multicolorida. Para que possamos completar essa esplêndida manta de
retalhos, que abrange, inclui, afirma e aceita os principais dogmas de todas as grandes
religiões do mundo, eu insisto que o senhor inclua a sua. Enquanto não chegar o dia em
que o senhor concordará em fincar sua bandeira sob a égide da Fé Mundial Enigma
Babilônia, asseguro-lhe que defenderei seu direito de discordar, fazer oposição e aceitar
33
nossa divindade pluralista como lhe aprouver.
Mathews virou-se com ar aristocrático e trocou de lugar com Fortunato,. ambos
claramente fingindo não se dar conta da apatia da multidão. Fortunato anunciou:
- E agora tenho a imensa satisfação de apresentar-lhes o homem que uniu o mundo
transformando-o na comunidade global, Sua Excelência e potentado Nicolae Carpathia!
Peçolhes
que se levantem antes que ele inicie seu pequeno discurso de saudação.
Ninguém se levantou.
Carpathia estampava um sorriso forçado no rosto. Pela
experiência de Buck, ele nunca havia deixado de cativar uma platéia. Sempre foi o orador
mais dinâmico, mais sedutor, mais charmoso que Buck conhecera. Evidentemente, Buck
não se deixava impressionar por Nicolae, mas agora perguntava a si mesmo se o selo de
Deus na testa das testemunhas e de seus convertidos também protegia suas mentes
contra as manipulações desse ser maligno.
- Concidadãos da Comunidade Global – Carpathia começou a dizer, aguardando a
tradução dos intérpretes. Para Buck, ele estava tendo dificuldade de estabelecer uma
ligação
com o público. - Como potentado dos senhores, saúdo-os por terem vindo a Israel e
comparecido a este estádio, que leva o nome de um homem do passado, um estadista
que lutoo pela paz e a harmonia entre os povos.
Buck estava impressionado. Nicolae tentara cativar a platéia mencionando um ex-prefeito
da Cidade Santa, cujo nome era conhecido por uma grande porcentagem da multidão.
Buck começou a preocupar-se, imaginando que o poder de persuasão de Nicolae
Carpathia viesse a exercer influência sobre pessoas como Jacov. Ele tocou no ombro de
Chloe e sussurrou:
- Volto já.
- Por que você vai sair daqui? - ela perguntou. - Eu não perderia esse show por nada
deste mundo. Você não acha que a roupa de Peter ficaria perfeita em mim, talvez como
um traje de noite?
- Vou conversar um pouco com Jacov.
- Boa idéia.
Quando Buck começou a afastar-se, o telefone celular vibrou em seu bolso.
- Aqui é Buck - ele disse.
- Aonde você está indo?
- Quem está falando?
- Você não estava sentado do lado direito do palco ao lado de uma loira?
Buck parou.
- Preciso saber quem está falando.
- Mac McCullum. Prazer em conhecê-lo.
- Mac! O que houve? Onde você está?
- No helicóptero, homem! Esta é a melhor peça de teatro que já vi na vida. Que
palhaçada! Você devia ter ouvido o que esses sujeitos falaram quando estavam a bordo.
Praguejaram, amaldiçoaram Ben-Judá e todo o povo. Carpathia desabafou em cima de
mim e insultou as duas testemunhas.
- O que você está dizendo não me surpreende. Ei, você tem certeza de que esta ligação é
sigilosa?
- Claro! Minha vida depende dela, filho.
- É verdade. - Buck disse a Mac aonde estava indo e por quê.
- O Nick é uma peça rara, não? - disse Mac.
- Chloe gostou demais dos trajes resplandecentes de Mathews.
- Ei, eu também! Agora preciso desligar. Não quero ter de dizer a eles com quem eu
estava conversando.
- Mantenha contato, Mac.
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- Não se preocupe. Mas, preste atenção, é melhor vocês não ficarem muito visíveis. Nunca
se sabe o que essa gente pode fazer.
- Espere um pouco - disse Buck, com um sorriso na voz.
- Você está dizendo que não devemos acreditar na palavra de Carpathia? Ele não é um
sujeito confiável?
- Tudo bem, mas é melhor vocês se cuidarem.
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QUATRO
SABENDO que as altas patentes da CG estavam longe da Nova Babilônia, Rayford enviou o
seguinte e-maü para David Hassid no abrigo subterrâneo de Carpathia: "Irmão, esteja em um
local onde possa receber um telefonema às seis horas, seu horário." Às nove horas da
manhã em Chicago, uma hora antes de o Encontro das Testemunhas ser transmitido ao
vivo para o mundo inteiro, via Internet, Rayford ligou para David.
- Onde você está? - ele perguntou.
- Fora do abrigo - respondeu David. - Com o "Gordo e o Magro" longe daqui, a situação
está tranqüila.
Rayford riu.
- Eu diria que você é muito jovem para falar deles desta maneira.
- Eles são meus ídolos - disse David. – Principalmente agora que estão governando o
mundo. O que houve?
Eu estava me preparando para assistir ao grande evento. Instalaram um telão aqui.
Rayford contou as novidades a David.
- Sinto muito ter de dizer-lhe, mas acho que nosso próximo encontro será aqui, em nosso
esconderijo.
- Não creio que eu possa fugir daqui, mas Mac está certo. Foi bom você ter sumido. Seus
dias estavam contados.
- Eu não entendo como Nicolae não acabou comigo antes.
- É melhor seu genro ficar escondido também. O nome dele está em evidência o tempo
todo. Fui incumbido de localizar de onde se origina a revista que ele está publicando, via
Internet. Mas você sabe, Rayford, por mais que eu me esforce, trabalhando dia e noite,
não vejo meios de conseguir encontrar o que eles querem.
- Não brinque.
- Sinceramente, estou fazendo o que posso. É frustrante quando a gente não consegue
passar uma informação para o chefe que custaria a vida de um irmão. Você entende o
que estou dizendo?
- Então, continue se esforçando, David, e tenho certeza de que pelo menos você passará
uma informação errada a eles que os fará perder mais tempo ainda.
- Ótima idéia.
- Mais uma coisa. Você poderia me ensinar como conectar meu laptop a um aparelho de
TV para que possamos ver melhor esse evento?
David riu.
- Em seguida, você vai me dizer que seu aparelho de som está piscando 24 horas por dia.
- Como você sabia?
- Foi só um palpite.
- Você sabe que nós o consideramos membro do Comando Tribulação - disse Rayford -,
embora os outros membros ainda não o conheçam. Agora, você e Mac são nossos
"espiões" aí, e sabemos o quanto essa situação é perigosa.
David deixou as brincadeiras de lado e passou a falar sério.
- Obrigado. Eu gostaria muito de conhecer os membros do Comando Tribulação e estar aí
com vocês. Mas, conforme você costuma dizer, isso só vai acontecer quando eu estiver
fugindo... e bem longe do regime mais tecnologicamente avançado da história do mundo.
Talvez só nos encontraremos no céu. Até lá, você vai precisar de um avião, de um
helicóptero ou coisa parecida?
- Vamos ter de conversar sobre esse assunto aqui. Se no amor e na guerra tudo é válido,
talvez faça sentido termos um equipamento apropriado para lutar contra o inimigo.
- Mesmo que vocês consigam apropriar-se de equipamentos caríssimos, não vão causar
36
nenhum dano à CG, nem mesmo um arranhão.
- Por quanto tempo mais vocês ficarão instalados no abrigo subterrâneo?
- Não vai demorar muito para sairmos daqui. O novo palácio - sim, trata-se de um
verdadeiro palácio – está quase pronto. É espetacular. Eu gostaria de sentir orgulho de
trabalhar aqui. Poderia ser um bom negócio, mas não é.
Depois que David passou-lhe algumas instruções, Rayford instalou a TV em um lugar onde
ele, o Dr. Charles, Ken Ritz e Hattie pudessem ver o Encontro das Testemunhas. Hattie
continuava deitada, gemendo. Recusou comida e medicamento. Assim, Rayford limitou-se
a colocar um cobertor por cima dela. Floyd dissera que também gostaria de assistir ao
evento. Quando faltavam alguns minutos para as dez horas, Rayford pediu a Ken que
despertasse Floyd.
O médico pareceu alarmado quando viu Hattie.
- Há quanto tempo ela está assim?
- Mais ou menos uma hora - disse Ken. - Devíamos ter acordado o senhor antes?
O médico deu de ombros.
- Estou atirando no escuro, fazendo experiências com antídotos para um veneno que
ainda não foi identificado. Fiquei animado por ela ter melhorado um pouco, mas agora seu
estado piorou.
Depois que Floyd a medicou e deu-lhe um pouco de comida, ela adormeceu.
Rayford comoveu-se a ponto de derramar lágrimas enquanto assistia à transmissão de
Israel. Hattie despertou ao ouvir as gargalhadas dos homens quando viram os trajes de
Peter Mathews. Com muito esforço e gemendo de dor, ela levantou o corpo da cama e
apoiou-se nos cotovelos para ver o programa.
- Nicolae odeia Mathews - ela disse. - Ouçam o que eu digo. Um dia, ele vai mandar
alguém matá-lo.
Rayford lançou-lhe um olhar de espanto. Ela estava certa, evidentemente, mas como
sabia disso? Será que já existia um plano para matar Mathews desde o tempo em que
Hattie trabalhava para Carpathia?
- Ouçam o que eu digo - repetiu Hattie.
Quando Nicolae desceu do helicóptero e reuniu-se a Fortunato e Mathews no palco, o
telefone de Rayford tocou.
- Esta é a primeira oportunidade que tive de ligar para você, Ray - disse Mac. - Ninguém
sabe ainda que você foi embora. Vocês trabalharam muito bem. É claro que não vou poder
fingir por muito tempo que não sei de nada. Agora, preste atenção. Seu genro é um
sujeito boa pinta de mais ou menos 30 anos, e sua filha, uma moça loira e bonita?
- Sim. Onde eles estão? Daqui, posso ver o helicóptero, mas não consigo ver os dois.
- Eles estão afastados do foco das câmeras, na ala lateral.
- Mac, preciso contar-lhe o que Hattie me disse a respeito...
- Eu só tenho mais alguns instantes aqui, Ray. Deixe-me
ligar para Buck. Ele está com aquele telefone cujo número você me deu?
- Talvez, mas Mac...
- Voltarei a ligar para você outra hora, Ray.
Assim que Buck saiu do estádio, a eloqüência de Carpathia aumentou. Quando Buck
chegou perto da van, avistou Jacov olhando firme para a frente, com as mãos agarradas
ao volante. Aparentemente, ele via o telão no alto, acima do povo, e ouvia a transmissão
pelo rádio. Buck tentou abrir a porta da van, mas Jacov a havia trancado por dentro e
levou um susto ao ouvir alguém forçá-la.
- Ah! é o senhor - disse ele, abrindo a porta.
- Quem você esperava que fosse? - perguntou Buck, entrando na van.
- Não percebi quando o senhor chegou. Peço que me desculpe.
- O que você está achando de tudo isto?
Jacov ergueu a mão, com a palma virada para baixo, mostrando a Buck que estava
tremendo. Buck ofereceu-lhe uma garrafa de água.
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- Do que você está com medo?
- De Deus - respondeu Jacov, sorrindo diante do que dissera e recusando a água.
- Você não precisa ter medo de Deus. Ele ama você.
- Não preciso ter medo? O rabino Ben-Judá diz que todas essas coisas que estamos
sofrendo são julgamentos de Deus. Acho que eu deveria ter medo dele desde muito tempo
atrás. Agora, com licença, quero ouvir o potentado.
- Você sabe que o Dr. Ben-Judá não é amigo dele.
- Sem dúvida. O potentado foi tratado com muita frieza.
- E da maneira apropriada, Jacov. Ele é inimigo de Deus.
- Mas eu preciso ouvir o que ele tem a dizer.
Buck sentiu-se tentado a continuar falando, para anular qualquer efeito prejudicial que
Carpathia pudesse exercer sobre Jacov. Mas não quis ser grosseiro e confiava no trabalho
que Deus realiza no coração e na mente do homem. Resolveu permanecer em silêncio
enquanto as palavras fluentes de Carpathia enchiam o ar.
- Portanto, meus amados amigos, ninguém está exigindo que vocês se tornem
seguidores da Fé Mundial Enigma Babilônia para permanecerem como cidadãos da
Comunidade Global. Dentro dos limites razoáveis, há espaço para dissidência e caminhos
alternativos. Porém, reflitam comigo por alguns instantes sobre as vantagens, privilégios
e benefícios que resultaram da união de todas as nações, transformando-as em uma
aldeia global.
Nicolae passou a recitar sua ladainha de realizações, discorrendo sobre a reconstrução
das cidades, estradas e aeroportos até chegar à miraculosa reconstrução da Nova
Babilônia, transformada agora na cidade mais deslumbrante que já existiu na face da
terra.
- Trata-se de uma obra-prima, e espero que vocês a visitem o mais breve possível.
Ele mencionou o sistema de satélite celular/solar (Cel-Sol) que permitia que as pessoas se
comunicassem entre si pelo telefone e pela Internet, independentemente de horário ou
local. Buck balançou a cabeça. Tudo isso fazia parte da superestrutura necessária para
que Nicolae governasse o mundo até o dia em que declararia ser o próprio Deus.
Buck podia ver que Nicolae estava tendo êxito em mexer com a cabeça de Jacov.
- É difícil contra-argumentar - disse o motorista. - Ele tem feito coisas maravilhosas.
- Mas Jacov - disse Buck -, você ouviu os ensinamentos do Dr. Ben-Judá. Acredito que você
está convencido de que a Bíblia diz a verdade, que Jesus é o Messias, que os
desaparecimentos significaram o arrebatamento da Igreja de Cristo.
Jacov continuava com os olhos fixos à frente, segurando com força o volante, braços
trêmulos. Ele fez um movimento afirmativo com a cabeça, mas parecia estar em conflito.
Buck deixou de lado a preocupação de estar sendo grosseiro. Falaria sobre Nicolae; não
permitiria que a fala astuta do inimigo se apoderasse de uma alma.
- O que você achou dos ensinamentos que o Dr. Ben-Judá transmitiu esta noite?
- Foram impressionantes - admitiu Jacov. - Eu chorei. Senti que estava sendo atraído na
direção dele, porém mais atraído ainda na direção de Deus. Eu gosto do Dr. Rosenzweig e
o respeito muito. Ele jamais entenderia se eu passasse a crer em Jesus. Mas, se for
verdade, o que mais poderei fazer?
Buck orava silenciosamente, uma oração de desespero.
- Mas, Sr. Williams, eu nunca tinha ouvido o versículo proferido pelo Dr. Ben-Judá e que foi
o motivo deste encontro. E ele foi interrompido, não foi? Ele não concluiu o versículo.
- Você tem razão, ele não concluiu. Está em João 3.16 e diz o seguinte: "Porque Deus
amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho..."
Porém, da mesma maneira que Tsion, Buck não conseguiu concluí-lo, porque Jacov
levantou a mão para silenciá-lo.
- O potentado está terminando - ele disse.
Carpathia parecia estar concentrado em seu discurso, mas havia algo estranho na voz
dele. Buck nunca o ouvira esforçar-se para falar, mas Carpathia começou a ficar rouco. Ele
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afastou-se do microfone, cobriu a boca com a mão e pigarreou.
- Perdoem-me - ele disse, ainda com dificuldade para falar. - Eu desejo tudo o que há de
bom a todos vocês e ao rabino e lhes dou as boas-vindas - pigarreou. - Mais uma vez,
peço que me perdoem...
Nicolae virou-se pedindo ajuda a Tsion, que continuava a não fazer caso da presença dele.
- Alguém teria um pouco de água?
Uma pessoa da platéia passou uma garrafa de água até o palco. Nicolae fez um gesto de
agradecimento. Quando ele abriu a garrafa, a pressão foi tanta que fez um ruído
estrondoso no microfone. Porém, assim que entornou o líquido na boca, ele teve ânsia de
vômito e o expeliu com força. Seus lábios e queixo estavam cobertos de sangue, e ele
segurava a garrafa com o braço estendido, olhando para ela horrorizado. Jacov saltou do
carro e aproximou-se do telão. Buck entendeu tudo. Mesmo à distância, dava para ver
que a garrafa continha sangue.
Buck acompanhou Jacov, e ambos ouviram Carpathia blasfemar, excomungar Tsion e seu
"maldito bando de inimigos da Comunidade Global! O que você ganhou ao me humilhar
desta maneira? Eu deveria retirar a proteção que lhe dei e ordenar que meus homens
atirassem em você e o matassem aí mesmo!"
Do meio da multidão estarrecida, soaram os gritos, em uníssono, de Eli e Moisés. Sem
necessidade de alto-falantes, todas as pessoas que estavam a um raio de um quarteirão
do local puderam ouvi-los. A multidão os cercou, e os dois permaneceram em pé sob a
iluminação sinistra do estádio, lado a lado, descalços e trajando roupas de aniagem.
- Ai daquele que se atrever a atentar contra a vida do vaso escolhido do Deus Altíssimo!
Carpathia atirou a garrafa no chão do palco, e a água límpida espirrou por todos os lados.
Buck sabia que as testemunhas haviam provocado aquela situação e transformado a água
de Nicolae em sangue. Nicolae apontou para Eli e Moisés, e gritou:
- O fim de vocês está perto! Juro que vou matá-los ou mandar alguém matá-los antes
que...
Mas as testemunhas gritaram mais alto ainda, e Carpathia foi forçado a calar-se.
- Ai! - disseram novamente. - Ai do impostor que se atrever a atentar contra a vida dos
escolhidos de Deus antes do tempo determinado! Vós, seguidores do Messias e selados
por Ele, saciai a vossa sede e vos sentireis revigorados!
A garrafa de água que estava no bolso de Buck ficou repentinamente fria. Ele a retirou do
bolso e sentiu que estava gelada. Extraiu a tampa com força e bebeu o seu conteúdo. A
água gelada, agradável, abundante, o néctar que saciava a sede, desceu suavemente por
sua garganta. Ele lamentou ter de tirar a garrafa da boca para poder respirar. Ao redor,
ouviam-se suspiros de satisfação dos crentes, que bebiam a água refrescante de suas
garrafas.
- Beba um pouco, Jacov! - disse Buck, limpando a boca da garrafa com a mão e
entregando-a a ele. - Está geladinha.
Jacov estendeu a mão e pegou a garrafa.
- Não parece estar gelada - ele disse.
- Como não? Sinta a minha mão. - Buck colocou a mão no braço de Jacov, o qual recuou
instintivamente.
- Sua mão está gelada - ele disse -, mas, para mim, a garrafa está quente. - Ele segurou
a garrafa contra a luz. - Que horror! Sangue! - exclamou, atirando-a ao chão. A garrafa
bateu nos pés de Buck, e ele a pegou antes que esvaziasse. Sentiu que ela estava fria e
não resistiu à tentação de levá-la novamente à boca.
- Não! - disse Jacov. Mas, ao ver que Buck sorvia água límpida, ele caiu de joelhos no
chão. - Senhor Deus, nao sou melhor do que Carpathia! Quero ser teu filho! Quero ser um
dos selados!
Buck abaixou-se perto de Jacov e passou o braço ao redor de seu ombro.
- Deus quer que você faça parte da sua família - ele disse.
Chorando amargamente, Jacov olhou para cima ao ouvir o ruído do motor do helicóptero.
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Quando ele e Buck voltaram a olhar para o telão, Tsion estava sozinho no palco. Seus
cabelos e roupa esvoaçavam por causa do vento produzido pelo helicóptero, e suas
anotações voaram formando uma espécie de funil e espalharam-se ao redor. Os
tradutores correram até o palco para ajuntar os papéis e os colocaram de novo sobre o
púlpito. Tsion permanecia imóvel, olhando fixo para a frente, sem tomar conhecimento do
episódio que se passara entre Nicolae Carpathia e as duas testemunhas.
A câmera tomou uma imagem panorâmica do local onde as testemunhas haviam
aparecido, mas elas abandonaram o recinto com a mesma rapidez com que entraram. A
multidão continuava em pé, boquiaberta. Muitas pessoas ainda estavam tomando água e
passando a garrafa aos companheiros ao lado. Quando viram Tsion voltar ao púlpito, todos
se aquietaram e sentaram. Como se nada tivesse acontecido desde que iniciara a leitura
de João 3.16, Tsion prosseguiu:
- "... unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna."
Jacov, ainda de joelhos e mãos sobre as coxas, parecia estar com os olhos grudados no
telão.
- O quê? - ele gritou. - O quê?
E, como se tivesse ouvido os gritos de Jacov, Tsion repetiu o versículo:
- "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o
seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê nao pereça, mas tenha a vida eterna."
Jacov encostou o rosto no asfalto, soluçando.
- Eu creio! Eu creio! Deus, salva-me! Não permitas que eu pereça! Dá-me a vida eterna!
- Ele está ouvindo você - disse Buck. - Ele não dá as costas a quem o busca de todo o
coração.
Jacov, porém, continuava soluçando. Outras pessoas no meio da multidão também
estavam ajoelhadas.
- Há pessoas aqui - disse Tsion -, dentro ou fora do estádio, que desejam aceitar Cristo
no coração. Peço que orem comigo: Amado Deus, sei que sou pecador. Imploro o teu
perdão por ter demorado tanto tempo. Recebo o teu amor e a tua salvação e peço que
vivas em mim. Eu te aceito como meu Salvador e quero viver para ti até que voltes
novamente.
Em meio a lágrimas, Jacov repetia as palavras da oração. Em seguida, levantou-se e
abraçou Buck com tanta força que quase não o deixou respirar. Buck afastou-se e pôs
novamente a garrafa na mão de Jacov.
- Fria! - ele exultou.
- Beba! - disse Buck.
Jacov colocou a garrafa contra a luz e sorriu ao ver a água límpida.
- A garrafa está cheia!
Buck olhou espantado. Estava cheia! Jacov levou-a à boca, inclinando-se tanto para trás a
ponto de perder o equilíbrio, e Buck teve de segurá-lo. Ele sorveu a água lentamente,
deixando-a espirrar no rosto e escorrer pelo pescoço.
Jacov ria e gritava ao mesmo tempo.
- Louvado seja Deus! Louvado seja Deus! Louvado seja Deus!
- Deixe-me olhar para você - disse Buck, rindo.
- Eu fiquei diferente?
- Diferente para melhor. - Buck segurou a cabeça de Jacov
e virou o rosto dele em direção à luz. - Você tem o selo na testa - ele disse. Jacov
afastou-se e correu para a van.
- Quero ver o selo no espelho.
- Você não conseguirá ver nada - disse Buck, acompanhando-o. - Por algum motivo que
não sabemos explicar, não podemos ver o próprio selo. Mas você pode ver o meu.
Jacov virou-se e parou Buck, aproximando-se dele e semicerrando os olhos.
- Eu estou vendo! Uma cruz! E é verdade que também tenho uma?
- É verdade.
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- Louvado seja Deus!
Eles entraram novamente na van, e Buck discou o número do telefone de Chloe.
- Eu estava esperando que fosse você - disse ela ao atender.
- Sou eu.
- Eu estava preocupada com você.
- Desculpe-me, mas temos um novo irmão.
- Jacov?
- Quer falar com ele?
- Claro. E não tente entrar aqui de novo, querido. Está uma loucura. Vou sair com Tsion
assim que puder.
Buck passou o telefone para Jacov.
- Obrigado, Sra. Williams! - ele disse. - Eu me sinto um novo homem! Novinho em folha!
Venha logo para podermos ver os nossos selos na testa!
Sentado diante do aparelho de TV na casa secreta, no meio da tarde, Rayford meneava a
cabeça.
- Vocês acreditam no que estão vendo? - ele repetiu várias vezes. - Não posso acreditar
que Carpathia tenha perdido esta parada.
Ken levantou-se, bloqueando a luz do sol que vinha da janela.
- Eu ouvi todas as histórias sobre as duas testemunhas, mas, homem, eles são do outro
mundo. Ainda bem que estão do nosso lado, não é verdade?
O Dr. Charles riu.
- Se você tem acompanhado o que Tsion diz pela Internet, sabe disso muito bem, tanto
quanto nós.
- Este incidente vai provocar o maior índice de audiência na TV de todos os tempos - disse
Rayford, virando-se para saber qual era a opinião de Hattie. Ela também tinha os olhos
fixos na tela da TV e tentou dizer alguma coisa, mas seu rosto estava mortalmente
pálido, a boca entreaberta e os lábios trêmulos. Parecia aterrorizada.
- Você está bem, Hattie? - perguntou Rayford.
Floyd virou-se quando Hattie deu um grito lancinante e caiu de costas na cama.
Segurando o abdome com as duas mãos, ela rolou para o outro lado da cama, ofegando e
gemendo.
O Dr. Charles pegou o estetoscópio e pediu a Rayford e Ken que colocassem Hattie deitada
de costas. Ela se debateu, mas pareceu entender que deveria acalmar-se para que Floyd
pudesse ouvir as batidas do coração do bebê. A expressão do médico era de preocupação.
- O que você sentiu? - ele perguntou.
- Faz algum tempo que não sinto o bebê movimentar-se - ela disse, respirando com
dificuldade. - De repente, senti uma dor aguda. Ele morreu? Eu perdi meu bebê?
- Deixe-me auscultar novamente - ele disse. Hattie
continuava imóvel. - Não posso ter certeza usando apenas um estetoscópio. Não tenho
um monitor fetal.
- Você deve saber se ele ainda está vivo! - disse Hattie.
- Não tenho certeza.
- Oh, não! Por favor, não!
Floyd pediu que ela ficasse quieta e auscultou mais uma vez, com muito cuidado. Em
seguida, encostou o ouvido no abdome dela, e endireitou-se rapidamente. - Você contraiu
os músculos abdominais de propósito? - Ela balançou a cabeça negativamente. - Está em
trabalho de parto?
- Como posso saber?
- Sente espasmos? Contrações? Ela assentiu com a cabeça.
- Preciso de um telefone! - gritou Floyd, e Ken entregou-lhe um. O médico discou
rapidamente. - Jimmy, sou eu.Preciso de uma sala esterilizada e um monitor fetal... Não
faça perguntas!... Não, não posso dizer nada. Digamos que estou a uns 80 ou 90
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quilômetros de distância... Não, não posso ir até aí.
- Que tal o hospital de Palatine, o Young Memorial? -, disse Ken em voz baixa. - Há uma
senhora crente lá.
Rayford ergueu os olhos, com ar de surpresa. Floyd cobriu o fone com a mão.
- Fica longe daqui?
- Não muito.
- Obrigado, Jimmy. Desculpe-me por tê-lo incomodado. Encontramos um lugar. Estou lhe
devendo mais esta.
O médico começou a dar ordens.
- Um de vocês vai dirigir, e o outro precisa me trazer dois cobertores.
Rayford olhou para Ken, que encolheu os ombros.
- Estou às ordens - disse Ken. - Posso dirigir ou...
- Rápido, cavalheiros!
- É melhor você dirigir, já que conhece o caminho – disse Rayford, subindo a escada
correndo. Quando ele retornou com os cobertores, o Rover já estava com o motor ligado
perto da porta. O Dr. Charles saiu da casa com Hattie nos braços. Ela se contorcia, gemia
de dor e chorava.
- Você acha que deve levá-la daqui?
- Não tenho escolha - disse Floyd. - Receio de que ela possa ter um aborto espontâneo.
- Não! - gritou Hattie. - Só estou lutando para viver por causa de meu bebê!
- Não fale assim - disse Rayford abrindo a porta do carro.
- Sim, pode falar - disse o médico. - Seja pelo que for, continue lutando. Ray, forre o
banco traseiro com um cobertor e coloque o outro por cima dela assim que eu conseguir
deitá-la.
Com muito esforço, ele colocou Hattie dentro do carro e deitou-a no banco traseiro com a
cabeça quase encostada na porta. Quando Rayford a cobriu, Floyd entrou, sentou-se no
banco e ajeitou as pernas dela em seu colo. Rayford sentou-se imediatamente no banco
dianteiro.
- Pise fundo, Ken - disse Floyd. - Precisamos chegar lá o mais rápido possível.
Aparentemente, era tudo o que Ken desejava ouvir. Ele acelerou o motor e saiu na
mesma posição que entrara. Passou por cima de um monte de terra e desviou-se dos
sulcos que se formaram na rua em frente à casa. Os quatro sacolejavam dentro do carro,
que quase tombou por duas vezes enquanto se dirigiam até a estrada para Palatine.
- O carro está pulando muito? - ele perguntou.
- Você não precisa se preocupar. Neste momento, a velocidade é muito mais importante
do que o conforto – disse Floyd. - Ray, ajude-me.
Rayford virou-se para trás e segurou o pulso de Hattie, e o médico passou os dois braços ao
redor dos tornozelos dela. Os dois a seguraram com força, e Ken testou o limite de velocidade
do carro. Havia apenas um pequeno trecho pavimentado na estrada entre a casa e o
hospital. Ken aproveitou para correr mais naquele trecho. Ao bater em um monte de terra,
depois de terminado o asfalto, o carro quase voou.
Ao avistar o hospital, Floyd disse:
- Procure a entrada do pronto-socorro.
- Não posso fazer isto - disse Ken. - Não sei o nome daquela senhora. Só vi o selo na sua
testa, e ela trabalha perto da recepção, e não no pronto-socorro. É melhor eu parar em
frente ao hospital e correr para encontrá-la. Se ela nos arranjar uma sala de cirurgia, a
maneira mais rápida será entrar com Hattie pela porta da frente.
Floyd concordou, e Ken estacionou no meio-fio, perto da entrada.
- Vá até lá, Ken. Ray, ajude-me a tirá-la daqui.
Rayford desceu do carro e abriu a porta do lado da cabeça de Hattie. Ela estava
inconsciente.
- Não estou gostando disto - disse o médico.
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- Deixe-me carregá-la - disse Rayford. - Empurre-a na minha direção e depois vá até lá e
converse com a senhora, caso Ken a tenha encontrado.
- Eu posso levá-la, Ray.
- Faça o que eu lhe pedi.
- Você tem razão - disse Floyd, empurrando Hattie ao mesmo tempo em que Rayford a
puxava para poder carregá-la. Apesar da gravidez, ela estava magra demais, tinha o peso
de uma menina. Ele se desvencilhou do cobertor que cobria o banco e seguiu atrás de
Floyd. A senhora com o selo na testa acompanhou Ken até a porta, com olhar
aterrorizado.
- Seus irmãos vão complicar minha vida - ela disse. – Qual é o problema?
- Ela está correndo risco de abortar - disse Floyd. – Você tem registro para trabalhar em
salas de cirurgia?
- Há muitos anos. Fui transferida para a administração desde que...
- Não podemos confiar em ninguém mais. Leve-nos até uma sala de cirurgia
imediatamente.
- Mas...
- Já, minha cara!
A recepcionista, uma adolescente, olhava fixo para eles. A senhora disse:
- Olhe para o outro lado e fique de boca fechada. Entendeu?
- Eu não vi nada - disse a garota.
- Qual é o seu nome? - perguntou Floyd enquanto a acompanhava pelo corredor.
- Leah.
- Sei que está correndo um grande risco, Leah. Sou-lhe muito grato.
Leah olhou de relance para Hattie no momento em que abriu a sala de cirurgia e apontou
para uma mesa.
- Pelo visto, não sou irmã dela. Floyd olhou firme para Leah.
- E por causa disso vamos deixá-la morrer?
- Não me interprete mal, doutor. O senhor é médico? - Ele assentiu com a cabeça. - Eu só
quis dizer que o senhor vai ter muitos problemas e se arriscar por alguém que não é um
dos nossos...
- Um dos nossos? - ele perguntou com ar de espanto, dirigindo-se rapidamente para o
local de assepsia. Pegou um avental de uma pilha e dirigiu-se à pia. - Lave as mãos
também. Você vai ser minha assistente.
- Doutor, eu...
- Vamos, Leah. Já.
Ela postou-se diante da pia ao lado de Floyd. Ken permanecia em pé ao lado de Hattie,
que continuava inconsciente. Rayford sentia-se um inútil, aguardando entre a mesa de
cirurgia e o local de assepsia.
- Estamos contaminando este ambiente esterilizado? – ele perguntou.
- Tome cuidado para não tocar em nada - disse Floyd. – Já estamos quebrando muitas
regras.
- Eu não quis dar a entender que.... - disse Leah.
- Depressa - disse Floyd, lavando as mãos mais rápido do que Rayford podia imaginar. -
Temos de dar a esta moça todas as oportunidades de passar para o nosso lado antes que
ela morra.
- Claro. Peço que me desculpe.
- Vamos nos concentrar na paciente. Assim que você estiver pronta, quero que pincele o
corpo dela com um anti-séptico desde o esterno até as pernas. Eu disse pincelar. Use um
litro do produto, se for possível. Não perca muito tempo, apenas não deixe nenhum local
sem ser desinfetado. E providencie monitor fetal. Se aquele bebê estiver vivo, talvez eu
tente uma cesariana. Você vai ter de cuidar da anestesia.
- Não tenho nenhuma experiência...
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- Eu vou lhe dizer o que fazer, Leah. Que tal aproveitarmos a ocasião para intensificar
nossa fé?
- Vou perder meu emprego.
- E daí? - disse o médico. - Espero que não seja a pior coisa que possa acontecer em sua
vida. Você está vendo as pessoas que estão nesta sala? Eu perdi o meu emprego outro
dia. O capitão Steele também. Ken perdeu sua casa.
- Eu o conheço. Ele ficou internado aqui.
- Verdade? - disse Floyd acompanhando-a até a mesa de cirurgia.
- E quanto à paciente? - ela perguntou, ligando rapidamente o monitor fetal.
- Hattie também perdeu o emprego. Estamos todos no mesmo barco. Prepare-a.
Ken e Rayford afastaram-se para perto da porta. Floyd verificou o monitor fetal e balançou
a cabeça. Em seguida, ligou vários monitores a Hattie.
- A respiração dela até que está boa. A pressão arterial está baixa. Pulso acelerado.
- Que situação terrível, doutor.
- Eía foi envenenada.
- Com quê?
- Quem me dera saber.
- Doutor, o senhor disse que o nome dela é Hattie? Ele confirmou com um movimento de
cabeça.
- Ela não é quem estou pensando, é?
- Acho que sim - ele disse, posicionando-se melhor. – Você já ouviu falar de outra Hattie?
- Neste século, não. O... namorado dela sabe o que está acontecendo ou devemos estar
bem longe daqui quando ele descobrir?
- Foi ele o responsável pelo estado em que ela se encontra, Leah. Quando você recebeu o
selo na testa, tornou-se arquiinimiga dele, e agora está na linha de frente, só isso.
- Só isso?
Rayford observava a cena, orando por Hattie, quando Floyd posicionou a iluminação vinda
de cima.
- Dilatação de sete ou oito centímetros - disse o médico.
- Então não haverá necessidade de incisão? - perguntou Leah.
- O bebê está morto - ele disse. - Preciso de soro
intravenoso. Solução de lactato, 40 unidades de ocitocína por litro.
- Aborto incompleto?
- Viu como você está se lembrando do que aprendeu, Leah? Normalmente ela daria à luz
dentro de uma ou duas horas, mas, nestas condições, tudo será muito rápido.
Rayford estava impressionado com a rapidez e eficiência de Leah. Hattie recobrou a
consciência.
- Estou morrendo! - ela disse, gemendo.
- Você está abortando, Hattie - disse o Dr. Charles. – Sinto muito. Tente me ajudar.
Estamos preocupados com você.
- Está doendo muito!
- Logo você não sentirá mais dor, mas vai ter de fazer força quando eu mandar.
Em poucos minutos, Hattie estava sentindo fortes contrações. Rayford se perguntava com
o que se pareceria o filho do anticristo.
O bebê morto estava tão pequeno e subdesenvolvido que foi expelido rapidamente do
corpo de Hattie. Floyd o aparou, juntando os pedaços de placenta e entregou tudo a Leah.
- Patologia? - ela perguntou. Floyd olhou firme para ela.
- Não - ele disse entre os dentes. - Você tem um incinerador?
- Não posso fazer isso. Não. Eu me recuso.
- O quê? - gritou Hattie. - O quê? Meu bebê nasceu? Leah continuava ali, com a pequena
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trouxa nas mãos.
Floyd caminhou até a cabeceira da mesa de cirurgia.
- Hattie, você expeliu um feto prematuro, muito deformado.
- Não fale deste jeito! Menino ou menina?
- Não foi possível constatar.
- Posso vê-lo?
- Sinto muito, Hattie. Não se parece com um bebê. Não seria aconselhável.
- Mas eu quero...
Floyd retirou as luvas e pousou carinhosamente a mão no rosto dela.
- Passei a gostar muito de você, Hattie. Você sabe disso, não é mesmo? - Ela assentiu
com a cabeça, chorando. - Estou lhe pedindo que confie em mim, como alguém que se
preocupa muito com você. - Ela olhou para Floyd com ar de indagação. - Por favor - ele
prosseguiu. – Acredito tanto quanto você que este ser foi concebido como um outro
qualquer, e tinha uma alma. Mas não vingou, não sobreviveu. Ele não se desenvolveu
normalmente. Você confia em mim para fazer o que for necessário com ele?
Hattie mordeu o lábio e assentiu com a cabeça. Floyd olhou para Leah, que parecia não ter
mudado de idéia. Ele colocou o bebê em um carrinho e olhou para Hattie. Em seguida, fez
um gesto para que Leah se aproximasse.
- Preciso que você me ajude a fazer uma curetagem uterina para eliminar os resíduos de
placenta e tecidos necrosados.
- Preocupado com endometrite?
- Muito bem.
Rayford pôde ver pela expressão do rosto de Leah e suas mandíbulas retesadas que ela
não estava disposta a dar um fim ao feto. Aparentemente, Floyd também notara. Depois
de terminar a curetagem em Hattie, ele pegou cuidadosamente o feto.
- Onde? - ele perguntou.
- No fim do corredor - ela murmurou. - Dois andares abaixo. Ele saiu, e Hattie começou a
soluçar alto. Rayford
aproximou-se e perguntou se podia orar por ela.
- Sim, por favor - ela disse em tom quase inaudível. - Rayford, quero morrer.
- Você não vai morrer.
- Não tenho motivo para viver.
- Tem sim, Hattie. Nós amamos você.
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CINCO
O nervosismo de Buck aumentava enquanto ele aguardava Chloe e Tsion dentro da van.
Talvez ela tivesse tentado tirar Tsion do palco. Milhares de pessoas dariam tudo para ficar
ao lado de Tsion por alguns instantes, sem mencionar os membros da delegação que
gostariam de trocar algumas palavras com ele. E ninguém sabia como Carpathia reagiria
diante do que acontecera no palco. A princípio, ele culpou Tsion, mas em seguida
apareceram as testemunhas.
Na opinião de Buck, Carpathia devia imaginar que Tsion não possuía poderes de realizar
milagres. A discussão de Nicolae foi com as duas testemunhas. Claro que por culpa dele.
Carpathia não foi convidado para assistir ao evento nem para subir ao palco. E quanto
cinismo ao fazer com que Fortunato e o pomposo Peter Segundo o precedessem! Buck
meneou a cabeça. O que mais se poderia esperar do anticristo?
Buck discou para o número de Chloe, mas ela não atendeu. Se desse sinal de ocupado, ele
até entenderia. Mas por que ela não atendia? De repente, entrou uma gravação em
hebraico.
- Jacov - chamou Buck -, ouça isto. 0 que a moça está dizendo?
Jacov, ainda com um sorriso radiante nos lábios, estava com a cabeça para fora da janela
tentando enxergar o selo na testa das outras pessoas. Ele não se cansava de apontar
para a sua, e constatou que os crentes sempre sorriam felizes e faziam um sinal na
direção do céu. Buck sabia que chegaria o dia em que a cruz na testa seria algo muito
significativo entre os santos da tribulação. Até mesmo o simples gesto de apontar para o
céu atrairia a atenção das forças inimigas.
O problema era que também chegaria o dia em que o povo do outro lado teria, de igual
modo, uma marca, que seria visível a todos. De acordo com a Bíblia, aqueles que não
ostentassem a "marca da besta" ficariam impedidos de comprar ou vender qualquer
coisa. O grande número de santos da tribulação teria de organizar um mercado
clandestino para conseguir sobreviver.
Jacov colocou o fone perto do ouvido e, em seguida, devolveu-o a Buck.
- Se você quiser deixar um recado, aperte a tecla um. Buck apertou a tecla e deixou o
seguinte recado: "Chloe,
ligue para mim assim que receber este recado. A multidão aqui fora ainda não se
arredou, e por isso não quero entrar aí para procurar você e Tsion. Mas, se você não me
ligar em dez minutos, vou entrar." Assim que ele terminou o recado, seu telefone tocou.
- Obrigado, Senhor - disse ele assim que atendeu. - Fale, meu bem.
Depois de alguns ruídos de estática e de motor funcionando, ele ouviu:
- Torre de Jerusalém, aqui é Águia Um CG!
-Alô!
- Positivo, torre, está me ouvindo?
- Alô, aqui não é a torre - disse Buck. - Será que peguei uma outra freqüência?
- Positivo, torre, estou usando o telefone em vez do rádio por se tratar de uma
transmissão confidencial, positivo?
- Mac, é você?
- Positivo, torre.
- Você está no helicóptero com os três?
- Dez-quatro. Verificando coordenadas para retornar ao heliporto do Rei Davi, câmbio.
- Você está tentando me dizer alguma coisa?
- Positivo. Obrigado. Não há ventos à frente?
- É sobre Tsion?
- Parcialmente nublado?
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- E Chloe?
- Dez-quatro.
- Eles estão correndo perigo, Mac?
- Positivo.
- Alguém os tirou de lá?
- Desta vez não, torre. Chegada prevista em cinco minutos.
- Eles estão fugindo?
- Positivo.
- O que devo fazer?
- Chegaremos pelo lado noroeste, torre.
- Eles estão fora do estádio?
- Negativo.
- Devo encontrá-los no lado noroeste?
- Positivo. É uma tentativa. Agradeço sua colaboração, torre.
- Eu também estou correndo perigo?
- Dez-quatro.
- Devo levar mais alguém?
- Positivo e obrigado, torre. Seguindo nessa direção imediatamente.
- Mac! Vou levar alguém que eles não conhecem e ficar aguardando pelos dois na saída
noroeste. É isto?
- Assim que pudermos, torre. Câmbio e desligo.
- Jacov, corra e descubra onde Tsion e Chloe estão. Depois, leve-os para fora do estádio
pela saída noroeste.
Jacov estendeu o braço para abrir a porta da van.
- A de cima ou a de baixo? - ele perguntou. - Há uma saída no nível do chão e outra mais
abaixo.
- Leve-os até a saída de baixo, e não pare se alguém tentar impedir sua passagem. Você
tem uma arma?
Jacov passou a mão por baixo do banco e pegou uma submetralhadora Uzi. Ajustou-a no
cinto e cobriu-a com a camisa. Buck achou que a arma estava visível, mas talvez passasse
despercebida por causa da escuridão e do grande número de pessoas que se
acotovelavam.
- Alguém deve ter dado ordens aos guardas da CG para prenderem Tsion. Eles ainda não
o pegaram, mas não vai demorar muito. Dê um jeito de tirá-los de lá.
Jacov entrou correndo no estádio, e Buck sentou-se ao volante. Por fim, a multidão
começou a movimentar-se lentamente. Parecia que o povo não queria sair dali. Todos
queriam ver Tsion mais uma vez. Buck não compreendia a conversa, mas uma frase ou
outra proferidas em inglês fizeram-no entender que estavam falando da humilhação
sofrida por Carpathia.
Assim que começou a rodar cuidadosamente com a van no meio da multidão, Buck ouviu
o ruído de um helicóptero. Talvez estivesse trazendo mais guardas da CG. Ele ficou
surpreso ao ver que o aparelho se parecia com o que havia transportado Carpathia ao
estádio. Pegou o telefone e apertou o botão da ligação mais recente.
- McCullum.
- Mac! É Buck. Por que você voltou para cá?
- Dez-quatro, Segurança. Vamos verificar o quadrante sudeste.
- Eu mandei um homem para o lado noroeste!
- Positivo, positivo! Eu voa verificar o quadrante sudeste e depois levarei meus passageiros
para a base, câmbio.
- Eles estão do lado sudeste agora?
- Negativo! Eu vou cobrir a área sudeste!
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- O que você vai fazer se eles estiverem lá?
- Positivo, posso desviar a rota, Segurança, mas em seguida vamos embora, entendido?
- Estou confuso, mas confio em você, Mac.
- Mantenha seu pessoal longe do sudeste, Segurança. Estarei vigiando.
Buck atirou o telefone no banco ao lado e virou o espelho retrovisor externo para ver o
helicóptero. Leon Fortunato anunciava pelos alto-falantes do helicóptero:
- A segurança em terra da Comunidade Global nos solicitou ajuda para desimpedir esta
área! Por favor, traduzam este recado para outras pessoas, se for possível! Agradecemos
sua colaboração!
A massa humana não obedeceu. Quando se espalhou a notícia de que o helicóptero de
Carpathia estava sobrevoando uma das partes do estádio na tentativa de desimpedir a
área, centenas de pessoas começaram a caminhar naquela direção, olhando para o céu.
Essa movimentação permitiu que Buck rodasse mais rápido até o lado noroeste. O povo,
atraído pelo helicóptero, imediatamente começou a dirigir-se para aquele local.
Buck estacionou perto do estádio, sem dar atenção aos guardas armados que acenavam
para ele. Abriu a porta, desceu da van e tentou localizar a saída subterrânea.
Encontrou uma rampa precariamente iluminada onde os caminhões haviam descarregado
os equipamentos no dia anterior. Andando pé ante pé, ele avistou uma fresta de luz
quando alguém abriu com força uma porta e subiu a rampa correndo.
Os guardas aproximaram-se para enxergar melhor, e Buck percebeu que foi Jacov quem
subiu a rampa. Do que ele estava fugindo? Por que não foi detido? Será que os guardas da
CG estavam vigiando Tsion? Assim que passou pelos guardas, Jacov avistou a van. A
menos de 15 metros, ele olhou diretamente para Buck. Pegou a arma, disparou uma
rajada de balas para o alto e virou à esquerda.
Os guardas sacaram suas armas e passaram a persegui-lo. Centenas de pessoas que
estavam por ali gritaram e agacharam-se para proteger-se. Buck abaixou o corpo
instintivamente, e agora estava espiando por cima da van. A uns 60 metros à frente,
Jacov virou-se e disparou outra rajada de balas para o alto. Os guardas abriram fogo, e
Jacov correu novamente.
Sem perceber que as portas da van haviam sido abertas, Buck ouviu quando elas se
fecharam enquanto Chloe e Tsion gritavam:
- Depressa, Buck! Acelere! Rápido!
Ele entrou rapidamente, bateu a porta e perguntou:
- O que vamos fazer com Jacov?
- Depressa, Buck! - gritou Chloe. - Ele está despistando os guardas!
Buck riu ao pisar no acelerador e passar por cima do meio-fio.
- Esse Mac! - ele disse. - Que time! Onde devemos pegar Jacov?
Deitado no assoalho do banco traseiro, Tsion ofegava. Chloe estava estendida no banco.
- Ele disse que nos encontraria na casa de Chaim - Tsionconseguiu dizer.
- Os guardas estavam atirando nele!
- Ele disse que só atrairia a atenção dos guardas quando estivesse fora do alcance deles.
Tinha certeza de que se sairia
bem.
- Ninguém está fora do alcance dessa gente - disse Buck, aumentando a distância entre
eles e o estádio.
Curiosamente, a maior parte do trânsito - carros, veículos de emergência e viaturas
policiais - dirigia-se para o estádio, em vez de sair dali. Os guardas obrigavam os carros
comuns a parar no meio-fio para dar passagem aos veículos da CG. Buck, que seguia na
direção contrária, não foi barrado.
- Se eles estiverem atrás de você, Tsion, é melhor não voltarmos para a casa de Chaim.
- Não posso pensar em local mais seguro - disse Tsion. - Carpathia não vai me ameaçar
lá. Sua mulher foi brilhante,Buck. Ela percebeu tudo antes que acontecesse. Viu os
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guardas caminhando em minha direção e não gostou da expressão deles.
- Eles estavam usando fones de ouvido - disse Chloe
- e destravando as armas. Imaginei que tivessem recebido instruções de Carpathia ou
Fortunato para vingar-se de Tsion e atirar nele no meio da multidão de modo que
parecesse um acidente. Eles chegaram tão perto de nós que ouvi um deles dizer ao
supremo comandante onde estávamos.
- Continuo preocupado com Jacov - disse Buck.
- Ele foi muito eficiente - disse Chloe. – Atravessou correndo o túnel e passou perto de
nós, dizendo: "Estou tentando encontrar rostos familiares para que me sigam até um
lugar seguro." Estávamos saindo de um lugar parecido com um depósito e...
- Eu vi imediatamente o selo na testa dele - disse Tsion. -
Louvado seja o Senhor! Buck, você vai ter de nos contar mais tarde o que aconteceu.
- Ele disse que você estava trazendo a van para perto da saída subterrânea - prosseguiu
Chloe. - Deu uma olhada e avistou os guardas no topo da rampa. Disse para nós que
despistaria os guardas e que devíamos sair dali depois de 20 segundos. Ele voltou e
correu, saindo por aquela porta!
- Deu certo - disse Buck. - Ele também conseguiu desviar a minha atenção. Não vi quando
vocês entraram na van.
- Ninguém nos viu - disse Chloe. - Oh!
- O que foi?
- Nada - ela disse, dando um assobio.
- O que foi, Chloe? Você está bem?
- Não estou acostumada a correr - ela disse.
- Nem eu - complementou Tsion. - E eu gostaria de sair daqui do chão assim que
estivermos em segurança.
- O senhor não pode mantê-la aqui - disse Leah ao Dr. Charles. - É impossível. Lamento
muito. Poderíamos levá-la até um quarto, e sei que seria melhor para ela, mas, se o
senhor quiser voltar a este hospital ou contar com minha ajuda, é melhor tirá-la daqui
imediatamente.
- Então me consiga mais um sedativo - disse Floyd. -Quero que ela durma antes de
sairmos daqui.
Hattie dormiu durante todo o percurso até a casa secreta. O Dr. Charles a colocou na cama
perto da TV, onde eles se inteiraram rapidamente das atividades em Jerusalém.
"Sua Excelência, o potentado Nicolae Carpathia, fará um pronunciamento ao mundo
dentro de 20 minutos", dizia o locutor. "Durante a transmissão ao vivo pela TV do
hemisfério oriental e pela conexão via Internet que cobriu as
outras partes do mundo, a maioria dos senhores viu que a tentativa de envenenar Sua
Excelência fracassou. Apesar de estar um pouco abalado pelos acontecimentos, o
potentado é um homem forte, e ele deseja tranqüilizar os cidadãos do mundo inteiro
quanto a seu estado de saúde. Esperamos que ele também fale sobre o tipo de represália
que possivelmente será imposta aos responsáveis pelo atentado à sua vida."
O lado jornalístico de Buck desejava continuar no estádio. Ele adoraria ter visto Mac dando
voltas no ar com Carpathia, Fortunato e o ridículo Mathews, para que Tsion tivesse tempo
de fugir. Gostaria de ter visto a água transformando-se em sangue no palco e perguntar
aos escolhidos de Deus se algum deles vira as duas testemunhas do Muro das
Lamentações chegando ou saindo.
Buck aprendera a não paparicar Chloe; ela era tão forte e corajosa quanto ele. Mas Chloe
estava também carregando o filho deles no ventre e passara por um terrível sofrimento
físico que a deixara muito machucada. Aquele trauma poderia ter feito mal a ela.
Foi um alívio para Buck avistar guardas israelenses, e não da CG, diante dos portões da
casa de Chaim. Ele tinha de admitir que foram esses mesmos guardas os responsáveis
pelo massacre da família de Tsion e que o obrigaram a fugir de sua terra natal. Agora,
porém, Tsion estava ali como convidado de Chaim, e Chaim era considerado uma
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divindade em Israel.
Assim que entraram na casa, Chaim, trêmulo e com o semblante pálido, os abraçou e
perguntou sobre o paradeiro de Jacov. Buck deixou a explicação por conta de Tsion,
sabendo que Chaim precisaria ter a certeza de que seu protegido não planejara humilhar
Carpathia.
- Você me garantiu que permaneceria neutro – disse Chaim. - Caso contrário, eu não teria
insistido com ele para que comparecesse ao evento.
- Você sabia que ele estaria presente e não me disse nada? - perguntou Tsion.
- Ele queria que sua chegada causasse surpresa. Com certeza você esperava que ele
aparecesse lá.
- Pensei que ele fosse aguardar até amanhã ou depois de amanhã. Você devia ter-me
preparado.
- Você parecia estar mais que preparado. Tsion sentou-se, exausto.
- Chaim, o homem me interrompeu quando eu estava citando um versículo da Bíblia.
Parece que ele planejou chegar no pior momento possível. Espero que você cumpra a
promessa de ouvir o que tenho a lhe dizer e que não demore muito. Estou cansado
demais esta noite, mas você, um homem inteligente e de bom senso, não será capaz de
refutar as provas que tenho de que Jesus é o Messias e Carpathia o anticristo.
Rosenzweig acomodou-se em uma poltrona grande e macia e deu um longo suspiro.
- Tsion, você é como um filho para mim. Mas o que acabou de dizer pode levá-lo à morte.
- Como se eu não soubesse!
- Claro que sabe, e ainda lamento sinceramente as perdas que você sofreu. Mas vir a
Israel para proclamar a divindade de Jesus é um ato tão temerário quanto os truques que
aqueles dois malucos do Muro das Lamentações estão fazendo com nossa água e nosso
clima. E digo mais, Tsion. Chamar Nicolae de anticristo quando ele está em visita à Terra
Santa é uma atitude de muita arrogância
e insensibilidade. Conforme eu já lhe disse, é mais fácil acreditar que Carpathia é o
Messias e que uma daquelas pseudotestemunhas é o anticristo.
Tsion balançou a cabeça, com ar de cansaço, e Buck aproveitou o momento para se
retirar.
- Se os senhores nos derem licença...
- Claro - disse Chaim.
- Quando Jacov chegar, eu gostaria de ser avisado, seja qual for a hora - disse Buck.
- Agradeço sua preocupação - disse Chaim. - Você será avisado.
Rayford mantinha os olhos grudados na TV enquanto tentava falar com alguém em Israel.
Nem o telefone de Buck nem o de Chloe respondiam, e ele não podia ligar para Mac.
Esquecendo-se de quem era agora, ele soltou um palavrão. Hattie despertou.
- Este é o Rayford Steele que eu conheci um dia - ela disse, com voz terna e cansada.
- Ah! desculpe-me, Hattie. Não costumo falar assim. Estou preocupado com o que
aconteceu lá e quero ter certeza de que todos estão bem.
- É bom saber que você continua humano - disse ela em voz baixa. - Mas você nunca foi
e nunca será tão humano quanto eu.
- O que você está querendo dizer?
- Vou matar Nicolae.
- Lamento muito pelo seu bebê, Hattie, mas você não sabe o que está dizendo.
- Rayford, você poderia chegar mais perto?
- Como assim?
- Não tenha medo de mim. Não vou ficar muito tempo por aqui.
- Não diga isso.
- É que eu não tenho força para falar mais alto. Você poderia chegar mais perto? )
Rayford sentiu-se embaraçado, embora não houvesse mais ninguém por perto. Ele
mordeu os lábios, olhou ao redor e aproximou-se dela.
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- Pode falar - ele disse.
- Rayford, eu não vivi muito tempo com aquele homem para ele ter exercido tanta
influência sobre mim. Sei que não sou melhor nem pior do que qualquer outra moça. Você
sabia disso. Todo mundo sabia.
- Bem, eu...
- Deixe-me terminar. Floyd me deu um comprimido para dormir e estou caindo de sono.
Ouça o que lhe digo. Nicolae Carpathia é o demônio personificado.
- Ora, disso eu já sabia.
- Oh, eu sei que seu pessoal acha que ele é o anticristo. Eu sei que ele é. Não existe um
pingo de verdade no que ele diz. Tudo o que sai da boca daquele homem é mentira. Você
viu como ele finge ser amigo de Mathews? Nicolae quer vê-lo morto. Ele próprio me disse
isto. Eu já contei a você que ele envenenou Bruce. Mandou me matar depois que fui
envenenada, só para se certificar. O veneno matou meu bebê. E ele foi o responsável. Ele
me fez fazer coisas que nunca imaginei fazer. E você sabe que... eu gostava do que fazia.
Adorava o poder daquele homem, seu fascínio, sua habilidade em persuadir as pessoas.
Quando fiz Amanda passar por uma espiã, acreditei que estava fazendo a coisa certa. E
aquilo não foi o pior.
- Eu quero morrer, Rayford - prosseguiu Hattie. - E não quero ser perdoada nem ir para o
céu para ficar ao lado de
Deus ou coisa parecida. Vou lutar contra este veneno, vou colaborar com Floyd, vou fazer
o que for necessário para viver o tempo suficiente de matar aquele homem. Preciso ficar
forte e tenho de chegar perto dele de qualquer jeito. É quase certo que vou morrer no
caminho, porque ele está cercado de seguranças. Eu não me importo. Desde que o mate.
Rayford pousou a mão no ombro dela.
- Hattie, você precisa relaxar. O Dr. Charles lhe deu um pouco mais de anestésico antes
de trazê-la para cá, e talvez você nem se lembre mais do que está dizendo agora. Por
favor, tente...
Hattie empurrou a mão de Rayford, e seus dedos frágeis agarraram-lhe a camisa. Ela o
puxou para perto de si, quase encostando o rosto no dele.
- Esteja certo de que vou me lembrar de cada palavra, Rayford. Vou matar aquele homem
como se fosse a última coisa que desejo fazer na vida, e espero que seja.
- Tudo bem, Hattie. Tudo bem. Não vou discutir com você agora.
- Não discuta nunca este assunto comigo, Rayford. Estará perdendo tempo.
Poucos instantes depois, a figura de Carpathia tomou conta de toda a tela, e Hattie já
estava dormindo. Rayford ficou feliz por ela não ver o rosto daquele homem nem ouvir o
que ele diria a respeito de seu fracasso em Israel. Um arrepio percorreu o corpo de
Rayford. Hattie o forçara a olhar para dentro de si.
Rayford sentiu um grande alívio depois de constatar que Amanda foi tudo o que acreditou
que ela fosse: uma esposa amorosa, digna e leal. Porém, desde o momento em que
descobriu o que Carpathia havia feito com Bruce, com Amanda e com Hattie, ele estava de
novo lutando
interiormente. Certa vez, ele orara pedindo a permissão, a honra, de ser aquele que
mataria Carpathia quando o período da Tribulação chegasse à sua metade. Agora, para
ser franco, ele se sentia preparado para aquele momento.
Ele sabia que precisava chamar Hattie à razão, impedi-la de tomar uma atitude tão
temerária e estúpida. Mas era por esse mesmo motivo que ele não podia confiar seu
segredo a Mac e a Tsion, nem mesmo à sua filha e genro. Era por esse motivo também
que não podia falar de suas tendências homicidas a seu novo amigo Ken ou a Floyd. Por
certo, eles haveriam de querer convencê-lo da loucura deste gesto. Rayford, porém,
queria acalentar aquele plano por mais algum tempo.
Somente quando Buck ficou a sós com Chloe em um dos quartos de hóspedes da casa de
Chaim Rosenzweig foi que ele se deu conta do quanto se preocupara com ela. Com as
mãos trêmulas, ele a segurou nos braços e a apertou contra si, tomando cuidado para não
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tocar em seus ferimentos.
- Enquanto não fiquei sabendo onde você estava – ele começou a dizer -, me veio à
mente tudo o que senti depois do terremoto.
- Mas desta vez eu não estava perdida, querido. Você sabia onde eu me encontrava.
- Você não atendeu ao telefone. Pensei que alguém tivesse agarrado você, ou...
- Quando começaram a nos perseguir, desliguei o telefone. Eu não queria que ele nos
denunciasse. Agora estou me lembrando de que não tornei a ligá-lo. - Chloe fez um gesto
para pegar o telefone.
- Não se preocupe - ele disse. - Agora ele não será mais necessário, não é mesmo?
- E se papai estiver ligando para cá? Você sabe que ele deve ter assistido à transmissão
pela TV.
- Ele poderá ligar para o meu telefone.
- E onde está o seu telefone?
- Droga! Deixei-o na van. Vou buscá-lo. Agora foi a vez de Chloe dissuadi-lo.
- Vou ligar o meu - ela disse. - Não quero que você fique longe de mim outra vez.
Buck puxou-a para perto de si, e eles se beijaram. Em seguida, deitaram de costas na
beira da cama, e Chloe apoiou a cabeça no braço dele. Buck começou a imaginar a
situação esquisita em que eles se encontravam, olhando para o teto e com os pés
apoiados no chão. Se ela estivesse tão exausta quanto ele, em breve adormeceria.
Provavelmente aquele não era um bom momento para abordar um assunto delicado, mas
Buck nunca se preocupara em aguardar a hora certa para falar.
Conforme já se tornara rotina, o supremo comandante da Comunidade Global, Leon
Fortunato, apresentou Sua Excelência, o potentado Nicolae Carpathia, aos telespectadores
do mundo inteiro. Rayford ficou admirado diante da maneira franca e direta com que
Fortunato estava contando a história sobre o que acontecera com ele próprio. Tsion
advertira Rayford que em breve os poderes sobrenaturais de Nicolae seriam evidenciados
e até mesmo com certo exagero, preparando o terreno para ele se autoproclamar Deus
durante a segunda metade da Tribulação. Até agora, os pronunciamentos em rede
mundial tinham sido discretos, e Nicolae se abstivera de fazer quaisquer comentários a
esse respeito. Naquele dia, porém,
Rayford estava ansioso por saber como Nicolae reagiria às palavras bajuladoras de
Fortunato. Rayford tinha de convir que os dois haviam feito um trabalho magnífico - para
não dizer sobrenatural - ao engendrarem uma história sobre o maior constrangimento
em público que Nicolae já sofrerá.
52
SEIS
- ESTOU preocupado com você - disse Buck.
- Vou ficar bem - disse Chloe. - Sinto-me feliz por tervindo e estou me saindo melhor do
que imaginava. Eu sabia que ainda era um pouco cedo para fazer uma viagem tão longa,
mas deu tudo certo.
- Não é por esse motivo que estou preocupado com você. Chloe afastou-se de Buck e
deitou-se de lado para vê-lo melhor.
- Então, com o que você está preocupado? Alguém bateu na porta.
- Com licença - disse Tsion. - Vocês não gostariam de ver o pronunciamento de Carpathia
pela TV?
Chloe começou a levantar-se, mas Buck a impediu.
Obrigado, Tsion. Talvez daqui a pouco. Se perdermos alguma parte, você poderá nos
contar amanhã cedo.
Muito bem. Boa noite, meus queridos.
Buck Williams - disse Chloe -, não sei desde quando me tornei tão especial. Você nunca
deixou escapar uma notícia de impacto.
- Não pense que estou sendo altruísta, meu bem. Não escrevo mais para nenhuma
revista, lembra-se?
- Escreve sim. Para sua revista.
Ah! sim, mas sou o patrão e assino os cheques. Como não há dinheiro para cobrir os
cheques, o que posso fazer? Assinar minha demissão?
De qualquer forma, você deixou as notícias de lado para me dar atenção.
Buck aproximou-se dela e a beijou novamente.
- Já sei o que ele vai dizer. Antes de tudo, vai permitir que Fortunato o engrandeça.
Depois se fingirá de humilde e atacará Tsion pelo constrangimento que sofreu depois de
tudo o que fez pelo rabino.
Chloe assentiu.
Em que você está pensando?
No bebé.
Chloe olhou para ele com ar de espanto.
- Você também?
Ele assentiu com a cabeça.
Qual é a sua dúvida?
- Acho que não fomos muito espertos - ela disse. – Nosso filho nunca chegará aos cinco
anos de idade, e vamos ter de criá-lo ao mesmo tempo em que estaremos lutando para
sobreviver.
- Pior ainda - ele disse. - Se estivermos lutando para sobreviver, deveremos nos
esconder em algum lugar seguro. Talvez o bebé fique protegido por uns tempos. Mas já
declaramos nossa fé.. Somos inimigos da ordem mundial e iremos nos limitar a ficar
sentados e protestar silenciosamente.
- Terei de tomar cuidado - disse Chloe.
- Ah, como não! - ele disse em tom de zombaria. – Até parece que você não está
tomando cuidado desde já.
Ela permaneceu deitada em silêncio. Finalmente disse:
- Então acho que vou ter de tomar mais cuidado ainda,
não?
- Talvez. Eu só gostaria de saber se estamos agindo certo
em relação ao bebé.
- De qualquer forma, agora não podemos mais mudar de ideia, Buck. Então, qual é o
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problema?
- Estou preocupado, só isso. E não tenho ninguém mais com quem conversar.
- Eu não gostaria que você falasse disso a outra pessoa.
- Então me diga que não devo me preocupar ou que está tão preocupada quanto eu ou
coisa parecida. Caso contrário, vou deixar o bebé por sua conta e começar a tratá-la como
se
você fosse uma débil mental.
- Você sempre foi bastante esperto para não fazer isso, Buck. Já percebi.
- Ah! sim, mas às vezes acho que devia ser mais esperto. Alguém tem de cuidar de você.
Gosto quando você me controla um pouco. Não me sinto humilhado. Gosto e preciso disso.
- Até certo ponto - ela disse.
- É verdade.
- E já provei que sou boa nisso.
- E sutil - ele disse, envolvendo-a em um abraço.
- Buck, você não acha que devíamos ouvir o que Carpathia tem a dizer?
Ele encolheu os ombros e depois concordou.
- Não temos meios de impedir que ele faça alguma coisa. Buck e Chloe se dirigiram até a
sala onde Tsion e Chaim
assistiam ao que se passava na tela da TV.
- Alguma notícia de Jacov? - perguntou Buck.
- Não - respondeu Chaim balançando a cabeça. – Não estou gostando nada disso.
- Eu só pedi que ele entrasse no estádio e retirasse os dois de lá - justificou Buck. -
Desviar a atenção dos guardas e sacar a arma foram ideias dele. Eu também não estou
gostando disso.
- Do quêll - interpelou Chaim.
Rayford sentia-se estranhamente animado, apesar das ameaças de Hattie em relação a
Carpathia. Em sua opinião, aquelas ameaças eram prova de que ela estava em seu juízo
perfeito, o que não acontecia havia semanas, conforme dissera o Dr. Charles. Rayford não
se considerava um lunático, a despeito de admitir que sentia vontade de matar
Carpathia. O que ele mais almejava, no fundo do coração, era que Hattie se
restabelecesse logo para mudar de ideia a respeito de Deus. Ela conhecia a verdade; o
problema não era esse. Hattie era o tipo de pessoa que conhece a verdade, mas não age
de acordo com ela. Bruce contara a Rayford que foi deixado para trás por esse motivo. E
Rayford foi deixado para trás porque não havia compreendido - por mais que sua
primeira esposa tivesse tentado explicar - que ninguém é merecedor da graça de Deus por
meio de obras. Bruce sabia de tudo isso. Sabia que a salvação é concedida pela graça
mediante a fé. Só que ele nunca pôs essa regra em prática, deixando-a para mais tarde.
O mais tarde se tornou logo. Sua família foi arrebatada, e ele, deixado para trás.
Ken apareceu no topo da escada que dava acesso ao porão e disse:
- O doutor e eu estávamos pensando se não seria melhor você ver o programa aqui. Ele
acha que é melhor deixar Hattie dormir um pouco.
- Claro - disse Rayford, levantando-se rapidamente. Antes de descer, tentou ligar mais
uma vez para Chloe e Buck, mas ninguém atendeu. Ele deixou o telefone em cima da
cadeira.
Assim que ele saiu da sala, Hattie o chamou.
- Você não vai deixar o telefone ligado, Rayford?
- Você não gostaria de dormir um pouco?
- Deixe o som baixo. Não vái me incomodar.
- Meu pessoal está andando por aí à procura de Jacov - disse Chaim em voz baixa quando
Leon Fortunato apareceu na tela, sorrindo de modo benevolente. - Se aconteceu alguma
coisa com ele, não sei...
54
Não creio que alguém possa fazer algum mal a ele, Chaim. Jacov passou a acreditar no
Messias e tem o selo na testa, o selo dos santos da tribulação, visível a todos os outros
crentes.
- Você está dizendo que é capaz de ver o selo e eu não?
- Foi o que eu disse.
- Conversa fiada. Que arrogância!
- O senhor consegue ver o selo na nossa testa? – perguntou Chloe.
- Bobagem! Você não tem selo nenhum – respondeu Chaim.
- Nós podemos ver o selo de nossos companheiros – disse Tsion. - Eu estou vendo
claramente o de Buck e o de Chloe.
Chaim fez um gesto de descrença, como se os três estivessem zombando dele. Em
seguida, Fortunato foi apresentado.
- É melhor eu tentar ligar para meu pai antes que Carpathia comece a falar - disse
Chloe. Ela se dirigiu apressada até o quarto e voltou com o telefone na mão, mostrando-o
a Buck. O visor mostrava que Rayford havia ligado quando eles estavam no quarto. Ela
discou para o número do pai.
Rayford pensou ter ouvido o telefone tocar no pavimento superior, mas achou que havia
se enganado, porque não houve uma segunda chamada. Olhando ao redor do porão, ele
se perguntava como um homem alto e magro como Ken Ritz conseguia viver em um lugar
pequeno, escuro e abafado como aquele. Aos poucos, Ritz estava ampliando o porão nas
horas vagas, preparando-se para o dia em que o Comando Tribulação inteiro passaria a
viver ali. Rayford não queria nem pensar nessa possibilidade.
Teria sido imaginação de Rayford, ou Fortunato estava com a aparência mais aprimorada?
Ele não notou a diferença quando o viu aparecer no estádio. Porém, naquela ocasião
Rayford tinha visto a transmissão na tela de seu laptop, que não mostrava uma imagem
tão nítida quanto a que ele via agora na TV de Ken, por ser gerada por satélite.
Geralmente, a imagem da TV não era muito generosa com homens robustos e de meiaidade,
mas Fortunato parecia mais magro, olhos mais brilhantes, mais saudável e mais
bem vestido que o normal.
"Senhoras e senhores da Comunidade Global", ele começou a dizer, olhando diretamente
para a câmera como se a lente fosse os olhos dos telespectadores (da mesma forma que
Carpathia costumava fazer), "até mesmo as melhores famílias têm seus maus momentos.
Desde que foi conduzido ao poder, contra sua vontade, há pouco mais de dois anos, Sua
Excelência, o potentado Carpathia, não tem medido esforços para unificar o mundo.
"Ao promover o desarmamento global e mudanças drásticas na antiga Organização das
Nações Unidas, hoje Comunidade Global, ele transformou o nosso planeta em um lugar
mais feliz onde se viver. Depois dos desaparecimentos que ocorreram no mundo inteiro, ele
trouxe paz e harmonia aos povos. Os percalços no meio do caminho foram conseqüência de
acontecimentos que estão fora de seu controle. A guerra trouxe pragas e mortes, mas Sua
Excelência quebrou rapidamente a espinha dorsal da resistência. Sofremos desastres
atmosféricos, desde terremotos e inundações marítimas até chuva de meteoros.
Acreditamos que todos esses fenômenos tenham sido causados por forças desconhecidas,
que também foram responsáveis pelos desaparecimentos.
"Ainda existem alguns focos de resistência ao progresso e às mudanças. Um dos mais
significativos movimentos nessa direção revelou sua verdadeira natureza no início desta
noite, diante dos olhos do mundo inteiro. Sua Excelência tem o poder e o direito de
retaliar com medidas extremas esta afronta à sua autoridade e à dignidade do cargo que
ocupa. Contudo, no espírito da nova sociedade que Sua Excelência construiu, ele tem
uma resposta alternativa e deseja participá-la aos senhores esta noite.
"Antes, porém, de passar-lhe a palavra, eu gostaria de compartilhar uma história pessoal
com os senhores. Não se trata de uma história ouvida de terceiros, nem de uma lenda ou
fantasia. Aconteceu comigo, e estou aqui para confirmar a veracidade de cada detalhe. Vou
contar-lhes a minha história porque ela está relacionada ao assunto que o potentado
55
abordará, tanto do ponto de vista espiritual como sobrenatural."
Fortunato contou ao mundo a história de sua ressurreição
por Carpathia, uma narrativa que Rayford ouvira muitas vezes. Fortunato concluiu:
"E agora, sem mais demora, passo a palavra ao potentado, a quem considero um deus,
Sua Excelência Nicolae Carpathia."
Chloe conversou em voz baixa ao telefone durante o eloqüente discurso de Fortunato para
apresentar Carpathia. Ela desligou no momento em que Leon perdeu o equilíbrio para dar
lugar a Carpathia e, ao mesmo tempo, curvar-se reverentemente diante dele.
- Hattie perdeu o bebê - ela disse com tristeza na voz.
- Você falou com seu pai?
- Hattie atendeu. Diante de tudo o que aconteceu, ela parecia estar razoavelmente lúcida.
De repente, Chloe começou a rir, fazendo com que Buck voltasse a olhar para a TV.
Quando tentou recuar para dar lugar a Carpathia e curvar-se, Fortunato tropeçou em um
fio de eletricidade. A câmera não mostrou, mas ele devia ter levado um tombo e rolado
pelo chão, chegando a chamar a atenção do imperturbável Carpathia, que ficou fora do
foco da câmera por alguns instantes.
Carpathia se recompôs rapidamente e exibiu um largo sorriso de generosidade e
condescendência.
"Concidadãos", ele começou a dizer, "tenho certeza de que, se os senhores não viram o
que aconteceu no início desta noite no estádio Teddy Kollek, em Jerusalém, já devem ter
tomado conhecimento dos fatos. Desejo expor em poucas palavras a minha visão quanto
àquele incidente e participar as providências que decidi tomar em relação a ele.
"Permitam-me fazer uma retrospectiva até o ponto em que aceitei, com relutância, o
cargo de secretário-geral da Organização das Nações Unidas, cargo este que nunca
almejei. Meu objetivo sempre foi ocupar uma posição na qual eu pudesse ser útil. Como
membro da assembléia legislativa do país onde nasci, a Romênia, colaborei durante
muitos anos com meus eleitores, defendendo seus argumentos - e os meus - em prol da
paz e do desarmamento. Minha ascensão à presidência de meu país foi uma surpresa
tanto para mim como para o mundo, sendo apenas sobrepujada pela minha elevação ao
cargo de secretário-geral - que teve como conseqüência o governo mundial que
desfrutamos hoje.
"Um dos pontos altos de minha administração é a tolerância. Só poderemos ser uma
verdadeira comunidade global se aceitarmos a divergência de idéias e fizermos dela uma
lei. A maioria dos senhores manifestou o desejo de que os muros fossem demolidos e que
as pessoas vivessem em união. Portanto, agora existe uma economia baseada em uma
moeda única, não há mais necessidade de passaportes, temos um governo único, e em
breve teremos uma língua única, um sistema de medidas único e uma religião única.
"Essa religião encerra o maravilhoso mistério de desenvolver em si mesma aquilo que, em
séculos passados, aparentemente se compunha de sistemas de crença intrinsecamente
contraditórios. As religiões que se consideravam como o único caminho verdadeiro para a
espiritualidade agora aceitam e toleram outras religiões com os mesmos preceitos. Tratase
de um enigma que provou ter dado certo, uma vez que todos os sistemas de crença
são verdadeiros para seus seguidores. Cada um dos senhores tem um caminho próprio,
assim como eu tenho o meu. Sob a união da Fé Mundial Enigma Babilônia, um nome
sabiamente
escolhido, todas as religiões do mundo provaram que podem viver em harmonia.
"Todas, menos uma. E os senhores sabem qual é. Trata-se de uma facção que diz ter
raízes no cristianismo histórico. Essa facção afirma que os desaparecimentos ocorridos há
dois anos e meio foram atos de Deus. Seus seguidores dizem que Jesus tocou a trombeta
e levou seu povo escolhido para o céu, deixando o restante de nós, os pecadores
perdidos, sofrendo aqui na terra.
"Eu não acredito que tal ideologia reflita o verdadeiro cristianismo, conforme foi ensinado
56
há séculos. Ouvi falar que essa maravilhosa religião apresenta um Deus de amor e um
homem que pregou a moralidade. Seu exemplo devia ser seguido a fim de que a pessoa
um dia alcançasse o céu, desde que estivesse continuamente procurando fazer o bem.
"Logo depois dos desaparecimentos que causaram um verdadeiro caos no mundo,
algumas pessoas começaram a procurar explicação em algumas passagens obscuras e
visivelmente alegóricas, simbólicas e figurativas da Bíblia cristã e visualizaram um cenário
que incluía este princípio totalmente distante da verdadeira igreja. Muitos líderes cristãos,
que hoje fazem parte da Fé Mundial Enigma Babilônia, dizem que essa teoria nunca foi
ensinada antes dos desaparecimentos, e, se tivesse sido, poucos estudiosos de renome a
teriam aceito. Outros tantos, que tinham opiniões diferentes sobre a maneira como Deus
daria um fim à vida de seus seguidores na terra, desapareceram.
"De um pequeno grupo de fundamentalistas, que acreditam ter continuado aqui na terra
porque não foram suficientemente bons para ser levados da primeira vez, surgiu uma
seita com alguma substância. A maioria dessa seita é composta de ex-judeus, que agora
chegaram à conclusão de
que Jesus é o Messias por quem aguardaram a vida inteira. Eles seguem um rabino
convertido chamado Tsion Ben-Judá. O Dr. Ben-Judá, conforme os senhores se recordam,
foi um erudito respeitável que, durante uma transmissão internacional de televisão,
renegou sua religião a ponto de ter de fugir de sua terra natal.
"Estou falando aos senhores esta noite do mesmo estúdio onde o Dr. Ben-Judá profanou o
legado de seus pais. Durante sua permanência no exílio, o rabino tem tentado fazer uma
lavagem cerebral em milhares de pessoas, com idéias megalomaníacas, as quais, no
desespero de encontrar algo a que pertencer, formaram uma igreja manipulada por ele.
Por meio de uma falsa psicologia que trata da moralidade, o Dr. Ben-Judá tem usado a
Internet em benefício próprio, tosquiando seu rebanho para ganhar milhões de dólares.
Ao longo do processo, ele inventou uma guerra "nós-contra-eles", na qual os senhores,
meus irmãos e irmãs, são "eles". Nessa charada, os "nós" se autodenominam crentes,
santos, selados ou coisas do gênero.
"Durante meses, tenho considerado esses entraves inofensivos à paz mundial, esses
rebeldes que se opõem à causa da religião única. Tenho sido aconselhado a reprimi-los,
mas sempre acreditei que é melhor ser tolerante. Embora o Dr. Ben-Judá esteja
continuamente desafiando nossa posição e tudo aquilo que prezamos, mantive a política
de viver e deixar viver. Quando ele convidou dezenas de milhares de seus convertidos
para se reunirem na mesma cidade que um dia o exilou, decidi passar por cima das
afrontas pessoais e permitir a realização do evento.
"Para demonstrar minha flexibilidade e diplomacia, cheguei a garantir publicamente a
segurança do Dr. Ben-Judá. Apesar de estar ciente de que a Comunidade Global e eu,
como seu
dirigente, fomos declarados inimigos dessa seita, acreditei que a atitude mais sensata a
ser tomada seria estimular esse encontro. Confesso que esperava, com tal gesto, que
esses zelotes enxergassem como estamos sendo transigentes e tolerantes e que um dia
optassem por juntar-se a nós para fazer parte da Fé Mundial Enigma Babilônia. Essa
atitude, porém, teria de partir deles. Eu não quis forçá-los.
"E qual foi a recompensa que recebi por meu gesto magnânimo? Fui convidado para a
festividade? Convidado para saudar as delegações? Convidado para dar as boas-vindas ou
estar presente em qualquer parte daquela encenação pomposa?
"Não. Por intermédio de canais diplomáticos particulares, tomei conhecimento da
promessa do Dr. Ben-Judá de que ele não faria restrições à minha presença nem proibiria
meu comparecimento. Viajei até Israel por conta própria, para não sobrecarregar a
Comunidade Global, e compareci ao estádio para proferir algumas palavras naquele
evento ao qual deram o nome de Encontro das Testemunhas.
"Meu supremo comandante recebeu um tratamento rude e silencioso, apesar de seu arroubo
e comportamento exemplar. O venerável sumo pontífice Peter Segundo, o supremo papa,
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também foi recebido de maneira hostil, a despeito de ser um sacerdote. Sem dúvida, os
senhores concordam comigo que aquela reação foi muito bem orquestrada e executada em
massa.
"Quando me dirigi à multidão, apesar do controle mental exercido por seu líder para que
todos não esboçassem nenhuma reação, percebi que eles desejavam minha presença ali.
Tive a nítida sensação - e um orador experiente desenvolve essa capacidade - de que a
multidão estava do meu lado, recebeu-me com simpatia e queria me acolher de maneira
calorosa, mas sentiu-se constrangida diante de seu líder.
"O Dr. Ben-Judá, sentado a poucos metros de mim e ostensivamente ignorando minha
presença, fez um sinal a alguém para que liberasse uma substância no ar, um pó ou
poeira invisível, que imediatamente secou minha garganta, provocando uma sede terrível.
"Eu devia ter suspeitado quando uma pessoa da multidão imediatamente me ofereceu
uma garrafa de água. Porém, como sou um homem de bem, acostumado a receber o
mesmo tratamento que dispenso aos outros, entendi que um desconhecido tinha vindo
em meu socorro.
"Qual não foi minha decepção ao ver que caí na cilada de uma garrafa contendo sangue
contaminado! Foi uma evidente tentativa de assassinato em público, para a qual exigi
explicações ao Dr. Ben-Judá no ato. Por ser um pacifista não habituado a hostilidades,
deixei o problema nas mãos dele. Ele infiltrou na multidão os dois anciãos lunáticos do
Muro das Lamentações que tanto têm ofendido os judeus na Terra Santa e que já
mataram várias pessoas que tentaram debater com eles. Usando microfones ocultos, bem
mais possantes do que aquele que eu estava usando, eles me ameaçaram aos gritos e
transformaram meu humilde ato de diplomacia em um completo fracasso.
"Fui retirado às pressas para receber atendimento médico, e fiquei sabendo que, se
tivesse engolido o líquido que me ofereceram, teria morrido instantaneamente. Não há
necessidade de mencionar que aquele foi um ato de alta traição, passível de ser punido
com a morte. No entanto, tenho algo mais a dizer. Meu desejo é que possamos nos unir
em um espírito de paz e harmonia. Estas palavras, que, segundo consta, fazem parte da
Bíblia, partiram de mim: 'Vinde, pois, e arrazoemos.'
"Não tenho dúvida nenhuma de que todo aquele terrível
incidente foi maquinado e posto em prática pelo Dr. Ben-Judá. Porém, por eu ser um
homem de palavra e carecer de provas para incriminá-lo por tentativa de homicídio,
planejo dar autorização para que as duas próximas reuniões tenham continuidade. Minha
promessa de segurança e proteção será mantida.
"O Dr. Ben-Judá, contudo, será novamente exilado de Israel no prazo de 24 horas após o
encerramento da reunião de amanhã. As autoridades israelenses estão insistindo nesse
exílio, e eu peço ao Dr. Ben-Judá que não crie problemas, se quiser beneficiar-se da
segurança que estou lhe proporcionando.
"Esta advertência pública também serve para os outros dois que se autodenominam Eli e
Moisés. Nas próximas 48 horas, eles ficarão restritos à área perto do Muro das
Lamentações, onde se instalaram há muito tempo. Eles não poderão sair daquele local em
hipótese alguma. Após o término das reuniões no estádio, Eli e Moisés devem deixar
imediatamente a área do Monte do Templo. Se, após o prazo de 48 horas, eles forem
vistos fora da área restrita ou rondando o Monte do Templo, meu pessoal recebeu ordens
para atirar neles sem pestanejar.
"Algumas testemunhas oculares afirmaram que as mortes por eles cometidas foram, de
certa forma, em defesa própria. Rejeito essa explicação e estou exercendo minha
autoridade como potentado para privá-los de um julgamento. Portanto, quero deixar bem
claro: se, nas próximas 48 horas, eles aparecerem fora do local determinado ou
mostrarem seus rostos em público, em qualquer lugar do mundo, serão mortos no ato.
Qualquer funcionário da Comunidade Global ou cidadão comum está autorizado a atirar
para matá-los.
"Sei que os senhores concordarão comigo que estou sendo muito generoso diante do
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atentado que sofri, e minha
autorização para o prosseguimento das reuniões prova que tenho um espírito
condescendente.
"Muito obrigado, meus amigos, e desejo, daqui de Israel, uma boa noite a todos."
Rayford olhou para Ken Ritz ao vê-lo aprumar-se na cadeira e dar um tapa na própria
coxa.
Não sei o que vocês pensam - Ritz disse -, mas tenho de fazer alguma coisa. Em primeiro
lugar, preciso descobrir como podemos conseguir uma parte daquele dinheiro que o
rabino tem recebido de seu rebanho. Todos nós estamos desempregados e vamos precisar
de um pouco de dinheiro.
- Você tem um minuto, Ray? - perguntou Floyd, levantando-se.
- Claro.
Eles subiram a escada, e Floyd debruçou-se sobre a cama de Hattie, que continuava
dormindo.
- Agora ela parece estar bem - ele disse -, mas você pode imaginar uma depressão pósparto
depois de tudo o que ela sofreu?
- Você acha que isso é possível, mesmo após um aborto?
- Se você pensar bem, faz mais sentido ter esse tipo de depressão após um aborto.
Rayford desligou a TV e acompanhou Floyd até a varanda. Ambos esquadrinharam o
horizonte e prestaram atenção antes de iniciarem a conversa. Rayford desenvolvera esse
hábito desde que passara a morar naquela casa. Na sede da Comunidade Global, era
importante saber com quem se podia conversar. Fora de lá, era mais importante ainda
saber se não havia espiões por perto.
- Eu queria contar-lhe um problema pessoal, Rayford, apesar de conhecê-lo há tão pouco
tempo.
- Amizades, relacionamentos, tudo tem de ser muito bem estudado nos dias de hoje -
disse Rayford. - É provável que você e eu tenhamos de viver juntos pelo resto da vida,
mas esse período durará menos de cinco anos. Se você tem alguma coisa guardada no
peito, é melhor desabafar. Se quiser me criticar, vá em frente. Vou entender. Não preciso
dizer que minhas prioridades mudaram muito.
- Ah, não, não se trata de nada disso. Só acho que você tem o direito de me repreender
depois do que fiz hoje.
- Por ter gritado comigo no auge da aflição? Ei, eu também tive um pouco de culpa. Em
situações de emergência como aquela, você é quem deve dar as ordens. Você tem de
gritar
com quem achar que deve.
- É verdade, mas, apesar de saber que Tsion é uma espécie de pastor de nosso grupo,
acho que você é o líder. Quero que saiba que compreendo e respeito sua posição.
- Não temos mais tempo para hierarquias, doutor. Vamos, me conte o que está havendo.
- Tenho um problema com Hattie.
- Todos nós temos, Floyd. Ela foi uma moça atraente, inteligente. Isto é, mais atraente
que inteligente, mas você a conheceu no pior momento possível. Acho que ela vai sair
dessa. Dentro de algumas semanas, você vai passar a gostar mais dela.
- Fiquei sabendo que você e ela trabalharam juntos e que, apesar de nunca terem tido
um caso...
- Ah, sim, está bem. Não me orgulho do que fiz, mas tenho de admitir que essa história é
verdadeira.
- De qualquer forma, não é sobre o comportamento dela que quero falar. Estou comovido
ao ver como todos vocês se preocupam com ela e desejam que ela se converta.
Rayford deu um longo suspiro.
- Essa história de Hattie acreditar, mas se recusar a aceitar a verdade, tem me deixado
confuso. Eu até vejo uma certa lógica nisso. Ela não é uma pessoa que precisa ser
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convencida de que é indigna da misericórdia de Deus, não
é verdade?
- Ela se considera tão pecadora que se recusa a aceitar a gratuidade da salvação.
- Então, qual é o seu problema, doutor? Você acha que ela está perdida espiritualmente?
Floyd balançou a cabeça.
- Eu gostaria que fosse tão fácil assim. Meu problema não faz nenhum sentido. Você
mesmo disse que essa moça deixou de ser atraente. É claro que ela deve ter sido
deslumbrante antes de cair neste estado. Mas o veneno fez efeito, e a enfermidade está
progredindo. Ela diz coisas sem nexo e está arrasada espiritualmente.
- Então, você está querendo se desvencilhar dela e se sente culpado por isso?
Floyd virou as costas para Rayford.
- Não, senhor. Eu quero amar essa moça. Eu a amo. Quero segurá-la nos braços, beijála
e dizer-lhe que a amo. - A voz de Floyd começou a ficar trêmula. - Passei a me
preocupar tanto com ela que estou convencido de que meu amor poderá curá-la. Tanto
física como espiritualmente. - Ele voltou a encarar Rayford. - Você não esperava por essa,
não é mesmo?
Depois que Buck e Chloe se deitaram, ele perguntou:
- Você seria capaz de dormir se eu saísse por alguns instantes?
- Sair? - ela disse, sentando-se na cama. - É muito perigoso.
- Neste instante, Carpathia está muito concentrado em Eli e Moisés para se preocupar
conosco. Quero ver se descubro o paradeiro de Jacov. E quero ver como as testemunhas
vão reagir depois das ameaças de Nicolae.
- Você sabe o que eles vão fazer - ela disse, voltando a deitar-se. - Vão fazer o que
quiserem até o tempo determinado, e ai daquele que tentar matá-los antes disso só para
cair nas graças do potentado.
- É que eu gostaria...
- Faça-me um favor, Buck. Prometa-me que não vai sair desta casa enquanto eu não
adormecer. Assim, só vou me preocupar amanhã cedo, se você não estiver aqui quando
eu acordar.
Buck vestiu-se e foi ver se Tsion ainda estava acordado. Tsion já se recolhera, e
Rosenzweig estava falando ao telefone.
- Leon, insisto em falar com Nicolae... Sim, conheço tudo sobre a hierarquia de vocês.
Só quero que você se lembre que Nicolae é meu amigo desde muito tempo antes de
tornar-se Sua Excelência, potentado ou outro título qualquer. Por favor, coloque-o na
linha... Bem, então me diga o que aconteceu com meu motorista!
Rosenzweig notou a presença de Buck, acenou para que ele se sentasse e acionou o
sistema viva-voz. Leon estava dizendo o seguinte:
- Nosso serviço secreto nos contou que seu motorista virou a casaca.
- Virou o quê? Ele deixou de ser judeu? Deixou de ser israelense? Não trabalha mais para
mim? Do que você está falando? Ele trabalha para mim há anos. Se você sabe onde ele
está, diga-me qual é o lugar, e irei atrás dele.
- Dr. Rosenzweig, com todo o respeito que o senhor merece, estou dizendo que seu
motorista passou para o lado deles. Queríamos que os guardas da CG escoltassem o
rabino Ben-Judá até o veículo conduzido por Jacov, mas ele saiu correndo do estádio
disparando uma arma poderosa. Quem pode saber quantos policiais e quantos civis
morreram?
Eu sei. Nenhum. Se alguém tivesse morrido, a notícia já teria se espalhado. Eu ouvi a
mesma história. Seus guardas perseguiram Ben-Judá para vingar-se do constrangimento
sofrido por Nicolae e teriam feito, sabe-se lá o que, se ele não tivesse fugido por conta
própria.
- Ele não fugiu por conta própria. Estava com a mulher de Buck Williams, que provou ser
uma norte- americana subversiva, fugitiva de uma de nossas instalações de Minnesota,
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onde estava detida para ser interrogada. - Rosenzweig olhou de relance para Buck, que
balançava a cabeça lentamente como se estivesse imaginando de onde se originara essa
história. Fortunato prosseguiu. - Ela também é suspeita de ter promovido saques após o
terremoto.
- Leon, Jacov está vivo? - Houve uma pausa, e Rosenzweig prosseguiu, irado. - Eu juro,
Leon, que se aconteceu alguma coisa àquele moço...
- Não aconteceu nada com ele, doutor. Estou tentando fazer o senhor dirigir-se a mim da
maneira apropriada.
- Oh! pelo amor de Deus, Leon, você não entende que existem coisas mais importantes
para nos preocuparmos agora? Há vidas humanas em jogo!
- Supremo comandante, Dr. Rosenzweig.
- Supremo idiota! - esbravejou Rosenzweig. - Estou saindo para procurar Jacov, e, se você
tiver alguma informação que me ajude a encontrá-lo, é melhor falar agora!
-Eu não preciso ser tratado dessa maneira, senhor. E Leon desligou.
61
SETE
Rayford passou o braço ao redor do ombro de Floyd enquanto voltavam a entrar na casa.
- Não sou nenhum conselheiro em assuntos do coração - disse Rayford -, mas você tem
razão quando diz que essa história não faz sentido. Ela não é crente. Você tem idade
suficiente para saber a diferença entre piedade e amor e entre comiseração por uma
paciente e amor. Você mal a conhece, e o que sabe sobre ela não é nada agradável. Não é
necessário ser um cientista para saber que existe algo mais por trás disso. Você está
sozinho? Perdeu a esposa no Arrebatamento?
-Sim.
-Então me fale sobre ela.
BUCK deu uma olhada em Chloe antes de sair com Chaim. Ela parecia estar dormindo
profundamente.
- Você se importaria de dirigir o carro? - perguntou Chaim.- Faz muito tempo que não
posso dirigir.
- Não pode?
Chaim sorriu, com ar de cansaço.
- Assim que alguém se torna, como direi, uma personalidade neste país, principalmente
nesta cidade, essa pessoa passa a receber tratamento de nobreza. Não posso ir a lugar
nenhum sem escolta. Eu ainda não era famoso quando você escreveu uma matéria de
capa a meu respeito.
- Mas você era conhecido e respeitado.
Chaim perguntou a Jonas, o segurança que vigiava o portão da casa, se ele tinha alguma
notícia de Jacov.
- Stefan? - Buck ouviu Chaim dizer, seguindo-se algumas palavras apressadas em
hebraico, proferidas em tom de frustração.
Chaim conduziu Buck até os fundos da garagem. Buck sentou-se ao volante de um seda
antigo.
- Não quero que ninguém saiba aonde estou indo. O Mercedes é muito conhecido. Você
sabe dirigir carro com câmbio manual, não?
Buck puxou o afogador e lembrou-se rapidamente das posições do câmbio manual. Sua
preocupação maior era com o estado precário dos pneus.
- Você sabe para onde vamos?
- Sim, acho que sei - disse Chaim. - Jacov é alcoólatra. Buck olhou para Chaim, com ar de
espanto.
- Você tem um motorista alcoólatra?
- Ele não bebe mais. Está em fase de recuperação, conforme se diz. Mas, em momentos
críticos, ele volta a beber.
- Cai da diligência?
- Não conheço essa expressão.
- É uma expressão antiga usada pelos norte-americanos. No início do século 20, a União
Antialcoólica das Mulheres Cristãs entrava com a Diligência Antialcoólica nas cidades, falando
dos efeitos nocivos do álcool e conclamando os beberrões a abandonarem o vício e entrar
na diligência. Quando um deles voltava a beber, dizia-se que ele caíra da diligência.
- Estou com receio de que o mesmo tenha acontecido agora - disse Chaim, indicando a
esquina onde Buck deveria virar. Quando eles entraram em bairros menores, com casas e
prédios muito próximos uns dos outros, Buck começou a notar coisas que não tinha visto no
trajeto entre a casa de Chaim e o estádio. Jerusalém tinha uma aparência desoladora.
Como ele gostou daquela cidade quando a visitou alguns anos antes! Havia áreas
destruídas, mas, no geral, ela fora motivo de orgulho para seus moradores. A partir dos
desaparecimentos, começaram a surgir certos tipos de crimes e atividades lascivas em
62
público que ele nunca esperara ver naquela cidade, tais como bêbados caminhando com
passos trôpegos pelas ruas, alguns de braços dados com mulheres de vida noturna.
Quando chegou mais perto do centro da cidade, Buck avistou casas de strip-tease, salões de
tatuagem, lojas de quiromancia e estabelecimentos de baixa categoria.
-O que houve com sua cidade? - perguntou Buck.
Chaim resmungou alguma coisa e fez um gesto de pouco caso.
- Este é um dos assuntos que eu adoraria discutir com Nicolae. Que desperdício gastar
todo aquele dinheiro com o novo templo e mudar a Cúpula da Rocha para a Nova
Babilônia! Droga! E esse tal de Peter Mathews usando trajes grotescos e acolhendo os
judeus ortodoxos na Fé Mundial Enigma Babilônia! Eu, que não sou um homem religioso,
considero isso tudo uma grande asneira. Aonde eles querem chegar? Ao longo dos
séculos, os judeus têm reiterado que adoram um único Deus. Como podem acreditar em
uma religião que aceita Deus como sendo um homem, uma mulher, um animal e outras
coisas mais? E você está vendo o efeito de tudo isso em Jerusalém. Haifa e Tel-Aviv estão
em pior situação! Os ortodoxos estão trancados em seu novo templo reluzente, trucidando
animais e voltando aos tempos dos sacrifícios de séculos atrás! E que benefícios trouxeram
a esta sociedade? Nenhum! Nicolae diz ser meu amigo. Se ele me receber, vou informá-lo
sobre estas coisas, e a situação vai mudar.
- Quando meu Jacov - um homem maravilhoso e esperto, diga-se de passagem - cai da
diligência, conforme você diz, volta a freqüentar a mesma rua, o mesmo bar, sempre nas
mesmas condições.
- Essa recaída costuma ser freqüente?
- Duas vezes por ano, no máximo. Eu costumo repreendê-lo, ameaçá-lo. Cheguei até a
despedi-lo. Mas Jacov sabe o quanto me preocupo com ele. Jacov e sua esposa,
Hannelore, ainda choram a perda de dois filhos pequenos por ocasião dos
desaparecimentos.
Buck ficou estarrecido ao se dar conta de que forçara Jacov a converter-se sem sequer
conhecê-lo. Agora, só esperava que Chaim estivesse enganado a respeito de Jacov e que
ele não fosse encontrado no local onde Chaim imaginava.
Chaim mostrou a Buck uma vaga para estacionar no meio de uma fila de carros e vans em
uma rua apinhada de gente. Já passava da meia-noite, e Buck foi surpreendido por uma
sensação de fadiga.
- O Harém? - ele perguntou após ver o letreiro. - Você tem certeza de que aqui é apenas
um bar?
- Tenho certeza de que não é, Cameron – respondeu Rosenzweig. - Não quero nem
pensar no que se passa ali dentro. Nunca entrei neste lugar. Geralmente espero aqui
enquanto meu segurança entra e tira Jacov de lá.
- É por esse motivo que estou aqui?
- Eu não pediria que você fizesse isto. Mas você vai precisar me ajudar, caso ele ofereça
resistência. Não sou páreo para ele. Ele não vai me machucar, mesmo se estiver bêbado,
mas um homem franzino e idoso não tem condições de arrastar um jovem teimoso para
um lugar que ele não queira ir.
Buck estacionou o carro e começou a raciocinar.
- Estou achando que você está enganado, Chaim. Estou achando que Jacov não está
aqui.
Chaim sorriu.
- Você acha que só porque ele se converteu não ia embebedar-se depois de ser perseguido
a tiros? Você é muito ingênuo para um jornalista internacional, meu amigo. Sua nova fé
toldou seu senso de julgamento.
- Espero que não.
- Você está vendo aquele caminhão verde ali, aquele velho Ford inglês? - Buck assentiu
com a cabeça. - O caminhão pertence a Stefan, um de meus criados. Ele mora entre este
local e o estádio Teddy Kollek e é companheiro de bebida de Jacov. Stefan não agüenta
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tanta bebida quanto Jacov. Bebe até o limite, como costumamos dizer. Stefan estava de
folga hoje, mas, se eu gostasse de apostar, diria que Jacov correu até ele enquanto tentava
fugir dos guardas da Comunidade Global. Por estar abalado e assustado demais, com
certeza ele permitiu que Stefan o levasse a seu lugar preferido. Não posso fazer esta
acusação a Jacov, mas preciso protegê-lo. Não quero que ele faça um espetáculo em
público, principalmente se estiver fugindo dos guardas da CG.
- Eu não gostaria que ele estivesse aqui, Dr. Rosenzweig.
- Nem eu, mas não sou um jovem que fica admirando estrelas. A sabedoria chega com a
idade, Cameron, mas às vezes ela não tem muita serventia. Aprendi muitas coisas das
quais não consigo me lembrar. Tenho alguns "momentos de grande lucidez", conforme
costumo dizer, nos quais me lembro de detalhes de algo que aconteceu 60 anos atrás,
mas não consigo lembrar que já contei a mesma história meia hora antes.
- Eu ainda não cheguei aos 33 anos, e também tenho meus lapsos de memória.
- Como é mesmo o seu nome? - perguntou Chaim, sorrindo.
- É melhor procurarmos Jacov - disse Buck. - Afirmo que ele não está aqui, mesmo que
Stefan esteja.
- Eu espero que Jacov esteja - disse Chaim. - Se ele não estiver, significa que está
perdido, preso ou coisa pior.
A história do Dr. Floyd Charles era muito semelhante à de
Rayford. Floyd também teve uma esposa que levava sua religião a sério, ao passo que ele,
um profissional respeitado, aceitava, mas não se envolvia.
- Acho que você freqüentava a igreja regularmente – disse Rayford, lembrando-se da
própria experiência -, mas não era tão atuante quanto sua esposa.
- Exatamente - confirmou Charles. - Ela sempre me dizia que minhas boas obras não me
levariam para o céu e que, se Jesus voltasse antes que eu morresse, seria deixado para
trás.
- Ele balançou a cabeça. - Eu ouvia sem prestar atenção, você entende o que estou
dizendo?
- Sua história é igual à minha, irmão. Você também perdeu filhos?
- Não no Arrebatamento. Minha esposa abortou um, e perdemos uma filha de cinco anos
em um acidente de ônibus em seu primeiro dia de aula. - Floyd parou de falar.
- Lamento muito - disse Rayford.
- Foi terrível. - Floyd tinha a voz embargada. - Gigi e eu a vimos na esquina aquela
manhã, e LaDonna estava muito feliz. Pensávamos que ela ficaria temerosa ou assustada
– na verdade, até esperávamos por isso. Mas ela não via a hora de ir para a escola com
seu uniforme novo, sua lancheira e outros apetrechos. Gigi e eu estávamos ansiosos,
nervosos por causa dela, assustados. Quando a vi dentro daquele ônibus grande, antigo
e impessoal, tive a sensação de estar mandando minha filha enfrentar leões. Gigi disse
que devíamos confiar em que Deus cuidaria dela. Uma hora e meia depois, recebemos a
notícia. Rayford limitou-se a balançar a cabeça.
-Tornei-me um homem amargo - prosseguiu Floyd. - Afastei-me de Deus. Gigi sofreu,
chorou tanto que quase me fez morrer de desgosto. Mas ela não perdeu a fé. Orava por
LaDonna, pedia que Deus cuidasse dela, essas coisas.
Nosso casamento começou a balançar. Separamo-nos por uns tempos - a decisão foi
minha, não dela. Eu não suportava vê-la sofrer tanto e, mesmo assim, fazer o jogo da
igreja. Ela dizia que não se tratava de um jogo e que, se eu quisesse voltar a ver
LaDonna, teria de me aproximar de Jesus. Eu me aproximei de Jesus. Contei-lhe o que eu
pensava e questionei por que Ele permitiu que aquilo acontecesse à minha filhinha. Sentime
desprezível por muito tempo.
Eles estavam sentados à mesa da cozinha, de onde Rayford podia ouvir a respiração firme
e ritmada de Hattie.
- Você sabe o que me convenceu? - disse Floyd repentinamente.
- Além do Arrebatamento, é o que você quer dizer? - perguntou Rayford. - Aquilo chamou
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minha atenção.
- Eu me convenci antes do Arrebatamento. Só que nunca acionei o gatilho, você está me
entendendo?
Rayford assentiu com a cabeça.
- Você sabia que sua esposa estava certa, mas não contou isso a Deus?
- Exatamente. Mas o que me convenceu foi Gigi. Apesar de tudo, ela nunca deixou de me
amar. Fui um patife, homem.Mesquinho, vil, egoísta, grosseiro, ignóbil. Ela sabia que eu
estava angustiado, sofrendo. A luz de minha vida não existia mais. Eu amava tanto
LaDonna que meu coração parecia estar estraçalhado. Porém, quando eu estava tentando
esquecer meu sofrimento, trabalhando horas a fio e sendoum homem intratável perante
meus colegas e outras pessoas, Gigi sabia o momento certo de ligar para mim ou
escrever-me um bilhete. O tempo todo, Rayford, o tempo todo mesmo, ela me fazia
lembrar que me amava, que se preocupava comigo, que me queria de volta e que estava
pronta para fazer qualquer coisa para facilitar minha vida.
- Que maravilha!
- Você usou a expressão certa. Ela estava sofrendo tanto quanto eu, mas me convidava
para jantar, preparava refeições para mim, lavava minha roupa e limpava meu
apartamento, apesar de trabalhar fora também. - Ele deu uma risadinha. - Ela conseguiu
fazer de mim um homem humilde.
- E ela o ganhou de volta?
- Claro que sim. Chegou a livrar-me um pouco do sofrimento. Levou um pouco de tempo,
alguns anos, mas me tornei uma pessoa mais feliz, mais produtiva. Eu sabia que era
Deus quem a ajudava a fazer isso. Mas continuava pensando que, se houvesse essa
história de céu e inferno, Deus teria de ser bondoso comigo porque eu estava ajudando
as pessoas diariamente. Eu até sabia por quê. Eu adorava chamar a atenção, mas
ajudava a todos. Fazia o melhor que podia, quer o paciente fosse um pobre coitado ou
um milionário. Para mim, não fazia diferença. Qualquer um que precisasse de cuidados
médicos, recebia o melhor de mim.
- Bom para você.
- Ah! sim, bom para mim. Mas você e eu sabemos o que aconteceu quando Jesus voltou.
Fomos deixados para trás.
Floyd foi examinar Hattie. Rayford pegou dois refrigerantes na geladeira.
- Não quero atrapalhar os planos de um velho amigo - disse Rayford -, mas sugiro que
você pense bem no tipo de mulher que sua esposa foi antes de pensar em Hattie como
sua substituta.
Floyd mordeu os lábios e concordou com a cabeça.
- Não estou dizendo que Hattie não possa vir a ser esse tipo de pessoa - complementou
Rayford.
- Eu sei. Mas não há evidências de que ela queira ser.
- Sabe o que vou fazer? - disse Rayford levantando-se. - Vou ligar para minha filha e
dizer-lhe que a amo.
Floyd olhou para seu relógio.
- Você sabe que horas são no lugar em que ela está?
- Eu não me importo. E ela também não vai se importar.
Quando se aproximaram do "Harém", Buck e Chaim receberam olhares curiosos tanto de
homens como de mulheres. O local era muito maior por dentro do que parecia quando
visto de fora. Várias salas repletas de gente -dançando ou trocando beijos ardentes -
davam passagem para o bar principal, onde algumas mulheres dançavam e outras
pessoas comiam e bebiam.
-Que lugar horrível! - disse Rosenzweig. – Exatamente como pensei.
Enquanto os dois tentavam abrir caminho, Buck olhava por todos os lados à procura de
Jacov e desviava os olhos todas as vezes que alguém o encarava como se estivesse
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perguntando: "O que você está procurando aqui?" Alguns casais eram de pessoas do
mesmo sexo. Esta não era a nação de Israel da qual ele se lembrava. A fumaça era tão
densa que fazia mal aos pulmões até mesmo daqueles que não fumavam.
Chaim parou de repente, e Buck colidiu com ele.
- Oh! Stefan - ralhou Rosenzweig.
Buck virou-se a tempo de ver um moço com um copo de bebida aguada na mão. Seus
cabelos escuros estavam úmidos e emaranhados, e ele ria histericamente. Buck orou para
que o moço estivesse sozinho.
- Jacov está com você? - perguntou Rosenzweig asperamente. Stefan, assustado no meio
daquele vozerio, mal conseguiu recuperar a fala. Ele curvou-se para a frente e tossiu,
espirrando um pouco de bebida na calça de Rosenzweig.
- Stefan! Onde está Jacov?
- Comigo ele não está! - gritou Stefan, endireitando o corpo e rindo mais alto ainda. - Mas
ele está bem!
Buck sentiu um aperto no peito. Ele sabia que Jacov tinha sido sincero em sua conversão,
e Deus a comprovara com o selo em sua testa. Como Jacov podia profanar sua salvação
desta maneira? Será que sua hostilidade em relação aos guardas da CG tinha sido mais
repulsiva do que Buck podia imaginar?
Onde? - perguntou Rosenzweig, visivelmente contrariado.
Lá! - Stefan apontou com o copo, rindo e tossindo o tempo todo. - Ele está em cima de
uma mesa aproveitando seus minutos de glória! Agora preciso terminar esta bebida antes
que eu provoque um acidente aqui! - Ele cambaleou e riu tão alto que algumas lágrimas
escorreram por seu rosto.
Chaim, com ar emocionado, esticou o pescoço para enxergar a sala principal, de onde se
ouvia uma música estridente em meio a um pisca-pisca alucinante de luzes coloridas.
-Oh, não! - Chaim lamentou, virando-se para Buck. - Ele está completamente bêbado.
Este moço tímido, que mal olha para o rosto de uma pessoa quando a cumprimenta, está
dando um espetáculo na frente de todo mundo! Não posso suportar. Vou pegar o carro.
Será que você poderia forçá-lo a descer daquela mesa e arrastá-lo para fora? Você é maior
e mais do forte que ele. Por favor.
Buck não sabia o que dizer. Ele nunca tinha sido segurança. Apesar de ter gostado da
vida noturna, nunca apreciou bares barulhentos, principalmente como aquele. Ele passou
à frente de Chaim, que saiu apressado dali. Abrindo caminho por entre grupos de bêbados
e devassos, ele conseguiu avistar algumas pessoas cuja atenção estava voltada para um
jovem israelense maluco, que se equilibrava em cima de uma mesa. Esse jovem era
Jacov.
Rayford desceu apressado até o porão e encontrou Ken com o telescópio de Donny Moore
no colo e seu microscópio na escrivaninha. Ken estava lendo as revistas técnicas de
Donny.
- O rapaz era um gênio, Ray. Estou aprendendo um monte de coisas que vão nos ajudar.
Se você passar este material para seu amigo piloto e para aquele técnico que trabalha
lá dentro, os dois poderão nos avisar quando o pessoal de Carpathia descobrir quem eles
são e todos nós estivermos lutando para sobreviver. O que posso fazer por você?
Quero ir com você a Israel na sexta-feira.
Você acabou de fugir de lá. Não foi o seu amigo Mac quem disse que você ia morrer se não
tivesse fugido?
Eu não gosto de viver fugindo. Não posso me esconder de Carpathia pelo resto da vida,
por mais curta que ela seja.
Que aconteceu a você, Ray?
Acabei de falar com Chloe. Estou pressentindo problemas. Nicolae não vai deixar que eles
saiam vivos de Israel de jeito nenhum. Temos de ir ao encontro deles.
Pode contar comigo. Como vamos fazer?
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Buck resolveu abrir caminho à força, sem pedir licença. As pessoas proferiam palavrões
enquanto ele se acotovelava no meio delas. Finalmente, chegou a uma distância de onde
conseguia ouvir Jacov, mas ele estava falando em hebraico, e Buck não entendia nada.
Bem, quase nada. Jacov gritava e gesticulava, tentando atrair a atenção de todos.
Os freqüentadores do bar riam dele e o ridicularizavam, assobiando e atirando tocos de
cigarro em sua direção. Duas mulheres entornaram bebidas nas roupas dele.
Jacov tinha o rosto vermelho e parecia eufórico, mas não estava bebendo, pelo menos
naquele momento. Buck identificou a palavra Yeshua, que significa Jesus em hebraico. E
Hamashiach, que significa Messias.
O que ele está dizendo? - Buck perguntou a um dos homens por perto. O homem bêbado
olhou para ele como se tivesse visto um ser de outro planeta. - Você fala inglês? - insistiu
Buck.
Que os ingleses morram! - gritou o homem. - E os norte- americanos também!
Buck virou-se para os outros.
Inglês? - ele perguntou. - Alguém fala inglês?
Eu falo - disse a garçonete, que carregava uma bandeja contendo vários copos vazios. -
Aprendi rápido.
-O que ele está dizendo? Ela olhou para Jacov.
- Ele? A mesma coisa que vem dizendo a noite inteira. "Jesus é o Messias. Eu sei. Ele me
salvou." Um monte de asneiras. O que mais posso dizer? O patrão já deveria ter colocado
este homem para fora, mas ele está divertindo os fregueses.
Jacov fazia mais do que divertir os fregueses. Seu objetivo era puro, mas não estava
surtindo efeito. Buck aproximou-se e agarrou-lhe o calcanhar. Jacov olhou para baixo.
Buck! Meu amigo e irmão! Este homem vai contar tudo a vocês! Ele estava lá! Viu a água
transformar-se em sangue e vice-versa! Buck, suba aqui!
Vamos embora, Jacov - disse Buck, balançando a cabeça negativamente. - Não vou subir
aí! Ninguém está prestando atenção! Vamos! Rosenzweig está esperando!
Ele está aqui? - indagou Jacov, com ar de espanto. - Aqui? Peça a ele que entre!
Ele esteve aqui dentro. Agora, vamos.
Jacov desceu da mesa e acompanhou Buck para fora do estabelecimento, aceitando tapas
nas costas e aplausos dos fregueses. Os dois já estavam perto da porta quando Jacov
avistou Stefan caminhando na direção oposta.
Espere! - ele gritou para Buck. - Meu amigo está ali! Preciso dizer a ele que estou indo
embora.
Logo ele vai saber - disse Buck, conduzindo Jacov para a porta.
Quando eles chegaram ao carro, Rosenzweig olhou firme para Jacov.
Eu não bebi nada, doutor - ele justificou. - Nem uma gota!
Oh! Jacov - disse Rosenzweig enquanto Buck afastava-se do meio-fio. - Você está
cheirando a bebida. Eu vi você em cima da mesa.
O senhor pode cheirar meu bafo! - ele disse, inclinando-se para a frente.
Eu não quero cheirar seu hálito!
Pode cheirar! Vamos! Vou provar que não bebi! – Jacov exalou ar perto de Rosenzweig, o
qual fez uma careta e virou o rosto para o outro lado.
Rosenzweig olhou para Buck.
Ele comeu alho hoje, mas não está cheirando a álcool.
Claro que não! - protestou Jacov. - Eu estava pregando! Deus me deu esta coragem! Sou
uma das 144.000 testemunhas, conforme o rabino Ben-Judá diz! Vou ser um evangelista a
serviço de Deus!
Chaim afundou-se no banco do carro e levantou as duas mãos.
- Eu gostaria que você estivesse bêbado.
67
Depois de ouvir o que se passara por trás dos bastidores em Israel, Ken concordou que
Carpathia seria capaz de engendrar "alguma tragédia fora de seu controle, algo que ele
pudesse jogar a culpa em outra pessoa, mas, seja lá como for, as pessoas de quem
gostamos vão morrer".
- Eu não quero agir com imprudência, Ken - disse Rayford.- Mas também não vou ficar
escondido aqui esperando que eles saiam de lá.
- Já trabalhei várias vezes como piloto para seu genro desde os desaparecimentos, e você
vai ter de ser um pouco mais imprudente do que aquele rapaz. Vamos ter de contatar
aquele seu co-piloto. Posso ensinar você a pilotar o Gulfstream, mas ninguém é capaz de
descer com ele se não houver uma pista lá embaixo.
- Isto significa o quê?
- Que você vai ter de inventar uma forma de tirá-los rapidamente de lá, certo? Talvez da
propriedade desse Rosen-não-sei-o-quê.
- É verdade. Vou sugerir a Tsíon que divulgue algum plano para sábado, algo que
Carpathia acredite que não poderia perder por nada. Assim, poderemos chegar lá após a
meianoite
de sexta-feira e resgatar nosso pessoal.
- Se eles não puderem se encontrar conosco perto do aeroporto, teremos de descer para
pegá-los. Significa que vamos precisar de um helicóptero.
- Não poderíamos alugar um? Eu poderia pedir a David Hassid, nosso amigo que trabalha
na CG, que providenciasse um e o deixasse à nossa espera no aeroporto de Jerusalém ou
no Ben Gurion.
- Ótimo, mas vamos precisar de dois pilotos. E McCullum não poderá nos ajudar.
- E eu, para que sirvo? Por acaso sou um zero à esquerda? Ken deu um tapa na testa.
- Como eu sou idiota! - ele disse. - Você aprendeu a pilotar helicópteros, não?
- Mac me deu algumas aulas. Eu poderei pousar perto do local onde eles estão e
transportá-los até o aeroporto, certo?
- É melhor você conseguir uma planta do lugar antes de partirmos. Você vai ter
pouquíssimo tempo para descer com aquela coisa barulhenta numa área residencial. Se
alguém vir você por lá, vai chamar os guardas, e eles chegarão antes de você levantar
vôo!
- Sua esposa sabe por onde você andou? - perguntou Rosenzweig a Jacov quando Buck
parou em frente ao prédio de apartamentos onde ele morava.
- Eu liguei para ela. Ela não entendeu nada do que eu estava falando.
- Por que você foi àquele lugar horroroso?
- Eu fugi e me escondi na casa de Stefan. Ele queria ir até lá. Que lugar melhor haveria
para pregar?, pensei.
- Você é um idiota - disse Rosenzweig.
- Sim! Eu sou!
Buck passou seu celular a Jacov.
- Ligue para sua esposa para que ela não morra de susto quando você entrar.
Porém, antes de Jacov começar a discar, o telefone tocou.
- O que houve? - ele perguntou. - Eu não fiz nada.
- Aperte a tecla Send e diga: "Telefone de Buck."Era Chloe.
- Ela quer falar com o senhor com urgência, Sr. Williams.Buck pegou o telefone e disse a
Jacov:
- Espere aqui até avisarmos sua esposa que você está chegando.
Chloe contou a Buck sobre o telefonema recebido de seu pai e seu pedido para ter um
esboço da planta da propriedade de Rosenzweig.
- Vou falar com ele sobre este assunto no momento apropriado - sussurrou Buck.
Mais tarde, depois de atravessar os portões da propriedade de Chaim, Buck achou que o
momento não era apropriado para falar da planta. Rosenzweig ainda era um simpatizante
de Carpathia e não compreenderia. Poderia até mesmo dar com a língua nos dentes.
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Chaim desceu do carro, mas Buck permaneceu dentro dele.
- Você não vai entrar?
- Você me emprestaria seu carro por um pouco de tempo?
- Pegue o Mercedes.
- Este aqui serve - disse Buck. - Se Chloe ainda estiver acordada, diga-lhe que pode ligar
para mim.
- Aonde você vai?
- Prefiro não dizer. Se você não souber, não vai precisar mentir se alguém lhe perguntar.
- Esta história toda está me cheirando mal, Cameron. Tome cuidado e volte logo, está
bem? Você e seus amigos terão um dia agitado amanhã. Ou, melhor dizendo, hoje.
Buck seguiu direto para o Muro das Lamentações. Conforme ele esperava, a discussão
entre as duas testemunhas e Carpathia e as ameaças feitas por Nicolae pela TV, em rede
internacional, atraíram um grande número de pessoas para perto da cerca onde Eli e
Moisés costumavam falar ao povo. A CG estava bem representada, com guardas armados
cercando a multidão.
Buck estacionou em um local afastado do Monte do Templo e caminhou sem pressa, como
se fosse um turista curioso.
Moisés e Eli estavam em pé, de costas um para o outro. Buck nunca os vira nessa posição
e imaginou que talvez Moisés estivesse vigiando o outro lado. Eli, de frente para a
multidão, falava com voz forte e penetrante, mas naquele momento suas palavras foram
abafadas pelo chefe dos guardas da CG, que se dirigia ao povo por meio de um megafone.
O guarda estava falando em diversos idiomas -primeiro em hebraico, depois em espanhol
e, em seguida, em uma língua asiática que Buck não conseguiu distinguir. Finalmente,
quando o guarda da CG falou em inglês, com um acentuado sotaque hebraico, Buck se
deu conta de que ele era israelense.
- Atenção, senhoras e senhores! O supremo comandante da Comunidade Global
encarregou-me de fazer lembrar a todos os cidadãos a advertência feita por Sua
Excelência, o potentado Nicolae Carpathia... - Neste ponto, a multidão começou a gritar e
aplaudir. - ...que os dois homens diante dos senhores estão em regime de prisão
domiciliar. Eles estão confinados a esta área até o término do Encontro das Testemunhas
na sexta-feira à noite. Se eles saírem deste local antes, qualquer funcionário da CG ou
cidadão comum poderá exercer o seu direito de detê-los à força, feri-los ou matá-los. E
mais, se eles forem vistos em qualquer lugar - eu repito, em qualquer lugar - após sextafeira
à noite, serão mortos no ato.
Depois de aplaudir freneticamente, a multidão começou a rir e zombar de Eli e Moisés,
apontando e fazendo-lhes ameaças. Porém, todos permaneciam a uma distância de, no
mínimo, dez metros por terem ouvido falar de gente que foi morta pelas testemunhas.
Muitas afirmavam ter presenciado dois casos de pessoas que morreram por ter chegado
muito perto das testemunhas. Buck havia visto um soldado apontar-lhes um rifle possante
e ser incinerado na hora pelo fogo que
saiu da boca das testemunhas. Um outro homem, que saltara na direção delas com uma
faca na mão, pareceu chocar-se contra uma parede invisível e caiu morto.
As testemunhas, evidentemente, não se impressionaram com a advertência de Carpathia
nem com as palavras do guarda. Continuaram imóveis e de costas uma para a outra,
mas, agora, a aparência delas era completamente diferente da que Buck se lembrava
quando as vira pela primeira vez. A imprensa em geral havia convergido para aquela área
em razão de Eli e Moisés terem aparecido na tela da TV durante a reunião no estádio
Teddy Kollek e seus nomes terem sido mencionados por Leon Fortunato e Nicolae
Carpathia.
Lâmpadas gigantescas iluminavam a área, focalizando diretamente as duas testemunhas.
Mas o clarão das luzes não lhes ofuscava os olhos, e só servia para acentuar suas feições
estranhas: rostos magros e de traços firmes, olhos escuros e sobrancelhas espessas.
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Ninguém jamais os viu chegando ou saindo dali; ninguém sabia de onde vieram. Desde o
início, sempre pareceram criaturas muito estranhas, trajando roupas de aniagem e
andando descalços. Tinham o corpo musculoso e ossudo, pele rija de tonalidade escura,
cabelos desgrenhados e barbas compridas. Algumas pessoas diziam que eles eram Moisés
e Elias reencarnados, mas, se Buck tivesse de adivinhar, diria que eram os próprios
personagens do Antigo Testamento. Pareciam ter vivido séculos atrás, e cheiravam a
poeira e fumaça.
Tinham olhos avermelhados, e suas vozes eram tão fortes que podiam ser ouvidas a mais
de um quilômetro e meio sem amplificadores.
Um israelense fez uma pergunta em hebraico, e o guarda da CG a traduziu para diversas
línguas.
- Ele quer saber se não será castigado se matar estes homens agora, no lugar em que
estão.
À medida que o guarda traduzia a pergunta, ouviam-se aplausos do grupo que
compreendia aquele idioma. Finalmente, o guarda respondeu à pergunta.
- Se alguém quiser matá-los esta noite, só será punido se houver alguma testemunha
ocular que o incrimine. Não estou vendo nenhuma testemunha ocular aqui.
O povo riu e concordou. Os outros guardas também. Buck teve um sobressalto. A CG
acabara de dar permissão para qualquer pessoa matar as testemunhas sem sofrer
represálias! Buck sentiu vontade de alertar a pessoa que tentasse cometer tal tolice que
ele vira pessoalmente o que aconteceu a um dos pretensos assassinos, mas Eli se
antecipou.
Mal movimentando os lábios, mas falando tão alto que parecia estar gritando a plenos
pulmões, Eli dirigiu-se ao povo:
- Aproximai-vos e não questioneis esta advertência do Senhor dos Exércitos. Aquele que
se atrever a afrontar
os servos escolhidos do Deus Altíssimo, sim, os baluartes daquele que se assenta acima
dos céus, certamente morrerá!
A multidão e os guardas recuaram diante da potência da voz de Eli. Porém, em seguida,
avançaram alguns passos novamente, com risos de zombaria. Eli voltou a falar.
- Não tenteis os escolhidos de Deus, porque estais afrontando as vozes que clamam no
deserto e permitindo que vossa carcaça se queime diante dos olhos dos outros chacais. O
próprio Deus consumirá vossa carne, e ela se desprenderá de vossos ossos antes que
exaleis o último suspiro!
Um homem com ar desvairado e gargalhando empunhava um rifle de alta potência. Buck
prendeu a respiração ao ver o homem erguer a arma acima da multidão, que gritava
para adverti-lo. A arma tinha uma marca na coronha que a identificava como um rifle de
precisão e de longo alcance. Por que, perguntou Buck a si mesmo, um homem portando
uma arma de tal precisão se arriscaria a aproximar-se das testemunhas, que já haviam
comprovado seu poder de destruição?
O guarda da CG posicionou-se entre o homem e a cerca de ferro, por trás da qual estavam
as testemunhas, e falou com o homem em hebraico, mas ele não compreendeu.
- Inglês! - gritou o homem, que não parecia ser norte- americano. Buck não identificou
seu sotaque.
- Se o senhor atirar neles - o guarda começou a dizer em inglês - a serviço da
Comunidade Global, terá de assumir total responsabilidade pelas conseqüências.
- Você disse que não havia testemunhas oculares!
- Senhor, o mundo inteiro está nos assistindo pela televisão e pela Internet.
- Então eu serei um herói! Saia da frente!
O guarda não se moveu até o homem apontar-lhe a arma. Em seguida, ele desapareceu
na escuridão, deixando o homem sozinho, de frente para a cerca. Não havia ninguém ali.
As testemunhas haviam desaparecido.
- Vocês não vão ameaçar queimar meu corpo? – esbravejou o homem. - Venham
70
enfrentar esta arma, seus covardes!
O guarda da CG voltou a falar ao megafone, gritando em tom de urgência:
- Vamos dar uma busca na área atrás da cerca! Se os dois não estiverem lá, é prova de
que descumpriram a ordem direta do potentado e poderão ser mortos por qualquer
pessoa, sem que ela seja acusada de ter cometido um crime!
71
OITO
Nas primeiras horas da madrugada de quinta-feira, o clima ainda era festivo no Monte do
Templo. Centenas de pessoas rondavam a área, falando sobre a ousadia dos dois anciãos
que desafiaram Carpathia e agora podiam ser mortos por alguma pessoa de qualquer lugar
do mundo. Não haveria punições, e, em questão de minutos, eles certamente seriam
mortos. Buck, contudo, conhecia o assunto mais a fundo. Ele recebera ensinamentos de
Bruce Barnes e, depois, de Tsion Ben-Judá, e sabia o que as testemunhas queriam dizer
com "tempo determinado". A Bíblia diz que as testemunhas receberiam poder de Deus
para profetizar por 1.260 dias, vestidas de pano de saco. Tanto Bruce como Tsion
afirmavam que aqueles dias foram contados a partir da assinatura de um tratado entre o
anticristo e Israel por sete anos de paz - que coincidiam com os sete anos de tribulação.
Aquele tratado havia sido assinado pouco menos de dois anos antes, e 1.260 dias
divididos por 365 eram iguais a três anos e meio. Buck calculava que o tempo
determinado seria dali a pouco mais de um ano.
De repente, do ponto mais alto da encosta de uma elevação chamada Monte das Oliveiras
ouviram-se os gritos das testemunhas, pregando em uníssono. O povo começou a correr
naquela direção, falando em morte e assassinato. Apesar da confusão, do vozerio e dos
guardas destravando suas armas enquanto corriam, as testemunhas falavam tão alto que
suas palavras eram ouvidas perfeitamente.
- Ouvi o que temos a dizer, servos do Senhor Deus Todo- Poderoso, criador do céu e da
terra! Prestai atenção! Somos as duas oliveiras, os dois castiçais diante do Deus da terra.
Se algum homem nos ferir, será lançado fogo de nossa boca e destruiremos nossos
inimigos. Se algum homem tentar nos ferir, será morto da mesma maneira que nos
tentou ferir! Ouvi e acautelai-vos!
- Recebemos o poder de fechar o céu, que não haja chuva nos dias de nossa profecia.
Sim, temos poder sobre as águas para transformá-las em sangue e para flagelar a terra
com todos os tipos de pragas, sempre que assim o desejarmos.
- E qual é a nossa profecia, ó geração de serpentes
e víboras que transformou a terra santa, onde o Messias morreu e ressuscitou, em uma
terra semelhante ao Egito e Sodoma? Que Jesus de Belém, filho da virgem Maria, estava
com Deus desde o início, que Ele era Deus, e que Ele é Deus. Sim, Ele cumpriu todas as
profecias sobre a vinda do Messias, e reinará agora e para sempre, até o final dos
séculos, amém!
Os gritos irados dos israelenses e turistas encheram o ar. Buck seguia atrás do grupo,
ouvindo as batidas do próprio coração. Não havia holofotes incidindo sobre as
testemunhas e nenhuma luz vinda do céu, e, mesmo assim, elas brilhavam como o dia na
escuridão entre os ramos das oliveiras. A visão era terrível e assustadora, e Buck desejava
ajoelhar-se e adorar o Deus que era fiel à sua palavra.
Quando o grupo chegou à base da encosta e começou a andar sobre a grama úmida pelo
orvalho, Buck o alcançou.
- Temos o poder de fazer chover - gritaram as testemunhas.
De repente, uma chuva gelada vinda do céu desabou sobre o povo, encharcando todos,
inclusive Buck. Fazia 24 meses que o local não recebia uma gota de chuva. As pessoas
esticavam o pescoço, olhavam para o céu e abriam a boca. A chuva, porém, cessou
imediatamente, como se Eli e Moisés tivessem aberto e fechado uma torneira com um só
movimento.
- E temos o poder de fechar o céu durante os dias de nossa profecia!
O povo estava atônito, reclamando e murmurando novas ameaças. Quando as pessoas
começaram a caminhar na direção dos dois homens iluminados na encosta do monte e
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chegaram a menos de 100 metros de distância, as palavras dos profetas as impediram de
prosseguir.
- Permanecei onde estais e ouvi, ó geração perversa de Israel! Vós, que blasfemastes o
nome do Senhor Deus, vosso Criador, sacrificando animais no templo que vós mesmos
construístes para sua honra e glória! Não sabeis que Jesus,
o Messias, foi o Cordeiro que foi sacrificado para levar os pecados do mundo? Vossos
sacrifícios oferecendo sangue de animais exalam mau cheiro diante das narinas do vosso
Deus! Arrependei-vos de vossos atos ilícitos, ó pecadores! Olhai para os vossos corpos
corroídos pelo pecado! Não avanceis contra os escolhidos cujo tempo ainda não foi
cumprido!
De repente, Buck viu, horrorizado, dois guardas da CG passarem correndo por ele e pelo
povo, com as armas engatilhadas. Durante a corrida, eles escorregaram na encosta do
monte, sujando seus uniformes de lama e grama.
Em seguida, começaram a subir o monte rastejando-se, iluminados pela luz irradiada das
testemunhas.
- Ai daqueles que fecharem os ouvidos às admoestações dos escolhidos! - gritaram as
testemunhas. - Fugi para vossas grutas, se desejais salvar vossas vidas! Vossa missão
está condenada ao fracasso! Vossos corpos serão consumidos! Vossas almas não
alcançarão perdão!
Os guardas, porém, prosseguiram. Buck semicerrou os olhos, aguardando o desfecho. O
povo repetia palavras de ordem e ameaçava as testemunhas com braços erguidos e mãos
fechadas, incentivando os guardas a abrirem fogo. Sons ensurdecedores de tiros ecoaram
enquanto as armas disparavam rajadas de balas, produzindo um efeito amarelo e
alaranjado.
As testemunhas, em pé lado a lado, olhavam impassíveis para seus agressores, que se
arrastavam a uns 30 metros abaixo. O povo silenciou, e os tiros cessaram. Todos olhavam
admirados e sem entender por que os guardas, posicionados a uma distância tão curta,
não conseguiram acertar o alvo. Eles rolaram de lado, descartando os projéteis
disparados e substituindo-os por outros. O povo ouvia o ruído das armas sendo
engatilhadas. Os guardas abriram fogo novamente, provocando violentas explosões.
As testemunhas não haviam saído do lugar. Os olhos de Buck estavam grudados nelas, e
ele viu quando suas bocas expeliram um jato de luz tão branca que chegou a ofuscar-lhe
a visão. As testemunhas pareciam ter bafejado um vapor fosforescente na direção dos
guardas. Antes que os agressores tivessem tempo de reagir, já estavam carbonizados. As
armas continuavam apoiadas nos ossos de seus braços e mãos à medida que a carne de
seus corpos se derretia. Os esqueletos das caixas torácicas e dos quadris formaram figuras
grotescas sobre a grama.
Em questão de segundos, a luz branca derreteu as armas até o ponto de começarem a
pingar. Os ossos dos guardas transformaram-se em cinzas. O povo fugiu em pânico,
gritando, praguejando e quase derrubando Buck ao passar correndo por ele. Suas
emoções entraram em conflito, como sempre, quando ele presenciava a morte de seres
humanos. As testemunhas haviam declarado que, quando os agressores morressem, suas
almas estariam perdidas para sempre. Eles não levaram essa advertência a sério.
Horrorizado diante da morte e do castigo eterno imposto aos guardas, Buck sentiu os
joelhos trementes. Ele não conseguia despregar os olhos das testemunhas. O brilho da
substância mortífera ainda fazia seus olhos arderem, e a luz irradiada por eles havia
desaparecido. Parado na escuridão e com os olhos piscando diante dos vestígios que
restaram, Buck percebeu que as testemunhas estavam descendo lentamente do monte.
Por que, ele se perguntava, os dois se dirigiam a pé para o local que desejavam? Por que
não se deslocavam de modo invisível como haviam feito na noite anterior quando
surgiram no estádio e, depois, quando sumiram do Monte do Templo e apareceram no
Monte das Oliveiras? Buck não conseguia entender, e prendeu a respiração quando as
testemunhas passaram perto dele.
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Buck as conhecia. Havia conversado com elas. Eli e Moisés pareciam saber quem fazia
parte do povo de Deus. Será que ele deveria dizer alguma coisa? E o que alguém poderia
dizer naquele momento? Que bom vê-los novamente? O que houve? Que belo trabalho com
os guardas?
Em ocasiões anteriores, quando Buck esteve perto das testemunhas, havia uma cerca de
ferro separando-o dos dois. Evidentemente, não existia nada que pudesse proteger uma
pessoa das testemunhas, que tinham recebido o fogo do poder de Deus. Buck ajoelhou-se
quando elas passaram a uns
três metros dele. Quando ele ergueu os olhos, ouviu os dois falando em voz baixa.
Moisés dizia:
- Jurou o Senhor dos Exércitos, dizendo: Como pensei, assim sucederá e como determinei,
assim se efetuará.
Ao ouvir as palavras de Deus, Buck encostou o rosto na grama e chorou. Os pensamentos
de Deus se sucederiam, e tudo se realizaria conforme determinado por Ele. Ninguém
poderia agir contra os ungidos de Deus antes do tempo determinado. As testemunhas
continuariam seu ministério durante o grande e terrível dia do Senhor, e nenhum
pronunciamento, sentença ou ordem de prisão seria capaz de interferir no propósito de
Deus.
Se ao menos Chaim pudesse ter visto o que aconteceu hoje, pensou Buck, dirigindo-se ao
estacionamento no Monte do Templo.
Ao chegar à propriedade de Chaim, Buck foi recebido por Jonas, o segurança, que também
abriu a porta da casa para ele, uma vez que não havia ninguém acordado. Sentindo-se
aliviado ao ver que Chloe ainda dormia, Buck dirigiu-se ao terraço do quarto e aguardou
até que seus olhos se acostumassem à escuridão.
O quarto ficava do lado da casa principal, de onde ele podia avistar a entrada de carros.
Buck sabia que Jonas fazia uma ronda pela propriedade a cada meia hora. Enquanto
aguardava a nova ronda do segurança, ele fez uma sondagem do local, pensando na fuga
que empreenderiam.
Na parte superior de um dos lados, havia um cano de esgoto de metal, antigo mas ainda
intacto e resistente. Do outro lado, havia um fio preso na parede com pregos. Ele
imaginou que se tratava de um fio de telefone ou televisão. De qualquer forma, não
suportaria seu peso. O cano de esgoto, porém, tinha encaixes salientes espaçados
que permitiriam subir por ele, desde que a pessoa fosse corajosa.
Buck nunca se enquadrara nessa categoria, mas não queria perguntar sobre a planta da
casa a Rosenzweig para não levantar suspeitas, e ele estava certo de que não existia um
alçapão com acesso ao telhado. Ele precisava saber se haveria possibilidade de um
helicóptero pousar ali, e este seria o único jeito de descobrir.
Buck esfregou as mãos até senti-las suficientemente secas. Esticou os cordões dos
sapatos de lona e amarrou as barras da calça com eles. Em seguida, subiu no parapeito
do terraço, deu um impulso com o corpo e começou a subir pelo cano de esgoto. Quando
estava a cerca de três metros acima do terraço e passando por uma vidraça colorida no
terceiro pavimento, Buck cometeu o erro de olhar para baixo. Ainda faltavam três metros
para chegar ao telhado, mas, se ele caísse do local em que estava, o parapeito do terraço
partiria seu corpo em dois.
Até ali, tudo tinha dado certo, mas uma onda de pânico começou a rondar sua mente.
Não havia margem para erros. Um escorregão, uma parte menos resistente do cano, um
susto que o levasse a se desequilibrar seriam fatais. Ele despencaria, e a única chance de
sobreviver seria a de cair o mais perto possível do centro do terraço para não bater com
o corpo no parapeito. Se batesse com a cabeça no solo, morreria. Se batesse com a
cabeça no piso do terraço, teria poucas chances.
O que fazer, então? Prosseguir e terminar a missão, ou descer rapidamente? Ele calculou
que teria condições de subir mais três metros, portanto resolveu prosseguir. Quando
estava a cerca de um metro do telhado, ele se desequilibrou um pouco, mas sabia
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também que bastava não cometer nenhum erro. Não podia tremer, sentir pavor, entrar
em
pânico ou olhar para baixo. Quando ele passou a perna esquerda por cima da laje do
telhado, começou a imaginar sua figura - uma mosca humana, pendurada por conta
própria na beira do telhado de uma casa de três pavimentos.
Eu sou um idiota, ele pensou, sentindo-se ao mesmo tempo muito mais seguro por estar
pisando em um telhado resistente. A noite estava clara, estrelada, fresca e calma. Do
telhado, ele avistou caixas de diversos tipos, ventiladores, exaustores, conduítes e
aberturas de ventilação. Rayford, ou qualquer outro piloto, precisaria de uma área
razoavelmente grande e livre na qual um helicóptero pudesse pousar.
Buck atravessou o telhado na ponta dos pés, sabendo que os ruídos de passos vindos de
cima geralmente são ampliados quando ouvidos embaixo. Para sua surpresa, ele avistou o
que mais desejava - um antigo heliporto. As marcas no chão estavam desbotadas, mas
aquela propriedade, antes de ser doada a um herói nacional, possuía uma área de pouso
para helicópteros. Ele supôs que Rosenzweig soubesse disso e poderia ter-lhe poupado
essa aventura.
Buck também deduziu que, se o heliporto tivesse sido usado, deveria haver uma porta de
acesso para a casa. Após examinar cuidadosamente a área, ele descobriu uma porta
pesada de metal torta e enferrujada, mas que não estava trancada. Ele deveria tomar
muito cuidado ao abri-la para que o som do rangido do metal não fosse ouvido de dentro
da casa.
Buck lutou para abrir a porta durante alguns minutos, conseguindo fazê-la se mexer um
pouco por vez. Quando sentiu que já havia condições de dar um empurrão mais forte, ele
encostou o ombro na porta e segurou-a com as pontas dos dedos para que ela não
abrisse demais. Com um grunhido e um tranco, ele conseguiu que a porta se abrisse
cerca de 20 centímetros, provocando um pouco de barulho,
mas nao exagerado. Talvez ninguém tivesse ouvido. Se os guardas aparecessem ou
alguém despertasse, bem, ele se identificaria rapidamente e daria uma explicação por
estar ali.
Buck tentou passar pela porta, mas a abertura era insuficiente. Seria necessário forçá-la
um pouco mais. Quando ele finalmente conseguiu passar, descobriu que estava no topo
de uma escada de madeira, empoeirada, embolorada e com teias de aranha. Ao pisar no
patamar da escada, percebeu que ela também rangia. Sem muitas esperanças, ele
passou a mão na parede à procura de um interruptor de luz, mas não teve sucesso.
Enquanto tentava descer o primeiro degrau, sentiu alguma coisa roçar sua testa, e quase
caiu da escada, mas conseguiu amparar-se nas velhas estruturas de madeira. Ele
precisava manter o equilíbrio, tendo a parte traseira da perna encostada nos degraus.
Tateando no escuro, Buck encontrou uma lâmpada pendurada que possuía um interruptor
em formato de rosca. Será que ainda funcionava? Seria sorte demais. Ele rosqueou o
interruptor, e a lâmpada acendeu. Ao fechar os olhos por causa da claridade, ouviu um
estalo dos filamentos se rompendo. Que mais alguém poderia esperar de uma lâmpada
que não era acesa havia anos?
Quando ele abriu os olhos, ainda enxergava os resíduos amarelados do rápido clarão da
luz. Piscando, ele tentava reproduzir a cena que seus olhos haviam captado. Manteve os
olhos fechados até lembrar-se de uma imagem rudimentar de mais três degraus abaixo
até uma porta grande.
Buck não sabia o que fazer, mas confiava no que seus olhos viram naquela fração de
segundo. Começou a descer a escada e constatou que estava certo. Ao chegar ao chão,
ele apalpou a parede até encontrar uma porta. Esta era de madeira -
grande, pesada e resistente. Encontrou a maçaneta, que girou com facilidade. Mas a porta
não se movimentava. Estava trancada. Seus dedos tatearam até encontrar a fechadura
acima da maçaneta. Não havia possibilidade de abrir a porta sem chave. Ele teria de
voltar para seu quarto pelo mesmo caminho em que viera.
75
No entanto, Buck sentiu-se animado ao começar o caminho de volta. De um modo ou
outro, ele descobriria aquela porta quando estivesse dentro da casa e abordaria o
assunto da chave com Chaim.
Quando ele chegou ao cano de esgoto, foi forçado a olhar para baixo antes de começar a
descer. Aquilo tinha sido um erro. Agora ele teria de pensar muito bem no que deveria
fazer. Quanto tempo havia decorrido desde que saiu do quarto? Resolveu esperar até a
próxima ronda do guarda. Logo ele percebeu que devia ter perdido apenas uma ronda,
porque, quase meia hora depois, Jonas passou por ali e desapareceu novamente.
Buck agarrou-se no cano com as duas mãos, apoiou um dos pés no primeiro encaixe e
começou a escorregar. Já estava quase chegando ao parapeito do terraço de seu quarto
quando percebeu um movimento. Se tivesse de adivinhar, diria que viu um movimento
na cortina.
Chloe estaria acordada? Será que ela o ouvira? Conseguiria enxergá-lo? Ele não queria
assustá-la. E se fosse alguém da CG que tivesse se infiltrado no local? Poderia ser um dos
seguranças de Chaim. Haveria tempo de identificar-se?
Buck sentiu-se um idiota, pendurado no cano com os pés agarrados no encaixe. Ele
deveria ter pulado e entrado no quarto. Mas tinha de ter a certeza de que não havia
ninguém perto da janela. Soltou uma das mãos e curvou-se para baixo, o mais que pôde.
Nada.
Afastou os joelhos um do outro e abaixou a cabeça
para tentar enxergar a parte superior da janela. As cortinas estavam abertas? Ele
imaginava tê-las deixado fechadas. Enquanto tentava espiar um pouco mais além, seus
pés escorregaram do encaixe, e ele teve de sustentar o peso do corpo apenas com as
mãos. Tomara que ninguém estivesse olhando através da janela, porque nenhuma pessoa
que ele conhecia - com certeza nem ele próprio - poderia ficar naquela posição por muito
tempo.
Quando os dedos de Buck se soltaram, ele despencou em linha reta, e seu nariz passou a
alguns centímetros da porta de vidro. Quando seus pés tocaram o piso do terraço, ele
deu de frente com um par de olhos arregalados e um rosto branco como lençol.
Além do susto que foi muito grande, o peso do corpo fez com que os joelhos de Buck se
dobrassem durante a queda. Ele passou tão rente à porta que seus joelhos bateram com
força nela, atirando-o por cima do parapeito do terraço. Ele se agarrou em uma barra de
ferro para reduzir o impacto do baque, lutando desesperadamente para não bater com a
cabeça no chão.
Com um gemido alto, Buck deu um rodopio no ar. Segurou-se no parapeito com as duas
mãos, de cabeça para baixo, a parte posterior do crânio encostada na barra de ferro e os
pés balançando perto do rosto. Não havia outra coisa a fazer, e ele sabia que sua vida
dependia da força de suas mãos.
Nesse ínterim, evidentemente, Chloe estava gritando.
Buck forçou os pés para trás e para cima até conseguir equilibrar-se, sentindo uma dor
aguda nas nádegas e costas. Com grande esforço, deu um impulso e forçou o tronco até
que o peso de suas pernas o levou de volta ao terraço.
- Sou eu, neném - disse ele ao ver Chloe com os olhos arregalados diante da janela.
Ela abriu a porta, e ele entrou passando as mãos nas costas.
- Que loucura foi esta? - ela perguntou várias vezes. - Quase dei à luz de susto.
Enquanto trocava de roupa, Buck tentou explicar, mas fazia muito tempo que não sentia
tanto sono. Alguém deu uma batida rápida na porta e perguntou:
- Está tudo bem aí, senhora? Ouvimos um grito.
- Sim, está tudo bem, obrigada - ela conseguiu dizer, sufocando o riso.
O guarda foi embora resmungando:
- Recém-casados!
Buck e Chloe riram tanto que chegaram a derramar lágrimas.
- De qualquer forma - disse Buck, ajeitando-se na cama sobre suas costas doloridas -,
76
encontrei um heliporto e...
- Eu já sabia desse heliporto - disse Chloe. - Perguntei a Chaim quando voltou para casa.
- Você perguntou?
- Perguntei.
- Mas eu não quero que ele saiba que estamos planejando...
- Eu sei, superdetetive. Pedi a ele que me contasse a história deste local para tentar
descobrir alguma coisa. Aqui foi uma embaixada. Daí a razão do...
- Heliporto.
- Correto. Ele chegou a me mostrar a porta de acesso até lá. Há uma chave pendurada em
um prego no batente. Aposto que você seria capaz de abrir a porta com ela.
- Sou um quadrúpede - ele disse.
- Você é o meu quadrúpede. Quase me matou de susto. Se eu tivesse uma arma, teria
atirado em você. Tive vontade de sair correndo daqui e dar um empurrão na pessoa que
estava pendurada lá.
- E o que a impediu?
- Alguma coisa me disse que aquele sujeito pendurado lá, com o traseiro para cima, tinha
de ser você.
- Que maldade! Você não quer saber onde estive?
- Imaginei que você tivesse ido ao Muro; foi por isso que não liguei.
- Você me conhece muito bem.
- Eu sabia que você haveria de querer ver o que eles fizeram após a ameaça de Carpathia.
Havia muita gente lá?
Rayford teve dificuldade para dormir, um fato raro para ele. Olhava no relógio
constantemente, imaginando que horas seriam em Israel e tentando decidir quando
deveria ligar para Buck ou Chloe. Talvez eles dissessem que tinham a situação sob
controle e que não estavam vendo tanto perigo como ele. Rayford, porém, trabalhara
mais próximo de Carpathia que Buck. Conhecia o homem muito bem. Além do mais,
queria falar com Tsion. Embora o rabino se sentisse protegido por Deus, talvez alguns
deles não tivessem tomado o devido cuidado. A Bíblia dizia claramente que, durante um
certo tempo, os selados de Deus não sofreriam nenhum dano causado pelos julgamentos.
Mas não havia evidências de que a proteção aos 144.000 judeus convertidos se
estenderia também a gentios como Rayford e sua família, que haviam se tornado santos
da tribulação.
Embora as 144.000 testemunhas - das quais Tsion fazia parte - fossem protegidas contra
os julgamentos, não havia evidências de que não poderiam morrer de outras causas
nesse espaço de tempo.
O desespero de Rayford aumentava cada vez mais para tirá-los de Israel, mas, quando o
dia começou a amanhecer em Chicago, ele finalmente adormeceu.
Ao despertar no final da manhã, ele sabia que seu pessoal estaria a caminho da reunião
noturna na Terra Santa, a qual ele veria novamente pela Internet.
Mais uma vez, Buck dormira até tarde. Chloe não interrompeu seu sono.
- Seu horário não está combinando com o meu - ela disse. - Se você continuar a bancar
o homem-aranha, vai precisar de descanso. Agora, falando sério, Buck, não quero que
você se prejudique. Sua vida está sendo muito agitada há meses, e alguém precisa cuidar
de você.
- Estou tentando cuidar de você - ele disse.
- Ah, sim, então pare de perambular pela sacada de meu quarto no meio da noite.
Chaim havia combinado com Fortunato que Jacov não seria punido por causa do incidente
na noite anterior, desde que Chaim o impedisse de ser o motorista de Tsion. Jacov,
porém, protestou com tal veemência diante dessa perspectiva que o Dr. Rosenzweig
resolveu encontrar uma saída para tal acordo. Buck dirigiu o carro. Jacov os acompanhou,
levando um convidado: Stefan.
77
Desta vez, a escolta da CG os acompanhou até o estádio pelo caminho mais curto que
Jacov descobrira. Quando chegaram, Jacov desceu da van com o rosto estampando tanta
alegria e entusiasmo que Buck não pôde deixar de sorrir.
Chloe concordara em permanecer na casa de Chaim, o que causou uma certa
preocupação a Buck. Ele esperava que Chloe oferecesse mais resistência pelo fato de não
poder acompanhá-los, e agora perguntava a si mesmo se ela não estaria sofrendo mais
do que deixava transparecer.
Evidentemente, Chloe devia estar abalada por ter precisado fugir da CG na noite anterior,
e Buck esperava que sua esposa entendesse que incidentes como aquele não fariam bem
nem a ela nem ao bebê.
Todos os noticiários do dia relataram que os dois pregadores do Muro das Lamentações
haviam desobedecido às ordens diretas do potentado. As notícias davam conta de que,
quando a polícia da Comunidade Global tentou prendê-los para serem levados a
julgamento, eles mataram dois guardas. Testemunhas oculares no Monte das Oliveiras
disseram que os dois tinham lança-chamas escondidos debaixo das roupas, que foram
acionados quando os guardas se aproximaram. As armas não foram recuperadas, embora
os dois pregadores tivessem sido vistos em seus lugares costumeiros, perto do Muro das
Lamentações, desde a madrugada até aquela hora.
Imagens ao vivo transmitidas dali mostravam uma grande multidão zombando deles e
insultando-os, mas sempre mantendo uma certa distância.
Buck perguntou a Tsion:
- Por que Nicolae não atira uma bomba neles ou os ataca com mísseis ou algo parecido? O
que aconteceria, uma vez que ainda falta um ano para o tempo determinado?
- Até mesmo Nicolae conhece a natureza sagrada do Monte do Templo - disse Tsion no
momento em que descia da
van e entrava apressado no estádio para fugir do assédio da multidão. - Eu adoraria dar
atenção a todos - ele disse -, mas receio que possa ocorrer um tumulto. - Depois de
encontrar um lugar para sentar-se, ele prosseguiu. - De qualquer forma, Carpathia não
aprovaria nenhuma violência lá, pelo menos que evidenciasse ter partido dele. Sua ameaça
de matar as testemunhas se elas permanecerem lá após o término da reunião desta noite
não passa de uma artimanha.
Francamente, estou satisfeito por ele ter feito essa ameaça em público. Espero que os
dois ridicularizem a autoridade dele e não saiam de lá.
Jacov e Stefan pareciam muito diferentes do que quando foram vistos de madrugada.
Aparentemente, Rosenzweig tinha razão quando disse que Stefan era mais resistente à
bebida. Ele não demonstrava sinais de ressaca e provou ser uma pessoa agradável.
Enquanto procuravam lugares onde sentar, Jacov pediu a Buck:
- Ore por minha mulher, que estará vendo a reunião pela TV em casa. Ela se preocupa
comigo e acha que perdi a cabeça. Eu disse a ela que não perdi a cabeça. Eu a encontrei!
Os guardas da CG lançavam olhares ameaçadores aos que cuidavam da programação do
evento, como se estivessem expressando silenciosamente que estavam ali apenas para
cumprir ordens e que, se pudessem, destruiriam todos aqueles que faziam oposição ao
potentado.
Ninguém esperava explosões de fogos de artifício naquela noite. Certamente, Nicolae e seu
pessoal sabiam muito bem que não deveriam aparecer novamente ali. No entanto, em
razão das controvérsias que os acontecimentos da noite anterior haviam provocado, a
multidão era ainda maior. Além dos convertidos, havia um grande número de céticos
curiosos.
Novamente, a reunião começou com uma simples saudação, um hino entoado com
devoção e a apresentação de Tsion Ben-Judá, que foi saudado com acenos, gritos e
aplausos. Ele limitou-se a sorrir e levantar as mãos, pedindo silêncio. Buck sentou-se
outra vez na ala lateral do estádio, observando e ouvindo com admiração aquele homem
que se tomara um pai espiritual para ele. O rabino, que aceitara Jesus por meio de
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estudos das profecias do Antigo Testamento, agora conduzia um rebanho de milhões de
ovelhas pela Internet. Ali estava ele, um homem de baixa estatura, sincero, que
carregava uma Bíblia e uma pilha de anotações cuidadosamente elaboradas. E ele tinha a
multidão na palma da mão.
- Entendo que os senhores aprenderam muitas coisas hoje - ele começou a dizer. - E esta
noite aprenderão ainda mais. Tenho advertido os senhores sobre os vários julgamentos,
desde os sete selos e as sete trombetas até as sete taças que precederão o glorioso
aparecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
- Meus estudos indicam que o período de sete anos de tribulação se iniciou a partir da
assinatura de um pacto profano entre o sistema mundial único e a nação de Israel. Após
os julgamentos que foram impostos ao mundo desde então, calculo que estamos
aguardando uma situação dificílima. Já sofremos todos os sete Julgamentos Selados
e os três primeiros dos sete Julgamentos das Trombetas. O intermediário, ou o quarto
Julgamento das Trombetas, é o próximo, de acordo com o tempo determinado por Deus.
- Para provar ao povo do mundo inteiro e aos que ainda duvidam do que estamos
falando, vou contar aos senhores o que nos espera. Quando chegar o momento certo,
ninguém poderá negar que não foi avisado e saberá que este aviso está registrado na
Bíblia há muitos séculos. Deus não deseja que nenhuma alma pereça, mas que todos se
arrependam. É por esta razão que estamos atravessando este período inteiro de
sofrimentos e provações. Embora Deus tenha aguardado tanto tempo - porque sua
misericórdia é infinita - para arrebatar sua Igreja, Ele ainda enviou um julgamento após o
outro sobre este mundo incrédulo. Por quê? Por que ele está irado conosco? Não deveria
estar irado?
- Não! Não! Mil vezes não! Em seu amor e misericórdia, Ele tem feito tudo para chamar
nossa atenção. Todos nós, que permanecemos na terra até hoje, fomos desobedientes e
não atendemos ao seu carinhoso chamado. Agora, usando todas as flechas de sua aljava,
Ele se faz mais claro do que nunca, após cada julgamento. Será que alguém ainda duvida
de que tudo isto é obra de Deus?
- Arrependam-se! Voltem-se para Ele. Aceitem seu convite antes que seja tarde demais. O
lado triste dos julgamentos, que finalmente conseguirão chamar a atenção de algumas
pessoas, é que milhares também morrerão em conseqüência deles. Não se arrisquem a
se enquadrar nesta categoria. A probabilidade é que três quartos da população do mundo
que foi deixada para trás por ocasião do Arrebatamento morrerão - tanto as almas
perdidas como as redimidas - no final da Tribulação.
- Esta noite, desejo falar aos senhores sobre o quarto Julgamento das Trombetas, na
esperança de que não seja necessária mais uma catástrofe para convencê-los. Os
senhores poderão morrer em conseqüência dele.
79
NOVE
Logo após o meio-dia de quinta-feira em Chicago, Rayford e Ken reuniram-se ao Dr. Charles
e Hattie para assistir ao Encontro das Testemunhas. Os pilotos já haviam discutido seus
planos de vôo e elaborado o roteiro para o Oriente Médio. Se Tsion já tivesse recebido o
recado, ele divulgaria um evento oficial ou cerimonioso para sábado, que serviria de sinal
para Rayford e Ken partirem rumo a Israel. Eles planejavam chegar por volta da meianoite
de sexta-feira e pegar o pessoal logo em seguida.
Enquanto os quatro assistiam à TV, Rayford teve a atenção despertada ao ouvir Tsion
dizer:
- Planejo fazer um resumo deste evento durante uma pequena reunião de agradecimento
à delegação local no sábado, ao meio-dia, perto do Monte do Templo.
- Deu certo! - exclamou Rayford, dirigindo-se a Ken. - Preciso que você me dê algumas
aulas hoje à tarde no Gulfstream para que possamos nos revezar no comando.
- Espero que você esteja se lembrando de que precisamos de um helicóptero. Já conseguiu
um?
- Esta parte vai ser fácil. Ei, rapaz, vamos voltar à batalha!
Hattie lançou um olhar demorado a Rayford.
- Você está gostando desta história?
- É engraçado você fazer esta pergunta - ele respondeu -, depois de me contar como se
sente a respeito de Carpathia.
- Se eu for atrás dele, sei que vou morrer. Você age como se fosse sair vencedor.
- Nós já vencemos - disse Ritz. - Só que fingimos não saber. A Bíblia já contou a história,
e, conforme Tsion diz, "Nós vencemos".
Hattie balançou a cabeça, virou-se de lado e deu as costas para eles.
- Vocês são muito tagarelas para lidar com um homem como Nicolae.
Ken olhou para Rayford.
- Você já sabe quando devemos partir, já fez os cálculos dos fusos horários? - ele
perguntou. - Bem, é claro que sim. Você faz essa rota há muito mais tempo que eu.
Buck achava difícil acreditar em tudo o que acontecera nas 24 horas desde a última vez
que Tsion falou à multidão. Ele sentia falta da presença de Chloe a seu lado, porém havia
muito tempo que não desfrutava tanta paz.
- A terra sofre por causa dos efeitos de nossa condição pecaminosa - Tsion começou a
falar. - Todos nós perdemos pessoas queridas no Arrebatamento e nos dez julgamentos
subseqüentes que vieram dos céus. O grande terremoto causado pela ira do Cordeiro
devastou o mundo todo, com exceção deste país. Os três primeiros Julgamentos das
Trombetas queimaram a terça parte das árvores e da vegetação da terra, destruíram a
terça parte dos seres marinhos, afundaram a terça parte das embarcações do mundo e
envenenaram a terça parte da água da terra - tudo conforme profetizado na Bíblia.
- Conhecemos a seqüência desses eventos, mas não sabemos qual é o tempo de Deus.
Ele pode nos impingir vários julgamentos em um único dia. Só tenho certeza do que virá a
seguir. Conforme os senhores podem ver, os julgamentos estão sendo cada vez mais
severos. O quarto Julgamento das Trombetas mudará a aparência do céu e a temperatura
do mundo inteiro.
- Apocalipse 8.12 diz: "O quarto anjo tocou a trombeta, e foi ferida a terça parte do sol,
da lua e das estrelas, para que a terça parte deles escurecesse e, na sua terça parte, não
brilhasse, assim o dia como também a noite."
- Não importa se essa terça parte se refira a uma só estrela ou a todas as estrelas, o
efeito será o mesmo. Quer seja dia quer seja noite, o céu ficará um terço mais escuro do
que sempre foi. Além disso, esta passagem bíblica me fez entender que uma terça parte
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a mais do dia será escura. Portanto, o sol brilhará apenas dois terços do tempo que
costuma brilhar. E, quando ele estiver brilhando, sua luminosidade será dois terços mais
fraca.
- A profecia indica que posteriormente outras partes da terra serão queimadas; portanto, é
provável que a escuridão e o resfriamento da temperatura sejam temporários. Porém,
quando essa profecia ocorrer, viveremos o mais terrível inverno de todos os tempos.
Preparem-se, preparem-se, preparem-se! E, quando seus amigos, vizinhos e familiares
estiverem deprimidos por causa da escuridão e do desespero, digam-lhes que as profecias
estão se cumprindo. Digam-lhes que este é o modo que Deus está usando para chamar-lhes
a atenção.
Tsion fez um resumo do que foi ensinado durante o dia em vários locais da cidade e
conclamou seus ouvintes:
- Preguem corajosamente até o Glorioso Aparecimento daqui a menos de cinco anos. Creio
que a época da grande colheita é agora, antes da segunda metade da Tribulação, à qual a
Bíblia dá o nome de Grande Tribulação.
- Chegará o dia em que o sistema maligno que governa o mundo exigirá que os cidadãos
tenham uma marca, sem a qual não poderão comprar nem vender. Estejam certos de que
a marca da qual estou falando não é a que vocês vêem na testa de seus companheiros de
fé!
Tsion prosseguiu apresentando sugestões práticas para armazenar alimentos.
- Devemos confiar em Deus - ele concluiu. - Deus espera que sejamos sábios como
serpentes e dóceis como pombas. Essa sabedoria significa que devemos ser práticos o
suficiente para nos preparar para o futuro que nos está destinado em sua Palavra.
- Amanhã à noite, terei uma mensagem difícil para transmitir-lhes. Leiam antes Apocalipse
9, para terem uma noção do que vou falar.
Assim que Tsion começou a recolher suas anotações, o celular de Buck vibrou em seu
bolso.
- É Mac. Você tem condições de falar comigo agora? Buck dirigiu-se a um local mais
tranqüilo.
- Pode falar.
- Vocês têm um plano de fuga? Você, sua esposa e Ben-Judá?
- Estamos estudando um.
- Vocês vão precisar. Vou lhe dizer uma coisa, rapaz. Estes homens estão malucos.
Carpathia tem passado a metade do dia ruminando planos para acabar com as duas
testemunhas. A outra metade, ele passa maquinando como matar Mathews.
- Mathews o incomoda mais do que Tsion?
- Eu não daria um centavo pelo futuro de Peter Mathews. E Carpathia acha que tem todas
as informações sobre Tsion.
Nao sei o que vocês têm em mente para sábado, mas tomem cuidado. As tropas de
Nicolae estão muito entusiasmadas por saberem que poderão pegar Tsion sem sofrer
nenhuma punição. Nicolae já desenhou o cenário, dando a entender ao povo que houve
uma desavença entre os convertidos ou coisa parecida, e ele sairá como herói desta
história.
- Esta ligação é sigilosa, Mac?
- Claro.
- Quando aquela reunião se realizar, estaremos bem longe daqui.
- Ótimo! Vocês precisam de alguma coisa? Eu falo todos os dias com David Hassid.
- Rayford está tentando conseguir um helicóptero para nos levar de Jerusalém até um dos
aeroportos.
- Vocês não poderiam sair escondidos e conseguir uma carona?
- São poucas as pessoas em quem podemos confiar, Mac.
- Melhor para vocês. Vou pedir a David que consiga um helicóptero que tenha as
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características dos nossos.
- Branco e com o emblema da CG?
- Ninguém vai incomodar vocês num helicóptero destes.
- Até o momento em que ele for abandonado na pista e fugirmos num Galfstream.
- Ritz tem um Gulfl Estou com inveja dele.
- Venha conosco, Mac.
- Você sabe que eu gostaria. Mas alguém tem de ficar aqui, de orelhas em pé.
- Nós não vamos ter condições de ver a reunião de amanha à noite pela TV, certo? -
perguntou Rayford sobrevoando o
aeroporto de Palwaukee enquanto Ken lhe ensinava alguns truques para pilotar o
Gulfstream.
- Claro que vamos. É só ligar seu laptop ao meu sistema de transmissão por satélite. Eu
posso forçar uma conexão com a Internet. A imagem não vai ser muito boa, mas pelo
menos vamos poder ouvir o som.
Rayford completou a quarta aterrissagem consecutiva sem solavancos, e Ritz o considerou
apto para pilotar o Gulfstream. Quando eles se sentaram dentro do hangar reconstruído
para finalizar a rota, o jovem mecânico aproximou-se.
Capitão Steele - disse Ernie. - Recebi uma ligação enquanto o senhor estava no ar. O
senhor desligou seu telefone?
- Ah, sim - respondeu Rayford tornando a ligá-lo. - Eu não queria desviar a atenção do
que estava fazendo.
- Ouvi dizer que o senhor possui um celular que toca mesmo quando está desligado.
- É verdade, mas a gente também pode desligar esse dispositivo.
- Que legal! Bem, uma tal de Srta. Hattie Durham quer que o senhor ligue para ela.
Rayford ligou para Hattie no caminho de volta à casa secreta.
- Mesmo que Floyd tivesse dito que você está em condições de correr uma maratona,
Hattie, eu não permitiria que você viajasse conosco, pelo menos no meu avião.
- Seu avião! - disse Ritz, rindo, enquanto dirigia o Rover.
- Ou melhor, no avião de Ken.
- O avião também não é meu, irmão! - disse Ken.
- Não sei a quem pertence o avião, Hattie, mas Floyd não liberaria você para viajar de jeito
nenhum. Deixe-me falar com ele.
Ele nem sabe que estou ligando para você. Sei o que ele vai dizer. Foi por isso que eu não
contei nada a ele. E você também não vai contar, Rayford.
- Hattie, você está agindo como uma criança. Acha que eu permitiria que você nos
acompanhasse em uma missão tão perigosa, no estado em que está? Você conhece essas
coisas melhor do que eu.
Pensei que você me devesse este favor.
Hattie, a discussão está encerrada. Se você quer uma carona até o Oriente Médio para
poder matar Carpathia, vá bater em outra porta.
- Deixe-me falar com Ken.
- Ele também não...
- Quero falar com ele!
Rayford passou o telefone a Ritz, que olhou para ele com ar de espanto e sobrancelhas
franzidas.
- Pois não, boneca - ele disse. - Sinto muito, é uma expressão que nós, os antigos
pilotos, costumamos usar... Bem, claro, eu não me importaria se alguém me chamasse
de boneca... Oh, não, senhorita. Não é possível... Espero que você não me leve a mal,
mas a verdade é que, se eu tivesse o costume de cair na conversa de uma moça bonita e
teimosa, não teria me divorciado duas vezes, certo?... É melhor você implorar e chorar
para outra pessoa, meu bem, porque não quero ter a responsabilidade de fazer uma
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viagem de 48 horas para o outro lado do oceano levando uma mulher que acabou de
abortar... Sinto muitíssimo. Passei a gostar de você como tantas outras pessoas. Mas não
vou tomar parte numa besteira tão grande... Bem, eu entendo. Se pudesse, eu também
mataria aquele homem. Mas tenho de fazer um serviço muito perigoso. Vou tentar tirar o
pessoal de lá, e não estou preocupado em matar ninguém. Pelo menos nesta viagem.
Depois que você sarar, quem sabe vou poder levar você para praticar tiro ao alvo em
Nicolae... Nao, não estou zombando de você. Você está sendo um pouco tola, não acha?
Ritz balançou a cabeça, desligou o telefone e devolveu-o a Rayford.
- Levei umas broncas. Mas você gosta da coragem dela, não? E ela é uma beleza.
Rayford balançou a cabeça.
- Ritz, você está no primeiro lugar da lista dos dez mais odiados pelas feministas.
Homem, que caretice!
Quando eles chegaram à casa secreta, Rayford quase entrou em pânico por não ver Hattie
deitada na cama.
- Ela está no banheiro? - perguntou Rayford a Floyd.
- Seria melhor se estivesse - disse o médico. - Ela está andando por aí.
- Andando?
- Calma! Ela insistiu que queria caminhar um pouco e não permitiu que eu a ajudasse. Ela
está na casa ao lado.
Rayford verificou a outra metade vazia da casa geminada, aquela que estava mais
destruída. Hattie, com os braços cruzados, caminhava lentamente sobre o piso irregular
de um cômodo sem nenhuma mobília. Ele apenas olhou para ela, sem fazer nenhuma
pergunta.
- Eu estou tentando recuperar as forças - ela justificou.
- Não para esta viagem.
- Já me conformei, Rayford. Mas Ken prometeu...
- Ken fala pelos cotovelos, você sabe disso. Agora, faça um favor a si mesma e a todos
nós, seguindo as instruções do médico.
- Conheço muito bem o meu organismo. Já está na hora de começar a me movimentar.
Ele acha que já devo estar fora de perigo, seja lá qual foi o veneno que me deram. Mas
tenha sido o meu bebê que sofreu as maiores conseqüências. Nicolae vai ter de pagar por
isso. De repente, Hattie começou a respirar com dificuldade.
- Está vendo? - disse Rayford. - Você exagerou.
Ele a ajudou a retornar para a outra casa, mas Hattie recusou-se a deitar.
- Vou ficar sentada por um pouco de tempo - ela disse. Floyd estava visivelmente
zangado.
- Vai ser muito difícil lidar com ela enquanto vocês estiverem fora.
- Viaje conosco - disse Ken. - Ela parece estar em condições de se cuidar sozinha.
- De jeito nenhum. Talvez ela não saiba o quanto está doente, mas eu sei.
- Tomara que a gente não traga mais feridos para você cuidar - disse Ken.
Rayford assentiu com a cabeça.
- Já vi tantos mortos nesta guerra que não quero ver mais nenhum pelo resto da vida.
Mac confirmou a Buck que a conspiração contra as testemunhas e Tsion estava marcada
para o meio-dia de sábado, perto do Monte do Templo.
- Eles não acreditam que Tsion saiba o que estão tramando. Eles planejam que o acidente
ocorra como se fosse uma bomba atirada por um terrorista, matando todos os que
estiverem a uma distância de 60 metros do Muro.
- Tsion acha que Carpathia não promoveria um atentado em um local tão sagrado para os
judeus.
- Ninguém teria condições de incriminá-lo. Eles estão tentando jogar a culpa em Mathews. 0
mais curioso de tudo é que Mathews quer assumir essa culpa. Ele diz que nunca viu inimigos
tão ferrenhos da religião quanto as testemunhas e Tsion. Ele está furioso. Vocês vão ter de
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estar longe daqui, certo?
- Vamos fugir por volta de uma hora da madrugada.
- Perfeito. A réplica do helicóptero já foi entregue, e, pelo que sei, está tudo em ordem.
Seu anfitrião não desconfia de nada?
- Rosenzweig continua afirmando que Carpathia é um bom sujeito que está sendo mal
compreendido. Ele vai ficar tão surpreso quanto qualquer outra pessoa quando
desaparecermos no meio da noite. Geralmente, ele é o primeiro que vai para a cama,
portanto vamos ficar de olho. Não poderemos fazer as malas ou qualquer outra coisa que
chame a atenção enquanto não tivermos certeza de que ele já dormiu. Se algum erro
ocorrer, ele vai ficar de boca fechada até estarmos bem longe daqui.
Surgiu um pequeno problema nos planos para a noite de sexta-feira. Parecia que todas
as pessoas queriam ir ao estádio. As ameaças em público contra as testemunhas e a
animosidade entre Carpathia e Ben-Judá serviram para chamar a atenção do povo. O local
ficaria lotado. Na noite anterior, Chloe decidira permanecer em casa, mas agora queria
estar presente e prometeu tomar cuidado e não exagerar. Disse que permaneceria
sentada do começo até o fim da reunião.
O Dr. Rosenzweig permitiu que Jacov voltasse a ser o motorista do grupo por achar que o
castigo imposto a ele era ridículo.
- E se a escolta da CG perceber que ele está dirigindo? - perguntou Buck, não desejando
criar um tumulto desnecessário.
Eles vão relatar o caso a Fortunato, e eu insistirei para falar pessoalmente com Nicolae.
Mas, Cameron, eles não vão se importar. Quando virem Jacov sentado ostensivamente ao
volante, vão pensar que foi feito um novo acordo. A esposa dele irá junto.
- O quê?
- E Stefan também.
- Ora, Chaim! Vai parecer um circo.
- E o patrão deles irá também.
- O patrão deles? Quem? Chaim sorriu para Buck.
- Você não sabe quem é o patrão do meu motorista e do meu criado?
- Você? Você quer ir?
- Quero e vou. Quero ver todos nós espremidos dentro
do Mercedes, parecendo uma excursão escolar. Vai ser muito divertido!
- Chaim, não é aconselhável.
- Não seja tolo. Você e Tsion têm insistido para que eu vá. Assisti pela TV. Estou curioso.
Quero ter aquela conversa com Tsion esta noite.
- Esta noite?
- Esta noite. Ele tem falado que coisas mais terríveis ainda devem vir do céu, portanto
estará com disposição para tentar convencer seu velho amigo de que Jesus é o Messias.
- Ele vai estar exausto, Chaim. E você também.
- Cansado para um bom debate? Você não conhece os judeus, Cameron. E, com certeza,
não conhece o rabino. Estou surpreso com você! Um bom... missionário... ou, como vocês
dizem, um evangelista querendo adiar um encontro com um possível convertido?
- Você está falando sério?
- Provavelmente não, mas quem sabe? Você não deve subestimar um curioso, estou
certo?
Buck balançou a cabeça.
- Em circunstâncias normais. Mas você está zombando de nós.
- Promessa é promessa, meu jovem amigo. E sou um homem de palavra.
- Você sabe que Tsion deve preparar-se para a reunião no Monte do Templo amanhã.
- A reunião será ao meio-dia! Ele tem dez anos ou pouco mais que você, meu amigo, mas
tem quase 30 menos que eu. Ele é forte. E quem sabe? Se ele estiver certo, é sinal de que
recebeu poder de Deus. Vai resistir. Poderá conversar com um idoso até altas horas da
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madrugada e, mesmo assim, estar preparado para a pequena reunião de amanhã. E eu
também vou comparecer àquela reunião.
O nervosismo de Buck era muito grande no momento em que ficou a sós com Tsion. O
rabino estava mais preocupado com a suposta reunião anunciada para o dia seguinte no
Monte do Templo do que com a presença de Rosenzweig no estádio.
- Naquela hora, já teremos fugido - disse Buck. – Chaim vai saber que não haverá
nenhuma reunião. Precisamos ter a certeza de que todos os nossos companheiros saibam
que partimos, para que ninguém cometa o erro de comparecer ao Monte do Templo.
Nicolae vai ficar tão zangado com nossa fuga que talvez leve seus planos adiante e mate
seus seguidores, Tsion.
Tsion assentiu, com ar de tristeza.
- Quero crer que os selados estão protegidos, mas não sei se essa proteção vai além dos
julgamentos de Deus. Evidentemente, Deus é quem manda os julgamentos, mas Ele pode
instruir seus anjos para não ferirem seus selados. Por outro lado, Ele deu ampla liberdade
de ação ao anticristo. Eu não gostaria de ser responsável por nenhum atentado a eles por
ter-lhes passado informação errada.
Buck olhou para seu relógio. Eles precisavam chegar ao estádio dentro de uma hora.
- De uma coisa temos certeza, e acho que meu professor tem razão. Seja lá o que for que
Nicolae tenha engendrado para amanhã, as duas testemunhas do Muro não serão
atingidas.
- Se elas estiverem lá - disse Tsion, sorrindo.
- É claro que estarão.
- Como você tem tanta certeza?
- Nicolae advertiu que, se elas aparecessem em público, seriam mortas. Que lugar seria
mais público do que o Muro, onde elas estão há mais de dois anos?
- Gostei de seu argumento - disse Tsion, dando um tapinha no ombro de Buck. - Acho que
tem um bom professor.
Rayford estava falando ao telefone com o Dr. Floyd Charles, que ficara na casa secreta,
enquanto Ken pilotava o Gulfstream sobre o Atlântico.
- Estou com vontade de "apagar o facho dela", conforme se diz na faculdade de medicina.
- Faz muito tempo que não ouço esta expressão – disse Rayford. - Como funciona?
- O efeito é o mesmo que adicionar um pouco de droga na bebida - disse Floyd -, só que
dizemos ao paciente que estamos aplicando um soro inofensivo. Eu poderia deixá-la fora
do ar por 24 horas, mas seu sistema imunológico ficaria prejudicado.
- Você está considerando essa possibilidade?
- Nao. Mas ela está me deixando maluco. Tive de segurá-la à força para ela não começar a
subir e descer as escadas.
- As escadas!
- Foi o que eu disse. Estou satisfeito por ela se sentir mais forte, e, por mais irônico que
pareça, essa raiva assassina que Hattie sente de Carpathia parece estar acelerando sua
recuperação. Mas não posso permitir que ela se esforce para subir escadas enquanto
ainda estiver fraca. Francamente, Ray, parece que estou tomando conta de uma criança
de três anos. Quando menos espero, lá está ela subindo a escada.
- E se ela descer?
- Como descer?
- Ela não pode descer?
- Ray, completei o curso de medicina, e não aprendi como alguém pode descer uma
escada sem ter subido.
- Você poderia carregar Hattie no colo na subida e deixá-la descer sozinha.
Houve uma longa pausa, e Rayford teve de perguntar se Floyd continuava na linha.
- Sim - ele disse. - Eu estava pensando se seria uma boa idéia.
- Você não esperava por esta, certo? De vez em quando, até os pilotos têm alguma idéia
útil.
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- O problema, Ray, é que estou procurando um motivo para tocar nela, segurá-la,
confortá-la. Você está me dizendo para carregá-la no colo, e ainda quer que eu faça uma
reavaliação de meus sentimentos por ela?
- Não se perca, doutor. Você não é mais um adolescente. Achei que sua obsessão por ela não
fosse apenas física, mas acho que me enganei. Você mal a conhece. Se ela o deixa maluco, é
porque você permite. É melhor comportar-se até a nossa volta para que possamos ajudá-lo a
manter a cabeça no lugar.
- Está bem, está bem.
- Desde já.
- Eu sei. Já entendi.
- Mais uma coisa, doutor. Lembre-se de que nossa prioridade número um, principal,
absoluta é que ela seja salva.
- Ah, sim.
- Não notei entusiasmo em sua voz, Floyd.
- Fique tranqüilo, eu entendi.
- Se você se importa o mínimo com Hattie, além de seus impulsos de adolescente de
segurá-la nos braços, haverá de querer, antes de tudo, que ela faça parte da família.
- Buck, temos um problema - disse Chloe, arrastando-o para dentro de um cômodo vazio.
- Tentei fazer o caminho até o heliporto, para não haver nenhuma surpresa, e constatei
que a chave sumiu.
- O quê?
- A chave que Rosenzweig costumava deixar pendurada num prego no batente da porta
que dá acesso ao heliporto. Ela sumiu.
- Será que ele desconfiou de alguma coisa?
- Como ele poderia desconfiar? Agi do modo mais sutil que pude. Foi ele quem levantou o
assunto. Eu só lhe pedi que me contasse a história da casa.
- Você acha que aquela porta é tão resistente por dentro como eu senti que era por fora?
- Parece um muro de tijolos, Buck. Se tivermos de abrir uma passagem ou derrubá-la,
vamos acordar todo mundo, inclusive os guardas de Chaim e ele próprio.
- Precisamos encontrar a chave ou perguntar a Chaim o que foi feito dela.
- Você acha que Jacov teria alguma coisa a nos dizer? Buck deu de ombros.
- Se eu perguntar-lhe, com certeza ele vai desconfiar.
- Mas ele é um irmão, Buck.
- Novato demais. Não estou dizendo que ele nos trairia de propósito.
- Você ouviu falar da esposa dele?
- Só sei que ela vai conosco hoje à noite. O que ela pensa da nova fé do marido?
- Então você não sabe? -Não.
- De acordo com Chaim, Jacov afirma que sua mulher também se converteu. Chaim achou
graça e pediu que eu usasse o poder que Jesus me deu para ver se ela também tem o
selo na testa.
Buck balançou a cabeça.
- Estamos fazendo a colheita de almas. Continuo orando por Rosenzweig.
Hannelore, a esposa de Jacov, comprovou ser uma judia nascida na Alemanha. Tinha
cabelos cor de areia, olhos azul-claros, sorriso tímido. Ela foi ao encontro de Jacov,
Stefan, Buck, Chloe, Tsion e Chaim na saída da garagem, e os guardas abriram as portas
do Mercedes para eles. Chloe deu-lhe um abraço apertado. Apesar de tê-la conhecido
naquele momento, ela afastou os cabelos da testa de Hannelore.
Buck também a abraçou, cochichando ao seu ouvido.
Bem-vinda à família.
Minha esposa, ela não entende muito bem inglês – disse Jacov.
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Bem, e daí? - perguntou Chaim, com um brilho nos olhos. - Ela tem a... - neste ponto,
ele abaixou o tom de voz e resmungou - ...tal marca secreta?
A bem da verdade, tem sim, Dr. Rosenzweig - disse
Chloe, visivelmente contrariada diante da ironia de Chaim.
- Oh, que bom! - ele exultou, dirigindo-se ao banco da frente. - Agora vocês são uma
grande família, não? E quanto a você, Stefan? Você já foi promovido à categoria dos santos
da tribulação?
Talvez esta noite! - disse Stefan. - Quase na última noite!
Caramba! - disse Chaim. - Daqui em diante, vou ser a minoria, não?
Somente Jacov e Chaim sentaram-se no banco da frente. Hannelore sentou-se atrás de
Jacov, Chloe no meio e Tsion atrás de Chaim. Buck e Stefan se espremeram no
compartimento traseiro. Jacov já começara a acelerar o carro quando Jonas parou na frente
deles e fez um sinal para que Chaim abaixasse o vidro. Ele falou apressado com Chaim em
hebraico.
Buck, que estava com o rosto perto da cabeça de Tsion, cochichou:
- O que está havendo?
Tsion virou-se e disse em voz baixa.
- Eles receberam um telefonema de Leon. Ele está enviando um helicóptero para cá. O
trânsito está muito congestionado; o estádio já está lotado. Tiveram de abrir os portões
com duas horas de antecedência. - Tsion parou para continuar a ouvir. - O segurança
disse a Fortunato que havia sete pessoas para serem transportadas, um número muito
grande para um helicóptero. Aparentemente, Fortunato pediu que ele dissesse a Chaim
que, se recusarmos a ajuda da CG, teremos de seguir por conta própria. Chaim está
dizendo que o segurança fez bem em avisá-lo. Espere um pouco. Ele está murmurando
uma outra coisa. Oh, não.
- O quê?
- Fortunato avisou que Jacov não pode fazer parte da comitiva. Chaim está zangado,
exigindo que o segurança chame Leon de volta ao telefone.
Jonas fez um sinal para que Jacov encostasse o carro perto da guarita. O telefone foi
passado a Chaim, que imediatamente começou a argumentar com veemência em
hebraico.
- Então vou falar em inglês, Leon. Pensei que você conhecesse todos os idiomas do
mundo como seu patrão parece conhecer. Eu chamo Nicolae de potentado porque sempre
o admirei, mas não vou chamar você de senhor
e muito menos de supremo-sei-lá-o-quê. É melhor você me ouvir. Sou amigo pessoal do
potentado. Ele prometeu proteger meus convidados. Ficarei sentado ao lado de Jacov no
estádio esta noite, sim, no meio do povo! Não vou me esconder nos bastidores... Para
você, ele pode ser um simples motorista ou criado. Para mim, ele faz parte de minha
família, e não poderá sofrer ameaças. Fugir de seus guardas e atirar para o alto pode ter
sido uma imprudência, mas ele não teria feito isso se não tivesse percebido que nossos
hóspedes estavam sendo ameaçados pelas próprias pessoas que lhes prometeram
segurança!
Tsion estendeu o braço e pousou a mão no ombro de Rosenzweig como se quisesse
acalmá-lo. Buck podia ver a tensão no pescoço daquele homem idoso e as veias saltadas
em suas têmporas.
- Não preciso fazer você se lembrar de que, pouco tempo atrás, o rabino Tsion Ben-Judá
perdeu sua família simplesmente por ter manifestado na televisão a sua crença! Ele foi
banido de seu país natal como se fosse um criminoso comum!... Sim, eu sei o quanto os
judeus se sentiram ofendidos! Eu sou judeu, Leon! E há mais coisas que posso lhe dizer...
Tsion me disse que sua religião está fundamentada em fé e também em erudição, mas
este não é o ponto!... Não! Não sou um deles, conforme você está
dizendo. Mas, se eu descobrir que Nicolae desrespeita estes devotos de Deus da mesma
forma que você, talvez eu passe para o lado deles!
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- Neste momento, estamos nos dirigindo para o estádio em um veículo de minha
propriedade. Vamos dar um jeito de desviar do trânsito porque conhecemos os atalhos, e
acredito que os seguidores de Tsion abrirão caminho para nós... Já que assumi um
compromisso com você, está bem, vou usar um outro motorista... - Chaim fez um rápido
sinal para
que Jacov e Stefan trocassem de lugares - ...mas saiba que estamos de saída e
contamos com a proteção prometida pelo potentado.
- ... Se eu vou me desculpar? Você faz muita questão de títulos, Leon. Não, não vou me
desculpar por ter ofendido você. Você me ofendeu, e daí? Tenho tentado manter a calma,
e minha vida tem sido a mais normal possível apesar das honras e riqueza que consegui
com minha fórmula... Não faço questão de um novo título ou de um pedestal mais alto, e
francamente isso também não combina muito bem com você.. Estamos saindo, Leon, e
meu novo motorista parece ter-se esquecido de que meu telefone tem fio! Adeus!
Chaim riu.
- Stefan, seu traidor! Você quase arrancou o telefone do fio!
- Eu, um traidor? - disse Stefan, sorrindo. - O senhor me colocou no lugar mais perigoso!
Chaim virou-se no banco.
- Tsion, meu filho, você sabe o que Leon disse enquanto estávamos saindo?
- Nem imagino.
- Que ele vai encontrar um título mais apropriado para um homem de minha posição! Você
já conheceu uma pessoa tão desinformada e com tantos argumentos?
- Nunca - disse Tsion.
Buck não conseguia compreender como uma viagem tão perigosa poderia tornar-se tão
divertida.
88
DEZ
RAYFORD pilotou a maior parte do trecho sobre o Atlântico, programando sua chegada de
modo a permanecer o mínimo de tempo no solo. Mac o informara de que Carpathia e seus
asseclas continuavam hospedados no Hotel Rei Davi e que o Condor 216 estava no hangar
do aeroporto Ben Gurion em Tel-Aviv. Rayford calculou que a segurança deveria estar mais
severa no Ben Gurion, mas Carpathia estava sendo transportado em um helicóptero da CG
diretamente do aeroporto de Jerusalém.
- Você continua com a idéia de se encarregar do helicóptero enquanto eu aguardo na
pista com as turbinas deste jato aquecidas? - perguntou Ken.
- Desde que ninguém saiba que desertei. Se a notícia sobre minha fuga já se espalhou e
se me pegarem pilotando um helicóptero da CG sem autorização, adeus missão.
- Ponha seus pensamentos em ordem, Rayford. Estou querendo dizer que sou um bom
soldado, e faço o que me mandam. Mas preciso que me digam o que devo fazer.
- Eu preciso de sua ajuda, Ken. Ainda tenho minhas credenciais de alta patente, mas...
- Se eles descobrirem e você for pego, como vou poder levar o nosso pessoal até o
Gulfstream2.
Rayford meneou a cabeça.
- Preciso ligar mais uma vez para Mac.
- Você continua no comando, e eu ligo. Vou ter de pilotar durante muitas horas.
Ken passou o telefone a Rayford.
- Ei, companheiro, estou feliz por você ter ligado – disse Mac. - Passei por um
interrogatório sobre você durante uma hora. Eles não suspeitam nada de mim, mas
acham que você está em Jerusalém.
- Espero que não estejam me caçando nos Estados Unidos.
- Eu gostaria que estivessem, Ray. Eles estão dando busca por toda Jerusalém, e vão
encontrá-lo.
- Eles não pensariam que sou tão idiota a ponto de estar num aeroporto.
- Talvez não, mas não saia do Gulfstream.
- Você acabou de responder a uma pergunta muito importante para nós, Mac. Obrigado.
- O quê? Você estava pretendendo buscar o pessoal de helicóptero? Não seria uma atitude
inteligente. Mesmo que seu instrutor tenha sido excelente, eu nunca achei que você fosse
talhado para pilotar helicópteros.
- Vai ser melhor assim. Ken já esteve na casa de Rosenzweig. Se não chamarmos muito a
atenção, poderemos nos sair bem. Onde Carpathia vai estar?
- Não há nenhum plano de vôo, e ele já deixou bem claro que não vai atrapalhar de novo
a festa no estádio. Ele vai ficar perto do Rei Davi esta noite, e eu já fiz o roteiro de um
vôo no meio da manhã para a Nova Babilónia saindo de Tel-Aviv. Ele estará bem longe
daqui quando alguma coisa violenta acontecer.
Como você vai levá-lo a Tel-Aviv?
De helicóptero, saindo do aeroporto de Jerusalém.
Se os dois helicópteros forem idênticos, como vamos saber qual é o nosso?
- Eles vão ficar lado a lado, de frente para o sul. Pegue o do lado oeste. Ninguém está
tomando conta deles como do Condor no Ben Gurion.
- Você viu o helicóptero que David providenciou para nós?
- Não, mas ele está lá. O pessoal do aeroporto ligou perguntando o que deveria fazer com
ele. Você vai ficar orgulhoso de mim, Ray. Adotei uma postura de chefe e disse ao sujeito:
"O que você acha que deve ser feito
com um helicóptero de reserva? Afaste os curiosos dele! Se eu encontrar alguém que não
pertença à minha tripulação encostando um dedo nele, cabeças vão rolar!" Ele ficou
89
impressionado.
- Você é o máximo, Mac. Veja, então, qual vai ser o nosso plano. Vou pousar o Gulfstream
e fingir que estou fazendo uma viagem de negócios e parei para abastecer e verificar o
sistema. Ken vai pegar o helicóptero e decolar enquanto eu estiver abastecendo. Será que
alguém vai vê-lo?
- Não, desde que ele siga na direção sul, com os faróis apagados, até estar bem afastado
do terminal. Seria muita desventura alguém vê-lo. A parte mais complicada vai ser
levantar vôo novamente, digamos, 20 minutos depois. Você não deve ficar em evidência
enquanto estiver aguardando que ele pouse com seus passageiros, para não despertar
suspeitas. É claro que você vai acompanhar tudo pelo telefone sigiloso para que a torre
não escute a conversa. Taxie o Gulf até o final da pista onde é mais escuro. Ken poderá
pousar ali, com os faróis apagados. Se a torre perceber a manobra, vocês estarão a meio
quilómetro de distância, e
não haverá tempo de alguém alcançá-los, portanto sigam em frente. Se tudo correr bem,
ninguém verá o helicóptero partir ou chegar. O sujeito que o trouxe até aqui está em
Haifa. Eu disse a ele que o avisaria se precisasse de alguma coisa. Ficou combinado que
ele vai levar o helicóptero de volta para a Nova Babilónia depois que partirmos.
Ore por nós, Mac. Acho que estamos preparados, mas nunca se sabe o que poderá
acontecer.
Vou orar, Ray. O tempo todo. Deixe-me falar rapidamente com Ken.
Rayford passou o telefone a Ken.
- Muito obrigado - disse Ken. - Eu também quero muito conhecer você, mas, pelo que
estou entendendo, isso só vai acontecer quando você passar a ser um fugitivo como o
meu amigo Rayford. Por enquanto, tome cuidado. Manteremos contato.
A cada dia que passava, Buck ficava mais surpreso diante da desenvoltura de sua esposa.
Apesar de jovem, Chloe conhecia o momento certo de lidar com as pessoas. Sabia
quando agir, quando falar e quando não tomar nenhuma atitude. Ela aguardou até
estarem perto do estádio, parados no trânsito, para abordar o assunto da chave.
- O senhor sabe de uma coisa, Dr. Rosenzweig? – ela começou a dizer. - Eu fui pegar
nossa mala no armário no fim do corredor e vi que a chave que o senhor me mostrou
outro dia sumiu.
- Como a chave pode ter sumido se eu sei onde ela está?Chloe riu.
- Então, está bem. Eu só quis avisá-lo, caso o senhor não soubesse.
- Você estava com medo de que eu a acusasse de ter pego a chave? - ele perguntou, com
ar de brincadeira.
Chloe balançou a cabeça negativamente.
Eu notei a falta da chave - ela disse. - Só isso.
Foi por medida de segurança - disse Chaim. Ela encolheu os ombros, e Buck aprovou o
gesto da esposa por fingir que o problema não lhe dizia respeito. - Achei que foi uma
tolice deixá-la pendurada lá durante todos estes anos. Eu estava correndo um risco, não?
-Acho que seria muito mais arriscado se o senhor a tivesse deixado pendurada do lado de
fora. - Este comentário provocou um acesso de riso tão grande em Chaim que o carro
quase chegou a balançar. - Nos Estados Unidos - ela prosseguiu -, não temos muitas
portas que podem ser trancadas por dentro e por fora.
- Verdade? Elas são comuns aqui, principalmente as que não são muito usadas. Imagino
que no tempo em que minha casa foi sede de uma embaixada, aquela porta era usada
frequentemente, e trancada e destrancada a chave só pelo lado de fora.
Chloe fingiu estar mais interessada na multidão que fervilhava do lado de fora do carro.
- Jacov - disse Chaim -, você ainda tem a chave, não?
- Tenho! - ele gritou do fundo do carro, perto de Buck.
- Neste momento, ela está dentro do bolso de minha calça, cutucando minha perna!
Chaim virou-se para trás e disse a Chloe em tom de segredo.
90
- É a única chave que tenho para aquela fechadura. Acho que nunca precisarei sair por lá,
mas seria melhor ter uma cópia. Jacov cuidará disso na segunda-feira.
Ela assentiu, virou-se para trás e cruzou o olhar com o de Buck.
O que devo fazer?, pensou Buck. Tentar surrupiá-la? Ele não queria que Jacov tomasse
conhecimento da fuga antes de estarem bem longe. Rosenzweig também não poderia
saber de nada, apesar de sua discussão acalorada com Leon Fortunato.
Quando Stefan entrou em um estacionamento particular perto da entrada do lado oeste,
Buck sentiu-se satisfeito por aquela reunião ser a última do evento. O Encontro das
Testemunhas havia sido melhor do que ele imaginara, mas como acomodar toda aquela
multidão? A cada noite, o número de assistentes aumentava. As pessoas se acotovelavam,
o estádio estava lotado e havia mais gente afluindo para lá. A imprensa, reconhecidamente
controlada pela Comunidade Global, espalhava-se por toda parte, uma clara evidência de
que Nicolae estava monitorando todos os detalhes.
O grupo chegou à área perto do palco, onde a delegação local aguardava. Buck ficou
impressionado com o efeito causado pelo tom peremptório da voz de Tsion. Ele devia
estar se sentindo como um pastor, cujo rebanho era composto de dezenas de milhares de
ovelhas dentro e fora do estádio. Nos dois dias anteriores, ele havia deixado a
programação a cargo do mestre-de-cerimônias e da delegação local, e só apareceu no
palco para pregar quando chegou sua vez. Agora, ele parecia tomar conta da situação,
pelo menos de determinados detalhes.
- Buck - ele disse, chamando-o com um movimento de cabeça. Quando Buck se
aproximou, Tsion o agarrou pelo braço e puxou-o na direção do mestre-de-cerimônias. -
Você já conhece Daniel, é claro. - Buck assentiu, cumprimentando-o com um aperto de
mão. - Daniel, preste atenção - prosseguiu Tsion -, quero que você reserve cinco lugares
para meus convidados na ala especial. Eles são: o Dr.
Rosenzweig e dois funcionários, a esposa de um deles e a esposa de Buck. Entendido?
Claro.
Eu gostaria que Buck ficasse na parte do fundo do palco, como sempre. - Tsion virou-se
para Buck. - Chloe não terá problemas por ficar longe de você?
De jeito nenhum. A pergunta é se conseguirei ficar longe dela.
Aparentemente, Tsion estava concentrado demais para achar graça do comentário de
Buck.
- Daniel - disse Tsion -, eu também gostaria que a presença do Dr. Rosenzweig fosse
mencionada com a dignidade que ele merece. Ele não me pediu nada, mas trata-se de
uma cortesia diante da posição que ele ocupa neste país.
Cuidarei disso.
Após a saudação, anuncie a reunião de sábado para a delegação local no Monte do
Templo, mencione a presença do Dr. Rosenzweig, ore, conduza um hino e deixe o resto
por minha conta. Nada de apresentações hoje. Eles já sabem quem eu sou.
Mas, senhor...
Por favor, Daniel. Estamos na linha de fogo, e a situação está ficando cada vez mais
perigosa. Somos inimigos do sistema mundial e teremos muitas oportunidades de expor
essa gente ao ridículo. Fazer alarde sobre mim não adiantará nada e simplesmente...
Desculpe-me interrompê-lo, doutor. Sr. Williams, estou certo de que o senhor concorda
comigo em que estas pessoas estarão ansiosas por aplaudir o Dr. Ben-Judá, porque esta
talvez seja a última oportunidade que terão de vê-lo. Por favor...
Se o público reagir espontaneamente - disse Tsion -, aceitarei de bom grado. Mas nao
quero uma apresentação pomposa. Você poderá fazer isso sem usar o meu nome. Faça de
conta que é um desafio pessoal. Daniel parecia estar pesaroso.
O senhor tem certeza?
Tenho certeza de que você se sairá muito bem.
Rayford, sem ter nada pela frente a não ser o oceano, recebeu um telefonema de Floyd
91
Charles.
O que houve, doutor?
Detesto ter de aborrecer você - disse Floyd -, mas este assunto parece ser importante.
Hattie passou um bocado de tempo falando ao telefone com um rapaz chamado Ernie,
amigo de Ken.
Eu o conheci.
Acho que ela falou com ele quando ligou para você.
Sim, e daí?
Ela quer ver o tal rapaz.
Será que Hattie não sabe que ele é dez anos mais novo do que ela?
- Não é a mesma diferença de idade entre Buck e sua filha?
Rayford fez uma pausa.
- O que há com você? Está preocupado com um relacionamento entre eles? Já conversou
com o rapaz?
- Já. Ele é crente. Parece ser um bom sujeito.
- Ele é um ótimo mecânico, mas não parece ser um homem para Hattie. Não se preocupe.
Ela é sua paciente, Floyd, mas é também uma mulher adulta. Não temos autoridade sobre
ela.
- Não é isso o que me preocupa, Rayford. Ela quer que ele venha até aqui.
-Epa!
- Minha reação foi a mesma. Não queremos que ele conheça este lugar, não é mesmo?
- Não. Ele é um irmão, mas não sabemos se é maduro o suficiente para ficar de boca
fechada, esse tipo de coisa.
- Foi o que pensei. Só queria trocar ideias com você.
- Não deixe que ela dê nem uma dica sequer do local onde estamos.
- Certo! Eu devia recompensá-la por bom comportamento e levá-la para passear um ou
dois dias em Palwaukee. Assim, ela poderia conhecer o rapaz.
- Estaremos de volta antes disso, doutor. Faremos um piquenique. Vamos reunir o
Comando Tribulação inteiro, com exceção de David e Mac, é claro.
Depois que o grupo orou nos bastidores, Tsion continuou de cabeça baixa e olhos fechados.
Buck não sabia dizer se Tsion estava mais nervoso que o usual, e manteve os olhos fixos
no rabino até Daniel passar por eles e seguir em direção ao palco. Tsion olhou para Buck
e acenou para que ele se aproximasse.
- Fique perto de mim, Cameron - ele disse.
Buck sentiu-se honrado. Postou-se ao lado de Tsion na lateral do palco enquanto Daniel
saudava a multidão e anunciava a reunião de sábado.
- A maior parte dos senhores já terá ido embora, mas os que moram nesta cidade ou vão
ficar mais uns dias poderão comparecer. Lembrem-se, contudo, de que se trata apenas de
uma reunião de agradecimento à delegação local.
Em seguida, ele pediu ao Dr. Rosenzweig que se levantasse para receber o aplauso da
plateia.
Como você vai conseguir a chave? - Tsion perguntou.
Ainda não sei, mas vou sondar Jacov para saber onde ela está e pedir-lhe que não faça
perguntas. Creio que ele vai acreditar em mim até que eu possa explicar.
Tsion assentiu com a cabeça.
- Estou sentindo uma vibração diferente esta noite, Cameron - ele cochichou de repente.
Buck não sabia o que dizer. Quando Tsion curvou novamente a cabeça, Buck passou o
braço ao redor do ombro dele e ficou surpreso ao perceber que o rabino tremia.
Daniel orou e, em seguida, conduziu o cântico do hino "Santo, Santo, Santo".
- Excelente escolha - murmurou Tsion, limitando-se a ouvir o hino.
Buck tentou cantar e fez um gesto afirmativo quando Tsion lhe disse:
- Ore por mim.
92
Quando o hino terminou, Tsion olhou para Buck, que levantou a mão fechada, o rosto
estampando entusiasmo.
- E agora - dizia Daniel - convido todos os presentes a ouvirem uma mensagem da
Palavra de Deus.
Buck emocionou-se ao ver o povo levantar-se e aplaudir. Não houve gritos nem assobios.
Apenas aplausos demorados e vibrantes que pareceram enternecer Tsion. Ele acenou
timidamente para a multidão e, quando terminou de arrumar suas anotações em cima do
púlpito, deu um passo para trás e aguardou o término dos aplausos.
- Deus colocou uma mensagem em meu coração para esta noite - ele disse. - Antes de abrir
a Bíblia, eu gostaria de convidar a vir à frente todos aqueles que queiram aceitar a Cristo. -
Imediatamente, de todas as partes do estádio e até mesmo de fora, filas de pessoas
começaram a caminhar na direçao do palco. Muitas choravam, provocando aplausos dos
santos da tribulação. - Os senhores conhecem a verdade prosseguiu Tsion. - Deus já lhes
chamou a atenção. Os senhores não necessitam de mais argumentos nem de apelos. Basta
reconhecer que Jesus morreu, e que Ele morreu por nós.
O povo continuava a caminhar em direção ao palco. Tsion pediu aos crentes que orassem
com aqueles que necessitassem de oração. Parecia que todos os que ouviram o convite
de Tsion - com exceção do pessoal da Comunidade Global - se apresentaram em busca da
salvação.
- A Rede Comunidade Global está transmitindo este evento para o mundo inteiro pela TV e
pela Internet - disse Tsion.
- Estou certo de que todas as pessoas entenderão nossa mensagem, e a CG não deve
temer por ter permitido que a proclamássemos. A CG dirá que a nossa mensagem não fala
do ecumenismo e da tolerância que eles promovem, e digo que estão certos. Existe o
certo e o errado, existem verdades absolutas, e algumas coisas não podem, não devem e
não deverão ser toleradas jamais.
- A Rede Comunidade Global não vai nos tirar do ar, a menos que tenha medo de nossa
mensagem, da verdade de Deus e de um rabino convertido que acredita que Jesus é o
Messias. Aplaudo a coragem da administração da Comunidade Global e estou fazendo uso
de sua generosidade. Sem nenhum custo para nós, esta mensagem está sendo
transmitida a todos os países do mundo. Não temos necessidade de intérpretes, e
tomamos conhecimento pelos noticiários de que o mesmo milagre ocorre com os que
estão nos assistindo pela TV. Se os senhores não compreendem hebraico nem inglês, mas
entendem cada palavra que estou dizendo, sinto-me feliz por afirmar-lhes que Deus está
operando em suas mentes. A maior parte desta mensagem está sendo proferida em
inglês, embora a leitura que faço da Bíblia seja em hebraico, grego e aramaico. Fiquei
surpreso ao constatar que até mesmo meus colaboradores ignoram este fato. Cada um a
ouve na própria língua.
- Deus também está operando em seus corações. Os senhores não precisam estar
conosco fisicamente para aceitarem a Cristo esta noite. Não há necessidade de estar
acompanhado, de orar com outra pessoa ou de ir para outro lugar qualquer. Basta que
cada um dos senhores diga a Deus que reconhece ser um pecador e que está afastado
dele. Diga-lhe que não pode fazer nada sozinho para aproximar-se dele. Diga-lhe que
acredita que Ele enviou seu Filho, Jesus Cristo, para morrer na cruz por seus pecados, e
que Jesus ressuscitou, arrebatou sua Igreja e voltará novamente à terra. Receba-o como
seu Salvador aqui neste lugar. Creio que milhões de pessoas no mundo inteiro estão se
juntando à grande colheita de almas que produzirá santos e mártires da tribulação, uma
multidão que não poderá ser enumerada.
Tsion parecia desgastado e afastou-se do púlpito para orar. Quando o povo que afluíra à
frente começou a dispersar e retornar aos seus lugares, Tsion voltou ao púlpito. Mais uma
vez, ele colocou em ordem suas anotações. Seus ombros estavam curvados, e ele parecia
estar respirando com dificuldade. Buck começou a preocupar-se com ele.
Tsion pigarreou e deu um longo suspiro. Sua voz enfraqueceu subitamente.
93
- Meu texto para esta noite - ele conseguiu dizer – está em Apocalipse 8.13.
Por todo o estádio, dezenas de milhares de Bíblias foram abertas, e o ar encheu-se do
ruído de páginas sendo viradas. Tsion caminhou até Buck enquanto o povo procurava a
passagem bíblica.
- Você está bem, Tsion?
Acho que sim. Se for necessário, você leria o texto em meu lugar?
Claro. Agora?
Prefiro tentar, mas eu o chamarei se precisar.
Tsion retornou ao púlpito, olhou para o texto, ergueu os olhos para encarar a multidão e
pigarreou mais uma vez.
- Tenham um pouco de paciência comigo - ele disse. – Esta passagem nos adverte que,
assim que a terça parte da terra escurecer, virão em seguida três terríveis ais. Por serem
tão sinistros, eles serão avisados do céu com antecedência.
Tsion pigarreou mais uma vez, e Buck preparou-se para ser chamado. Ele queria que Tsion
pedisse sua ajuda. Mas, de repente, ele sentiu o cheiro de poeira e fumaça que exalava
dos trajes das duas testemunhas e levou um susto quando Eli e Moisés apareceram a seu
lado. Buck virou-se e fitou os olhos de Eli, com a sensação de estar sonhando. Ele nunca
se aproximara tanto dos profetas e teve de conter-se para não tocar neles. Os olhos de Eli
estavam fixos nos dele.
- Não te exponhas diante do inimigo - disse Eli. - Sê sóbrio, sê vigilante. O diabo, teu
adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar.
Buck não conseguiu falar. Tentou fazer um movimento afirmativo com a cabeça para
indicar que ouviu e entendeu, mas ficou paralisado. Moisés inclinou-se entre ele e Eli e
complementou:
- Resiste e permanece firme na fé.
As testemunhas afastaram-se dele e postaram-se atrás de Tsion. O povo parecia tão
atónito que não gritou nem aplaudiu. Limitou-se a apontar, levantar-se e inclinar-se para
a frente a fim de ouvir melhor.
Moisés disse:
- Meus amados irmãos, "o Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna
glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar,
fortificar e fundamentar".
Buck achou que Tsion ia desmaiar, mas ele abriu caminho para os dois. No entanto, eles
não se aproximaram do microfone. A voz de Moisés foi tão forte ao citar o texto escolhido
por Tsion que todos puderam ouvi-lo, tanto no estádio como pela TV.
- "Então, vi, e ouvi uma águia que, voando pelo meio do céu, dizia em grande voz: Ai! Ai!
Ai dos que moram na terra, por causa das restantes vozes da trombeta dos três anjos que
ainda têm de tocar."
Buck ouviu, por todo o estádio, o som dos poderosos rifles da CG sendo engatilhados. Os
guardas apoiaram-se em um dos joelhos para ter condições de mirar as duas
testemunhas. Buck sentiu vontade de gritar: "Ainda não é chegada a hora, seus tolos!",
mas conteve-se para proteger Tsion, Chloe, seus amigos e ele próprio.
Mas não houve nenhum tiro. E, quando parecia que um ou dois guardas poderiam apertar
o gatilho, Eli e Moisés afastaram-se do palco, passando por Buck e pelos próprios
atiradores que apontavam as armas para eles. Os guardas abriram caminho. Alguns
caíram ao solo, e suas armas bateram com força no piso de concreto.
Buck ouviu Tsion dizer do púlpito:
- Se, porventura, não mais nos reunirmos neste mundo ou no reinado de mil anos que nosso
Salvador instalará aqui na terra, vou saudá-los pela Internet e transmitir-lhes ensinamentos
extraídos de Apocalipse 9! Sejam todos bem- sucedidos! Divulguem o Evangelho de Cristo ao
mundo inteiro!
A reunião terminou mais cedo. Tsion, com um ar tão assustado como Buck nunca vira, dirigiuse
apressado até ele, dizendo:
94
- Reúna nosso pessoal na van o mais rápido possível!
95
ONZE
Enquanto se dirigiam ao Oriente Médio na sexta-feira à noite, Rayford e Ken ouviram em
silêncio a curiosa transmissão de Israel, onde ainda faltavam alguns minutos para as 21
horas.
Estamos dentro do horário para aterrissar à meia-noite - disse Rayford. - Oh, desculpeme,
Ken. Eu não tinha a intenção de acordá-lo.
- Eu não estava dormindo - disse Ken, esfregando os olhos. - Apenas pensando. Você
sabe, se tudo o que Ben- Judá diz for verdade, logo vamos ter de passar metade do
tempo tentando sobreviver. O que vamos fazer quando não pudermos mais comprar ou
vender por não termos a marca?
De acordo com Tsion, temos de começar a armazenar roupas e alimentos desde já.
Você sabe o que isso significa? Vamos ser um grupo invisível de crentes, separados do
mundo. Nem que esse grupo tenha mais de um bilhão de pessoas, vamos ser minoria,
considerados criminosos e fugitivos!
Eu sei!
Não vamos poder confiar em ninguém que tenha a outra marca.
Não se esqueça de que haverá muita gente sem nenhuma marca.
Ken balançou a cabeça.
Alimento, energia, saúde pública, transporte... tudo controlado pela CG. Vamos ter de
lutar para conseguir alguma coisa em um imenso mercado negro. Quanto dinheiro temos?
O Comando Tribulação? Não muito. Buck e eu tínhamos bons salários, mas agora não
temos mais. Tsion e Chloe não têm nenhuma fonte de renda. Não sei se Mac e David
poderão nos socorrer, mas acredito que farão o que puderem. Ainda não conversei com
Floyd sobre alguma reserva que ele porventura tenha.
Eu tenho algumas economias escondidas.
Buck e eu também, mas não serão suficientes para pagar a manutenção e o combustível
do avião, muito menos para sobrevivermos.
Não será nada fácil, não é, Ray?
Não posso impedi-lo, mas, por favor, não diga isto novamente.
Ken tirou um bloco de anotações amarelo da sacola. Rayford observou que as páginas
tinham dobras nos cantos, e quase a metade estava escrita à mão.
Sei que nunca assinei nada nem fiz nenhuma promessa quando me juntei a vocês - disse
Ken -, mas tenho pensado um bocado. Nunca fui a favor do socialismo nem do
comunismo, mas parece que, de agora em diante, vamos ser uma comunidade.
No sentido do Novo Testamento, conforme Tsion diz.
- Certo. Eu nao sei o que você pensa, mas tenho um problema quanto a isso.
Rayford sorriu.
Aprendi a acreditar totalmente na Bíblia. É só o que posso lhe dizer.
Não sei o que você vai fazer a respeito dos futuros membros, mas talvez a gente tenha
de formalizar a coisa e doar tudo o que temos à causa.
Rayford mordeu o lábio. Até agora, esse assunto não havia sido problema.
Devemos pedir a cada um que distribua seus bens com os companheiros?
Sim, desde que eles se juntem ao grupo com sinceridade.
Eu estou disposto, e sei que Buck, Chloe e Tsion também estarão. O problema é que não
temos muita coisa. O que Buck e eu temos chega a pouco mais de meio milhão de
dólares. Parece muito dinheiro, mas não vai durar muito
e não será suficiente para financiar os ataques contra Carpathia.
Vocês poderiam transformar esses dólares em ouro rapidamente.
Você acha?
96
Tenho 90% dos meus bens em ouro - disse Ken. - Assim que passamos a ter três
moedas, eu percebi o que ia acontecer. Agora só temos uma, e, não importa o que
aconteça, posso trocar o ouro por qualquer mercadoria. Fiquei obcecado por essa ideia
quando completei 40 anos. Nem sei por quê. Bem, acho que sei. Tsion acredita que Deus
opera em nossa vida mesmo antes de o aceitarmos. Durante quase 20 anos, tenho vivido
sozinho e feito voos fretados. Passei a ser pão-duro. Nunca tive um carro novo, e minhas
roupas duram anos. Sempre usei relógios baratos, até hoje.
Não me importo de dizer a você, mas ganhei milhões de dólares e economizei quase 80%.
Rayford deu um assobio entre os dentes.
Eu já lhe disse qual é a anuidade para ser membro do Comando Tribulação?
Você está brincando, mas o que vou fazer com esses milhões em ouro? Temos menos de
cinco anos pela frente. A palavra férias parece uma bobagem neste momento, não é
mesmo? Estou falando sério, Ray. Quero comprar dois Gulfstreams e, depois, farei uma
oferta pelo Palwaukee.
O aeroporto?
Ele agora não passa de uma pista quase sem uso. O proprietário me disse que sou eu quem
mais utiliza aquela pista. Sei que ele gostaria de vendê-lo, e é melhor que eu o compre antes
que Carpathia tome conta de tudo. O local poderia abrigar vários aviões pequenos, talvez
dois helicópteros, tanques de combustível, torre, equipamentos diversos.
- Você tem pensado muito, não? Ken assentiu com a cabeça.
Mais do que você pode imaginar - ele disse, erguendo o bloco. - Isto aqui está cheio de
ideias. Cooperativas rurais, exploração marítima e até mesmo bancos comerciais.
Ken! Você está maluco! Exploração marítima?
Li que Carpathia está concedendo direitos de exploração aos seus dez homens, os dez reis
conforme diz Tsion, para que eles possam abrir canais para alimentos e petróleo, e
comecei a imaginar coisas. Ele pode fechar a fazenda de qualquer pessoa, jogar uma
bomba nela, queimá-la, confiscar equipamentos. Mas como ele vai conseguir patrulhar
todos os oceanos? Podemos reunir crentes que tenham equipamentos e experiência em
pesca. Estou falando de profissionais. Eles vão ter uma clientela de milhões de santos da
tribulação. Podemos coordenar essa operação, ajudar no processo de embarque e
despacho de mercadorias, cobrar uma porcentagem razoável para financiar a obra do
Comando Tribulação. Rayford verificou os comandos e virou-se para Ken.
De onde você tirou esta ideia?
Você pensou que eu fosse um boboca, não?
Não pensei, não. Mac também gosta de se fazer de bobo, mas é esperto demais. Você tem
algum estudo nessa área ou..
Você não vai acreditar se eu disser que sim.
Neste momento, estou acreditando em tudo.
Escola de Economia de Londres.
Você está me levando na conversa.
Eu disse que você não ia acreditar.
Agora, falando sério, conte como foi.
Faz 35 anos, mas é verdade. Ingressei na aviação, planejava fazer voos comerciais, mas
primeiro queria dar um giro pela Europa. Acabei gostando da Inglaterra. Eu não me lembro
dos detalhes agora, mas fui parar na Escola de Economia de Londres por causa das
minhas notas no curso ginasial.
Você se saiu bem no curso ginasial?
Fui o orador da turma, meu caro. Eu mesmo escrevi o discurso. Achei que ia ser professor
de inglês. Eu falo deste jeito porque é mais fácil, mas você é um eminente conhecedor dos
parâmetros da gramática.
Estou boquiaberto.
Às vezes, eu também fico boquiaberto comigo mesmo.
Não duvido.
97
A multidão que saía do estádio tinha um ar de felicidade no rosto, mas Buck não
conseguia localizar seu pessoal e não queria perder Tsion de vista. O rabino conversava
com Daniel e com a delegação local, porém ele estava agitado e desatento, como se
desejasse ir embora dali. Buck esquadrinhou o estádio inteiro, principalmente a ala
reservada, mas não viu nenhum dos cinco que procurava. Talvez Rosenzweig estivesse
cercado de gente pedindo-lhe autógrafo ou de alguns crentes que resolveram convertê-lo.
Porém, não havia aglomerações, apenas pessoas felizes saindo do estádio em fila sob o
olhar severo dos guardas da CG.
Buck voltou a olhar para o local em que Tsion se encontrava. O grupo havia diminuído, e
ele não queria deixar o rabino sozinho. Por ser uma das pessoas mais conhecidas no
mundo, Tsion não poderia misturar-se à multidão e sair sem ser percebido.
Buck caminhou apressado para falar com Daniel, mas Tsion, com o semblante sério, o
interceptou.
- Cameron, por favor! Reúna o pessoal, e vamos embora! Quero conversar com Chaim
esta noite, mas nada vai atrapalhar nossos planos. Tudo está organizado, e não podemos
deixar Rayford e Ken expostos ao perigo.
- Eu sei, Tsion. Estou procurando o pessoal, mas... Tsion agarrou Buck pelo braço.
- Vá atrás do nosso pessoal para sairmos logo daqui. Tenho um terrível pressentimento,
que só pode ter vindo do Senhor. Precisamos voltar para a casa de Chaim. Os guardas da
CG a estão vigiando, portanto temos de chegar lá rapidamente e dar-lhes a falsa
impressão de que já nos acomodamos para dormir.
Apenas Daniel e quatro ou cinco membros da delegação continuavam nos bastidores.
- Não quero deixar você sozinho, Tsion. Se não houver testemunhas, a CG poderá fazer o
que quiser com você e jogar a culpa em outra pessoa.
Vá, Cameron. Por favor. Vou ficar bem.
Daniel - disse Buck -, você poderia tomar conta de Tsion até eu voltar?
Tomar conta do rabino? - disse Daniel, sorrindo. – Claro que sim!
Buck, com ar de preocupação no rosto, puxou Daniel para perto de si e cochichou-lhe ao
ouvido.
Ele pode estar correndo grande perigo. Prometa-me.
Vou ficar de olho nele, Sr. Williams.
Buck subiu a rampa apressado, atravessou o palco e pulou no chão. Dali, ele tinha uma
visão menor que do palco, portanto começou a subir de novo. Um guarda da CG o
interceptou.
O senhor não pode subir aí. Buck mostrou-lhe sua credencial.
Faço parte da delegação - ele disse.
Eu sei quem o senhor é. Aconselho-o a não subir.
Mas eu preciso passar pelo palco para chegar ao nosso carro e estou tentando encontrar
meu pessoal.
O senhor pode chegar ao carro pelo mesmo caminho que todos estão fazendo.
Mas eu não posso sair sem meu pessoal e preciso antes falar com alguém nos bastidores.
Buck começou a subir novamente, porém o guarda lhe disse em voz áspera.
-Senhor, não me obrigue usar a força. O senhor não pode sair por este caminho.
Buck evitava encarar o guarda para não deixá-lo mais agitado.
Você não está entendendo. Sou Cam...
Eu sei quem o senhor é - disse o guarda, com voz autoritária. - Todos nós sabemos
quem o senhor é, quem faz parte de seu grupo e com quem o senhor vai se encontrar.
Buck olhou firme para o guarda.
- Então, por que não me deixa passar? - O guarda levantou o quepe, e Buck viu o selo em
formato de cruz em sua testa.
- Você é, você é um...
Apareceu esta noite - cochichou o guarda. – Enquanto eu estava aqui. O povo começou a
98
notar, e eu também vi o selo na testa deles. Tive de puxar a aba de meu quepe para
baixo para não chamar a atenção. Se eles descobrirem, serei um homem morto. Deixe-me
ir com o senhor.
Mas você está em posição estratégica! Pode nos ajudar em muitas coisas. Os crentes não
vão denunciá-lo. Vão saber quem você é. Tsion está correndo perigo?
O guarda apontou a arma para Buck.
- Vá andando! - ele gritou, abaixando a voz em seguida.
-Seu pessoal já está dentro da van. Os atiradores de elite estão aguardando para alvejar
o Dr. Ben-Judá nos bastidores. Duvido que o senhor consiga tirá-lo de lá.
Eu preciso! - murmurou Buck. - Vou até lá!
Eles vão atirar no senhor!
Então atire em mim aqui! Chame a atenção! Grite pedindo ajuda! Faça alguma coisa!
O senhor não pode ligar para ele?
Ele não trouxe telefone, e não sei o número do mestre-de-cerimônias. Faça o que achar
melhor, mas vou subir.
Minha função é manter qualquer pessoa afastada dos bastidores.
Buck passou por ele e subiu os degraus, de dois em dois. O guarda começou a gritar.
-Espere! Pare! Preciso de ajuda!
Quando chegou ao palco, Buck olhou de relance para trás e viu o guarda falando pelo
walkie-talkie e, em seguida, apontando-lhe a arma. Buck correu na direção dos bastidores
até encontrar Tsion, que continuava ao lado de Daniel, com
ar de extremo cansaço. Ao ver Buck, Daniel afastou-se dali, dando a entender que sua
missão terminara. Quando Buck ameaçou gritar para que ele voltasse, o tiroteio começou.
Tsion, Daniel e algumas pessoas que passavam por ali se deitaram no chão. Ao ouvirem o
som de tiros, os guardas da CG correram na direção do palco. Buck ajudou Tsion a
levantar-se.
- Daniel - ele gritou -, ajude-me a levá-lo até o carro! Os três passaram pelo meio de
pessoas em pânico, rumo ao Mercedes. Do lado de fora do estádio, o povo gritava e
afastava-se do local o mais que podia. As portas do carro estavam abertas. Buck
acomodou-se rapidamente no fundo do carro, enquanto Daniel empurrava Tsion para
dentro e fechava a porta.

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