domingo, 5 de setembro de 2010

DEIXADOS PARA TRÁS XA

DEIXADOS PARA TRÁS X
O PERÍODO DA TRIBULAÇÃO COMPLETA 43 MESES
A GRANDE TRIBULAÇÃO CHEGA AO PRIMEIRO MÊS
Os Crentes
Rayford Steele - Idade: cerca de 45 anos; ex-capitão-aviador do 747 das Linhas
Aéreas Pan-Continental; perdeu esposa e filho no Arrebatamento; ex-piloto do
potentado da Comunidade Global Nicolae Carpathia; membro fundador do
Comando Tribulação; fugitivo internacional; em missão secreta em Petra,
disfarçado de egípcio.
Cameron ("Buck") Williams - Idade: pouco mais de 30 anos; ex-articulista
sênior do Semanário Global; ex-editor do Semanário Comunidade Global, de
propriedade de Carpathia; membro fundador do Comando Tribulação; editor da
revista virtual A Verdade; sua identidade falsa de oficial da CG Jack Jensen foi
descoberta; fugitivo exilado no Edifício Strong, em Chicago.
Chloe Steele Williams - Idade: pouco mais de 20 anos; ex-aluna da
Universidade Stanford; perdeu a mãe e o irmão no Arrebatamento; filha de
Rayford; esposa de Buck; mãe de Kenny Bruce, um bebê de 15 meses;
presidente da Cooperativa Internacional de Mercadorias, uma associação secreta
composta de crentes; membro fundador do Comando Tribulação; fugitiva exilada
no Edifício Strong, em Chicago; em missão secreta na Grécia, disfarçada de
funcionária graduada das Forças Pacificadoras da Comunidade Global.
Tsion Ben-Judá - Idade: perto de 50 anos; ex-estudioso das doutrinas dos
rabinos e estadista israelense; revelou sua crença em Jesus como o Messias em
um programa de TV levado ao ar internacionalmente, o que provocou o assassinato
de sua esposa e de seus dois filhos adolescentes; fugiu para os Estados
Unidos; professor e líder espiritual do Comando Tribulação; suas pregações
diárias, via Internet, alcançam mais de um bilhão de pessoas; no momento, visita
os judeus remanescentes em Petra.
Dr. Chaim Rosenzweig - Idade: perto de 70 anos; estadista e botânico
israelense ganhador do Prêmio Nobel; recebeu o título de Homem do Ano pelo
Semanário Global; assassino de Carpathia; disfarçado com o nome de Miquéias,
lidera os judeus remanescentes, em Petra.
Leah Rose - Idade: perto de 40 anos; ex-enfermeira-chefe do Arthur Young
Memorial Hospital de Palatine, Illinois; reside no Edifício Strong, em Chicago.
Al B. (conhecido como "Albie") - Idade: perto de 50 anos; nascido em Al
Basrah, no norte do Kuwait; piloto; trabalhou no mercado negro internacional; sua
identidade falsa de subcomandante da CG, Marcus Elbaz, foi descoberta; reside
no Edifício Strong, em Chicago.
Mac MacCullum - Idade: perto de 60 anos; piloto de Carpathia; dado como
morto em acidente aéreo; está em missão na Grécia disfarçado de oficial da CG.
Abdullah Smith - Idade: pouco mais de 30 anos; ex-piloto de aviões de caça na
Jordânia; co-piloto do Fênix 216; dado como morto em acidente aéreo; está em
missão em Petra disfarçado de egípcio.
Hannah Palemoon - Idade: perto de 30 anos; enfermeira da Comunidade
Global; dada como morta em acidente aéreo; está em missão na Grécia
disfarçada de oficial da CG de Nova Délhi.
Ming Toy - Idade: pouco mais de 20 anos; viúva; ex-guarda do Presídio de
Reabilitação Feminina da Bélgica (PRFB); desertora da Comunidade Global;
reside no Edifício Strong, em Chicago.
Chang Wong - Idade: 17 anos; irmão de Ming Toy; espião do Comando
Tribulação dentro da sede da Comunidade Global, em Nova Babilônia.
Gustaf Zuckermandel Jr. (conhecido como "Zeke" ou "Z") - Idade: pouco
mais de 20 anos; falsificador de documentos e especialista em disfarces; seu pai
foi morto na guilhotina; reside no Edifício Strong, em Chicago.
Enoque Dumas - Idade: perto de 30 anos; hispano-americano; pastor da
congregação O Lugar, em Chicago, composta de 31 membros; mudou-se
recentemente para o Edifício Strong.
Steve Plank (conhecido como Pinkerton Stephens) - Idade: cerca de 55 anos;
ex-editor do Semanário Global; ex-diretor de relações públicas de Carpathia;
dado como morto no terremoto da ira do Cordeiro; espião trabalhando nas
Forças Pacificadoras da CG, no Colorado.
Georgiana Stavros - Idade: 16 anos; fugiu do centro de aplicação da marca da
lealdade em Ptolemaïs, na Grécia, com a ajuda de Albie e Buck; presa pela CG;
condições físicas e paradeiro ignorados.
George Sebastian - Idade: cerca de 25 anos; ex-piloto de helicóptero da divisão
de combate da Força Aérea dos Estados Unidos com base em San Diego; preso
pela CG na região nordeste de Ptolemaïs, Grécia, enquanto prestava serviço ao
Comando Tribulação.
Os Inimigos
Nicolae Jetty Carpathia - Idade: cerca de 35 anos; ex-presidente da Romênia;
ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas; autodesignado
potentado da Comunidade Global; assassinado em Jerusalém; ressuscitou no
palácio da CG, em Nova Babilônia.
Leon Fortunato - Idade: pouco mais de 50 anos; ex-supremo comandante da
Comunidade Global e braço direito de Carpathia; recebeu o título de
Reverendíssimo Pai do Carpathianismo e proclamou o potentado como o deus
ressurreto; reside no palácio da CG, em Nova Babilônia.
Viv Ivins - Idade: cerca de 65 anos; amiga de longa data de Carpathia; tem
participação ativa na Comunidade Global; reside no palácio da CG, em Nova
Babilônia.
Suhail Akbar - Idade: pouco mais de 40 anos; chefe do Serviço de Segurança e
Inteligência, a serviço de Carpathia; reside no palácio da CG, em Nova Babilônia.
PRÓLOGO
Extraído de Profanação
Se Rayford não estivesse tão apavorado, ele teria gostado de ver que
Tsion era a mesma pessoa, tanto no Edifício Strong quanto sob o sol da
Jordânia. Somente Abdullah e Rayford, com seus mantos, tinham a aparência de
homens do Oriente Médio. Tsion parecia mais um professor enrugado.
- Quem é o seu piloto? - indagou um guarda da CG. Tsion apontou com a
cabeça para Abdullah, e eles foram conduzidos a um helicóptero. Assim que
levantaram vôo, Rayford ligou para Chloe [na Grécia].
- Onde você está? - ele perguntou.
- Estamos na estrada, papai, mas alguma coisa está errada. Mac teve de
fazer uma ligação direta neste veículo.
- Chang não pediu ao sujeito que deixasse as chaves?
- Parece que não. E você conhece Mac muito bem. Ele vai descer e pegar
uma carona com outro veículo da CG, enquanto nós duas vamos rodar felizes de
carro pela cidade, tentando passar por emissárias de Nova Babilônia à procura
de judaístas.
- Você está preparada?
- Se estou preparada? Por que você não me obrigou a ficar em Chicago
com minha família? Que tipo de pai você é?
Rayford sabia que a filha estava brincando, mas não foi capaz de rir.
- Não me faça sentir remorso - ele lhe pediu.
- Não se preocupe, papai. Não vamos sair daqui sem Sebastian.
Quando Abdullah se aproximou de Petra, Chaim estava no lugar alto, com
250 mil pessoas, do lado de dentro, e 750 mil, do lado de fora, acenando para o
helicóptero. Um enorme espaço plano havia sido preparado como heliporto. O
povo cobriu o rosto quando o helicóptero levantou uma nuvem de poeira ao
pousar. Assim que o motor foi desligado e a poeira se dissipou, o povo começou
a aplaudir e a gritar, enquanto Tsion descia e acenava timidamente.
- Dr. Ben-Judá, nosso mestre e mentor, e homem de Deus! - anunciou
Chaim.
Rayford e Abdullah desceram sem ser notados e se sentaram sobre uma
laje. Tsion acalmou a multidão e começou a dizer:
- Meus queridos irmãos e irmãs em Cristo, nosso Messias e Salvador e
Senhor. Antes de tudo, permitam-me cumprir uma promessa feita a amigos: Vou
espalhar aqui as cinzas de uma mártir fiel.
Ele retirou do bolso uma pequenina urna, tirou a tampa e espalhou o
conteúdo ao sabor do vento.
- Ela venceu por causa do sangue do Cordeiro e por causa do testemunho
que deu, porque não amou sua vida, mas a entregou em favor dele.
Abdullah cutucou Rayford e olhou para cima. Ao longe, vinham dois
bombardeiros do tipo caça com os motores zunindo. Após alguns segundos, o
povo notou a presença deles e começou a murmurar.
Debruçado sobre seu computador em Nova Babilônia, Chang
acompanhava as cenas que Carpathia estava vendo, transmitidas da cabina de
um dos bombardeiros. Chang fez uma conexão entre o áudio do avião e o
aparelho de escuta clandestina que havia no escritório de Carpathia. Tornou-se
claro que Leon, Viv, Suhail e a secretária de Carpathia estavam aglomerados em
torno do monitor no escritório do potentado.
- Alvo em mira, preparar! - disse um dos pilotos. O outro repetiu as
mesmas palavras.
- Lá vamos nós! - disse Nicolae com voz aguda. - Lá vamos nós!
Tsion levantou as mãos e recomendou:
- Não se distraiam, meus amados, porque confiamos nas promessas
verdadeiras do Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. Fomos trazidos a este
lugar de refúgio, que não pode ser invadido pelo inimigo de seu Filho.
Ele esperou que o barulho dos roncos dos motores diminuísse enquanto
os jatos se distanciavam, fazendo uma curva para voltar.
- Sim! - gritou Nicolae. - Façam uma exibição e destruam tudo quando
retornarem.
Enquanto os jatos retornavam, Tsion disse:
- Vamos nos ajoelhar, curvar a cabeça e harmonizar nossos corações com
Deus, confiantes em sua promessa de que "o reino, e o domínio, e a majestade
dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo:
o seu reino será um reino eterno, e todos os domínios o servirão e lhe
obedecerão" (Daniel 7.27).
Rayford se ajoelhou sem tirar os olhos dos aviões. Quando voltaram com
seus motores zunindo, ambos lançaram bombas diretamente no lugar alto, o
epicentro de um milhão de almas ajoelhadas.
- Ssssim! - gritou Carpathia. - Sim! Sim! Sim! Sim!
Pelo que alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais. Ai dos
que habitam na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande
ira, sabendo que já tem pouco tempo.
Apocalipse 12.12
UM
Rayford Steele já havia escapado da morte por um triz em muitas ocasiões
para saber que esta conhecida afirmação era mais que verdadeira: a vida inteira
passa por nossa mente em um piscar de olhos, como se fosse um filme, e todos
os sentidos entram em estado de alerta máximo ao se enfrentar a morte.
Ajoelhado desajeitadamente sobre a inclemente pedra vermelha da cidade de
Petra, no antigo Edom, ele estava ciente de tudo, lembrava-se de tudo, pensava
em tudo e em todos.
Apesar dos zunidos dos caças-bombardeiros da Comunidade Global -
maiores do que todos os que ele já havia visto ou lido a respeito -, Rayford ouviu
seu coração bater violentamente e sentiu os pulmões à procura de ar.
Atrapalhado com o manto e as sandálias de seu disfarce egípcio, ele mal
conseguia equilibrar-se sobre os joelhos doloridos e os dedos dos pés. Rayford
não conseguia curvar a cabeça, não conseguia desgrudar os olhos do céu e do
par de ogivas que pareciam cada vez maiores, à medida que caíam.
Ao lado dele, seu prezado companheiro, Abdullah Smith, estava prostrado,
com as mãos cobrindo a cabeça. Para Rayford, Smitty representava todas as
pessoas pelas quais ele era responsável - os membros do Comando Tribulação
espalhados ao redor do mundo. Alguns estavam em Chicago, alguns na Grécia e
outros com ele em Petra. Havia um em Nova Babilônia. Gemendo, Abdullah
inclinou o corpo em sua direção, e Rayford percebeu que o jordaniano estava
tremendo.
Rayford também estava apavorado. Não tinha como negar. Onde estava a
fé que ele deveria ostentar depois de ver Deus livrá-lo da morte tantas vezes?
Ele não duvidava de Deus, mas alguma coisa em seu íntimo - talvez o instinto de
sobrevivência - dizia que ele estava prestes a morrer.
Para a maioria das pessoas, a dúvida deixara de existir... havia poucos
céticos. Se alguém, a essa altura, não fosse seguidor de Cristo, provavelmente
decidira opor-se a Deus.
Rayford não tinha medo da morte em si, nem da vida após a morte. Deus,
que agora se manifestava milagrosamente todos os dias, se regozijaria em
proporcionar um lugar no céu a seu povo. O que Rayford mais temia era o
momento da morte. Embora Deus o tivesse protegido até agora e prometido vida
eterna após a morte, Ele não poupara Rayford de ferimentos e de sofrimento.
Qual seria a sensação de ser vitimado por ogivas?
Tudo seria muito rápido, disso ele tinha certeza. Rayford conhecia Nicolae
muito bem a ponto de saber que o homem não usaria mais de subterfúgios. Se
uma única bomba daquelas seria capaz de destruir facilmente um milhão de
pessoas, naquele instante com a cabeça entre os joelhos - aparentemente todas,
menos Rayford -, duas fariam a multidão evaporar. Será que os clarões o
cegariam? Ele ouviria as explosões? Sentiria o calor? Perceberia seu corpo se
desintegrando?
Fosse como fosse, Carpathia faria daquele evento um jogo político. Ele
não exibiria pela TV uma cena mostrando um milhão de pessoas desarmadas, de
costas para a Comunidade Global, enquanto as bombas precipitavam-se sobre
elas. Porém, mostraria o impacto, as explosões, o fogo, a fumaça, a desolação,
para ilustrar a inutilidade de opor-se à nova ordem mundial.
A mente de Rayford lutava contra seus instintos. O Dr. Ben-Judá
acreditava que eles estavam protegidos, que Petra era uma cidade de refúgio, o
lugar prometido por Deus. Não obstante, Rayford perdera um companheiro ali
alguns dias antes. Por outro lado, o ataque por terra efetuado pela CG foi
milagrosamente malogrado no último instante. Por que Rayford não se acalmava
diante daquele fato, por que não confiava e não acreditava?
Porque ele conhecia o poder das ogivas. Assim que foram lançadas, os
pára-quedas acoplados a elas se inflaram, retardando-as para que caíssem no
mesmo instante e diretamente em cima da multidão. O coração de Rayford se
contraiu quando ele viu uma haste preta presa na ponta de cada bomba. A CG
não havia esquecido nenhum detalhe. Esses dispositivos, com pouco mais de
l,20m de comprimento, acionariam os fusíveis assim que tocassem o solo, provocando
a explosão das bombas acima da superfície.
Chloe Steele Williams estava impressionada com a habilidade de Hannah
como motorista. Apesar de estar dirigindo um veículo desconhecido em um país
desconhecido, aquela norte-americana usando um disfarce estranho que a transformara
em uma indiana de Nova Délhi dirigia o jipe da CG como se fosse
propriedade sua, com mais calma e mais autoconfiança que MacCullum. Ele
falou durante todo o percurso de carro através da Grécia.
- Sei que tudo isso é novidade para vocês, meninas - ele havia dito,
forçando Chloe e Hannah a se entreolharem e piscarem uma para a outra.
Se havia alguém que não conseguia evitar o chauvinismo, mesmo
inconscientemente, era aquele piloto experiente e ex-militar, que se referia a
todas as mulheres do Comando Tribulação como "senhorinhas", mas que não
demonstrava ser condescendente.
- Eu preciso chegar ao aeroporto - ele lhes contou - por este caminho, e
vocês precisam chegar a Ptolemaïs e descobrir onde fica a cooperativa. - Ele
parou o veículo e desceu.
- Quem vai ser a motorista?
Hannah pulou do banco traseiro para o dianteiro e assumiu a direção. Sua
farda da CG, branca e engomada, continuava impecável.
Mac sacudiu a cabeça.
- Vocês duas parecem um par de soldados do pelotão feminino do
exército, mas eles não convocam mais esse tipo de gente.
Ele olhou para um lado e para o outro da estrada, e Chloe foi compelida a
fazer o mesmo. Era meio-dia, o sol estava a pino e quente. Não havia nuvens no
céu. Ela não viu outro veículo nem ouviu som de motor funcionando.
- Não se preocupem comigo - ele complementou. - Alguém vai passar por
aqui e me dar uma carona.
Mac pegou a mochila de lona que estava na parte traseira do veículo e
atirou-a por cima do ombro. Ele também carregava uma maleta. Gustaf
Zuckermandel Jr., a quem todos chamavam de Zeke ou Z, pensara em tudo. O
jovem corpulento e pesadão de Chicago havia-se transformado no melhor
especialista do mundo em forjar documentos e criar disfarces, e Chloe lembrouse
de que os três ali eram fruto das mãos habilidosas daquele jovem. Era muito
estranho ver Mac sem sardas e sem os cabelos ruivos. Agora, ele tinha pele de
tonalidade escura, cabelos castanhos e usava óculos apenas como disfarce. Ela
só esperava que o trabalho que Z fizera em seu pai e nos outros que foram para
Petra tivesse sido tão perfeito assim.
Mac colocou a mochila e a maleta no chão e apoiou os antebraços em
cima da porta do lado do motorista, ficando com o rosto a alguns centímetros do
de Hannah.
- Ei, meninas, vocês já decoraram tudo? - ele perguntou. Hannah olhou
para Chloe lutando para conter um sorriso. Quantas vezes ele havia feito a
mesma pergunta durante o vôo e na estrada? Ambas assentiram com a cabeça. -
Quero ver seus crachás mais uma vez.
Hannah estava de frente para ele.
- Indira Jinnah, de Nova Délhi - Mac leu. Chloe inclinou-se para que ele
pudesse ver o dela. - Chloe Irene, de Montreal. - Ele cobriu o próprio crachá com
a mão. - E vocês estão a serviço de quem?
- Do comandante sênior Howie Johnson, de Winston-Salem - respondeu
Chloe. Ela e Hannah já haviam dito isso infinitas vezes. - Agora você faz parte do
corpo de oficiais da CG na Grécia, e, se alguém duvidar, poderá checar no
palácio.
- Muito bem - disse Mac. - Pegaram suas pistolas? Esta Kronos aqui, ou
pelo menos uma parecida com ela, tem mais poder de fogo.
Chloe sabia que elas necessitavam de armas mais potentes,
principalmente por não saberem quem encontrariam no caminho. Mas aprender a
lidar com a Luger e a Uzi – que poderiam ser conseguidas com os gregos
clandestinos - havia sido uma incumbência muito pesada para ela antes de partir
de Chicago.
- Continuo achando que o pessoal da cooperativa vai recusar-se a falar
quando vir nossas fardas - disse Hannah.
- Mostre o selo na testa a eles, queridinha - disse Mac.
O radiotransmissor instalado debaixo do painel foi acionado
automaticamente. "Atenção, Forças Pacificadoras da CG. Comunicamos que o
Serviço de Segurança e Inteligência efetuou um ataque aéreo sobre vários
milhões de subversivos armados em um local encravado nas montanhas,
descoberto por nossa infantaria, a cerca de 80 quilômetros a sudeste de Mizpe
Ramon, no deserto do Neguev. Os rebelados assassinaram um grande número
de soldados da CG e apossaram-se de tanques e caminhões blindados, cuja
quantidade ainda é desconhecida.
"O diretor do Serviço de Segurança e Inteligência da Comunidade Global,
Suhail Akbar, anunciou que duas ogivas foram atiradas simultaneamente,
seguidas de um míssil lançado do Aeroporto da Ressurreição de Amã, com a
finalidade de destruir o quartel-general dos rebeldes e todos os seus
componentes. Apesar de ainda haver alguns focos de resistência ao redor do
mundo, o diretor Akbar acredita que esse ataque destruirá 90% dos judaístas
traidores, inclusive Tsion Ben-Judá e todos os seus asseclas."
Chloe levou a mão à boca, e Hannah segurou a outra mão dela.
- A única coisa que vocês têm a fazer é orar, meninas - disse Mac. - Todos
nós sabíamos que isso ia acontecer. Ou temos fé ou não temos.
- É fácil falar... - disse Chloe. - Podemos ter perdido quatro pessoas, sem
mencionar todos os israelenses que prometemos proteger.
- Eu não estou levando o assunto na brincadeira, Chloe. Mas temos um
trabalho a fazer aqui, e este lugar não é mais seguro do que uma montanha sob
um ataque aéreo. Mantenha a calma, está bem? Preste atenção. Não vamos
saber o que aconteceu em Petra enquanto não virmos tudo com nossos olhos e
recebermos notícias de nosso pessoal. Você já ouviu as mentiras que a CG disse
ao próprio pessoal deles! Sabemos com certeza que existe apenas um milhão de
pessoas em Petra e...
- Apenas?!
- É isso mesmo. Apenas um milhão, comparado aos vários milhões que
eles disseram. E armados? De jeito nenhum! Você acha que matamos soldados
da CG? E que nos apossamos daqueles...
- Eu sei, Mac - disse Chloe. - É que...
- É melhor você ir se acostumando a me chamar pelo meu novo nome,
Sra. Irene. E lembre-se de tudo o que conversamos em Chicago. Talvez vocês
precisem lutar, defender-se e até mesmo matar alguém.
- Eu estou preparada - disse Hannah.
Mac empinou a cabeça, surpreso. Chloe também surpreendeu-se. Chloe
sabia que Hannah estava tão entusiasmada com essa missão tanto quanto ela,
mas não a ponto de querer matar alguém.
- O desafio está lançado. - Hannah olhou para Chloe e, depois, para Mac. -
Não existe mais diplomacia. Se eu tiver de escolher entre matar ou morrer, vou
matar alguém.
Chloe limitou-se a sacudir a cabeça.
- Só estou dizendo - complementou Hannah - que estamos em guerra.
Vocês acham que eles não vão matar Sebastian? Talvez já tenham feito isso. E
não estou acreditando que vamos encontrar viva essa tal de Stavros.
- Então, por que estamos aqui? - perguntou Chloe.
- Para o que der e vier - respondeu Hannah, com um sotaque indiano
cadenciado, conforme Abdullah lhe ensinara em Chicago.
- É isso mesmo, para o que der e vier - disse Mac, pegando novamente a
mochila e a maleta. - Nossos telefones são seguros. Deixem os receptores de luz
solar expostos durante o dia...
- Ora, Mac - disse Chloe. - Dê um pouco de crédito a nós.
- Ah, é claro que sim - disse Mac. - Acredito muito na capacidade de
vocês. A bem da verdade, estou impressionado com o fato de você ter vindo até
aqui, Chloe, para salvar alguém que nunca viu. E Hannah, isto é, Indira, acho
que você não chegou a conhecer George o suficiente para... bem, para cuidar
dele pessoalmente.
Hannah movimentou a cabeça negativamente.
- Mas nós estamos aqui, não é mesmo? - prosseguiu Mac. - Alguém
estava aqui trabalhando para nós e, pelo que sabemos, essa pessoa está
encrencada. Não sei quanto a vocês, mas eu não vou sair daqui sem ele.
Mac girou o corpo e olhou para o horizonte. Chloe e Hannah fizeram o
mesmo. Um pequeno ponto negro aumentava de tamanho à medida que se
aproximava deles.
- É melhor vocês partirem - disse Mac. - E mantenham contato.
A primeira impressão de Rayford foi a de estar no inferno. Será que ele
havia se enganado? Teria trabalhado tanto por nada? Estaria morto sem ter ido
para o céu apesar de tudo o que havia feito?
Ele não percebeu o intervalo entre as explosões. As bombas provocaram
uma luminosidade tão intensa que, apesar de Rayford estar com os olhos
fechados o mais que podia, o clarão parecia tomar conta de todo o seu crânio. A
sensação era a de que o brilho se aproximava e se afastava dele. Rayford fez
uma careta diante do estrondo e do calor que se seguiram. Certamente, ele seria
atirado contra as outras pessoas até ser destruído por completo.
A ressonância do estrondo o fez estremecer, mas Rayford não se
desequilibrou, não ouviu nenhum barulho de pedras despencando, nem de
formações montanhosas batendo umas nas outras. Instintivamente, esticou os
braços para firmar-se, mas aquele gesto foi desnecessário. Gemidos, lamentos e
gritos vinham de todos os lados, mas de sua garganta não saía nenhum som.
Mesmo com os olhos fechados, ele viu o clarão ser substituído por tonalidades
alaranjadas, vermelhas e pretas, e agora, ah, um cheiro terrível de fogo, metal,
óleo e pedra!
Rayford forçou-se a abrir os olhos. Quando o estrondo ensurdecedor
ecoou por toda a cidade de Petra, ele percebeu que estava em chamas.
Levantou os braços sob o manto diante do rosto, sem se dar conta do calor
abrasador. Ele sabia que seu manto, depois sua carne, e depois seus ossos
seriam consumidos em segundos.
Rayford não conseguia enxergar nada por causa do fogo devastador, mas
todos os peregrinos à sua volta também estavam em chamas. Abdullah rolou de
lado e ficou em posição fetal, continuando a proteger o rosto e a cabeça com os
braços. As labaredas crepitantes - brancas, amarelas, alaranjadas e negras - o
envolveram como se ele fosse um pavio humano preparado para um holocausto
demoníaco.
Uma a uma, as pessoas ao redor de Rayford começaram a levantar-se do
chão e a erguer os braços. O fogo lambia os capuzes, os cabelos, as barbas, os
rostos, os braços, as mãos, os mantos e as roupas, como se estivesse sendo
abastecido por um combustível sob os pés daquele povo. Rayford olhou para
cima e não conseguiu enxergar o céu azul e límpido.
Até o sol estava toldado pelas imensas chamas violentas e por um
medonho par de nuvens em formato de cogumelo. A montanha, a cidade, a área
inteira estava tomada pelo fogo. As colunas de fumaça e as labaredas erguiamse
a centenas e centenas de metros de altura.
Rayford gostaria de saber o que o mundo pensaria daquela cena, e, de
repente, ocorreu-lhe que a multidão estava tão estarrecida quanto ele.
Atordoados, os israelenses olhavam uns para os outros, com os braços
levantados, e agora estavam se abraçando, sorrindo! Que espécie de pesadelo
bizarro era aquele? Apesar de estarem envolvidos pela mais moderna tecnologia
de destruição em massa, como eles conseguiam permanecer em pé, perplexos,
com os olhos semicerrados, ouvindo tudo com clareza?
Rayford abriu e fechou a mão direita, a alguns centímetros do rosto,
olhando extasiado para as línguas sibilantes de fogo que lambiam cada um de
seus dedos. Abdullah conseguiu ficar em pé e rodava em círculo como se
estivesse embriagado, levantando os braços como os outros e olhando em
direção ao céu.
Ele virou-se para Rayford, e os dois se abraçaram. As chamas que
envolviam seus corpos se misturaram, formando uma só. Abdullah afastou-se
para ver o rosto de Rayford.
- Estamos dentro da fornalha de fogo ardente! - exultou o jordaniano.
- Amém! - gritou Rayford. - Somos um milhão de Sadraques, Mesaques e
Abede-Negos!
Chang Wong reuniu-se aos outros técnicos de seu departamento, e todos
foram conduzidos pelo chefe, Aurélio Figueroa, a um enorme aparelho de TV que
mostrava imagens ao vivo da cabina de um dos bombardeiros. Eles voavam em
círculo sobre Petra, e as imagens estavam sendo transmitidas ao mundo inteiro
por meio da CNNCG. Mais tarde, Chang verificaria a gravação clandestina que
estava sendo feita no escritório de Carpathia, para observar as reações de
Nicolae, sua nova secretária Krystall, Leon, Suhail e Viv Ivins.
- Missão cumprida - avisou o piloto, esquadrinhando o alvo e mostrando a
extensa área em chamas. - Sugiro que o lançamento do míssil seja abortado.
Considero desnecessário.
Chang cerrou os dentes com tanta força que suas mandíbulas chegaram a
doer. Como alguém poderia sobreviver àquele ataque? As chamas eram
intensas, e a fumaça negra subia tão alto que o piloto teve de desviar-se dela
para exibir uma imagem nítida.
- Negativo - foi a resposta do Comando da CG. - Amã, inicie o lançamento
subseqüente.
- Operação inútil - resmungou o piloto -, mas o dinheiro não é meu.
Retornando à base.
- Repita! - A voz parecia ser a de Akbar.
- Positivo. Retornando à base.
- Negativo mais uma vez. Permaneça em posição para captar as imagens.
- Com um míssil a caminho, senhor?
- Mantenha distância suficiente. O míssil encontrará o alvo.
O segundo avião foi liberado para retornar a Nova Babilônia, enquanto o
primeiro, com a câmera continuando a mostrar ao mundo a cidade de Petra em
chamas ao sol do meio-dia, voava em círculos a sudeste da cidade de pedras
vermelhas.
Chang gostaria de estar em seu quarto para poder comunicar-se com
Chicago. Como o Dr. Ben-Judá poderia ter-se enganado tanto a respeito de
Petra? O que seria do Comando Tribulação agora? Quem ajuntaria o que restara
dos crentes ao redor do mundo? E para onde Chang fugiria quando chegasse a
hora?
Eram 4 horas da manhã em Chicago, e Buck estava sentado diante do
aparelho de TV. Leah e Albie reuniram-se a ele. Zeke havia saído para buscar
Enoque.
- Onde está Ming? - Buck perguntou.
- Tomando conta do bebê - respondeu Leah.
- O que vocês acham disso? - Albie perguntou, sem desviar os olhos da
TV.
Buck sacudiu a cabeça.
- Eu gostaria de estar lá.
- Eu também - disse Albie. - Estou me sentindo um covarde, um traidor.
- Nós falhamos em alguma coisa - disse Buck. - Todos nós falhamos.
Ele continuava tentando ligar para Chloe apenas imaginando o que ela
estaria passando. Ninguém atendeu.
- Não dá para acreditar no que esse sujeito está fazendo! - disse Leah. -
Ele não se contenta em matar um milhão de pessoas e em destruir uma das
cidades mais bonitas do mundo. Agora ele vai usar um míssil!
Buck notou que a voz de Leah estava tensa. E por que não? Ela devia
estar pensando o mesmo que ele. Além de perderem seu líder e de terem visto
um milhão de pessoas envoltas pelo fogo, tudo o que eles imaginavam saber
havia sido atirado pela janela.
- Vá chamar Ming, por favor - ele pediu a Leah. - Diga a ela para deixar
Kenny dormindo.
Leah saiu apressada, enquanto Zeke retornava com Enoque. Zeke atirou
seu corpanzil no chão, mas Enoque continuou em pé, inquieto.
- Não posso ficar aqui por muito tempo, Buck - ele disse. - Meu pessoal
está abalado demais.
Buck assentiu com a cabeça.
- Vamos nos reunir quando o dia clarear.
- E...? - disse Enoque.
- Não sei para quê. Orar, acho.
- Temos orado o tempo todo - disse Albie. - É hora de descansarmos um
pouco.
Rayford não conseguia parar de rir. As lágrimas misturavam-se com as
sonoras gargalhadas que vinham de dentro dele quando o povo de Petra passou
a gritar, cantar e dançar. Eles formaram, espontaneamente, um círculo enorme e
começaram a rodar, com os braços nos ombros uns dos outros, saltando de
alegria. Abdullah, ao lado de Rayford, ria e gritava:
- Louvado seja o Senhor!
O fogo era tão forte, tão abrasador e tão alto que eles só conseguiam ver
um ao outro e as chamas. Não se via o céu, o sol, nada a distância. Eles só
sabiam que estavam no meio da maior fogueira da História sem sofrer dano
algum.
- Será que vamos acordar, capitão? - gritou Abdullah, soltando
gargalhadas. - Este é o sonho mais fantástico que já tive!
- Estamos acordados, meu amigo - gritou Rayford, apesar de Abdullah
estar a poucos centímetros dele. - Eu me belisquei!
Aquela observação fez Abdullah rir mais ainda. Enquanto o círculo girava e
aumentava de tamanho, Rayford se perguntou quando o fogo se extinguiria para
que o mundo descobrisse que Deus triunfara mais uma vez sobre as forças do
mal.
Um casal de idosos bem na frente dele entreolhava-se, enquanto o círculo
girava e as pessoas, maravilhadas, estampavam largos sorrisos no rosto.
- Estou em chamas! - gritou a mulher.
- Eu também! - disse o homem.
Ele saltou desajeitadamente e quase derrubou a mulher e os outros
quando deu um chute no ar para mostrar a ela que o fogo estava tomando conta
de sua perna inteira.
Rayford olhou para os dois convencido de que algo estranho estava
acontecendo e imaginando se poderia haver alguma coisa mais estranha do que
aquilo. Aqui e ali, dentro de seu ângulo de visão que alcançava apenas uns três
metros de distância, ele avistou um amontoado de roupas, sinal de que ainda
havia gente no chão.
Quando Rayford se afastou de Abdullah, um jovem do outro lado dirigiu-se
a um dos que estavam no chão. Ele ajoelhou-se e colocou a mão no ombro do
homem, tentando fazê-lo levantar-se ou, pelo menos, erguer a cabeça. O homem
o repeliu, gemendo, tremendo e chorando:
- Deus, salva-me!
- Você está salvo! - disse Rayford. - Olhe! Veja! Estamos em chamas e
não sofremos nenhum dano! Deus está conosco!
O homem sacudiu a cabeça e voltou a enrolar-se em seus braços e
pernas.
- Você está machucado? - perguntou Rayford. - As chamas o queimaram?
- Estou sem Deus! - choramingou o homem.
- Não pode ser! Você está salvo! Está vivo! Olhe à sua volta!
Mas o homem não queria ser consolado. Rayford avistou outras pessoas -
homens, mulheres e alguns adolescentes - na mesma condição lastimável.
- Atenção, pessoal! Atenção, pessoal! - Sem dúvida, a voz era de Tsion
Ben-Judá, e Rayford pressentiu que vinha de perto, apesar de não enxergar o
rabino. - Haverá tempo para júbilo, celebração, louvor e agradecimento ao Deus
de Israel! Por enquanto, prestem atenção ao que eu vou dizer!
A dança, os gritos e os cânticos pararam, mas as risadas continuavam. O
povo, ainda sorrindo e abraçado um ao outro, olhou para o lugar de onde veio a
voz. Aparentemente, eles concluíram que bastava ouvi-la. Os gritos de
desespero continuavam.
- Eu não sei - o Dr. Ben-Judá começou a dizer - quando Deus levantará a
cortina de fogo e quando voltaremos a ver o céu azul. Não sei quando ou se o
mundo saberá que fomos protegidos. Por enquanto, é suficiente que apenas nós
saibamos!
O povo aplaudiu com gritos, mas antes que ele começasse a cantar e a
dançar novamente, Tsion prosseguiu.
- Quando o demônio e seus conselheiros se reunirem, eles verão que o
fogo não teve poder algum sobre os nossos corpos; nossos cabelos não foram
chamuscados, nem nossas roupas foram danificadas, e o cheiro do fogo não
penetrou em nós. Eles interpretarão da maneira que desejarem, meus irmãos e
irmãs. Talvez não permitam que o restante do mundo veja estas cenas. Mas
Deus se revelará à sua maneira e em seu tempo certo, como sempre faz.
- E hoje Ele tem uma palavra para vocês, amigos. Ele diz: "Eis que te
acrisolei, mas disso não resultou prata; provei-te na fornalha da aflição. Por amor
de mim, por amor de mim é que faço isto; porque como seria profanado o meu
nome? A minha glória não a dou a outrem" (Isaías 48.10,11).
- "Dá-me ouvidos, ó Jacó, e tu, ó Israel", diz o Senhor dos exércitos, "a
quem chamei; eu sou o mesmo, sou o primeiro, e também o último. Também a
minha mão fundou a terra, e a minha destra estendeu os céus; quando eu os
chamar, eles se apresentarão juntos" (Isaías 48.12,13).
- "Ajuntai-vos, todos vós, e ouvi! Quem, dentre eles, tem anunciado estas
coisas? O Senhor o amou, e executará a sua vontade contra Babilônia, e o seu
braço será contra os Caldeus. Eu, eu tenho falado" (Isaías 48.14,15).
- "Assim diz o Senhor, o teu Redentor, o Santo de Israel: Eu sou o Senhor,
o teu Deus, que te ensina o que é útil, e te guia pelo caminho em que deves
andar. Ah! Se tivesses dado ouvidos aos meus mandamentos! então seria a tua
paz como um rio, e a tua justiça como as ondas do mar [...] proclamai-o, e levai-o
até ao fim da terra; dizei: O Senhor remiu a seu servo Jacó. Não padeceram
sede, quando ele os levava pelos desertos. Fez-lhes correr água da rocha;
fendeu a pedra e as águas correram" (Isaías 48.17,18,20,21).
Enquanto o Comando Tribulação observava as cenas em Chicago, o piloto
do caça-bombardeiro informou ao Comando da CG que conseguiu avistar o
míssil partindo de Amã. No lado direito da tela, apareceu o rastro da fumaça
branca e espessa do projétil enquanto ele se aproximava das labaredas e da
fumaça que subiam de Petra.
O míssil mergulhou e desapareceu na escuridão e, segundos depois,
ouviu-se outra explosão. O fogo alastrou-se ainda mais, parecendo tomar conta
de toda aquela região montanhosa. Em seguida, um jato colossal de água, de
mais de mil metros de altura, subiu em direção ao céu.
- Eu estou... - o piloto começou a dizer - eu estou vendo... não sei o que
estou vendo. Água. Sim, água. Ela está espirrando. Está... hã... produzindo
algum efeito no fogo e na fumaça. Agora vejo melhor. A água continua a subir e
está encharcando a área. Parece que o míssil bateu contra uma fonte de água
que, hã... isto é uma loucura, comandante. Eu vejo... posso ver... as chamas se
apagando, a fumaça desaparecendo. Há pessoas vivas lá embai...
Buck saltou da cadeira e ajoelhou-se diante da TV. Seus amigos gritavam
e aplaudiam. A imagem desapareceu, e a CNNCG já estava se desculpando por
problemas técnicos.
- Vocês viram? - Buck gritou. - Eles estão vivos! Eles estão vivos!
Chang ergueu as sobrancelhas e abriu a boca. Seus colegas praguejavam
e apontavam para a tela, resmungando quando a transmissão foi interrompida.
- Não pode ser! Parecia que... não, não pode ter havido nenhuma chance!
Por quanto tempo aquele lugar ficou queimando? Duas bombas e um míssil?
Não!
Chang correu até seu computador para ter certeza de que ele continuava a
gravar as imagens do escritório de Carpathia. Ele mal podia esperar para ouvir o
diálogo entre Akbar e o piloto.
Rayford estava em pé, ao lado de Abdullah, ouvindo as palavras de Tsion
quando a terra abriu-se com um estalo ensurdecedor e um jato de água de pelo
menos três metros de diâmetro irrompeu do solo subindo velozmente como um
foguete, tão alto que levou um minuto para começar a cair em forma de chuva
sobre eles.
As chamas e a fumaça cessaram rapidamente, e a água refrescante
parecia agradável demais. Rayford notou que os outros estavam fazendo o
mesmo que ele. Todos estenderam as mãos com as palmas para cima e viraram
o rosto em direção ao céu, para que a água os lavasse. Em seguida, Rayford
percebeu que estava a uns cem metros de Tsion e de Chaim, ambos em pé na
beira do gigantesco abismo que se formou quando a água irrompeu da terra.
Parecia que Tsion estava tentando novamente chamar a atenção da
multidão, mas seu esforço foi em vão. Todos corriam, saltavam e abraçavam-se,
cantando, dançando, cumprimentando-se, rindo. Em breve, centenas de milhares
de pessoas estavam gritando agradecimentos a Deus.
Apesar disso, Rayford notou que algumas pessoas aqui e ali estavam
sofrendo, chorando. Seriam incrédulas? Como sobreviveram? Será que Deus as
protegera só por estarem ali? Rayford não encontrava uma explicação. Seria
importante saber quem foi protegido e quem não foi, e por quê? Tsion falaria
sobre aquele assunto?
Após alguns minutos, Chaim e Tsion conseguiram chamar a atenção do
povo. O milagre de Tsion ser ouvido por um milhão de pessoas sem ajuda de
alto-falantes foi maior ainda, porque agora o povo o ouvia apesar do barulho
provocado pelos jatos de água, semelhante ao de um vulcão em erupção.
- Concordei em ficar aqui por alguns dias - anunciou Tsion. - Para adorar a
Deus com vocês. Para agradecer a Deus com vocês. Para ensinar. Para pregar.
Ah, observem que o volume de água está reduzindo.
O barulho começou a diminuir, e o topo da coluna de água foi sendo visto
aos poucos, agora a 300 metros acima deles. De modo lento, mas constante, o
jato de água foi diminuindo de altura, mas não na largura. Em seguida, a altura
foi reduzida para 30 metros, depois para 15 metros e depois para três metros.
Finalmente, o volume reduziu-se a um pequeno lago dentro da cratera que
se formou quando o jato de água irrompeu do solo. No meio desse lago de três
metros de largura e 30 centímetros de altura, uma nascente borbulhava como se
estivesse fervendo, mas sua água era fresca e reconfortante e, aparentemente,
complementava o milagre que acabara de ocorrer.
- Alguns de vocês estão chorando e se sentindo envergonhados - disse
Tsion. - E com razão. Nos próximos dias, vou ministrar a vocês também. Por
enquanto, vocês não receberam a marca do demônio, nem assumiram o compromisso
de aceitar o único e verdadeiro Deus. Por ser misericordioso, Ele decidiu,
de antemão, protegê-los, dar-lhes mais uma chance de aceitá-lo.
- Muitos farão isso hoje mesmo, antes de eu começar a lhes falar sobre as
riquezas insondáveis do Messias, de seu amor e perdão. Apesar disso, um
grande número permanecerá no pecado, correndo o risco de ficar com o coração
tão endurecido a ponto de nunca mais mudar de idéia. Mas vocês jamais se
esquecerão deste dia, desta hora, deste milagre, desta prova inequívoca e
irrefutável de que o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó continua no controle
de tudo. Vocês têm a opção de seguir seu caminho, porém jamais poderão negar
que a fé é a vitória que vence o mundo.
DOIS
Em Chicago, Buck tentou ligar para Chloe, depois para Rayford, depois
para Chang. Nada. Ele deixou o telefone de lado, mas não conseguiu ficar
sentado.
- Onde está Ming? - ele perguntou. - Ela sabe o que está acontecendo?
- Ming não está aqui - disse Leah.
- Está lá embaixo? Diga a ela para deixar o pessoal de Enoque dormir e
subir até aqui.
- Meu pessoal não está dormindo - disse Enoque.
- Ela não está lá embaixo - disse Leah. - Deixou um bilhete.
- O quê?
- O irmão dela lhe contou alguma coisa sobre...
- Onde está Kenny?
- Dormindo, Buck. Ele está bem. Preste atenção. O irmão dela lhe contou
alguma coisa sobre seus pais, e ela resolveu ir ao encontro deles.
- Oh, não! - disse Zeke.
- Ela lhe disse alguma coisa, Z? - perguntou Buck.
- Não, mas eu devia ter percebido. Fiz algumas coisas para ela hoje cedo.
Cortei seu cabelo, coisas assim. Quanto aos documentos, fiz o melhor que pude.
Transformei a moça num rapaz, quero dizer, não foi bem assim. Só mudei o jeito
dela... é isso... você sabe.
Buck sabia muito bem. Para começar, Ming era uma mulher miúda. Não
tinha como ficar parecida com um rapaz, mas Zeke cortou seu cabelo, mostroulhe
como portar-se como um homem, cortou suas unhas, tirou a cor de seu rosto.
Pegou a antiga farda dela que pertencia à CG, fez algumas alterações em sua
fisionomia e a transformou em um jovem soldado das Forças Pacificadoras da
CG.
- Com que nome? - Buck quis saber.
- Do irmão dela - disse Z. - Chang. Sobrenome Chow. Eu não sabia que
ela ia sair daqui tão depressa.
- A culpa não é sua. Quanto tempo faz que ela foi embora? Talvez a gente
possa alcançá-la.
- Buck! - ralhou Leah. - Ela é uma mulher adulta, viúva. Se ela quiser ir
para a China, não podemos impedi-la.
Buck sacudiu a cabeça.
- Por quanto tempo você acha que vamos ficar protegidos aqui se cada um
resolver andar por aí quando lhe der na telha? Chang já nos contou que o
pessoal do palácio está começando a ficar desconfiado. Steve Plank já ouviu
essa notícia no Colorado, e não vai demorar muito para que alguém comece a
bisbilhotar por aqui.
- Provavelmente ela não lhe contou o que ia fazer porque sabia que você
tentaria dissuadi-la.
- Eu poderia ter ajudado. Encontrado uma carona para ela, alguma coisa.
- Ah, sim, até parece que você ia arrumar um avião e um piloto para ela.
O sarcasmo de Leah forçou Buck a olhar firme para ela. Seu sogro haviase
queixado de que aquela mulher era assim mesmo, mas Buck ainda não havia
se defrontado com ela.
- Isso não ajuda em nada, Leah - ele disse.
- Você poderia ser útil a ela enviando Albie para acompanhá-la.
- Eu não sabia que ela estava indo embora!
- Bem, agora já sabe.
- E eu estou disponível - disse Albie. - Mas...
- Não podemos correr riscos com você - disse Buck. - De qualquer forma,
sua identificação falsa foi descoberta e ainda não providenciamos uma nova para
você.
- Eu posso resolver isso em 24 horas - disse Zeke.
- Não! Vamos esperar que ela consiga o que deseja e que nos avise. -
Buck chutou uma cadeira. - Não entendo como ela vai se fazer passar por um
rapaz. Ela tem uma voz macia c delicada.
- Não quando grita ordens na prisão - disse Leah.
- Então, é melhor ela gritar ordens no caminho inteiro até a China - disse
Buck. - Imaginem se ela for descoberta. Eles vão saber que ela desertou da
PRFB da Bélgica, estabelecer uma ligação com o irmão dela e, bingo!, ele já era.
E nós, como ficamos nessa história?
Chloe não imaginou o que encontraria pela frente, mas Ptolemaïs não
parecia ter sido devastada por uma guerra. Fazia um bom tempo que a CG
deixara a Grécia em paz, em parte porque aquele país pertencia aos Estados
Unidos Carpathianos, disso Chloe tinha certeza. Nicolae não haveria de querer
atrair a atenção do mundo para os judaístas da região que levava seu nome. Mas
o grupo de crentes aumentou tanto que agora era difícil demais ocultá-los.
Assim que a primeira onda da tática de queda-de-braço varreu a região e
resultou em um número muito grande de pessoas que preferiram enfrentar a
guilhotina a aceitar a marca de lealdade a Carpathia, a batalha entre a CG e os
seguidores de Cristo tornou-se cada vez mais difícil. A aplicação da marca de
lealdade começou com os prisioneiros, e os resultados não foram satisfatórios
em razão da infiltração de espiões. Dois jovens prisioneiros fugiram. E, tão logo a
primeira e a pior fase da decapitação na guilhotina terminou, a vigilância tornouse
mais branda.
Uma das ramificações mais fortes da Cooperativa Internacional de
Mercadorias, idealizada pela própria Chloe, instalou sua sede na cidade e tornouse
um local clandestino para as reuniões dos crentes. Porém, uma emboscada
custou à igreja não apenas a vida de Lukas "Laslos" Miklos, mas também a de
Kronos, o mais antigo dos membros e muito querido pelos crentes, além da vida
do adolescente Marcel Papadopoulos. E se a moça que se fez passar por
Georgiana Stavros fosse realmente uma impostora chamada Elena, conforme
Steve Plank tomara conhecimento, Chloe imaginava que Georgiana também
estaria morta.
Havia poucas pessoas na rua durante o dia, e muitas pertenciam à CG.
Elas cumprimentaram educadamente as oficiais de alta patente da Índia e do
Ocidente, que trajavam fardas e tinham quepes brancos na cabeça enfeitados
com cadarços azuis. Albie havia ensinado Hannah e Chloe a fazer continência,
que elas logo constataram ser muito diferente das saudações feitas pelos
verdadeiros funcionários da CG. Ambas tinham um ar de indiferença no rosto.
Não olhavam para ninguém e conversavam entre si em voz baixa para que
ninguém pudesse ouvi-las. O olhar sério delas, quase uma carranca, fazia com
que parecessem atentas a seus deveres.
Tinham lugares para ir e pessoas para ver, e a conduta das duas
desestimulava gestos de cordialidade e conversas desnecessárias.
Diretamente do palácio da CG em Nova Babilônia, Chang Wong, por meio
da distribuição cuidadosa de memorandos confidenciais emitidos por falsos
oficiais graduados das Forças Pacificadoras, havia lançado um boato na Grécia
de que a chefia estava enviando um homem de alta patente para começar a pôr
ordem na confusão que reinava ali.
Chloe acreditava que os soldados da CG, que as olhavam duas vezes
para confirmar o que estavam vendo, não eram ingênuos. Ela supunha que,
pelas fardas dela e de Hannah, eles haviam matado a charada. Deviam estar
pensando que elas trabalhavam para o homem de alta patente, fosse ele quem
fosse e estivesse onde estivesse.
Hannah simulava muito bem o modo de andar de uma oficial, e Chloe - se
não estivesse tão nervosa - teria rido de "Indira". Elas caminharam apressadas
até uma vitrina mal iluminada, cujas trincas no vidro haviam sido coladas com fita
adesiva. Havia uma TV empoeirada em cima de uma prateleira, de frente para a
rua, e cerca de meia dúzia de soldados da CG estavam ajoelhados ou de
cócoras diante da vitrina assistindo à programação. Um deles notou a presença
de Chloe e de Hannah pelos reflexos no vidro e pigarreou. Os outros levantaramse
rapidamente e as saudaram com uma continência.
- Vamos andando, cavalheiros - disse Hannah, novamente com o sotaque
que aprendera.
Chloe lutou para controlar-se quando viu Petra em chamas e não entendeu
por que a CNNCG interrompeu bruscamente a transmissão. Os homens da CG
inclinaram-se para a frente em direção ao aparelho de TV e entreolharam-se.
- O que é aquilo? - disse um deles. - Sobreviventes? Os outros riram e o
cutucaram.
- Você está maluco, homem.
- De volta ao trabalho, cavalheiros - ordenou Hannah.
- Sim, senhor... isto é, senhora - disse um deles, e os outros riram.
- Você sabe diferenciar um oficial homem de um oficial mulher, filho? -
perguntou Chloe, com voz ríspida.
- Sim, senhora - ele respondeu, perfilando-se.
- Você achou graça?
- Não, senhora. Peço-lhe desculpas.
- Onde fica a taverna mais próxima?
- Como, senhora?
- Você tem dificuldade para ouvir, rapaz?
- Não, senhora. Três quarteirões adiante. Fica do outro lado da rua.
Ele apontou a direção.
- Você está de serviço, soldado?
- Sim, senhora.
- E onde deveria estar?
- Na sede do pelotão, senhora.
- Vá andando.
Chloe e Hannah haviam deixado os telefones desligados. Elas
combinaram com Mac que só os usariam depois do primeiro contato com os
crentes ou em caso de emergência. Depois das cenas que viu pela TV, Chloe
sabia que seu pai e Buck estavam tentando comunicar-se com ela, mas isso
podia esperar.
Alguns minutos depois, um jovem sentado em uma cadeira na frente da
taverna observou-as desviando os olhos do jornal que lia, o Semanário
Comunidade Global. Chloe calculou que ele deveria ter 20 e poucos anos. Ela
perguntou a si mesma se o jovem acreditaria que seu marido havia sido editor do
Semanário. O rapaz pareceu mudar de posição casualmente. Puxou o boné de
veludo sobre os olhos e descansou o pé na vitrina que ficava no nível da calçada.
- Você viu o que eu vi? - Hannah perguntou, quase sem fôlego.
- Vi. Vamos em frente.
Chloe e Hannah fizeram de conta que o rapaz era invisível e entraram na
taverna. O ambiente era sombrio, e elas demoraram um minuto para acostumarse
à escuridão. O local exalava um odor carregado de álcool e de encanamento
mal cuidado.
Dois homens da CG sentados a uma mesa de canto levantaram-se
imediatamente e saíram para a rua pela porta dos fundos. Chloe e Hannah
fingiram não notar nada. O proprietário cumprimentou-as em grego.
- Inglês? - sugeriu Chloe.
Ele negou com um movimento de cabeça.
Um homem de turbante levantou-se e disse alguma coisa rapidamente a
Hannah em um dialeto indiano. Chloe surpreendeu-se ao ver a reação de
Hannah. Ela fitou o homem nos olhos, como se tivesse entendido, e piscou para
ele, fazendo um leve movimento negativo com a cabeça. Aquilo pareceu
satisfazê-lo, e ele voltou a sentar-se.
O proprietário apontou para uma fileira de garrafas de bebidas alcoólicas
atrás dele. Chloe movimentou a cabeça negativamente.
- Coca-Cola? - ela perguntou.
- Coca-Cola! - ele repetiu, sorrindo e esticando o braço para pegar alguma
coisa embaixo do balcão. Instintivamente, Chloe encostou o cotovelo no cabo da
Luger a seu lado, e ela notou que Hannah colocou a mão na tira de couro que
prendia sua Glock nove milímetros.
O homem atrás do balcão continuou a fitá-las, e agora estava sorrindo,
exibindo uma antiga garrafa de vidro de Coca. Ele levantou um dedo, apontou
para a garrafa e empurrou dois copos em cima do balcão. Chloe entregou-lhe
dois nicks e levou a garrafa e os copos para uma mesa.
Depois de um gole do líquido, reconfortante para sua garganta ressecada,
Chloe virou-se na cadeira e examinou o ambiente. As pessoas, curiosas,
desviaram o olhar.
- Inglês? - ela perguntou. - Alguém fala inglês? Uma cadeira foi arrastada,
e um homem corpulento, usando uma roupa por cima da outra e com o rosto
transpirando, aproximou-se com passos tímidos e curtos. Ele as cumprimentou
educadamente, embora não pertencesse à CG.
- Poco englês - ele disse.
- Você fala inglês? - ela perguntou. - Entende o que eu falo?
Ele aproximou o polegar do dedo indicador, deixando um pequeno espaço
entre eles.
- Um pouco? - ela indagou. Ele assentiu com a cabeça.
- Poco.
- Subsolo - disse Chloe. - Onde fica o subsolo?
O homem arregalou os olhos, franzindo o pequeno número 216 tatuado
em sua testa.
- Sub o quê?
Ela apontou para baixo. - Subsolo. Pavimento inferior. Porão.
O homem levantou a mão carnuda e sacudiu a cabeça.
- Limpeza - ele disse. - Lava roupa.
- Uma lavanderia? - ela disse, percebendo Hannah arregalar os olhos. Era
isso mesmo.
Ele assentiu com a cabeça.
- Obrigada - disse Chloe.
- Obregado - ele disse, sem sair do lugar, com os dedos entrelaçados.
Chloe pegou uma moeda no bolso e a entregou a ele. O homem curvou o
corpo em sinal de agradecimento e dirigiu-se ao balcão.
- O que será que eles sabem? - disse Hannah em voz baixa. - O restante
do lugar parece estar aguardando que a gente faça alguma coisa.
- Também acho - disse Chloe. - Vamos continuar aqui por alguns instantes
e depois sair para dar uma espiada. A lavanderia é uma fachada, mas deve
haver alguém que a utilize para lavar roupas.
Hannah encolheu os ombros.
- Será que eles precisam entrar aqui para chegar lá? Acho que poucos
crentes se arriscariam a freqüentar este lugar.
As duas terminaram de tomar a Coca e olharam para seus relógios.
Ninguém havia saído desde que elas chegaram, a não ser os dois homens da
CG, e ninguém havia entrado. O jovem sentado na cadeira levantou-se e
caminhou, com passos lentos, de um lado para o outro, passando duas vezes
diante da porta. Duas pessoas que transitavam na calçada viram as mulheres
fardadas e preferiram não entrar.
Chloe e Hannah levantaram-se e caminharam a esmo, procurando a outra
entrada que dava acesso ao porão.
- Inglês? - Chloe perguntou ao jovem na calçada.
Ele encolheu os ombros e a encarou.
- Existe outra entrada aqui?
Ele fez um movimento negativo com a cabeça.
- Nem pelos fundos? Nem pela viela? Novamente, ele negou com a
cabeça.
- Ouvi dizer que há uma lavanderia aqui - ela disse. - Tenho algumas
roupas para lavar.
Ele a fitou e respondeu com sotaque grego.
- Não vejo nenhuma roupa suja.
- Eu não as trouxe comigo - ela disse. - Como posso descer até a
lavanderia?
- Fica depois do toalete - ele disse, com voz áspera.
- Porta dos fundos, deste lado. - O jovem apontou para a porta por onde os
homens da CG haviam saído. Em seguida, inclinou a cadeira para trás até
encostar o espaldar na parede. - Mas está fechada.
- No meio do dia? Por quê?
Ele encolheu os ombros, puxando a aba do boné e voltando a ler a revista.
- Ah, está bem - disse Chloe, suspirando e sinalizando para que Hannah a
seguisse até a esquina, para que elas ficassem fora da visão do jovem. - Vou dar
30 segundos a ele.
Um instante depois, Hannah esticou o pescoço para espiar.
- Como sempre, você estava certa - ela disse. - Ele sumiu.
As duas retornaram apressadas à taverna, dirigiram-se à porta dos fundos,
depois do toalete, e desceram correndo os degraus de madeira. Uma senhora
magra, de meia idade, usando uma malha cinza de lã e um lenço grande e
colorido que lhe cobria todo o cabelo e grande parte do rosto, olhou para elas
aterrorizada sob a claridade que vinha da janela.
- Lavanderia? - perguntou Chloe.
A mulher assentiu com a cabeça, com a mão fechada sob o queixo.
- Podemos trazer roupas para lavar aqui?
Ela voltou a assentir com a cabeça. Através da abertura de uma cortina
grossa, dependurada em um batente atrás da mulher, Chloe avistou o jovem. Ele
estava com os olhos arregalados. Ela fez um gesto para que ele se aproximasse.
- Não! - disse a mulher, em tom de desespero, encostando-se na parede.
O jovem arriscou-se a aproximar-se dela com uma arma sob a camisa.
- Uzi? - perguntou Chloe.
- Sim, e vou usá-la - ele disse.
- Tire o boné - ela ordenou.
- Antes eu vou atirar em você - ele disse fazendo um gesto para pegar a
arma.
A mulher gemeu.
- Não, Costas.
Quando ele lhes apontou a arma, Chloe e Hannah levantaram seus
quepes. Depois que todos deixaram a testa à mostra, eles disseram em
uníssono:
- Jesus ressuscitou.
O rapaz fechou os olhos e soltou o ar dos pulmões com força. A mulher foi
escorregando na parede até sentar-se no chão.
- Ele ressuscitou verdadeiramente - ela conseguiu dizer.
- Eu quase matei você - disse Costas. Em seguida, virou-se para a mulher.
- A senhora está bem, mamãe?
A mãe cobriu o rosto com as mãos.
- Vocês disfarçadas de CG? - ela disse em inglês, com dificuldade. - O que
estão fazendo aqui?
- Sou Chloe Williams. Esta é minha amiga, Han...
- Não posso acreditar! - disse a mulher, passando um lenço no rosto e
levantando-se. Ela correu até Chloe e abraçou-a com força. - Sou Pappas,
também conhecida como Sra. P.
- Esta é minha amiga Hannah Palemoon.
- Você também é da cooperativa? - perguntou a Sra. P. Hannah negou
com a cabeça.
- É da Índia?
- Não. Da América.
- Você com esse disfarce está ótima. Hannah sorriu e olhou para Costas.
- Este lugar é seguro?
- Vamos sair daqui - ele disse, conduzindo-as através da cortina até uma
despensa de paredes de concreto lotada de mantimentos procedentes de todas
as partes do mundo.
- A cooperativa funciona aqui. Mas estamos sofrendo muito. Sobrou pouca
gente.
- O pessoal lá de cima não incomoda vocês?
- Damos algumas coisas a eles. Não fazem perguntas. Eles também têm
seus segredos. Um dia, quando acharem conveniente, eles vão nos entregar.
- A chefe da cooperativa em minha casa - murmurou a Sra. P. com a mão
no coração. - Ninguém vai acreditar.
- Vocês não podem ficar muito tempo aqui - disse Costas. - Em que
podemos ajudá-las?
Dois jovens soldados das Forças Pacificadoras da CG fizeram um gesto
obsceno ao passarem por Mac dentro de uma pequena van. Mac notou a
mudança de expressão no rosto de um deles quando o jovem prestou atenção à
sua farda. O veículo foi brecado com força no asfalto, atirando cascalho para os
lados ao dar marcha a ré em sua direção.
- Nós acenamos! - gritou o jovem sentado no banco do passageiro assim
que a van parou e ele desceu. - Nós acenamos para o senhor! O senhor viu?
- Vi, e agradeço muito. - disse Mac. O motorista também desceu, e Mac
respondeu à continência deles. - Minha equipe de apoio teve de seguir em outra
direção, e eu preciso chegar ao aeroporto.
- Podemos levá-lo até lá. O senhor aceita uma carona?
- Sim, muito obrigado - disse Mac. Ele atirou a mochila e a maleta no
banco traseiro e acomodou-se. - O que está havendo em Petra?
- Ouvimos as notícias, senhor - disse o motorista ligando o rádio.
Mac apoiou a testa nas mãos como se estivesse tentando ouvir melhor e
orou desesperadamente por seus companheiros.
- Foram todos queimados - prosseguiu o motorista. - Não restou nenhum
corpo para ser enterrado.
- Quero ouvir a notícia, rapazes - disse Mac, e os dois se calaram. Pouco
antes de a conexão ser interrompida, Mac conseguiu ouvir algumas palavras do
piloto que o deixaram animado.
- Bem, as notícias são boas, não? O passageiro virou-se para trás.
- Claro. Não entendi muito bem a última parte, mas nós conseguimos
pegar aquela gente, com certeza.
Quando chegou ao aeroporto, Mac mal pôde acreditar na desordem que
viu. O pessoal da CG que restara ali parecia indisciplinado e indolente. Aquilo
poderia trabalhar em seu favor.
- Eu preciso de um veículo - ele disse ao único soldado das Forças
Pacificadoras que se levantou e lhe prestou continência no hangar principal. -
Preciso das chaves do veículo, preciso guardar minhas coisas e quero ver o
Rooster Tail [avião], se ele estiver aqui.
- Ah, ele está aqui, senhor, e estávamos à sua espera. Vou levar suas
coisas até lá.
- Eu lhe pedi para levar minhas coisas?
- Não. O senhor disse bem claro que queria guardar suas coisas. - O
soldado correu até uma escrivaninha e pegou um molho de chaves de dentro de
uma enorme caixa de papelão.
- O Rooster Tail está no hangar 6. O carro é o primeiro da fila. Posso
buscá-lo para o senhor.
- Faça isso.
- Ah, eu ia me esquecendo. Preciso digitar seu código no computador e...
- Só depois de me trazer o carro.
- Tudo bem.
O soldado correu até o carro. Mac sabia que os outros estavam olhando
para ele, sentados com o corpo ereto, aparentemente atarefados. Mas nada
acontecia ali; não havia nenhum avião chegando ou partindo.
- O senhor está aqui para nos ajudar, comandante?- gritou alguém do
outro lado da sala.
Mac olhou firme para ele.
- Como, soldado?
- Eu perguntei se o senhor...
- Eu ouvi o que você disse! Levante-se já dessa cadeira e dirija-se a mim
corretamente!
O soldado levantou-se rapidamente e enroscou o pé na roda da cadeira,
cambaleando antes de endireitar o corpo e aproximar-se. Mac encarou-o. O
soldado parou e prestou-lhe continência. Mac continuou imóvel.
- Você costuma gritar do outro lado da sala para os seus superiores?
- Eu estava distraído, senhor.
- Você me fez uma pergunta.
- Eu só estava querendo saber se íamos receber ajuda aqui. O senhor
pode ver que estamos com falta de pessoal.
Mac percorreu o hangar com o olhar e, em seguida, examinou a pista de
decolagem.
- Vocês estão com muito pessoal e pouco trabalho, e sabem disso.
- Sim, senhor.
- Estou errado?
- Não, senhor. É só que... bem, estávamos acostumados a...
- Pode ficar à vontade!
O soldado prestou-lhe continência mais uma vez e afastou-se. O outro
parou o carro em frente ao hangar e abriu o porta-malas.
- O senhor precisa de ajuda com o transatlântico, senhor?
- Só preciso de uma caixa de ferramentas e quero ficar sozinho lá. O que
vocês encontraram dentro do avião?
- Nada, senhor.
- Você está brincando.
- Recebemos instruções de entregá-lo à chefia. Ao senhor, acho.
Mac pressionou os lábios. Haveria alguma coisa que Chang Wong não
conseguisse com apenas algumas digitadas no teclado do computador?
- Arrume uma caixa de ferramentas para mim e me diga quem está
cuidando do judaísta capturado.
- Como, senhor?
Mac empinou a cabeça e olhou de esguelha para o rapaz.
- Quer dizer que fizemos uma emboscada bem-sucedida para pegar um
indivíduo debaixo do nariz de todos vocês e ninguém sabe nada sobre isso?
- Ah, aquilo... Sim, nós sabíamos. Nós sabemos. O que o senhor
perguntou?
- Quem está cuidando do assunto? Pegaram um suspeito vivo e quero vêlo.
Tenho ordens para vê-lo.
- Bem, eu não sei onde ele está preso, senhor. Isto é, eu...
- Eu não esperava que você soubesse onde ele está preso! Eu lhe fiz esta
pergunta?
- Não, senhor. Sinto muito.
- Espero que quem cuidou da operação para nós saiba. Entendeu?
- Claro.
- Então, quem é?
- Um sujeito com um nome esquisito. É melhor o senhor verificar no
quartel-general de Ptolemaïs.
- Sei que é um tal de Nelson Stefanich. Você teve contato com ele?
- Sim, senhor.
- Pode dizer a esse homem que quero conversar com ele?
- Sim, senhor.
- Diga a ele que espero obter toda a cooperação e informações de que
necessito assim que eu chegar lá.
- Sim, senhor. Agora, o senhor poderia me fornecer o código de segurança
de seis dígitos para...
- Zero-nove-um-zero-zero-um - repetiu Mac, como um papagaio.
Em seguida, ele pegou a caixa de ferramentas e dirigiu-se de carro ao
hangar onde o avião de Sebastian estava guardado. Ele sabia onde George
havia escondido seu arsenal, e, dentro de segundos, conseguiu retirar os painéis
do compartimento de carga e pegar uma arma de energia direcionada e um rifle
calibre 50 com suporte bípede, guardando-os no porta-malas do carro. Pela
posição da lingüeta de segurança que George colocara na porta do
compartimento de carga, Mac constatou que a CG havia vasculhado o local, mas
não encontrara os painéis secretos.
Ele retornou ao hangar principal.
- Não encontrei nada - ele disse ao rapaz entregando-lhe a caixa de
ferramentas. - Ptolemaïs sabe que estou indo para lá?
- Estão aguardando sua chegada.
George Sebastian fingiu que continuava dormindo. Assim que acordou, ele
ouviu mensagens urgentes, cheias de estática, recebidas por seus captores, e as
respostas enérgicas e desesperadas, mas em voz tão baixa que ele não
conseguiu entender os detalhes.
Deitado do lado direito, com o corpanzil encostado no chão sujo e repleto
de lixo, ele sentia frio e fome. Essa posição deixou seu braço direito amortecido,
desde o cotovelo até a ponta dos dedos. Ele estava com as mãos algemadas nas
costas. Sua cabeça e seu rosto latejavam, e ele sentiu gosto de sangue na boca.
George ouviu alguém ressonando atrás dele. Ah, se ao menos ele tivesse
as mãos livres. Poderia movimentar-se no lugar para que o sangue voltasse a
correr livremente por seu braço direito e posicionar-se, silenciosamente, para o
ataque. E, se o guarda dorminhoco fosse a única pessoa ali, ele poderia agarrálo,
desarmá-lo e silenciá-lo em um segundo. George virou-se com dificuldade.
Seu corpo inteiro doía e ansiava por comida e água. Ele esfregou o rosto no chão
para afastar um pouco a venda dos olhos - o suficiente para dar uma espiada.
O guarda estava dormindo sentado, com o braço dependurado e a arma
possante no colo. Estranho. Talvez George estivesse enganado, porém ele
achou que havia confundido a hierarquia, de seus captores. O grandalhão, que
tentava disfarçar um sotaque francês, não era o líder. Ele falava muito, mas era o
outro - o grego que não havia sido atingido por George - que parecia dar as
cartas. No entanto, a não ser que o homem estivesse fingindo para forçar George
a tentar alguma coisa, era ele quem estava dormindo ali, a menos de um metro
de seu prisioneiro.
O braço direito de George formigava, e ele tentou mexer a mão esquerda
para sentir a pressão das algemas. Eram fortes e estavam bem apertadas. Ele já
havia quebrado algumas algemas convencionais antes, mas nenhuma delas
estava tão apertada como aquelas. A porta no topo da escada foi aberta, e a
jovem - que era chamada de Elena, embora tivesse fingido ser Georgiana - disse:
- Acho melhor a gente dar uma última chance a ele e, depois, fazer o que
tiver de ser feito.
O grandalhão, parecido fisicamente com George, desceu ruidosamente a
escada com a arma em punho. Ela o acompanhou, desarmada, e gritou da
escada:
- Vamos lá, Sócrates!
Será que eles tinham um cão?
O grito de Elena despertou o líder. Ele levantou-se limpando a garganta e
esfregando os olhos.
- Alguma novidade? - perguntou o grandalhão.
- Não. Ele não se mexeu.
- Continua vivo?
- Respirando.
O grandalhão cochichou alguma coisa ao ouvido do companheiro.
- Sério? - perguntou o mais baixo. - A que horas?
- Ninguém sabe ainda, mas deve ser hoje, durante o dia ou à noite.
O líder proferiu um palavrão.
George esperava que eles não notassem que havia um vão na venda em
seus olhos. O grandalhão apoiou uma bota pesada em seu ombro esquerdo e o
forçou a rolar de costas.
- Acorde, meninão - ele disse. E o líder complementou:
- Última chance.
George queria dizer: "Para quê? Tire estas algemas e esta venda dos
meus olhos, seu covarde, e eu vou matá-lo com as minhas mãos." Mas ele
estava determinado a ficar calado. Não daria esse tipo de satisfação àqueles
amadores.
Ele ouviu som de passos pesados e desajeitados no pavimento superior, e
o guarda com o joelho machucado começou a descer lentamente a escada. O
grandalhão entregou sua arma a Elena e posicionou-se com uma perna de cada
lado do corpo de George. Passou as mãos sob os braços de George, dobrou-lhe
os joelhos e ergueu-o do chão, gemendo com o esforço que fez para encostá-lo
na parede. George ficou de cabeça baixa, com o queixo encostado no peito.
- Muito bem - disse o líder. - Platão, fique ali, e Sócrates, fique aqui.
George imaginou estar ouvindo coisas. Ele foi um dos poucos bolsistas do
time de futebol de San Diego que havia estudado a história grega, mas seu
desempenho medíocre nos exames forçou-o a seguir a carreira militar. Sua
mente devia estar lhe pregando uma peça. Seriam Platão e Sócrates os homens
que estavam a menos de dois metros dele, um de cada lado, com as armas
apontando para sua cabeça? Talvez fosse alucinação por causa da fome, ele
concluiu.
- Se ele tentar alguma coisa, atire, mas tome cuidado para não me atingir.
O líder - George não podia imaginar qual seria o nome daquele homem -
ajoelhou-se na frente dele a arrancou-lhe a venda dos olhos. George piscou e
semicerrou os olhos, continuando a fitar o chão. O homem encostou o cano da
arma na testa de George e levantou seu rosto.
- Olhe bem para mim e veja que estou falando sério. George sentiu
vontade de cuspir no rosto dele.
- Você é valente, um prisioneiro de guerra exemplar. Mas perdeu a parada.
Esta é sua última chance. Não estou disposto a gastar mais tempo nem energia
com você. E você só vai sair vivo daqui e voltar a ver sua esposa e seu filho se
nos contar o que precisamos saber. Caso contrário, vou matá-lo com um tiro à
queima-roupa que vai atravessar seu cérebro. Você tem dez segundos para me
dizer onde fica a casa secreta dos judaístas.
George não tinha motivos para duvidar do homem. Estava fraco,
desgastado, quase sem forças, mas havia logrado êxito. Não abrira a boca antes,
e não a abriria agora. Mesmo que delatasse o pessoal de Chicago, ele não seria
libertado. Havia uma alternativa, mas ele não teria condições de levá-la adiante.
Poderia inventar uma história - uma história longa, desconexa, cheia de
detalhes, capaz de iludir qualquer um. Poderia dizer que havia um gás venenoso
na cabina de seu avião, que esse gás seria acionado se alguém tentasse pilotálo
sem antes digitar um código no sistema de segurança.
Aquilo poderia evitar que a CG se apoderasse do Rooster Tail O avião
ficaria à disposição do Comando Tribulação se alguém viesse resgatá-lo. Mas ele
tinha certeza de que o capitão Steele e o restante do pessoal já deveriam
considerá-lo morto; e por que não? E, se ele inventasse uma história para
retardar a execução, não conseguiria ser coerente em razão de sua condição
atual - talvez até deixasse escapar alguma coisa verdadeira.
Com o cano da arma encostado na testa, George continuou de boca
fechada. Não recuou, não fechou os olhos, não estremeceu. Simplesmente
cerrou os dentes aguardando o disparo que o levaria para o céu.
TRÊS
- Nós fazíamos parte do grupo dirigido pelos líderes - explicou Costas
Pappas. - O pastor e sua esposa. O casal Miklos. O velho Kronos. O primo dele
ainda está conosco. Vocês conhecem essas pessoas?
- Conhecemos todas - respondeu Chloe. - Mas como você sabe tanta
coisa e continua vivo?
- Marcel nos contou qual era o plano, na noite em que tudo aconteceu -
disse a Sra. Pappas. - Ouvimos falar que a moça foi vista pelas pessoas do
esconderijo que a conheciam, mas isso não passa de um boato. Tudo parecia
que ia dar certo. A ajuda do Comando Tribulação, um militar, um homem da
América que estava retornando da missão em Israel.
- Mas como vocês tomaram conhecimento do que aconteceu? O que
fizeram quando souberam que o Sr. Miklos e o Sr. Kronos não haviam voltado?
- Começamos as buscas - disse Costas com os lábios trêmulos.
A princípio, Chloe imaginou que ele fosse apenas um bisbilhoteiro
fanfarrão; depois, um jovem mal-humorado. Mas ele tinha de ser corajoso, ela
concluiu, para viver daquela maneira. A emoção em sua voz a sensibilizou.
- Nós conhecíamos o plano - ele prosseguiu. - Não encontramos as pedras
na beira da estrada. Ou rolaram ou foram retiradas. Mas aqueles animais
deixaram o carro no lugar em que ele parou, perto de lá, bem visível.
- Mas devem ter ficado observando de longe - disse Hannah -, aguardando
a chegada de vocês.
- Nós tínhamos certeza disso - explicou o rapaz. - Passamos de carro por
lá rapidamente tentando aparentar que não estávamos procurando nada. Mas
nós conhecíamos o carro de K. Estava a alguns metros de distância da estrada...
os faróis com luz fraca, o motor desligado, uma porta aberta. Estávamos
desesperados para revistar o carro, descobrir o que tinha acontecido, mas não
queríamos cometer uma tolice.
- E então...?
- Ficamos aguardando. Não havia outra coisa a fazer. Não havia jeito de
saber quando eles iam se cansar de esperar que alguém aparecesse. Depois de
alguns dias, não agüentamos mais ficar sem saber o que tinha acontecido. O
primo de Kronos nos emprestou um caminhão com tração nas quatro rodas.
Pelos mapas topográficos, planejamos um meio de chegar ao carro pelo mato, e
não pela estrada. Conseguimos fazer isso depois da meia-noite, seguindo
lentamente por pequenas trilhas em meio às árvores até uma clareira cheia de
pedras. O primo de Kronos dirigiu o caminhão, e dois outros homens e eu fomos
a pé na frente, com roupas escuras, para que ninguém nos visse nem ouvisse.
Por volta das três horas da madrugada, conseguimos chegar o mais perto
possível do local com o caminhão. Mesmo sem enxergar o carro de Kronos, nós
sabíamos onde ele estava. Rastejamos sobre uma elevação do terreno, de onde
achamos que poderíamos avistar o carro, mas não vimos nada.
- Não há mais dinheiro para pagar a iluminação das ruas - prosseguiu
Costas -, e a bateria do carro estava completamente descarregada. Não havia
lua, e não quisemos arriscar a usar lanternas. O carro continuou no escuro. Se a
CG estivesse à espreita para nos pegar, não poderia imaginar que vínhamos
pelo caminho mais difícil e muito mais longo. Estávamos muito perto do carro
quando o vimos no escuro. Ficamos ouvindo e observando, e chegamos até a
nos espalhar para ver se havia alguém da CG por ali. Em seguida, tateamos o
carro e encontramos os corpos. Mesmo correndo riscos, resolvemos acender as
lanternas, alguns segundos por vez, encobrindo a luz com nosso corpo.
Costas estremeceu ao lembrar-se da cena e começou a chorar. Ele
esforçou-se para ser entendido.
- Todos os três - ele disse. - Baleados. Marcel no rosto. Parte de sua
cabeça desapareceu. Tivemos trabalho para tirá-lo de baixo do painel. K levou
um tiro no pescoço, vindo de trás. Deve ter sido atingido na coluna. Laslos foi
ferido na testa.
- Nenhum sinal do americano? Costas negou com a cabeça.
- Arrastamos os corpos, um a um, até o caminhão. Estavam cheirando mal
e rígidos. Foi horrível. Um amigo meu, que estudou criminologia, constatou que a
pessoa que atirou neles devia estar dentro do carro. Encontramos a mochila de
Marcel que lhe demos de presente. Estava embaixo do corpo de Laslos, coberta
de sangue. Dentro, havia uma troca de roupa e alimentos. Não sabemos o que
aconteceu com o americano.
Chloe contou a Costas e à mãe dele o que Steve Plank relatara, que a CG
estava se vangloriando de ter impedido uma tentativa de fuga.
- Havia uma impostora para a moça e um impostor para o nosso
companheiro. Alguma coisa deu errado, e o resultado foi esse.
- O americano está vivo? - perguntou a Sra. P. Chloe assentiu com a
cabeça.
- Está preso em algum lugar. Devem estar tentando extrair alguma
informação dele, mas o rapaz é muito bem treinado. Nossa preocupação é que
ele seja morto por não cooperar.
- Você deve achar que o pessoal da CG é idiota - disse Costas.
- Como assim?
- Você vem até aqui disfarçada de oficial da CG e acha que vai ser levada
até ele.
- É um risco, nós sabemos.
- É suicídio - disse Costas.
- O que você faria, filho? - perguntou Chloe. De repente, ela se deu conta
de que Costas deveria ser apenas um pouco mais novo do que ela.
Ele encolheu os ombros.
- A mesma coisa, acho, mas penso que não vai funcionar.
- Estamos nos arriscando tanto assim porque temos um companheiro
dentro do palácio em Nova Babilônia – disse Chloe.
Em seguida, ela começou a falar dos preparativos e dos planos de Mac.
- Ah, com licença - disse Hannah. - Um minuto só, por favor.
Chloe olhou de relance para ela e acompanhou-a até um cinto.
- Chloe, você acha que eles precisam saber de tudo isso?
- Podemos confiar nos dois! Eles são da cooperativa.
- E se eles forem pegos e forçados a falar? Não jogue tanta
responsabilidade por cima deles.
- Pense no que eles têm sofrido, Hannah. Jamais vão dizer alguma coisa.
- E, se disserem, não será só você quem vai morrer, você sabe disso.
Elas retornaram para continuar a conversa com a Sra. Pappas e seu filho.
- Isso funciona? - perguntou Costas. - A CG vai se deixar enganar dessa
maneira?
- Não por muito tempo - Chloe admitiu, lançando um olhar de esguelha a
Hannah. - Mas com todas as informações incluídas no banco de dados central de
Nova Babilônia, temos conseguido penetrar em lugares extraordinários.
- Acabamos de conhecer vocês - disse a Sra. Pappas. - E logo vamos
fazer o enterro de vocês...
- Somos pessoas de fé - disse Hannah, deixando de lado o sotaque. - E
sabemos que vocês também são. E nós também devemos ser pessoas de ação.
Conhecemos os riscos e os aceitamos. Não sabemos mais o que fazer. Vocês
deixariam um companheiro morrer sem tentar ajudá-lo?
Costas continuava emocionado. Ele encolheu os ombros.
- Não sei. Acho que vocês não têm escolha, mas seria melhor enfrentar
essa gente com armas em vez de disfarces. Não vejo como isso pode funcionar.
- Nós não sabemos onde nosso companheiro está! - disse Chloe. - Como
podemos encontrá-lo sem nos infiltrar na CG?
- E o tal homem do Colorado? Ele parece saber de muita coisa.
- Ele só nos conta o que ouve. Se ele começar a perguntar detalhes, em
breve será pego.
- Como ele conseguiu ficar na CG sem a marca?
Chloe falou sobre a nova identidade de Steve e a reconstrução de seu
rosto, ciente do longo suspiro dado por Hannah e de seus movimentos negativos
com a cabeça.
- A testa dele é de plástico. A marca de lealdade teria de ser aplicada sob
o plástico, e ninguém suportaria olhar para ele e ver o interior de seu crânio.
- Por favor - disse Hannah, em voz baixa.
- Quero acompanhar vocês quando forem atrás de seu companheiro -
disse Costas.
- Não posso permitir - disse Chloe. - Nós temos documentos, fardas e
cobertura pelo computador, por enquanto. Levaria dias para providenciar tudo
isso para você.
- Eu posso conseguir uma farda da CG, e vocês me dariam cobertura.
Eu...
- Não - disse Chloe. - Agradecemos, mas isso não vai acontecer. Temos
um plano e vamos segui-lo, quer funcione quer não.
- Vocês precisam de mais armas?
- Precisamos, mas levantaríamos suspeitas se carregássemos armas
pesadas que não pertencem à CG. O Sr. McCullum está tentando pegar algumas
no avião de nosso companheiro ou no carro dele.
- Onde está o carro?
- De acordo com Plank, os captores de Sebastian também estão com o
carro que o próprio Sebastian conseguiu no aeroporto.
- E eles não vasculharam o carro à procura de armas?
- Não sabemos.
Costas fez um gesto para que as duas o acompanhassem até um canto,
onde havia um enorme baú de madeira escondido embaixo de pilhas de
cobertores. Estava lotado de Uzis.
- Não me façam perguntas - ele disse. Sua mãe providenciou uma sacola
grande da lavanderia na qual Costas colocou três armas enroladas em panos e
vários pentes de munição.
- Agora, é melhor vocês partirem.
Alguém contara a George Sebastian que a pessoa não ouve o disparo que
a mata, mas como essa afirmação pode-ria ser comprovada? Ele esforçou-se
para manter a calma, porque não queria dar a satisfação a seus captores de
demonstrar medo antes do disparo fatal. Ele prendeu a respiração pelo tempo
que parecia ser seus últimos dez segundos de vida, e não conseguiu evitar um
estremecimento quando soltou o ar.
- Muito bem - disse o líder -, ele precisa ficar apresentável, e rápido.
Comida e água em primeiro lugar, depois uma ducha. E façam alguma coisa
quanto ao lábio dele. Inventem uma história. Não fomos nós que fizemos isso.
George abriu os olhos e piscou.
- Você continua encrencado, Califórnia, mas nenhum de nós vai morrer por
sua causa. Vou tirar as algemas, mas há duas armas apontadas para você, e só
precisamos de um motivo para atirar.
Depois de retiradas as algemas, George esfregou as mãos, fazendo
Platão estremecer. George sentiu vontade de assustá-lo com um movimento
brusco ou um grito.
- Dê um jeito nos pulsos dele - disse o líder a Elena. - Vamos, temos de
sair daqui.
Eles empurraram George escada acima e lhe deram dois sanduíches com
recheio de alguma coisa com gosto de lingüiça. As fatias de pão tinham quase
cinco centímetros de espessura e estavam secas. Ele teve de apertá-las para
que coubessem na boca. O lábio machucado esticou e sangrou enquanto ele
mordia o sanduíche. Em seguida, ele sorveu avidamente a água da garrafa,
morna e com gosto de agua velha.
George queria recostar-se na cadeira e inspirar e expirar o ar com força,
mas aquele não era um momento de lazer. Ele engasgou e tossiu, mas forçou-se
a comer todo o sanduíche. Sua melhor chance de fugir ou tentar alguma coisa
seria enquanto estivesse sem as algemas, e eles o estavam provocando a fazer
isso. George não queria gastar energia mental tentando imaginar o que
significava tudo aquilo, mas sentiu-se aliviado por estar vivo e ter alcançado seu
objetivo até aquele momento: permanecer calado.
Quando terminou de comer o sanduíche, George pegou um punhado de
migalhas de pão de cima da mesa e levou-as à boca. Tomou o último gole de
água, virando a garrafa para não sobrar nenhuma gota. Elena tirou a garrafa de
suas mãos e apontou para um cubículo onde ele mal caberia embaixo do
chuveiro.
- Deixe as roupas ali - ela disse, apontando para o chão. - É claro que você
não vai conseguir passar pela janela, mas saiba que há um homem armado do
lado de fora.
Ela saiu e fechou a porta. Mesmo sabendo que a moça e, provavelmente,
os outros poderiam ouvir qualquer ruído ali dentro, ele olhou embaixo de uma
cama de lona e só viu poeira. Abriu três gavetas de uma cômoda de madeira
franzina. Vazias. Não havia nada ali a não ser uma janela que, pelos seus
cálculos, estava de frente para o oeste. Ele entreabriu a persiana, e Sócrates
apontou-lhe a arma.
- Ande logo! - gritou Elena, do outro lado da porta.
Ele tirou a roupa, deixou-a no chão e entrou embaixo do chuveiro. Quando
abriu o registro esquerdo, recebeu um jato de água gelada no corpo. Ele deu um
passo atrás e abriu o outro registro. Fria também. Resolveu deixar os dois
abertos para permitir que a água escorresse por alguns instantes, Tentou afastar
um pouco o bocal do chuveiro, mas não conseguiu por causa da ferrugem que o
prendia no lugar.
- A água não é potável! - alguém gritou do lado de fora.
George queria perguntar se havia sabonete ou uma toalha, mas decidiu
não abrir a boca. Tiritando de frio, ele forçou-se a entrar embaixo do chuveiro.
Seu corpo estremeceu, mas ele deixou que a água fria molhasse seus cabelos e,
depois, o corpo inteiro. Esfregou o corpo vigorosamente pelo tempo que pôde
agüentar. Quando estava prestes a fechar os registros, ele ouviu a porta do
cômodo ser fechada. Ao espiar, ele viu, no lugar em que deixou suas roupas,
uma pilha de roupas limpas, talvez pertencentes a Platão, o homem com o físico
semelhante ao dele.
Ótimo. Ele não é tão grande quanto parece.
Em cima da cama, havia uma toalha de rosto. George enxugou-se com ela
e vestiu a roupa. Uma camiseta esquisita serviu para proteger seu corpo do
contato áspero de uma malha de lã grosseira. As ceroulas, ao estilo militar, eram
justas demais. As meias grossas de cor cinza começaram a aquecer seus pés, e
a calça cáqui com cinto de lona ficou apertada na cintura e curta - uns dez
centímetros acima do tornozelo. As botas da CG eram um número menor que o
seu, mas suportáveis.
George empurrou a porta, e Elena fez um gesto para que ele retornasse à
mesa onde havia comido o sanduíche. Platão continuava a encará-lo,
empunhando a arma. George se deu conta de que a moça era um alvo fácil para
ele. Poderia golpeá-la na cabeça antes que os outros percebessem e matá-la
antes que alguém tivesse tempo de atirar.
Ela passou, desajeitadamente, uma pomada no lábio dele e massageoulhe
as mãos e os pulsos. George analisou o rosto dela tentando encontrar algum
sinal de fraqueza. O sangue que havia nas roupas daquela moça, quando ele
imaginou que ela fosse uma aliada, não era dela. A moça era uma assassina.
Elena apertou um inchaço enorme em cima de sua sobrancelha, mas
George não estremeceu de dor. Se ele conseguisse suportar um pouco mais,
haveria um jeito de sair dali? Parecia difícil encontrar gelo naquele lugar, mas ela
pegou algumas pedras, enrolou-as em um lenço e segurou-as contra o inchaço
em sua testa. Em seguida, fez o mesmo no "galo" em sua nuca. Por que ela não
economizou uma ou duas pedras de gelo para que ele pudesse matar a sede?
O sanduíche, cujo recheio George não havia identificado, pesou-lhe no
estômago, mas ele sentia um pouco de força proveniente do alimento. Ele queria
provocar algum estrago, mostrar àqueles caipiras a astúcia de um preso
americano. Ah, ele poderia fazer muito mais do que ficar calado. Pelo que sabia,
já havia quebrado o joelho de um dos guardas.
Durante todo o tempo em que Elena lhe aplicou os curativos, George ficou
muito perto dela. Poderia cegá-la enfiando dois dedos em seus olhos, quebrarlhe
as mandíbulas com um soco no queixo ou esmagá-la virando a mesa sobre
ela e atirando-se por cima.
Mas isso de nada adiantaria, porque ele seria alvejado. George pensou em
deixar essa idéia de lado e atirar-se em cima de Platão para desarmá-lo. Em
seguida, o golpearia com a coronha da arma, atiraria em Elena e se arriscaria a
passar pelos dois acampados do lado de fora. As probabilidades seriam maiores,
mas não valeria a pena.
Eles estavam melhorando sua aparência. Por quê? Haveria alguém
superior a eles querendo extrair informações? E, pelo jeito, esse homem queria
que ele recebesse um bom tratamento. George estava se portando de maneira
semelhante à de qualquer outra pessoa ligada aos judaístas, e era por isso que
continuava vivo.
Ele gostou da idéia de ser apresentado à chefia da CG. Seu silêncio os
deixaria furiosos. Melhor ainda, ele imaginou: quanto mais arrogante um
prisioneiro se mostra, menos preparados eles ficam para impedir tentativas
criativas de fuga. Em determinado ponto, essa gente perceberia que ele não iria
colaborar. De seus lábios não sairia nenhuma informação, fosse de modo
voluntário ou forçado. Depois de certo tempo, ele seria descartável. Ou eles o
usariam como um exemplo prático, justificando que ele revelou um segredo ao
inimigo, ou o executariam. Ou as duas coisas.
O objetivo de George foi se formando lentamente em sua cabeça. Ele
queria permanecer alerta, estar ciente de qualquer detalhe. Queria saber quando
o pessoal da CG perderia a paciência e concluiria que ele era um caso sem
esperança, um caso perdido. A explicação era simples. Quando eles se
cansassem e seu fim estivesse perto, ele queria ter a certeza de levar um ou dois
consigo para a eternidade. Pelas marcas na testa que eles ostentavam, George
sabia que seus captores não iriam para o mesmo lugar que ele. Mas iriam para o
destino que lhes estava reservado muito antes do que imaginavam.
George teve de conter um sorriso enquanto era conduzido ao jipe. Estava
algemado novamente, mas isso só aconteceu depois que eles colocaram um par
de luvas grandes em suas mãos. Quanta consideração, ele pensou. Proteger
meus pulsos machucados.
Quando Mac se encontrou com Chloe e Hannah em uma clareira na
floresta, na região norte de Ptolemaïs, os três já haviam entrado em contato com
o pessoal do Comando Tribulação.
- Mal posso esperar para ver que história o pessoal de Nova Babilônia vai
contar sobre Petra - disse Hannah.
- Como alguém pode continuar incrédulo depois disso tudo?
- Quando será que papai e Abdullah terão condições de partir? - disse
Chloe. - Pelo que sabemos, Tsion vai querer ficar lá, desde que eles tenham
tecnologia suficiente para permitir que ele continue a enviar suas pregações
virtuais ao mundo inteiro. Acho que a CG vai matar qualquer um que sair de lá.
Mac contou a Chloe e a Hannah que o pessoal do quartel-general de
Ptolemaïs estava aguardando sua chegada, mas ele queria modificar os planos.
- Por quê? - perguntou Chloe. - Parece que já está tudo providenciado
para você.
- É verdade, mas se eu chegar lá, cheio de empáfia, vai parecer que quero
me exibir, que estou tentando impressionar. Eu poderia levantar suspeitas sem
querer. E tem mais. Se aquele quartel-general for parecido com o resto deste
lugar, eles vão desconfiar de mim se eu não começar a tirar o couro de qualquer
um que esteja dando as ordens.
- Explique-se melhor - disse Hannah. - Eu detestava trabalhar no palácio,
mas a organização e a decência que vi aqui deixam muito a desejar.
- Se eu fosse um comandante sênior de verdade, levaria uma semana
inteira para informar ao pessoal de Nova Babilônia tudo o que há de errado aqui.
Meu plano era chegar lá, pegar o que preciso e ir embora. Não ia nem pedir
ajuda dizendo que não seria necessário. Mas agora estou pensando em não
aparecer por lá.
- Não aparecer?
- Eu não vou aparecer.
- Nós é que vamos?
- Uma de vocês.
- Eu topo - disse Hannah.
- Ei, espere um pouco - disse Chloe. - Eu...
- Sinceramente, Hannah, acho que Chloe é quem deve ir. Acho que
nenhuma de vocês levantaria suspeitas, mas, se a coisa começar a azedar e
eles checarem sua íris ou suas impressões digitais... Você está registrada nos
arquivos do palácio.
- Como morta.
- É verdade, mas você saberia explicar como uma indiana poderia ter
características físicas idênticas às de uma norte-americana morta?
- Eu não saberia, porque você não acredita em minha capacidade.
- Você está brincando? Quase todas as vezes que olho para você,
esqueço quem você é de verdade. Mas Chang registrou um nome novo para
Chloe; portanto, se eles ficarem irritados e pedirem que uma subordinada minha
prove sua identidade, ela passará no teste.
- O que você quer que eu faça, Mac? - Chloe perguntou.
- Quero que você demonstre impaciência. - Impaciência?
- E irritação. Você pegou um osso duro de roer. Seu chefe folgado e os
outros que vieram com ele estão tirando um cochilo em algum lugar agradável, o
que não é da conta de ninguém, e você foi encarregada de conseguir
informações para ele. Se houver alguma burocracia, alguma demora, comece a
dar bronca. Você acha que pode fazer isso?
- O que você acha?
- Você deve dar a entender que este é um caso de vida ou morte. Passe
as informações para mim e deixe o resto por minha conta. Dê um jeito de mandar
um aviso aos captores que estamos por aqui, para que eles não sejam pegos de
surpresa, mas é melhor que eles deixem o prisioneiro apresentável. O chefão
não está nem um pouco satisfeito por não ter sido informado antes; portanto, dê
um jeito de falar com alguém que saiba o que está fazendo.
- Entendido.
- Aquele piloto, amigo de Abdullah, acredita que tudo vai dar certo, que
vamos tirar Sebastian de lá, algemado é claro, levá-lo até o avião e sair daqui
esta noite.
- Será que o pessoal daqui imagina que você está planejando levar o
prisioneiro embora?
- Não; mas, quando eles descobrirem, é melhor a gente estar bem longe
daqui.
- Não vai ser fácil - disse Hannah. - Mesmo que eles acreditem em tudo o
que a gente disser.
- Nunca é fácil, Indira - disse Mac, sorrindo. - O segredo está em não
tentar convencê-los de nada. As pessoas ficam irritadas quando são obrigadas a
fazer alguma coisa que não querem. Você está entendendo?
- Não muito.
- Por exemplo, se eu lhe disser que Rayford ou Tsion querem que você
faça alguma coisa que não deseja fazer, como voltar para Chicago
imediatamente, a sua primeira reação será negativa. Você não quer voltar, vai
recusar-se, e eu vou concordar, mas não vou contar o resto da história. Você vai
insistir, e eu não vou dizer mais nada. Já que você tomou uma decisão, não
precisa conhecer os detalhes. Mas, se eu estivesse no seu lugar, faria de tudo
para descobrir a história inteira e ficaria em dúvida se tomei a decisão certa.
- Pode ter certeza disso. Eu ia insistir até você me contar. Você me
conhece.
- Você poderia até insistir. Mas, veja, estaria entrando no meu jogo. Não
seria eu quem tentaria convencê-la. Você é que estaria tentando extrair alguma
coisa de mim. Aí, eu conto tudo o que for preciso para forçar você a fazer o que
lhe pedi antes, mas você só vai perceber isso depois, quando entender que foi
manipulada por mim, que você se irritou e que a idéia pareceu ter sido sua.
- Em outras palavras - disse Hannah -, você vai dar um jeito de forçar
esses homens a implorarem que você tire Sebastian das mãos deles.
- É isso mesmo.
- E eles vão achar que você está lhes fazendo um favor.
- Exatamente.
- Quero ver para crer.
- Você vai ver.
- E onde eu vou ficar enquanto Chloe estiver lá dentro?
- Aguardando no jipe, com os olhos e os ouvidos atentos. Eles vão saber
que há duas pessoas cuidando do caso, mas apenas uma que vai obter
informações para o chefe.
- E onde você vai estar? - perguntou Chloe.
- Ao telefone, falando com Chang, e depois com o rapaz do aeroporto.
Quero o Rooster Tail abastecido e pronto para decolar.
- Você vai dizer a ele que vamos levar o prisioneiro conosco ?
- Vou agir de acordo com a situação. Se não encontrarmos uma arma no
carro de George, já arrumei uma para ele e outra para mim. Vocês têm as suas.
- Será que vamos precisar delas?
- Pelo menos para impressionar o pessoal. É normal um oficial trazer
subordinados armados para uma visita como esta.
Durante um intervalo no turno da tarde, Chang caminhou apressadamente
até seu quarto procurando não chamar a atenção de ninguém. Com os dedos
voando pelo teclado do computador, ele tentava descobrir o paradeiro de sua
irmã. Ela era mais eficiente nisso do que ele imaginava. Chang gostaria que sua
irmã o tivesse informado sobre seus planos para que ele abrisse caminho para
ela. Talvez, se ela chegasse a algum lugar e descobrisse que ele lhe conseguira
uma autorização para viajar a serviço da CG, ela saberia que ele estava
acompanhando seus passos.
O "soldado Chow", das Forças Pacificadoras, apareceu no sistema.
Aparentemente, "ele" havia saído de Chicago e conseguira uma carona até Long
Grove, em Illinois. Chang ficou feliz pelo fato de sua irmã ter evitado o Aeroporto
de Kankakee e a Base Aérea Naval de Glenview. Embora houvesse falta de
funcionários em todos os lugares, o aeroporto e a base aérea haviam sido
queimados pelos judaístas e não tinham condições de abrigar um fugitivo. Mas
Chang nunca vira nada no sistema que mencionasse uma pista aérea em Long
Grove.
Finalmente, ele encontrou uma pista de decolagem para executivos, que
havia sido reaberta recentemente para um número limitado de rotas comerciais.
Mesmo sabendo que o intervalo estava terminando, Chang contatou a torre de lá
fingindo ser um oficial de alta patente do departamento de aviação da CG,
"solicitando confirmação rotineira de um soldado das Forças Pacificadoras, do
setor internacional 30, que estava pegando uma carona em um vôo de carga
com destino a Pawleys Island, na Carolina do Sul".
Chang não teve tempo de aguardar a resposta e voltou apressado a seu
posto de trabalho. Ali, ele ficou sabendo que Suhail Akbar estava interrogando o
primeiro piloto que retornava de Petra. Chang só podia supor que o segundo
piloto também estava a caminho da sala de reuniões particular de Suhail. Com
alguns toques no teclado, ele ativou a escuta clandestina naquela sala, para
gravar as conversas. Mais tarde, ele faria um download do sistema central.
Chloe estava agradecida pelo fato de Hannah ter sensibilidade suficiente
para deixá-la a sós com seus pensamentos no caminho de volta a Ptolemaïs.
- Você concorda que eu assuma essa missão, certo? - ela perguntou.
- Faz sentido - respondeu Hannah. - Aquele seria o lugar ideal para
alguém me checar.
Chloe tentou acalmar as batidas de seu coração, respirando fundo e
tentando cochilar um pouco. Não funcionou, mas ela sabia que sua vida
dependia, conforme Mac lhe dissera, de sua habilidade em demonstrar
impaciência. Irritação seria melhor, caso fosse necessário. Mas a impaciência
seria mais apropriada.
O quartel-general do pelotão ocupava os três andares superiores de um
edifício de quatro andares. O primeiro andar, que estava abandonado, devia ter
servido para abrigar algum escritório de negócios.
Um dos homens que Chloe e Hannah haviam encontrado na rua estava
sentado no escuro, perto do elevador no térreo, fumando e lendo sob a luz
prateada que vinha da rua. Quando viu Chloe, ele levantou-se e prestou-lhe
continência.
- O elevador está quebrado - ele disse. - A senhora poderá usar a escada
ali atrás.
- Última forma! Sua função é essa?
- Sim, senhora. Alguém precisa avisar as pessoas, se não elas vão ficar o
dia inteiro esperando pelo elevador.
- Ninguém pensou em colocar um aviso?
- Ah, sim, mas o oficial de comando quer que o aviso seja dado
pessoalmente.
Ela assentiu com a cabeça.
- É com ele que eu quero falar. Você poderia dizer-lhe que estou...
O jovem levantou as duas mãos.
- Não tenho meios de avisá-lo. Há uma recepcionista lá em cima.
- Pensei que vocês estivessem com falta de pessoal. Ele encolheu os
ombros.
- Eu apenas cumpro ordens, senhora.
A escada dava acesso a uma sala suja e ladrilhada, com cerca de meia
dúzia de lâmpadas fluorescentes funcionando. Não havia ninguém na recepção,
mas outro homem das Forças Pacificadoras fez menção de levantar-se de um
sofá surrado. Chloe o deteve com um gesto.
- Qual é sua função aqui, filho? - ela perguntou.
- Sou monitor de moral da CG, senhora. E estou encarregado de avisar
que a recepcionista não está aqui.
- Estou vendo.
- Bem, eu digo às pessoas que a recepcionista vai voltar logo.
- O que significa "logo"? Ele olhou para o relógio.
- Ela saiu há uns dez minutos, portanto já deve estar retornando.
- Você poderia avisar o comandante Stefanich que a Sra. Irene, do
destacamento do comandante sênior Johnson, está aqui e deseja falar com ele?
- Eu até que poderia, senhora, mas recebi instruções para...
- Faça o que estou mandando. Eu me entendo com ele. - Sim, senhora.
Como é mesmo o seu nome?
- Deixe estar, eu mesma vou encontrá-lo - disse Chloe, dirigindo-se para a
porta.
- Ah, eu não posso permitir, senhora. Por favor. Sinto muito não ter
entendido o seu nome.
- Você está com a mão na arma, Monitor?
- Não, senhora, bem... sim, senhora, estou, mas foi sem querer. Eu...
- Leia meu crachá, filho, e grave meu nome. No momento, tudo o que você
precisa saber é comandante sênior Johnson.
- Entendido. Um momento.
Chloe sacudiu a cabeça. Seria uma surpresa ver eficiência por parte da
CG. A porta foi fechada e, logo em seguida, foi aberta novamente. O monitor de
moral fez um gesto afirmativo com a cabeça e apontou para uma sala com
paredes de vidro em um dos cantos, onde o comandante estava sentado atrás de
uma mesa. Do lado de fora, havia uma mulher sem as insígnias de oficial.
- Vou ter de falar com ela também? - perguntou Chloe.
- Sim, senhora. É a secretária do comandante.
A maioria das outras mesas estava vazia, e havia também poucas
lâmpadas acesas. Aparentemente, aquele comandante estava cercado apenas
de pessoas que funcionavam como cães de guarda. Chloe caminhou em direção
à mulher de meia-idade, fardada. A mulher sorriu, aguardando ser abordada,
mas Chloe passou reto por ela limitando-se a dizer:
- Irene, do destacamento de Johnson. Vou falar com Stefanich.
A mulher não teve tempo para protestar. Nelson Stefanich olhou para ela,
com ar de surpresa, e começou a levantar-se.
- Oi, sinto muito, senhor, mas o comandante sênior Johnson não deseja
que eu perca tempo falando com tanta gente. O senhor tem alguma informação
para ele?
- Claro, mas...
Chloe abriu rapidamente uma pasta de couro e retirou seu cartão de
identificação da CG.
- O que o senhor necessita?
- Bem, eu esperava receber a visita do comandante Johnson.
Stefanich falava com sotaque europeu, talvez polonês, ela imaginou.
- Ele lamenta muito não poder ter vindo. A chefia da CG deseja que este
assunto seja tratado com urgência, e entendemos que o senhor está preparado
para...
- Sente-se, Sra. Irene, por favor.
- Eu prefiro...
- Por favor, eu insisto. Chloe sentou-se.
- Eu esperava informar seu comandante a respeito do pessoal que
escolhemos para esta missão. Estamos muito orgulhosos de...
- Com licença, senhor, mas entendemos que até agora não foi extraída
nenhuma informação do prisioneiro.
- É apenas uma questão de tempo. Ele é um militar altamente treinado, e
temos sido pacientes até agora.
- Estou entendendo que, se seu pessoal for tão bem preparado quanto o
senhor diz, o comandante Johnson não precisaria vir até aqui, não é mesmo?
- Talvez. Mas estou satisfeito com o que eles conseguiram até agora e
pretendo recomendar uma promoção...
- Faça como quiser, senhor, mas, por favor, forneça as informações de que
meu superior necessita.
Stefanich fez menção de tirar uma pasta da gaveta de sua escrivaninha,
mas não a entregou a Chloe.
- A senhora não está a par do que aconteceu hoje? O prisioneiro passou a
ser menos importante após o êxito do ataque.
- Entendo que os resultados não são conclusivos. Se tivessem sido, por
que não foram transmitidos ao mundo inteiro?
- Houve problemas técnicos. A senhora vai saber que milhões de traidores
foram mortos, inclusive os líderes deles.
- Ainda não sabemos onde fica o quartel-general deles disse Chloe -, ou
quantos líderes sobraram.
- Eles estão confinados nos Estados Unidos Carpathianos. Até mesmo o
rebelde não contestaria isso.
- O senhor está se recusando a permitir que um comandante sênior tenha
acesso ao prisioneiro?
- Não, eu...
- Se o senhor estiver, eu serei a primeira pessoa a desagradar ao chefe.
Mas o senhor será o próximo. - Chloe levantou-se. - Já estou atrasada, mas, se
eu voltar de mãos vazias, bem... eu não me importo de dizer que a culpa vai
recair sobre o senhor.
- Aqui está - ele disse oferecendo-lhe a tal pasta. Chloe começou a
caminhar em direção à porta. - O senhor pode recomendar promoções para o
pessoal que contratou, mas não vai estar em posição de merecer uma se...
- Aqui está, por favor - ele disse, sorrindo com ar de quem pede desculpa.
Chloe parou e olhou para ele com uma expressão de desconfiança no
rosto.
- Uma pasta? Eu não quero pasta nenhuma. Só preciso informar ao
comandante onde se encontra o prisioneiro.
- Está tudo aqui! Veja, aqui!
Chloe parou, com a mão na maçaneta, sacudindo a cabeça.
- E seu pessoal vai ficar nos aguardando.
- Claro!
Ela mordeu os lábios, olhando de esguelha para Stefanich. Já que havia
chegado até aquele ponto, não ia desistir.
- Está bem, vamos ver.
Ele sentou-se e esticou o braço, oferecendo-lhe a pasta.
Ela o encarou até forçá-lo a desviar o olhar. Finalmente, depois de um
longo suspiro, ele levantou-se e aproximou-se dela. Chloe agarrou a pasta e
saiu.
QUATRO
Chang estava inquieto, sentado em sua cadeira, fingindo trabalhar, mas
sem conseguir concentrar-se. Ele deveria estar coordenando os vôos e os
transportes de equipamentos, alimentos e suprimentos das fábricas de produção
para as áreas mais necessitadas. Chang havia inventado um jeito de deixar
transparecer que suas instruções eram lógicas e completas, até mesmo
eficientes. Mas os despachos das mercadorias causavam atrasos intermináveis.
Em razão de um dispositivo de falha introduzido por ele no sistema, os
embarques ficavam presos durante dias em localidades muito distantes e,
depois, eram enviados para lugares errados. Geralmente, lugar errado, para a
CG, significava lugar certo para a cooperativa ou para o Comando Tribulação.
Chang recebera elogios por seu trabalho, o que servia para que suas
pistas não fossem descobertas e para evitar que os problemas fossem
rastreados até ele. Contudo, alguma coisa estava atormentando sua mente.
Alguma coisa não estava fazendo sentido.
Ming deixara um bilhete informando ao Comando Tribulação, em Chicago,
que estava a caminho da China para ver seus pais. Se isso fosse verdade, por
que ela seguiu para o leste? A história só faria sentido se ela tivesse procurado
um vôo para a costa oeste. A verdade era que as principais cidades da Califórnia
estavam em ruínas, e os grandes aeroportos desapareceram, mas ainda havia
muitos lugares para decolagem.
Chang pensou em simular uma doença e afastar-se do trabalho pelo resto
da tarde, mas ele não podia arriscar-se a atrair a atenção sobre si. Muitos
membros do Comando Tribulação encontravam-se em posições precárias.
Chang precisava estar a postos para ajudá-los, sem levantar suspeitas. Ele
consultou seu relógio.
Sentado com Kenny no colo, Buck conversava com Zeke e Leah. Passava
um pouco das 8 horas da manhã, e Leah estava folheando pilhas de mensagens
e de relatórios do pessoal da cooperativa do mundo inteiro. Surpreendentemente,
a cooperativa estava funcionando, apesar da tragédia ocorrida com os mares. A
coragem daquela gente sem a marca de lealdade, que transportava em seus
veículos quantidades gigantescas de mercadorias de um lugar para outro, sem
envolver transações com dinheiro, deixava qualquer um admirado.
- Você sabe do que sua mulher é capaz, Buck? - Leah perguntou.
Buck ainda não aprendera a entender a maneira de falar de Leah. Ele
queria aceitar aquelas palavras como um elogio, um cumprimento a Chloe. Mas
teria ele notado uma leve provocação? Será que Leah queria dizer que ele era
insensível, que ele não conhecia Chloe?
- Sim, acho que sei - ele respondeu.
- Acho que o seu papai não sabe, Kenny. Você sabe? Você acha que ele
sabe?
- Sabe! - repetiu Kenny.
- Você sabe? O bebê riu.
- Você sabe do que a mamãe é capaz, meu amor? Ela é um gênio. Ela...
Assim que ouviu a palavra "mamãe", Kenny começou a fazer cara de
choro e repetir:
- Mamã. Mamã.
- Obrigado, Leah - disse Buck.
- Sinto muito - disse ela, parecendo ser sincera.
Se não estivesse sendo sincera, Buck estava preparado para
complementar: "Brilhante. Muito esperta." Esse era o efeito que Leah exercia
sobre ele. Ela parecia estar tentando mudar de assunto para distrair Kenny, mas
devia ter inventado algo que fosse do interesse dele, não do de Buck.
- Estou falando sério - disse Leah. - Você sabe do que acabei de tomar
conhecimento? Chloe sabe quantos navios de mil toneladas ou mais havia no
mundo antes de as águas dos mares se transformarem em sangue.
- Não diga.
- Diga! - repetiu Kenny.
- Digo sim - insistiu Leah. - Você sabe calcular quantos?
- Não sei - disse Buck. - Milhares, eu suponho.
- Posso dar um palpite? - interveio Zeke.
- Z! - gritou Kenny.
- Calculo mais de 30 mil.
- Navios desse porte? - disse Buck. - Parece um número muito alto.
- Ele acertou na mosca - disse Leah, virando-se para Zeke. - O quê? Chloe
lhe contou alguma coisa? Como você sabe disso?
Z não pôde conter um sorriso.
- Ah, sim, ela me contou. Mas minha memória é muito boa, certo?
Buck assimilou a informação.
- O que aconteceu com todos aqueles navios?
- Estão em ruínas - disse Leah. - Parados na água. Isto é, parados no
sangue.
- E se Deus suspender o julgamento? E se o sangue se transformar em
água salgada?
Ela fez um gesto negativo com a cabeça.
- Não faço idéia. Não posso imaginar o que significa limpar um navio
impregnado de sangue até que ele volte a funcionar.
- E os peixes morreram - disse Z.
- Peixes!
- Quem suportaria o mau cheiro? Os jornais não publicam, mas as
pessoas que moram no litoral estão tentando sair de lá. Se nada mudar, o mau
cheiro vai ficar cada vez pior, as doenças vão começar a aparecer. Que coisa!
- Coisa!
Buck colocou Kenny no chão e deixou-o afastar-se dali.
- Não posso imaginar como Carpathia está lidando com isso. Não há
meios de contornar a situação, de dourar a pílula. Milhares de pessoas estão
morrendo todos os dias, e pensem nas tripulações presas dentro dos navios.
Todos vão morrer. Ei, Leah, alguns anos atrás escrevi um artigo sobre quanto o
Panamá dependia de sua indústria naval. O que isso tem a ver com um país
como aquele?
Ela folheou algumas páginas.
- Panamá é o único país com mais navios que a Grécia. Isso vai levá-los à
falência.
A menção da palavra Grécia fez Buck olhar para o relógio.
- A tarde já está terminando lá - ele disse. - Se o plano estiver funcionando,
eles devem partir assim que escurecer.
- Estão esperando o quê? Buck encolheu os ombros.
- Mac acha que a espera vai dar a eles uma vantagem. Ele não sabe o que
vai encontrar pela frente, mas, se tiverem de escapar de um tiroteio ou fugir, ele
calcula que será melhor que isso aconteça no escuro.
Aparentemente, Leah não estava prestando atenção.
- Você está pensando em alguma coisa? - Buck perguntou.
- Estou esperando uma ligação ou um e-mail, mas até agora não chegou
nada. Chloe me disse que um empresário queria embarcar alguma coisa para
Petra. Módulos baratos para construção de casas.
- Verdade?
- O homem é muito rico, ganhou muito dinheiro com construção de casas
de baixo custo, depois se converteu. Ele entrou no ritmo. Aceita todos os mapas
e gráficos de Tsion, calcula que o Glorioso Aparecimento vai acontecer exatamente
sete anos depois do pacto assinado entre Carpathia e Israel.
- Você não acha a mesma coisa?
- Claro. Se Tsion me dissesse que hoje é ontem, eu acreditaria -
respondeu Leah. Evidentemente, ela estava divagando. - Sinto saudades dele,
Buck. Oro por ele constantemente.
- Todos nós oramos.
- Não como eu.
- Sim, eu sei.
- O quê?
- Eu sei.
- Sabe?
- Claro - disse Buck. - Você pensou nele e se esqueceu do que estávamos
falando.
Ela parecia constrangida.
- Isso não é verdade!
- Então, prove.
- Estávamos falando... hã... de navios. Panamá e Grécia.
- Estávamos falando de módulos para construção de casas, Leah.
- Estávamos?
- Estávamos. Quem é o tal sujeito e o que você tem a dizer sobre ele?
Leah levantou-se e olhou através de um buraco na janela pintada de
preto.
- Não sei ao certo - ela disse. - Ele é daqui de Illinois. De um lugar
chamado Grove não-sei-o-quê. Ele diz que temos menos de três anos e meio
pela frente e que gostaria que o ajudássemos a descobrir um jeito de despachar
sua mercadoria para Petra. Diz que o pessoal de lá poderia construir casas por
conta própria e em pouco tempo. Você acha que ele sobreviveu, Buck?
- Sobreviveu a quê?
- Ao bombardeio.
- O sujeito estava em Petra?
- Estou falando de Tsion!
- Ah, desculpe-me. Voltamos a falar dele. Também estou preocupado com
meu sogro, com Chaim e com Abdullah, mas acho que sim.
- Acha o quê?
- Que eles estão vivos.
- Não vamos descobrir isso nos noticiários, não é mesmo?
- Não vamos. Mas Chang deve saber. Ele sabe tudo.
Chang não havia almoçado; portanto, quando o expediente terminou, ele
retornou ao seu quarto, passando antes pelo refeitório central, onde comprou
comida para levar para casa. Havia muita coisa que ele queria ouvir, mas a
prioridade era encontrar o paradeiro de sua irmã. Ele não sabia se seus pais
estavam de partida ou em algum esconderijo, mas, de qualquer forma, estariam
vulneráveis sem a marca de lealdade. Ele havia fornecido aos pais o nome de
uma pessoa de uma igreja clandestina na província em que moravam, mas não
ficou sabendo se eles tentaram ou se conseguiram estabelecer esse contato.
Como Ming os encontraria se nem mesmo Chang sabia onde eles
estavam? E quanto tempo levaria para ela chegar à China pela costa leste dos
Estados Unidos Norte-americanos?
O ambiente estava sombrio no complexo do palácio. Todos pareciam ter
pressa em chegar a seus apartamentos. O dia foi muito estranho. Quem não vira
o ataque aos rebeldes? teria alguém acreditado naqueles pretensos problemas
técnicos que tiraram, de repente, as imagens do ar, justamente quando o piloto
disse, com todas as letras, que imaginou ter visto sobreviventes lá embaixo?
Chang olhou casualmente para os dois lados do corredor, entrou
rapidamente em seus aposentos e trancou a porta. Acionou um programa em
seu computador para saber se havia grampos" ali. Todos os sistemas instalados
por David Hassid e que foram deixados para seu uso e salvaguarda continuavam
seguros e rodando normalmente.
Depois de devorar frutas e biscoitos, Chang verificou seus e-mails. Lá
estava a confirmação aguardada, dirigida ao nome falso que ele usara como
oficial de alta patente do departamento de aviação da Comunidade Global.
"Passageiro, soldado das Forças Pacificadoras da CG, Chang Chow, do setor 30,
pegou carona com o piloto Lionel Whalum, em Long Grove, Illinois. Rota do vôo
para Pawleys Island, na Carolina do Sul, sem escalas. Vôo de ida e volta de
Whalum. Documentos do Sr. Chow em ordem, destino San Diego, Califórnia.
Nota: Whalum não tem a marca de lealdade, mas o Sr. Chow assegurou que vai
tratar disso quando eles chegarem à Carolina do Sul."
Chang despachou rapidamente uma resposta de agradecimento. Em
seguida, vasculhou o banco de dados à procura de vôos de Pawleys Island para
San Diego. O nome do piloto escalado para aquela rota no dia seguinte acionou
uma campainha na mente de Chang. Era um piloto da cooperativa. Ming estava
usando o pessoal da cooperativa para chegar à China. Será que Whalum
também era da cooperativa?
Chang vasculhou os registros de Chloe. Nada. Se ele fosse da
cooperativa, ainda não havia prestado nenhum serviço ou Chloe ainda não havia
registrado seu nome. Talvez ele tivesse usado outro nome ou Chloe estivesse
atrasada e ainda não tinha dado entrada nos nomes do pessoal.
Chang verificou o banco de dados internacional da CG. Enquanto o
comando de busca procurava por Whalum, ele terminou de comer. Ao retornar
ao computador, encontrou uma fotografia e uma página inteira contendo
informações sobre Lionel Whalum, de Long Grove, Illinois. Ele era negro,
descendente de africanos. Havia se mudado com a esposa e três filhos, de
Chicago para a periferia, quando seus negócios começaram a prosperar. Ganhou
muitos prêmios como cidadão e como empresário. Sua lealdade à Comunidade
Global era mencionada como "desconhecida, mas não suspeita".
Chang mudou para outro banco de dados e copiou as informações para
um centro de administração de juramento a lealdade, em Statesville, Illinois.
Retornando aos registros de Whalum, ele modificou a informação sobre lealdade
para "confirmada", fato esse documentado pelo esquadrão da CG de Statesville
na data em que Whalum teria recebido a marca. Se ele fosse da cooperativa,
aquela informação eliminaria as suspeitas. E Ming ficaria sabendo que Chang
estava cuidando dela.
Um sinal soou no computador de Chang seguido de um aviso
comunicando a ele e a todo o pessoal da CG sobre "a desafortunada perda dos
dois pilotos que participaram do ataque aos rebeldes hoje. Em razão de falha dos
pilotos, as bombas erraram o alvo em mais de um quilômetro e meio, e os
revoltosos dispararam mísseis que destruíram os dois aviões. A Comunidade
Global envia suas condolências às famílias desses heróis e mártires que se
sacrificaram pela paz mundial".
Chang consultou rapidamente os manifestos do hangar e descobriu que as
duas aeronaves, que custaram milhões de nicks, retornaram e foram localizadas.
O necrotério informou que ambos os pilotos foram dados como "mortos - seus
restos mortais teriam sido encontrados no local do acidente no Neguev". Os
registros pessoais dos dois estampavam uma marca em vermelho com a data da
morte deles.
Chang acionou a gravação feita no escritório de Akbar por volta da hora
em que o primeiro piloto teria retornado.
Havia uma conversa clara entre a secretária de Akbar e o piloto que estava
sendo conduzido à sala de reuniões. Após alguns minutos de conversa amena,
houve um convite para ele sentar-se. Em seguida, a voz de Suhail:
- Você se empenhou bastante lá hoje, homem.
- Obrigado, senhor - A voz tinha sotaque britânico. - Execução perfeita.
Gostei.
- Sinto muito. Você não sabe que sua missão fracassou?
- Como, senhor?
- Que o desfecho foi negativo?
- Não estou entendendo, diretor. As duas bombas acertaram na mosca, e
a área inteira foi destruída conforme as ordens recebidas. Quando fiz a manobra
para retornar, o míssil já tinha sido lançado, e de acordo com o que ouvi...
- Então, é verdade que você não sabe que errou o alvo.
- Senhor, se as coordenadas estavam corretas, nós não erramos.
- Ninguém morreu, jovem.
- Impossível. Eu vi o povo lá antes de lançarmos as bombas e avistei fogo
por todos os lados durante vários minutos antes de minha partida.
- Como disse, o empenho foi bom. Infelizmente, um erro humano resultou
em fracasso total.
- Eu não... Eu não estou... Eu estou... completamente confuso, senhor.
- Você será rebaixado de cargo e, para todos os efeitos, não entende
como esse erro tão grave pode ter ocorrido.
- Com sua licença, senhor, mas estou certo de que não ocorreu nenhum
erro!
- Eu estou dizendo que ocorreu, e é isso o que você vai dizer a qualquer
um que quiser saber.
- Não vou dizer isso! Ou o senhor me prova que erramos o alvo ou vou
dizer a todo mundo que essa missão transcorreu sem nenhum transtorno.
- Você vai ver, no momento certo, pelas fotos de reconhecimento, que não
houve morte alguma em Petra.
- O senhor viu essas fotos?
- Claro que vi.
- E o senhor não duvida da veracidade delas?
- Não, filho.
Uma longa pausa. A voz do jovem parecia chorosa.
- Se houve algum sobrevivente naquela montanha, foi um milagre. O
senhor sabe o que atiramos lá. As ordens foram suas! Não há explicação, e não
vou ser punido por isso.
- Você já foi punido. Você e seu colega serão transferidos, e você sabe
como responder a...
- Eu não vou afirmar uma coisa em que não acredito, senhor.
- Vamos, vamos, rapaz. Vejo o número 2 em sua mão e a imagem de
nosso líder. Você é um cidadão leal. Você contribui para a causa, você...
- O potentado vai querer que eu diga que cometi um erro que não cometi?
- Você cometeu.
- Não cometi.
- Sua Excelência está muito decepcionado com você, filho.
- Eu não vou fazer isso, diretor Akbar.
- Não vai fazer o quê?
- Não vou mentir. Tenho muito orgulho de meu trabalho. Eu não questionei
a ordem. Acredito que aquela gente era perigosa e uma ameaça à Comunidade
Global. Cumpri as ordens direitinho. Ninguém pode me dizer que erramos o alvo
principal ou que nossos 82 não destruíram aquela área inteira e todas aquelas
pessoas. Se o senhor não tiver provas concretas de que eles estão vivos, não
vou inventar mentiras. Não aceito ser rebaixado e não vou repetir coisas feito um
papagaio. Se aquelas pessoas continuam vivas, elas são superiores a nós. Se
continuam vivas, elas venceram. Não podemos competir com elas.
- Você me deixou sem opção.
- Como assim, senhor?
- Não podemos permitir que nosso pessoal se exima de responsabilidade
por seus erros.
- O senhor não será capaz de me fazer calar.
Akbar riu e foi interrompido por uma chamada pelo interfone.
- O piloto principal está aguardando, senhor.
- Mande-o entrar.
Assim que Chang ouviu o som da porta ser aberta, o britânico voltou a
falar.
- Diga a ele, Uri. Diga a ele que nós não erramos.
- O quê?
E a conversa recomeçou, com Akbar culpando o fracasso dos pilotos, o
britânico protestando, Uri em silêncio por alguns instantes.
- Com licença, um momento, cavalheiros - disse Suhail. A porta foi aberta
e fechada.
- Kerry - disse Uri - preste atenção. Ele está certo. O...
- Certo coisa nenhuma! Tenho certeza do que vi e nunca...
- Silêncio! Preste atenção! Você e eu sabemos que o lançamento foi
perfeito. Mas eu fiquei lá depois que você partiu. Você ouviu minha transmissão.
Aquela gente sobreviveu aos Blues e ao Lance, não sofreu nenhum arranhão.
- Impossível!
- Impossível, mas é verdade.
- Um milagre.
- Só pode ter sido.
- Então, vamos ter de conviver com isso, Uri. A CG e o mundo precisam
enfrentar o fato. Eles são inimigos mais que terríveis, e temos de admitir que
jamais teremos chance de derrotá-los.
- Concordo. Você me ouviu tentar dizer isso.
- Eles tiraram você do ar! Agora querem nos fazer de bodes expiatórios.
Vão nos rebaixar. Vão nos forçar a dizer que falhamos.
- Eu não vou ser forçado a nada - disse Uri.
- É assim que se fala - disse o britânico. Os dois animaram-se
mutuamente.
- Seja firme.
- Não ceda.
- Vamos lutar juntos.
Chang verificou o telefone de Akbar. Suhail havia ligado para o setor
médico e pedido para falar com a Dra. Consuela Conchita. No dia anterior,
Chang havia lido uma notícia no boletim interno sobre a promoção dela ao cargo
de cirurgiã-geral da Comunidade Global.
- Connie - disse Akbar -, preciso de duas doses fortes de sedativo,
daqueles de efeito bem rápido. Em minha sala de reuniões, assim que possível.
Tenho seguranças aqui, caso os pacientes resistam. E traga padiolas do
necrotério.
- Do necrotério?
- Quero que os dois sejam cremados.
- Você está me pedindo doses letais?
- Não, não. Só quero que fiquem fora do ar antes de saírem daqui,
cobertos com lençóis. A cremação fará o resto, não é mesmo?
- Matar os dois? É claro que sim. Você está pedindo que a gente execute
duas pessoas?
- A ordem partiu de cima, Consuela.
Uma pausa.
- Entendo.
Chang fez uma careta enquanto ouvia a gravação de Akbar tentando
convencer os pilotos de que havia pedido injeções para acalmá-los. Ambos
começaram a espernear e a gritar, e Chang entendeu que eles haviam sido
dominados e recebido as doses de sedativo. Os dois não existiam mais.
Qualquer pessoa que os tivesse visto aterrissar em Nova Babilônia e dirigir-se do
hangar ao palácio seguindo, depois, até o escritório de Akbar, jamais admitiria
nem mencionaria isso. Eles tinham sido alvejados pelo inimigo e ponto final.
Chang verificou os aviões novamente. Os números de série já haviam
sido mudados. E os números originais estavam assinalados como perdidos em
ação. Por mais estranho que parecesse, a quantidade de caças-bombardeiros da
CG em Nova Babilônia continuava a mesma.
O comunicado que aparecera na tela do computador de Chang seria
transmitido ao mundo inteiro naquela noite. Sem dúvida, o próprio Carpathia
manifestaria suas desprezíveis condolências pelas perdas.
Chang verificou os registros na Grécia e descobriu que Nelson Stefanich
havia expedido as coordenadas do local à equipe de "Howie Johnson". Ainda
faltavam duas horas para anoitecer, quando Mac resolveu fazer sua visita. Chang
teve tempo de confirmar as instruções de Mac ao pessoal do aeroporto de
Ptolemaïs para reabastecer o Rooster Tail. Também incluiu no computador um
aviso de que o comandante sênior Johnson estava autorizado pelo alto escalão a
levá-lo para Nova Babilônia.
Feito isso, Chang encontrou o número do celular de Stefanich e transmitiuo,
por telefone, a Mac.
- Recebeu todas as informações de que necessita? - Chang perguntou.
- Eu ainda não sei o que aconteceu com a garota Stavros.
- Não há nenhuma informação aqui. O senhor ainda tem alguma
esperança?
- Sempre tenho, Chang. É assim que eu sou. - Pergunte a Stefanich. - Ah,
boa idéia. Ei, Chang?
- Senhor?
- Existe alguém melhor do que você?
- Obrigado, senhor.
Finalmente, Chang conseguiu verificar as outras gravações feitas ao longo
do dia. Ele localizou uma vinda do escritório de Carpathia e retrocedeu até o
ponto em que Nicolae, sua secretária Krystall, Leon Fortunato, Suhail Akbar e Viv
Ivins aguardavam para assistir à transmissão da cabina do bombardeiro.
Suhail tinha acabado de contar ao potentado que diligenciara para que ele
assistisse ao vivo. Carpathia manifestou grande euforia. Chang avançou a fita
vários minutos, enquanto tudo estava sendo preparado e Nicolae recebia várias
pessoas na sala.
Em seguida, animação. Akbar informou a Carpathia que os bombardeiros
estavam programados para decolar de Amã e que as imagens poderiam ser
vistas no monitor, "se o senhor quiser".
- Se eu quiser? Por favor!
- Palácio chamando o comando de Amã - disse Suhail.
- Amã falando. Prossiga, palácio.
- Inicie cobertura visual da decolagem.
- Entendido.
Vários segundos de silêncio. Em seguida, a voz de Carpathia.
- Suhail, esses aviões são caças-bombardeiros? Não é uma ilusão de
ótica? Parecem imensos.
- Ah, são sim, Eminência. Faz apenas algumas semanas que eles
começaram a operar. O senhor viu a altura deles? O motor é maior do que o de
qualquer outro caça. Precisa ser grande para acomodar os artefatos explosivos.
- O que é aquilo ali embaixo? Uma bomba?
- Sim, senhor.
- Ela é enorme! E maciça!
- É grande demais para ser transportada dentro do avião, senhor. Mede
l,50m de diâmetro e 3,40m de comprimento. Essa coisa pesa sete toneladas.
- Não diga!
- É verdade, senhor. Ela é transportada embaixo da aeronave, presa a um
eixo.
- E o que é aquilo, Suhail? O que vamos servir ao inimigo hoje?
- Os norte-americanos costumavam chamá-las de Big Blue 82. São
bombas de concussão. Oito por cento do peso delas consistem de um gel feito
de poliestireno, nitrato de amônia e alumínio em pó.
- Essa bomba é tão poderosa quanto grande?
- Excelência - disse Suhail -, só uma arma nuclear é mais poderosa do que
ela. Essas foram projetadas para detonar a mais ou menos um metro do solo e
geram quase 500 quilos de pressão por polegada quadrada. Matam tudo, até
mesmo criaturas minúsculas que vivem debaixo da terra, numa área equivalente
a 8000km2. A fumaça em formato de cogumelo sobe a mais de um quilômetro e
meio. E vamos lançar duas bombas.
- Mais um míssil.
- Sim, senhor.
- Fogo?
- Ah, Divindade, essa é a melhor parte. Cada bomba de concussão produz
uma bola de fogo de quase dois quilômetros de diâmetro.
Chang teve um sobressalto ao ouvir um assobio alto, e ele imaginou que
Carpathia estivesse inalando profundamente o ar pelo nariz e exalando-o através
dos dentes cerrados.
Posteriormente, quando os pilotos soltaram as bombas, Nicolae disse:
- Suhail! Podemos assistir pela TV?
- Só é necessário apertar alguns botões, Excelên...
- Faça isso! Já!
Alguém saiu da sala.
A gravação foi interrompida apenas por algumas explosões de alegria de
Carpathia.
- Ahh! Vejam! Ohh! Perfeito! No alvo! As duas! O êxito é a melhor desforra.
- Certamente.
- E a vitória também.
- Sim, senhor.
- Total e completa - disse Nicolae.
Vários resmungos.
O suspiro assobiado terminou numa espécie de sopro. Chang lembrou-se
de um leão que vira no zoológico em Beijing. O animal devorou vários quilos de
carne crua, rugiu, bocejou, espreguiçou-se, apoiou o imenso queixo nas patas e
deu um longo suspiro seguido de um ruído surdo e prolongado vindo do fundo do
peito.
Enquanto todos permaneciam com os olhos fixos na tela, alguém
cumprimentou Nicolae.
- Finalmente, meu senhor.
Era Viv Ivins. Carpathia não disse nada, fazendo Chang imaginar se ela
continuava na lista negra de Nicolae.
Para todos os outros cumprimentos, ele limitou-se a dizer:
- Obrigado. Obrigado.
A sugestão do piloto principal de abortar o lançamento do míssil foi
imediatamente rejeitada por Suhail.
- Isso mesmo, Suhail - disse Nicolae.
Sua voz parecia vir do fundo da sala.
- Muito bem. Vamos lançar o último dardo.
Quando o piloto se mostrou insubordinado, Suhail contra-argumentou
imediatamente. Em seguida, silêncio, que foi quebrado por Carpathia.
- Eu estava ouvindo coisas ou ele se atreveu a desafiá-lo?
- Ele quase chegou a me desafiar, Excelência.
- Repreenda-o! - disse Leon, com voz esganiçada.
- Não acredito que ele queria que eu o ouvisse. Ele está vendo
pessoalmente o que estamos assistindo na tela. É claro que, para ele, parece
desnecessário.
- Mas eu ainda.... - disse Leon. Alguém pediu-lhe silêncio.
Quando o míssil atingiu o alvo e o piloto começou a fazer comentários de
dúvida e de descrença, Chang ouviu uma cadeira ser arrastada, como se alguém
tivesse se levantado de repente.
- O quê?! - A voz era de Nicolae.
- Impossível! - disse Fortunato.
- Cortem a transmissão! - disse Carpathia, e Akbar repetiu a ordem em voz
alta.
Som de passos afastando-se da mesa e, presumivelmente, dirigindo-se ao
monitor. A porta foi aberta. Som de pessoas saindo. Aparentemente, só ficaram
Nicolae e Suhail.
- Duas de nossas maiores bombas incendiárias? - disse Carpathia entre os
dentes. - Você disse que uma seria mais do que suficiente.
- E deveria ter sido.
- Vimos as labaredas e as pessoas envoltas em chamas por quanto
tempo?
- Tempo suficiente.
Vários minutos de relativo silêncio durante o qual Chang pensou ter ouvido
a respiração ofegante de Carpathia. E, quando o potentado finalmente resolveu
falar, parecia desesperado e com falta de ar.
- Preste atenção ao que vou dizer, Suhail.
- Sim, senhor.
- Você está prestando atenção?
- Estou, senhor.
- Cuide daqueles pilotos. Eles erraram o alvo. Falharam. Os olhos deles os
enganaram. Não permita que essa vitória seja atribuída aos judaístas. De jeito
nenhum.
- Eu entendi, senhor.
- Entre em contato com os outros nove potentados regionais pessoalmente
em meu nome. Diga-lhes que os judaístas levantaram armas contra nós e que
tivemos de enfrentar um ataque terrível. Vamos retaliar. Eu disse isso a eles
recentemente.
- O senhor disse.
- Este é o momento certo. A verba é ilimitada. Vou sancionar, justificar,
apoiar e recompensar a morte de qualquer judeu em qualquer parte do mundo.
Quero que esse assunto seja tratado com prioridade máxima, não me interessam
os meios. Quero ver todos presos. Torturados. Humilhados. Envergonhados.
Quero que blasfemem contra o deus deles. Tirem tudo o que é deles. Nada é
mais importante para o potentado. Você entendeu?
- Entendi.
- Vá rápido. Faça isso agora.
- Sim, senhor.
- Suhail?
- Senhor?
- Mande o reverendo Fortunato entrar.
Após alguns segundos, Leon entrou apressadamente.
- Oh, meu senhor, não sei o que dizer. Não consigo entender. O que...
- Meu caro reverendíssimo Fortunato. Beije minha mão.
- Em que posso servi-lo, potentado? Eu me ajoelho diante do senhor.
- Continue ajoelhado e ouça-me. Você continua a ser meu servo mais
confiável...?
- Ah, sim, Supre...
- Silêncio. Continua a ser o Reverendíssimo Pai do Carpathianismo?
- Sim, sinceramente.
- Leon, você me ama?
- O senhor sabe que eu o amo.
- Você me estima?
- De todo o meu...
- Você me adora?
- Ah, meu senhor amado...
- Levante-se, Leon, e ouça-me. Meus inimigos estão me ridicularizando.
Eles realizam milagres. Eles envenenam meu povo, invocam feridas dos céus,
transformam as águas dos mares em sangue. E agora! Agora eles sobrevivem a
bombas e fogo! Mas eu também tenho poder. Você sabe disso. E o transferi a
você, Leon. Vi você usá-lo. Vi você invocar fogo do céu para matar aqueles que
se opunham a mim. Leon, quero atacar fogo com fogo. Quero muitos cristos.
Você está me ouvindo?
- Senhor?
- Quero muitos messias.
- Messias?
- Quero salvadores em meu nome.
- Prossiga, Excelência.
- Descubra essa gente. Quero milhares deles. Treine-os, ensine-os,
transfira a eles o poder que transferi a você. Quero que eles curem enfermos,
transformem água em sangue e sangue em água. Quero que façam milagres em
meu nome, que atraiam os indecisos, sim, até mesmo os inimigos que estão
afastados de seu deus e de mim.
- Vou fazer isso, Excelência.
- Vai mesmo?
- Vou fazer se o senhor me der poder.
- Ajoelhe-se diante de mim novamente, Leon.
- Imponha suas mãos sobre mim, meu senhor ressurreto.
- Eu lhe confiro todo o poder do qual fui revestido, que veio de cima e
debaixo da Terra! Eu lhe concedo poder para fazer coisas grandes e poderosas,
maravilhosas e terríveis, atos tão esplêndidos e assombrosos que convencerão a
qualquer homem que os veja que sou o seu deus.
Leon estava chorando.
- Obrigado, meu senhor. Obrigado, Excelência.
- Vá, Leon - disse Carpathia. - Vá rápido e faça imediatamente o que lhe
pedi.
CINCO
George sentia-se bem, apesar das circunstâncias. Quanto tempo fazia que
o haviam colocado no banco traseiro do jipe? Ele estava sentado no lado direito,
tendo Elena à sua frente e Platão a seu lado. O líder acomodou-se ao volante e
pediu a Platão que colocasse a venda nos olhos de George novamente. George
gostou de estar com as mãos algemadas para trás, porque o movimento do jipe
lhe permitiria tombar o corpo de um lado para o outro e cair em cima de Platão.
Se calculasse bem, teria condições de bater com sua cabeça na dele.
O líder deu marcha a ré e parou sem desligar o motor.
- Onde o sujeito está? - ele perguntou, irritado.
- Ali, na estrada.
- O que ele está fazendo ali? - Um suspiro alto.
- Sócrates! Venha aqui! - George ouviu som de passos mancos.
- Você já deu um jeito no carro?
- Está escondido, Aristóteles.
- Dê-me as chaves.
- Por quê? E se eu precisar delas?
- Vai pôr tudo a perder! Dê-me as chaves.
George ouviu o barulho de chaves quando Aristóteles as pegou.
- Pense, homem! - ele disse. - Assim, você não vai ser obrigado a entregar
as chaves a ninguém, aconteça o que acontecer. E afaste-se da estrada! Você
não tem motivos para aparecer. Fique esperando aí. - Aristóteles abaixou a voz,
como se achasse que Sebastian não conseguiria ouvi-lo por estar com os olhos
vendados. - Lembre-se, quanto mais você se descontrolar, mais alguém vai
acreditar em você.
- Você sabe que posso fazer isso.
- Eu sei que sim! Você também é capaz de derramar lágrimas quando
quer? Finja até onde for possível. Tem de parecer que você fez de tudo antes de
entregar os pontos. Sinto muito por você estar machucado, mas sua missão é tão
importante quanto a nossa.
Chloe entendia, agora, por que seu pai admirava tanto Mac. Ele era rude e
firme, mas também meticuloso. Havia espalhado as folhas da pasta da CG, com
as informações sobre Sebastian, em cima do painel do carro emprestado. Na
floresta ao norte de Ptolemaïs, depois de terem escondido o outro veículo - o jipe
no qual havia sido feita uma ligação direta - embaixo de um arbusto, eles
estudavam as informações. Chloe, sentada no banco dianteiro direito, tinha o
corpo inclinado para a frente; Hannah, sentada no banco traseiro, espiava por
cima do ombro de Chloe. Os três usavam fardas com camuflagem da CG e
tinham os rostos manchados de graxa.
- Eles pensaram muito bem quando escolheram aquela moça parecida
com a garota Stavros.
- Georgiana - disse Hannah.
- Certo. O nome verdadeiro dela é Elena. O sobrenome começa com a
letra A. Hummm, é a única pessoa que usa nome verdadeiro. Pelo jeito, eles não
fazem muita questão de protegê-la. Estou vendo aqui dois lugares insignificantes.
Aparentemente, não estão sob a jurisdição das Forças Pacificadoras, mas estão
sendo cuidados por este pelotão daqui. Ah, estou vendo um monte de apelidos.
- Um deles é o do líder, Mac - disse Hannah.
Mac sacudiu a cabeça, concordando.
- Aristóteles. O outro é Sócrates. Que criatividade! Diante disso, será que
Elena não seria Helena? Helena de Tróia, entenderam? E o grandalhão, aquele
que se fez passar por George. Platão? Ah, pelo amor de tudo o que é mais
sagrado! Bem, seja lá o que acontecer, tomem conta uma da outra. Ele é
francês. Foi trazido apenas para esta missão. Sebastian se sentiria insultado. O
tal sujeito é pesado, mas tem menos de l,90m. É menor que George.
Mac olhava para o relógio o tempo todo. Enquanto a noite caía, eles
continuaram lendo e memorizando as informações. Finalmente, tiveram de
recorrer à luz do teto do carro e a três lanternas pequeninas.
- O plano original não foi mau - disse Chloe. - Só que alguém não
colaborou.
- Eu não conheço o rapaz nem o outro cara mais velho, o motorista - disse
Mac. - Mas, pelo que me contaram sobre Miklos, aposto minhas fichas nele. De
qualquer forma, alguém suspeitou de alguma coisa. O plano deles era pegar a
garota oito quilômetros ao norte do aeroporto e mandar Platão, o tal que se
passou por Sebastian, ficar na beira da estrada.
- Mas Sebastian estava esperando encontrar-se com nosso pessoal mais
perto do aeroporto - disse Hannah.
- Talvez eles quisessem ter certeza de que estava tudo em ordem antes de
Sebastian aparecer - disse Mac. - Eles estão orgulhosos porque mudaram os
planos. Parece que a idéia original era pegar todos eles, inclusive George, e
ameaçar matar os outros se George não abrisse a boca. E, mesmo que abrisse,
eles executariam todos juntos, se não aceitassem receber a marca.
Chloe havia virado a página.
- Ninguém notou isso?
- Isso o quê? - perguntou Mac.
- Os tiros. Os três tiros foram disparados pela moça. Uma sensação de
expectativa começou a tomar conta de Chloe à medida que a hora H se
aproximava. Mac havia estudado as coordenadas e concluído que eles estavam
a cerca de 40 minutos do cativeiro de George. Às 21h30, ele ligou para o celular
particular de Stefanich discando o número que Chang lhe fornecera.
No início da tarde, em Chicago, Buck e Enoque reuniram todo o pessoal.
- Uma rápida atualização dos fatos - disse Buck. - Chang tem uma pista
sobre Ming. Parece que ela está a caminho de San Diego. Depois, segue para a
China. O problema é que ele não sabe onde seus pais estão, portanto ela
também não deve saber.
- Como seguiu ela para San Diego? - perguntou Albie.
- Pelo caminho mais longo. Acho que pegou uma carona num avião
particular, de Long Grove à Carolina do Sul, e depois conseguiu...
- Alto lá! - disse Leah. - Espere um pouco. Long Grove?
- Sim. Depois ela...
- Buck! Será que o piloto é esse tal de Whalum?
- Não sei. O fato é que ela...
- O fato é que, se for Whalum, ele é o homem que deseja despachar os
módulos para Petra.
Buck parou ao ouvir aquela informação.
- Não estou entendendo.
- Ela pode estar indo para Petra.
- Ela nunca vai conseguir. A segurança está rígida demais.
- Então, me diga o que você acha.
- Talvez ela tenha pegado uma carona com um sujeito que está indo para
Petra, mas não vai com ele.
- É melhor começarmos a orar - disse Leah.
- É por isso que estamos aqui.
- Quer dizer que Ming usou um contato da cooperativa para...
- Podemos deixar esse assunto para depois, Leah?
- Claro, mas nós ainda não sabemos ao certo quem ele é. Não sabemos
se é realmente um dos nossos. Quando vi Ming lendo todas essas informações,
pensei que ela estivesse apenas querendo ajudar.
Buck ergueu a cabeça e olhou para Leah.
- Não foi você quem disse que Ming é uma mulher adulta e livre para fazer
o que quiser?
Mac surpreendeu-se depois de ouvir o celular de Stefanich tocar quatro
vezes. A política da CG dizia que os oficiais de comando sempre deviam estar
disponíveis para falar com a chefia.
- Nelson Stefanich falando - ele ouviu, finalmente -, e só estou atendendo
uma ligação de um número ignorado porque temos uma operação em
andamento; portanto, diga logo o que quer.
- Oi, Nelsinho "boa praça" Stefanich, como é que você vai?
- Quem...?
- Sinto muito ter faltado ao nosso encontro hoje. Aqui fala Howie Johnson.
- Sim, senhor comandante. Já nos conhecemos pessoalmente?
- Não, mas depois que fiquei sabendo muitas coisas boas sobre você,
parece que você é meu velho conhecido, entende o que eu quero dizer?
- Obrigado, senhor.
- Gostei das informações que você passou à minha assistente hoje.
- Tudo bem.
- Estamos prontos para arregaçar as mangas, Nel, e eu só queria lhe
passar as coordenadas para que você possa informar a Aristóteles que estamos
a caminho de nossa missão. Espero que seu telefone seja seguro.
- Claro, comandante.
- Ótimo, ótimo. Mas eu não quero que eles fiquem assustados. Eles devem
esperar por nós sem começar a atirar assim que ouvirem a gente chegando.
Queremos protegê-los também, portanto não vamos de carro até a porta. Vamos
chegar a pé, e, quando estivermos perto, eu vou dar dois assobios altos. Eles
devem responder com um assobio. Assim, a gente vai saber que está tudo certo
para ir em frente.
- Entendido. O senhor assobia duas vezes; eles assobiam uma.
- E eles devem entender que, assim que eu entrar em cena, quem dá as
ordens sou eu.
- Ah, sim, senhor. Não há dúvida.
- A propósito, achei os codinomes muito criativos.
- Obrigado. Eu...
- Mais uma coisa: esquecemos de perguntar sobre o alvo original, uma tal
de G. Stavros, fugitiva de uma penitenciária daí. O que aconteceu com ela?
- Bem, o senhor sabe que ela nos passou grande parte das informações
que sabemos sobre o esconderijo dos judaístas aqui.
- Ah, então ela é uma mercadoria valiosa.
- Era.
- Passado?
- Positivo. Morta.
- Verdade?
- Sim, senhor. Continuou a recusar a marca mesmo depois de ter fornecido
muitas informações.
- Guilhotina?
- A bem da verdade, não, senhor.
- Você entende que a lâmina faz parte do protocolo, não, comandante
Stefanich?
- Em circunstâncias normais, sim, senhor.
- E a diferença aqui foi...?
- Ela, ah, bem... ela começou a nos fornecer informações falsas.
- Por exemplo?
- Bem, nunca conseguimos uma resposta direta sobre a localização do
atual esconderijo. Ela foi uma das pessoas pegas nas invasões dos primeiros
esconderijos; portanto, quando voltou, devia conhecer pelo menos um dos novos
locais.
- Faz sentido. Ela resolveu não colaborar, certo?
- Certo, senhor. Depois da terceira tentativa infrutífera é que ela foi...
- Executada?
- Sim, senhor.
- Como?
- Alvejada pelo pelotão.
- Foi necessário um pelotão para acertar uma adolescente?
- Pelotão é um eufemismo que usamos aqui, senhor.
- Continue.
- Qualquer pessoa acima de determinada patente está autorizada a atacar
o inimigo pra valer.
- Atirar para matar?
- Exatamente.
- E essa tal pessoa que faz o serviço reparte os méritos com o resto da
equipe? Com o pelotão?
- Correto.
- Foi você que atirou nela, não, comandante?
- Sim, senhor, fui eu.
- Bem, foi um ato extraordinário, quase indescritível. Senti firmeza, Nelson.
- Obrigado, senhor.
- Sei que você fez isso em nome da Comunidade Global, e todos nós
estamos muito agradecidos, a começar pelo pessoal de cima.
- Muito obrigado.
- Não me agradeça, comandante Stefanich. O fato é que eu gostaria de
poder premiá-lo pessoalmente por aquele ato...
- Simplesmente cumpri meu dever, senhor...
- De qualquer forma, você será recompensado pelo serviço que prestou à
causa.
- Eu não sei o que dizer. Isso seria apenas...
- Tudo bem, Nel, estamos gastando muito tempo com esta conversa. Você
informa aos filósofos gregos e à amiguinha deles que daqui a pouco estaremos
chegando lá, entendeu?
- Está bem. Senhor?
- Estou ouvindo - disse Mac.
- Esperamos contar com sua ajuda, é claro, mas o senhor precisa saber
que estamos muito felizes com esta operação.
- Ah, sim, eu entendo.
- Bem, talvez seja só impressão minha, mas sua assistente me deu a
entender que o senhor está um pouco irritado com a equipe porque o prisioneiro
ainda não abriu a boca. Estamos planejando homenageá-los pela façanha deles.
- Eu entendi, comandante. Não se preocupe com isso. Acho justo dizer
que também temos a intenção de reagir positivamente à atuação deles.
- Nós também estamos aqui, é claro, para agradecer o milagre ocorrido em
Petra hoje - disse Buck. - Os dois pilotos experientes não foram capazes de
acertar o alvo a uma distância tão próxima, mesmo atirando aquelas duas
bombas gigantescas, bem... louvado seja o Senhor.
Os outros riram.
- É verdade - disse Albie. - E depois que eles viram que todo o povo ficou
em chamas, bem... aí é que ficaram espantados mesmo.
- Deixando as brincadeiras de lado - disse Buck -, Deus está agindo de
maneiras indescritíveis, e nunca devemos deixar de reconhecer seu poder e
soberania, seu cuidado para conosco, sua proteção a nossos familiares.
Após ele ter dito isso, várias pessoas ajoelharam-se na casa secreta e
começaram a orar espontaneamente e a louvar ao Senhor. Enoque dirigiu uma
oração pedindo proteção "a nossos novos amigos, nosso irmão Mac, e nossas
irmãs Chloe e Hannah, neste momento em que estão enfrentando uma missão
perigosa. Protege-os, vai adiante deles, envia anjos para os guardarem, e que
eles tragam nosso irmão da Califórnia são e salvo, para que possamos
agradecer a ele e congratularmo-nos com todos."
Chloe ficou agradecida quando Mac virou-se no banco e estendeu a mão
aberta para ela e Hannah. Os três deram-se as mãos, e ele orou. Não foi uma
oração longa, nem eloqüente. Mas partiu de Mac, e ele parecia saber com quem
estava falando. Aquilo acalmou Chloe. Um pouco. Temporariamente.
Quando Mac parou no acostamento, num ponto em que ele calculava estar
a uns 800 metros do destino, Chloe ficou feliz por poder descer do veículo. O
solo era desnivelado, mas sem buracos, e ela sabia que uma curta caminhada
seria benéfica para seus nervos. Os três desligaram os celulares e os colocaram
nos bolsos traseiros esquerdos. Os minúsculos walkie-talkies foram ajustados a
uma freqüência exclusiva, volume baixo, e colocados nos bolsos traseiros
direitos.
Chloe destravou a antiga Luger que estava ao seu lado direito, na altura do
quadril, e Hannah desafivelou a tira de couro acima do cabo de sua Glock. Os
três transportavam Uzis carregadas, presas por correia no ombro direito e
dependuradas no peito.
Mac retirou a DEW [arma de energia direcionada] do porta-malas e
entregou-a a Chloe. Ela colocou-a inclinada no ombro esquerdo. A Hannah, ele
entregou um saco de lona, pequeno e pesado, com pentes extras para a Uzi e
munição para o rifle calibre 50, que Mac carregava desajeitadamente na vertical,
com os pés do suporte bípede apontados para a frente. Ele apoiava a coronha da
arma de 1,20m de comprimento, pesando 15 quilos, na palma da mão direita,
com o braço esquerdo passado ao redor do cano.
- Ainda bem que estou razoavelmente em forma para minha idade - ele
disse. - Chegando aos 60 e ainda consigo ganhar de vocês numa corrida, desde
que o percurso não seja longo.
- Não carregando essa coisa - disse Hannah.
Chloe notou um leve tremor na voz dela. Era reconfortante saber que não
era a única que estava morrendo de medo.
- Não tenha muita certeza disso - desafiou Mac com o pé esquerdo à
frente e o tronco aprumado. Ele colocou a bússola diante da lanterna de Hannah
e iniciou a marcha.
- Sigam-me, senhoras.
As botas de Mac batiam no chão com ritmo cadenciado. Em breve, Chloe
começou a transpirar e a respirar com dificuldade. Mas ela se sentia bem, e
Hannah também parecia estar em boa forma. Contudo, a caminhada não afastou
a sensação de perigo da mente de Chloe. Os blefes tinham dado certo até ali.
Talvez certo demais. Se fosse tão fácil assim, não haveria necessidade de
estarem carregando armamento tão pesado.
Chang rastreou os passos de Ming até San Diego e notou que ela só
partiria de lá no início da noite. Horário da costa oeste. Ele ligou para o celular da
irmã.
- Oi, Chang - ela disse. - Onde você está?
- É um teste? Você acha que vou tentar convencê-lo de que estou na casa
secreta em Chicago?
- Quero que você saiba que conversei com eles.
- Claro. E vejo que não demorou muito para você me localizar.
- Onde você está exatamente, Ming, e o que está fazendo? Ela suspirou.
- Estou num pequeno terminal de aviões fretados, no sul de San Diego.
Meus documentos e minha aparência estão funcionando perfeitamente. Ninguém
pede para ver minha marca porque estou fardada, e, quando os pilotos vêem o
selo em minha testa, passam a proteger-me.
- Você não contou a eles quem é, contou?
- Contei, Chang. Sou uma idiota. Não! Claro que não. Por que
sobrecarregá-los com algo que pode lhes trazer problemas? Eles não podem ser
responsabilizados pelo que não sabem. O disfarce é perfeito. Eles estão
ajudando a Comunidade Global transportando um funcionário. Sabem
secretamente que sou crente, mas não sabem que sou mulher, que trabalhei
antes para a CG, nem que sou desertora.
- Ming, você sabe que nossos pais não estão em casa.
- Foi o que imaginei.
- Então, como você vai fazer para encontrá-los?
- Vou indagar. Posso fazer isso como oficial. Talvez eu prenda os dois.
- Não acredito que você tenha pensado nessa possibilidade.
- Pensei, Chang. Mais do que você imagina. Eles vão entrar em contato
com você antes que eu chegue lá. Diga a eles que estou a caminho e que
podemos marcar um local de encontro.
- Por que não providenciamos tudo isso antes de você partir?
- Porque você não concordaria. Você acha que sabe muito. Bem, você
sabe. Mas não sabe tudo, caso contrário saberia que não posso ficar sentada
numa casa secreta enquanto meus pais estão fugindo para não morrer. Será que
eles são crentes verdadeiros ou foram convencidos por nós a não receber a
marca de lealdade? Eu preciso saber. Preciso aproximá-los dos crentes. Sei que
não posso salvar a vida deles, nem mesmo a minha. Mas preciso fazer alguma
coisa.
Chang estava comovido. Então, ela havia pensado muito no assunto.
Talvez não em todos os detalhes. Talvez não em estratégias. Mas quem seria
capaz disso?
- Você precisa me avisar onde está assim que chegar lá - ele disse.
- Você me ama, não, Chang?
- Claro.
- Nunca dissemos isso um ao outro. Nunca.
- Eu sei - ele disse. - Mas nós sabemos.
- Você não é capaz de dizer que me ama.
- Sou, sim, mas fico emocionado só em pensar nisso, e não devo me
deixar levar por essas coisas. Não neste momento.
- Você, emocionado? Impossível.
- Não fale assim, Ming. Acho que você não me conhece.
- Sinto muito, Chang. Eu estava brincando com você.
- A verdade, irmã, é que eu amo você. - Chang comoveu-se mais ainda e
sentiu um nó na garganta. - Eu a amo muito, me preocupo com você e oro por
você.
- Obrigada, Chang. Não se emocione agora. Está tudo bem. Eu não tinha a
intenção de deixá-lo em situação desconfortável. De qualquer maneira, eu sei.
Eu sei, está bem? Eu também o amo e oro sempre por você. Você precisa
continuar a ser racional e prático; portanto, não se preocupe comigo.
- Como posso não me preocupar?
- Porque Deus vai me acompanhar. Ele vai me proteger. E, se Ele decidir
que meu tempo terminou, não vai demorar muito para eu voltar a ver você.
- Não diga isso!
- Vamos, vamos, Chang. Está tudo bem. Você sabe que é verdade. Não
existem mais garantias. Só temos certeza do lugar para onde vamos. Vou ligar
para você da China. Espero lhe dar boas notícias sobre nossos pais.
Após dez minutos de caminhada, Chloe parou para que Hannah ficasse
atrás de Mac. Sob a fraca iluminação, Hannah lançou-lhe um olhar firme, como
que perguntando se havia algum problema.
- Eu estou bem - disse Chloe. - Vou caminhar atrás de você.
Chloe teve um pouco de dificuldade para acompanhar os passos de Mac e
achou que se sentiria mais motivada se ficasse atrás de Hannah. Se Hannah
fosse capaz de agüentar o ritmo de Mac, ela também seria.
Chloe estava certa quanto a Hannah, mas não queria que nenhum dos
dois percebesse que ela estava exausta. Na verdade, ela achava que não estava
exausta. Agora, havia muitos pedregulhos na estrada, e ela caminhava com
passos ritmados. Sua respiração era firme e profunda, e ela transpirava muito.
Mac e Hannah também deviam estar transpirando.
De repente, Mac levantou a mão direita e voltou a colocá-la rapidamente
debaixo da arma calibre 50. Ele reduziu os passos e parou, dirigindo-se para o
lado da estrada a fim de ficar de frente para as duas.
- Tudo bem com vocês? Ambas assentiram com a cabeça.
- Querem tomar um pouco de fôlego?
Embora ofegantes, as duas fizeram um movimento negativo com a
cabeça.
- Estamos bem perto - ele disse.
Os três começaram a subir uma colina. Quando chegaram ao topo, Mac
ajoelhou-se e pousou a arma calibre 50 no chão. Ele fez um V com os dedos
embaixo dos olhos e, depois, apontou para um pequeno barracão de tábuas,
logo adiante de uma clareira. Uma luz fraca brilhava através de uma fenda na
janela da frente. Mac pegou a arma de energia direcionada da mão de Chloe e
apoiou-a no tronco de uma árvore.
Ele fez um gesto para que as duas o seguissem até os fundos do
barracão. Chloe surpreendeu-se ao ver como ele conseguia permanecer nas
sombras e caminhar de modo tão silencioso que ela mal podia ouvir o som das
botas de Mac tocando o solo. A Uzi que ela carregava bateu no cabo da Luger e
produziu um ruído de atrito, fazendo-a prender a respiração. Mac parou e olhou
para trás. Chloe teve de resistir ao impulso de levantar a mão para desculpar-se.
Ela endireitou o corpo, e os três rastejaram para chegar ao fundo do barracão,
onde as árvores bloqueavam totalmente a luz das estrelas. O barracão estava
em completa escuridão.
Mac agachou-se a uns 12 metros do local.
- Não estou gostando - ele sussurrou. - Só um veículo, parecido com o
meu. Deve ser aquele que Sebastian tomou emprestado da CG no aeroporto. E
vocês acham que este lugar tem espaço para cinco pessoas lá dentro? Eu sei
que eles estão escondidos, mas...
- Não estou entendendo nada - disse Hannah entre uma respiração e
outra. - Não vejo nenhum veículo.
Mac colocou a mão no ombro dela e a fez virar-se em direção à lateral do
barracão, onde havia um pequeno carro branco, quase totalmente escondido no
meio do mato. Hannah fez um movimento afirmativo com a cabeça. Chloe
também só avistou o veículo naquele momento.
- Acho que os olhos de vocês ainda não se acostumaram à claridade -
disse Mac como se estivesse falando sério.
Chloe quase riu alto. Os três estavam andando juntos no escuro.
Mac tirou a Uzi do ombro e pousou-a no chão. Em seguida, tirou do bolso
do colete uma ferramenta do tipo "faz tudo".
- Sei que isso vai parecer filme de cowboy - ele disse -, mas quero que
vocês me dêem cobertura.
Antes que Chloe pudesse perguntar aonde ele ia, Mac dirigiu-se
rapidamente até o carro e começou a tentar abrir o porta-malas. Todas as vezes
que fazia um ruído alto o suficiente para que as duas ouvissem, ele ficava imóvel
por alguns segundos. Decorrido certo tempo, a tampa do porta-malas foi
destravada. Mac segurou-a para que ela não abrisse completamente.
Com a outra mão, ele tateou o interior do porta-malas até onde pôde
alcançar. Foi necessário abrir um pouco mais a tampa. Com isso, a luz interna foi
acesa, e ele teve de abaixar a tampa novamente. Mac colocou a ferramenta no
pára-choque traseiro, segurou a tampa com a mão esquerda, enfiou a mão
direita na abertura e apalpou o interior do porta-malas. Assim que encontrou o
que procurava, ele retirou a mão, pegou a ferramenta, voltou a colocar a mão
dentro do porta-malas, deixando uma abertura suficiente para poder trabalhar.
Assim que a luz acendeu, ele quebrou a lâmpada com o auxílio da ferramenta.
Agora, com a tampa completamente aberta, ele tateou o interior do portamalas.
De onde Chloe estava, parecia que metade do corpo de Mac estava lá
dentro.
De repente, ele parou o que estava fazendo, fechou o porta-malas e
retornou de costas para perto delas.
- Exatamente como pensei - ele disse. - Podem examinar.
- Calibre 12 - disse Hannah. - Aprendi a usar essa arma quando eu era
criança.
- Esses recrutas adoram suas espingardas - disse Mac. - O cara deixa
uma DEW e uma calibre 50 no avião e traz esta espingarda dele, de cano duplo,
para fazer o serviço. Esse bando tão inteligente de seqüestradores não deve ter
se lembrado de revistar o carro dele.
- Nós vamos entrar? - Hannah perguntou.
- Vamos, mas continuo não gostando nada disso. Metade deles foi embora
quando ficou sabendo que a gente estava chegando, ou o quê?
Evidentemente, Mac não esperava uma resposta. Ele entregou a
espingarda a Hannah.
- Esta arma dá uns estalos quando é engatilhada. Quero que você faça
isso quando eu assobiar.
Ele pegou a Uzi, e as duas o acompanharam de volta à frente do barracão,
caminhando pela parte mais escura do local. Quando estavam a uns seis metros
da porta, Mac apontou com a cabeça para Hannah e cochichou:
- No três.
Ele contou com os dedos e deu dois assobios agudos enquanto Hannah
engatilhava a arma com muita habilidade.
Eles perceberam uma movimentação dentro do barracão, som de passos
pesados, um mais forte que o outro, como se alguém estivesse mancando. A
porta rangeu e foi aberta alguns centímetros, e alguém assobiou. Ou tentou
assobiar. Foi mais um sopro. Em seguida, houve uma segunda tentativa.
- Tudo certo! - gritou Mac, tão alto que Chloe deu um salto. - Você sabe
quem está aqui. Apareça e deixe a gente entrar.
A porta foi aberta para o lado de dentro e bateu no homem, ou em sua
arma, quando ele tentou sair do caminho.
- Por aqui - ele disse, com sotaque acentuado.
Mac atravessou a porta, e Chloe notou que ele tinha um dedo no gatilho da
Uzi.
- Comandante sênior Howie Johnson acompanhado das oficiais Irene e
Jinnah. Saia da frente, soldado.
O homem, apoiando-se quase totalmente em uma perna só, encostou-se
na parede olhando assustado para eles e cumprimentando-os com um
movimento de cabeça.
- Quem é você? - Mac perguntou. - Hércules? Constantinopla? Quem?
- Sócrates, senhor.
- É claro. Muito bem, onde está o resto do pessoal, principalmente meu
prisioneiro?
- Não estão aqui, senhor.
Mac olhou para ele como se estivesse a ponto de explodir de raiva.
Tombou a cabeça para trás, ficando com o queixo apontado para o teto.
- Não estão aqui, senhor - ele arremedou. Em seguida, olhou firme para
Sócrates. - É só isso o que você tem a me dizer? Onde eles estão?
- Eles me pediram para dizer que o senhor deve ler as letras miúdas.
Chloe levou um segundo para entender aquilo e, pela expressão de Mac,
aconteceu o mesmo com ele.
Mac fez uma encenação ao passar por Sócrates, empurrando-o contra a
parede. Caminhou até a porta da frente e chutou-a com tanta força que a vidraça
tremeu, provocando um eco vindo das árvores. Mac virou-se para o homem.
- Letras miúdas do quê? Você achou que eu ia trazer a pasta de Sebastian
comigo?
- Eu só estou dizendo o que eles...
- Por que você não me diz o que está escrito em letras miúdas?
- Eles me deram esta incumbência porque eu não tinha condição de
acompanhá-los. Fui agredido pelo prisioneiro e ele me deu um chute no...
- Eu pedi para você me dizer o que está escrito em letras miúdas, homem!
O que eu preciso saber? Qual é o recado?
- Que eles têm o direito de transferir o prisioneiro para outro lugar, a
qualquer momento, sem informar à CG...
- Onde eles estão, soldado? Para onde foram?
- Eles não precisam informar seus superiores enquanto não chegarem ao
desti...
- Você sabe onde eles estão?
- Eles ouviram alguma coisa, bem antes da chegada do senhor, e...
- Você entende inglês, Sócrates. Tenho certeza. Você... sabe... onde...
eles... estão?
- Acho que eles não me contaram, porque...
- Você quer que eu acredite que eles deixaram você aqui só para me
cumprimentar e não disseram para onde iam?
- Eu não precisava saber. Assim, não poderia abrir a boca para a pessoa
errada.
- Espero que você esteja mentindo.
- Como, senhor?
- Espero que você esteja mentindo, porque pode mudar de idéia e me
contar tudo antes de morrer.
- Eu não sei de nada, comandante!
- Oficial Jinnah, mostre a Sócrates o estrago que uma calibre 12 pode
fazer na porta da frente.
Chloe gostaria de saber se Mac estava falando sério. Aparentemente,
Hannah não teve dúvida. Levantou a espingarda e apontou-a para a porta com
uma das mãos. Assim que o cano ficou paralelo ao chão, ela atirou. O estrondo
foi semelhante ao de uma bomba. Chloe ficou surda momentaneamente, mas viu
tudo o que aconteceu. O projétil fez um rombo na porta; ela se soltou das
dobradiças e voou longe, caindo a alguns metros do barracão.
- O seguinte vai atingir sua cara, Sócrates.
- Mas, senhor! - ele disse, choramingando. - Eu...
- Então, pegue o megafone, ou outra coisa qualquer, e diga a seu pessoal
que quero saber onde meu prisioneiro está, e quero saber já!
- Mas eles...
- Atire nele, Jinnah.
Hannah levantou a espingarda da mesma forma que fez antes, e Sócrates
jogou-se imediatamente no chão, chorando.
- Espere! Espere! - Ele tirou um walkie-talkie do bolso deixando a arma cair
no chão, sem querer. - Sócrates para Platão, fale comigo, fale comigo. Alô!
Platão? Sei que você está me ouvindo! Por favor! Eu preciso de ajuda!
Mac sacudiu a cabeça, como se não tivesse escolha.
- Jinnah! - ele disse.
- Não! Por favor! Espere! Elena! Elena, você está aí? Fale comigo, por
favor. Eu não estou brincando! Atenda! Aristóteles! Aristóteles, eles vão me
matar! Eu sei que não deveria ligar para você, mas agora tanto faz! Por favor,
fale comigo, se não eu vou morrer!
Nada. Chorando, ele curvou os ombros e abaixou a cabeça.
Mac ajoelhou-se e segurou o braço de Sócrates.
- Eles não estão longe, estão?
Sócrates fez um movimento negativo com a cabeça, soluçando.
- Estão aqui por perto, não? Ele assentiu com a cabeça.
- O senhor pode me matar, porque, de qualquer maneira, ou vou morrer.
- Como assim?
- Disseram-me que não ligasse para eles, de jeito nenhum. Disseram-me
que eu não abrisse a boca de jeito nenhum.
- Mas eles não estavam se referindo a mim, certo? Claro que não. Eles
queriam ter certeza de que estavam certos quanto aos sons. Tinham medo de
que aparecesse uma pessoa errada. Eles não estão com medo da CG, estão?
O homem encolheu os ombros.
- Não sei. Talvez eu não tenha entendido. Mas sou um homem morto.
- Então, que diferença faz se você me contar? Sócrates parecia estar
refletindo. Encostou-se novamente na parede, enxugou os olhos e guardou o
walkie-talkie no bolso. Quando ele esticou o braço para pegar sua arma, Mac
disse:
- Deixe a arma onde está.
Sócrates tentava recuperar o fôlego. Mac perguntou:
- Do lugar em que estão, eles conseguiram ouvir o tiro?
- Não. Talvez.
- Qual é a distância?
- Quinhentos metros a leste. Numa garagem improvisada. Mac sentou-se
em uma antiga cadeira estofada.
- Então, ouviram quando você chamou por eles. Sócrates assentiu com a
cabeça.
- E deixaram você aqui, sabendo que ia morrer.
SEIS
As celebrações, os cânticos e as danças em Petra continuaram noite
adentro. Milhares de pessoas mergulharam no lago recém-formado e bebiam da
água que jorrava da enorme fonte no meio dele. O maná que cobria o chão
deixou Rayford inebriado com seu sabor refrescante.
- Comer alimentos vindos diretamente da mesa de Deus - ele disse a
Abdullah - foi uma experiência que nunca tive na vida.
Abdullah parecia vibrar de alegria.
- Por que tudo isso, capitão? Como podemos ser tão abençoados?
Rayford não tinha palavras para expressar-se, mas sabia o que seu amigo
queria dizer.
Uma jovenzinha, aparentando menos de 20 anos, aproximou-se dele.
- Rayford Steele? - ela disse timidamente. Rayford levantou-se.
- Sim, querida.
- Duas coisas, se possível - ela disse muito lentamente, levantando dois
dedos. - O senhor entende?
- Sim, o que é?
- É verdade que o senhor só fala inglês?
- Sim, e considero isso uma vergonha. Bem, tenho um conhecimento
superficial de espanhol, mas não o suficiente para manter conversação.
- Não se envergonhe, senhor. Eu só falo hebraico.
- Mas seu inglês é muito bom, senhorita.
- O senhor não está entendendo.
- Estou entendendo perfeitamente. Você fala inglês muito bem.
Ela riu.
- O senhor não entendeu.
Abdullah intrometeu-se na conversa, dando uma risadinha.
- E você tem senso de humor, jovem. Falando em árabe e diz que conhece
apenas o hebraico. E você, Rayford, onde aprendeu a falar árabe?
A moça jogou a cabeça para trás e riu.
- Cada um de nós está falando no próprio idioma, e estamos nos
entendendo perfeitamente.
- O.quê? - disse Rayford. - Espere um pouco!
- Senhor! Eu só falo hebraico.
- E árabe - corrigiu Abdullah.
- Não. Fui proibida de aprender árabe.
- Acho que estou precisando dormir um pouco - disse Abdullah.
- Você me disse que havia duas coisas - disse Rayford.
- Sim - ela disse voltando a levantar dois dedos. - Duas.
Rayford pôs a mão sobre os dedos dela.
- Não há necessidade disso. Eu entendo muito bem o que você diz.
Ela riu.
- A segunda coisa - e agora ela falava com mais rapidez - é que o Dr.
Rosenzweig e o Dr. Ben-Judá querem ter uma audiência com o senhor.
- Comigo? Eu é que deveria pedir uma audiência com eles! Tenho certeza
de que ambos estão muito ocupados.
- Eles me pediram que o encontrasse, senhor.
Rayford acompanhou a moça passando por pilhas de estilhaços de rocha
produzidos pelas bombas. Chaim e Tsion estavam sentados dentro de uma
caverna iluminada por uma tocha presa à parede, em companhia de vários
homens idosos. Tsion apresentou Rayford a todos e disse:
- É dele que nós estávamos falando.
Os homens assentiram com a cabeça e sorriram.
- Louvado seja o Senhor - disse Tsion para Rayford.
- Para sempre seja louvado - disse Rayford. - Mas me perdoe por estar
preocupado.
Tsion concordou com a cabeça.
- Eu também estou aguardando notícias de nossos compatriotas na
Grécia, e até mesmo neste momento o Senhor me acalma, dando-me paz e
confiança.
- Talvez Ele esteja tentando fazer o mesmo comigo, irmão - disse Rayford
-, mas o fato de minha filha ser um deles está afetando minha fé.
Tsion concordou novamente com a cabeça e sorriu.
- Possivelmente. Mas, depois de ter sobrevivido aqui hoje, não lhe parece
justo dizer que qualquer falha na comunicação entre você e o Senhor é culpa
sua?
- É evidente que sim.
- Ah, a propósito, estou falando em hebraico, e você está...
- Eu sei, irmão. Aconteceu o mesmo entre nós e aquela jovem.
Os outros riram, e um deles disse:
- Minha filha!
- Encantadora!
- Obrigado!
- Chaim e eu estávamos conversando com estes irmãos sobre alguns
planos - disse Tsion. - Vamos orar pelos membros do Comando Tribulação
espalhados no mundo inteiro, e estamos ansiosos por ver como Deus vai libertálos.
Mas cada um precisa prestar contas de seus atos. Como Chaim e eu
estamos sob sua responsabilidade, nós...
- Ah, Tsion, não! Essa época já passou! Já faz algum tempo que você é o
líder espiritual do Comando Tribulação e da igreja de Cristo ao redor do mundo.
- Não. Ouça-me, Rayford.
- Com todo o respeito que lhe devo, sinto-me sempre lisonjeado quando
você se refere a mim como o líder titular do Comando Tribulação, mas por
favor...
- Estes homens, Rayford, são um bom começo para nós aqui. Eles formam
o núcleo de um grupo de anciãos que se levantarão para ajudar Chaim nas
decisões diárias, assim espero. Mas, evidentemente, são novatos na fé.
- Eu também sou, Tsion. Tenho certeza de que você não está sugerindo...
- Desculpe-me, Rayford, mas você se esquece de uma coisa. Nenhum de
nós é completamente maduro na fé ou em idade. Não vou ofender sua
inteligência dizendo que vou precisar de sua orientação a respeito da Bíblia,
embora eu não possa negar que aprendi com você. Mas Deus o colocou em um
lugar estratégico para mim durante um período muito triste de minha vida. Se
você não se importar, eu gostaria de lhe contar algumas idéias a respeito do
futuro imediato e pedir seus conselhos.
- Se você insiste, mas pelo menos reconheça que não fui eu que fiquei em
pé no meio de um milhão de pessoas e vi Deus salvá-las milagrosamente do
fogo do inferno.
Tsion olhou para ele e deu uma piscadela, virando-se, em seguida, para os
outros homens. Eles deram uma sonora gargalhada.
Chaim apontou para Rayford e deu uma risadinha.
- Não foi você? Então, meus olhos me enganaram! - Ele virou-se para Ben-
Judá. - Tsion! Eu não vi este homem aqui em pé no meio de nós? Será que ele
não viu o que Deus fez?
- Está bem - disse Rayford. - Concordo. Mas o inimigo não atacou por
minha causa, Tsion. Foi por sua causa e de Chaim. Eu não estava pregando, não
estava orando, não estava imbuído de fé, quando as bombas caíram. A verdade
deve ser dita. Minha fé é mais forte agora do que no meio do fogo.
O semblante de Tsion tornou-se sério, e ele passou a mão pela barba,
analisando Rayford.
- Você daria um bom israelense - ele disse. Rayford encolheu os ombros.
- Zeke optou por uma aparência egípcia, mas quem sabe.
- Não, estou dizendo que você argumenta como meus compatriotas.
Poderíamos debater a noite inteira. E, mesmo quando está errado, você tem
argumentos!
Aquele comentário provocou mais gargalhadas entre o grupo.
- Muito bem, Tsion. Não sei por que você insiste em ficar sob as ordens de
alguém que acha tão fácil ridicularizar...
- Tudo não passa de uma boa brincadeira, meu caro irmão. Você sabe
disso.
- Claro. Diga o que deseja. Estou ouvindo.
Mac tirou seu telefone do bolso e o ligou.
- O que eles estão fazendo, Sócrates, os seus companheiros? Controlando
a gente?
Sócrates encolheu os ombros.
- Vamos, você não vai me ofender. Eles estão tentando saber se somos
autênticos, que não vamos pular em cima deles, nem deixá-los em situação
embaraçosa, ou o quê?
Mac digitou o número de Chang.
- Não há telefones celulares por aqui - disse Sócrates. - O senhor não vai
conseguir ligar para ninguém.
- Bem, eu não conseguiria se tivesse uma droga de aparelho. Mas e se eu
tivesse um telefone movido a luz solar e ligado a satélites? Aí, eu não ia me
importar se não houvesse telefone celular por aqui, não é mesmo?
- O senhor não vai conseguir falar com o comandante, a não ser...
- Oi, Mac. Aqui é Chang. Você está bem?
- Estou ótimo, senhor supremo comandante. Apenas verificando se meu
telefone funciona para falar com alguém de Nova Babilônia.
- Já entendi tudo, Mac. Pode falar. O que está havendo? Você está
encrencado? O que eu posso fazer?
- Muito bem, senhor. Como está o tempo aí? Chang disse:
- Deixei minha tela aberta para o GPS [sistema de rastreamento por
satélite], e estou rastreando você, ah... Jinnah e Irene até o lugar em que vocês
devem estar.
- Aguarde um instante, chefe. Só um segundo.
Mac fingiu cobrir o bocal do telefone com a mão, mas segurou-o de modo
que Chang pudesse ouvir.
- O que você disse mesmo, Sócrates? Que eu não podia usar meu celular
no meio do mato?
- Sim, bem, é claro que o senhor pode, com o satélite e essas coisas. Eu
só disse que o senhor não pode falar com ninguém, a não ser que essa pessoa
tenha um telefone igual ao seu.
- E quem aqui tem um telefone igual ao meu para eu poder falar com ele?
Sócrates empalideceu.
- Sei lá, eu não tenho.
- Quem tem?
- Meus companheiros também não têm. Temos telefones comuns.
- Você achou que eu ia ligar para um dos seus companheiros, não?
- Não.
- Claro que não. A não ser que o chefe deles tivesse fornecido o número
para mim, certo?
- Certo.
- Mas, mesmo assim, eu não poderia ligar para nenhum deles daqui,
poderia?
- Não. Foi só isso o que eu disse.
- Você ia dizer algo mais, não, Sócrates?
- Não. Só falei por falar.
- Você achou que eu estava ligando para o comandante Stefanich, não?
- Não, eu...
- Não mesmo?
- Sim.
- E você achou que eu não ia conseguir falar com ele.
Sócrates assentiu com a cabeça, sentindo-se miserável.
- Mas como você poderia saber disso?
- Foi só um palpite.
- Eu não posso falar com ele em Ptolemaïs, onde há tantos celulares?
- Acho que pode.
- Mas ele não está lá, está?
- Como eu posso saber?
- Ele está aqui no mato, não está? - Silêncio. - Não está, Sócrates?
Ele encolheu os ombros.
- Então, como ele avisou a você e seu grupo que eu estava chegando? Ele
não podia ligar para cá, não?
- Eu sou um completo idiota.
- Tenho certeza que sim, Sócrates. Você não está à altura de seu nome,
não é mesmo? - Mac voltou a falar ao telefone. - Desculpe a demora, chefe.
- Daqui eu tenho mais condições que você, Mac. Posso enviar um sinal ao
telefone de Stefanich que vai deixá-lo em polvorosa, mesmo que eu não consiga
falar com ele. Ele vai receber uma mensagem dizendo que o subcomandante
Konrad, que se reporta direto ao diretor Akbar, do Serviço de Segurança e
Inteligência, quer falar com ele imediatamente.
- Parece uma boa idéia, chefe. Volto a falar com o senhor depois. Tudo
está correndo bem aqui.
- Quando ele ligar, vou usar um modulador de voz que vai me fazer falar
como um alemão idoso. Vou dizer a ele que Akbar o responsabiliza
pessoalmente para que Howie Johnson tenha acesso a Sebastian.
- Perfeito.
- E, se ele não ligar, vou deixar a mensagem no telefone dele para ajudar
você a sair dessa. Eu vou lhe dar cobertura, Mac.
- Não pode ser verdade, comandante! - Mac fechou o telefone com força. -
Dê-me esse walkie-talkie, amigo.
- O senhor vai querer me matar.
- Quem, eu? Não. De qualquer forma, você é um homem morto. Foi você
mesmo que disse.
- É o senhor que vai me matar? Ou ela? Mac sacudiu a cabeça.
- Vou deixar essa tarefa para seus companheiros. Pense no lado bom das
coisas. Se eles forem tão eficientes quanto você, amanhã cedo você estará
tomando café normalmente.
Sócrates o encarou.
- Você toma café de manhã, não, Sócrates? O homem assentiu com a
cabeça.
- Com licença - disse Mac fingindo apertar o botão do walkie-talkie. -
Platão, Aristóteles e Elena, prestem muita atenção. Eu não quero falar com
nenhum de vocês. Quero falar com Nelsinho Stefanich. Nelsinho, sei que você
está aí e admiro sua criatividade. Você fez tudo direitinho. Não estou ofendido
por você estar me checando. Vamos fazer um trato. Quando você receber a
confirmação de que eu e minhas oficiais somos quem dizemos ser, quero que
você próprio me traga Sebastian. Já sabe onde estou. E mande aquele bando de
filósofos sair da toca para que eu possa vê-los. Se você fizer isso, Nelsinho,
prometo que não vou tirar você do posto. Ah, mais uma coisa, Nelson. Isso é
uma ordem! Você tem 30 minutos para executá-la.
Mac virou-se e olhou para Chloe e Hannah.
- Agora, Sócrates, você está livre para sair daqui.
- O que o senhor disse?
- Você ouviu. Vá. Saia daqui.
Sócrates levantou-se com dificuldade e curvou o corpo para pegar sua
arma.
- Ela fica - disse Mac.
- E meu rádio? - ele perguntou esticando o braço.
- Fica também.
- Para onde eu vou? Mac encolheu os ombros.
- Problema seu.
Sócrates sentou-se na beira de uma mesa frágil e esfregou o joelho.
- Eu não tenho para onde ir - ele disse.
- Você vai querer estar aqui quando...?
O homem levantou-se rapidamente, cambaleando.
- Não. Não. Mas a cidade fica muito longe daqui. E sem nenhuma
proteção, sem rádio...
- Eu não posso ajudá-lo, amigo. Você faz parte de uma operação que não
obedeceu ordens. Você tem sorte por estar sendo solto. Se quiser ficar aqui até
que o resto do...
- Droga! - Sócrates caminhou mancando até a porta da frente.
Mac fez um gesto para que Chloe o vigiasse. Ele passou com dificuldade
por cima de madeira quebrada e cavacos e distanciou-se.
- Vá atrás dele - disse Mac - até ter certeza de que ele está indo para a
cidade. Hannah, vigie a área. Vou vasculhar este lugar e nos encontraremos
perto das armas lá fora.
Rayford sentia-se um tolo, sentado na caverna, extasiado por ter vivido
pessoalmente um milagre do Antigo Testamento, preocupado com Chloe e
aguardando a possibilidade de que Tsion Ben-Judá lhe pedisse orientações.
Ele sabia que voltaria a ver sua filha de qualquer maneira, mas seria
errado pedir que ela fosse poupada de uma morte dolorosa e violenta?
- Você e Abdullah precisam decidir o que vão fazer, Rayford - disse Tsion.
- Podem ficar, é claro, mas não sei se é conveniente você supervisionar o
Comando Tribulação daqui. Os técnicos de informática me disseram que David
Hassid e Chang Wong instalaram aqui uma base para um excelente centro
tecnológico e que as bombas não tiveram efeito algum sobre o hardware e o
software.
- Você está falando sério? - perguntou Rayford. - O pulso eletromagnético
do míssil poderia ter destruído tudo.
- Está tudo em ordem. Louvado seja o Senhor. Daqui, você poderia
controlar as coisas, mas a decisão é sua.
- Eu vou partir - disse Rayford. - Só não sei quando. Estou preocupado
com o seu retorno a Chicago, Tsion.
- Era exatamente isso que estávamos discutindo, Rayford. Não sei se faz
sentido que qualquer um de nós tente retornar para lá. E você e Abdullah não
são tão visados quanto eu? Sem outro milagre, como poderemos retornar à casa
secreta sem revelar seu local?
O pensamento de encontrar uma nova casa secreta, de mudar-se, deixou
Rayford aborrecido.
- Deixe que a gente se preocupe com isso, Tsion. Quais são seus planos?
Você poderia transmitir suas mensagens diárias daqui.
Chaim interrompeu.
- Este é o meu desejo e o dos anciãos daqui. E, por que não dizer, do
resto do povo.
- Eu não sei - disse Tsion. - Vou seguir a orientação do Senhor, mas
acredito que Chaim possa ser o homem de Deus aqui.
- Meu trabalho terminou, Tsion - disse Chaim. - Deus ajudou-me, apesar
de minhas fraquezas, e aqui estamos. Vou passar o bastão para você, meu exaluno.
- Continuo a ser seu aluno, doutor - disse Tsion.
- Cavalheiros - disse Rayford -, a admiração mútua de vocês é inspiradora,
mas não é muito útil agora. Este lugar necessita de liderança, organização,
mediação. Se você ficar, Tsion, precisa se resguardar de responsabilidades que
interfiram em seus ensinamentos para o povo daqui e para sua audiência ao
redor do mundo, via Internet.
Os anciãos concordaram com a cabeça.
- Talvez - disse Chaim - possamos descobrir algumas pessoas mais jovens
com esses dons. Estou disposto a auxiliar, coordenar um pouco, mas não sou
jovem. Esta é uma cidade, um país. Necessitamos de um governo. Deus prove
comida, água e roupas que não se desgastam com o uso, mas creio que Ele
espera que administremos o local. Devemos organizar e construir... é claro que
apenas por pouco tempo, mas mesmo assim...
- É possível - disse Rayford - que esse trabalho seja a maneira de Deus
ocupar o tempo de vocês aqui. Viver juntos, confraternizar-se, atuar em
harmonia... talvez esse seja um trabalho de tempo integral. Imaginem o tédio de
um milhão de pessoas aguardando sentadas o Glorioso Aparecimento.
Tsion animou-se ao ouvir essas palavras.
- Ah, é por isso que acredito que precisamos motivar o povo daqui a ajudar
o restante do mundo. Não estamos cegos às profecias, às maquinações do
demônio. Tentar nos fazer explodir é apenas o começo. Ele imagina que vai nos
matar de fome se cortar nossas linhas de suprimento. Ele não sabe, ou não
acredita, que Deus nos alimenta. Mas nós sabemos que estamos protegidos.
Devemos apenas nos resguardar contra os esquemas do demônio que visam a
afastar os indecisos deste lugar. Fora daqui eles estarão vulneráveis, não apenas
do ponto de vista emocional e psicológico, mas também do ponto de vista físico.
Sinto-me no dever de mantê-los aqui e de convencê-los.
- Eu não entendo - disse Rayford - como alguém pode continuar indeciso
depois do que aconteceu hoje.
- Está além da compreensão humana - disse Tsion -, mas Deus predisse
isso. Meu sonho para os fiéis que aqui se encontram é que eles sejam úteis para
ajudar nossos irmãos e irmãs do mundo inteiro. Pedro nos admoesta a ser
sóbrios e vigilantes "porque o diabo, vosso adversário, anda em der-redor, como
leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de
que sofrimentos iguais aos vossos estão-se cumprindo na vossa irmandade
espalhada pelo mundo" (1 Pedro 5.8-9).
- O demônio vai tornar-se cada vez mais irado, mais determinado, mais
malvado, e muitos morrerão em suas mãos. Poderia haver tarefa melhor e mais
nobre para esta multidão do que ajudar a cooperativa comandada por sua filha e
equipar os santos para lutar contra o anticristo?
- Eu antevejo milhares de especialistas em tecnologia criando uma rede de
recursos para os crentes, informando-os a respeito de lugares seguros, pondo
um em contato com o outro. Sabemos que perderemos muitos irmãos e irmãs,
mas devemos fazer o que for possível para que o evangelho continue a ser
divulgado, mesmo agora.
Rayford aprumou o corpo.
- Não posso contestar suas palavras. E a idéia é boa, Tsion, de transferir
sua base de operações para cá. Vamos sentir sua falta, é claro, mas não faz
sentido nos arriscarmos a perdê-lo, porque sua presença é muito necessária
aqui.
- Eu estive pensando - disse Chaim - e, Rayford, me corrija, por favor, se
achar necessário, porque sou leigo nesse assunto. Mas acho que o tempo de
manter uma casa secreta para abrigar o Comando Tribulação já acabou.
Sabemos que Nova Babilônia está farejando todos os lugares e, mais cedo ou
mais tarde, a casa secreta em Chicago será descoberta. Sim, talvez seja
necessário encontrar um local central para coordenar as atividades da
cooperativa, mas, se eu estivesse em seu lugar, me preocuparia se minha filha
precisasse ficar mudando de um lugar para outro. Deixo os detalhes com você e
seus compatriotas. Mas eu lhe faço uma pergunta. Não é verdade que todo
mundo a quem foi solicitado permanecer na casa secreta em pouco tempo fica
com fobia de ficar preso em casa?
- O jovem de lá, Zeke, que transforma nossa aparência com tanta maestria
para nos aventurarmos a sair, talvez considere a mudança um transtorno. E vai
ser difícil transferir os registros e os computadores. Mas talvez a casa secreta do
futuro seja instalada em milhares de lugares. Talvez tenha chegado a hora de
vocês passarem a morar nos esconderijos dos crentes espalhados pelo mundo
inteiro.
Rayford receava que Chaim estivesse certo, e seus argumentos provavam
isso.
- Não estou dizendo que será fácil - prosseguiu Chaim -, mas eu lhe peço
que tome a iniciativa. Tome a decisão difícil. Abandone a casa secreta e disperse
seu pessoal antes que seja tarde demais, caso contrário perderá todos de uma
só vez. Vocês sabem que estão naquela casa há muito tempo.
- Eu sei disso, Chaim - disse Rayford. - Na verdade, não faz muito tempo
que nos mudamos para o Edifício Strong. Pode ser um tempo razoável, porém é
mais ou menos igual ao que ficamos na casa secreta anterior.
Tsion levantou-se e esticou o corpo.
- Devemos deixar esse assunto a seu critério. Deus o guiará. Eu
tencionava pedir conselhos a você, mas agora estamos tentando aconselhá-lo.
- Eu agradeço muito.
- Mas, por favor, Rayford, preciso de uma opinião sua. Vou lhe contar o
que acredito que Deus está incutindo em mim e quero saber se faz sentido para
você. Sei que isso vai ferir a sensibilidade de muitos dos que me ouvem. Mesmo
assim, eu não quero deixar o assunto para depois. Veja, em razão do que tem
acontecido desde o Arrebatamento da igreja, creio que existe ampla evidência de
uma parte da natureza e do caráter de Deus. Sabemos que este é um tempo de
julgamento, até mesmo de ira. Estamos no meio dos sete últimos julgamentos de
Deus, que totalizam 21, e chegamos a enfrentar um que Ele próprio menciona na
Bíblia como a ira do Cordeiro.
- Seria fácil para um pregador explicar e provar a impaciência de Deus, o
julgamento dele derramado sobre seus inimigos, seu clamor de justiça pelo
sangue dos profetas. Mas cheguei à conclusão de que tudo isso está muito
evidente. Sim, esta é a última chance. Tudo isso ocorreu nos últimos sete anos, e
já estamos na segunda metade desse período. Deus fará cumprir seus planos,
mas sinto-me no dever de proteger a reputação dele.
- Ah, sei que Deus não necessita de mim, nem solicita minha assistência.
No fundo de minha alma, aceito com grande humildade o fato de Ele ter me
permitido exercer a função de pregar a todas as nações. Mas uma mensagem
profunda, e aparentemente contraditória, oprime meu coração. Creio que essa
mensagem provém de Deus, mas nela existe tal paradoxo, tal dicotomia, que não
me atrevo a prosseguir sem o conselho e a sabedoria de minha família espiritual.
Tsion massageou as têmporas e pôs-se a andar de um lado para o outro.
- Cavalheiros - ele disse -, vamos caminhar um pouco. Acompanhem-me.
- Se o senhor sair daqui, a multidão vai cercá-lo - disse alguém.
- Todos verão que estamos ocupados, tenho certeza - disse Tsion. - Não
vamos fazer disso um espetáculo. Quero que os senhores caminhem ao meu
redor. Vamos nos afastar das massas.
A maioria do povo continuava a divertir-se na fonte, enquanto outras
pessoas recolhiam água e maná. Rayford fez companhia aos anciãos e a Chaim
e, juntos, chegaram ao topo de uma elevação e desceram uma rampa rochosa.
Quando se afastaram dos olhares da multidão, Tsion voltou a falar
enquanto caminhava.
- Estou consciente de que fui agraciado com um grande privilégio. Tenho
uma congregação de um milhão de almas, só aqui. Tenho a oportunidade de
doutrinar os bebês na fé, oferecendo-lhes o leite da Palavra de Deus. Também
alegro-me por poder partir o pão e destrinchar a carne das coisas mais profundas
para as pessoas mais maduras na fé. E sou abençoado por pregar o evangelho,
porque até mesmo aqui existem pessoas indecisas. Não vamos ganhar todas
elas, e essa verdade causa-me espanto, principalmente após o esplendor de um
evento como aquele que experimentamos poucas horas atrás. Mas a questão
principal é a seguinte: Deus refrigera minha alma diariamente e espera que eu
exercite, com sua permissão, todos os dons que Ele me concedeu como
pastor/professor.
Quando Tsion parou, o restante do grupo fez o mesmo. Ele sentou-se em
uma rocha, e eles fizeram um círculo em volta dele.
- Isso pode parecer estranho aos senhores, porque tenho dito reiteradas
vezes que estes são os sete piores anos da história da humanidade, porém eu
considero, de muitas maneiras, um benefício quase ilimitado o fato de estar vivo
neste momento. A tecnologia permitiu-me ter uma congregação de mais de um
bilhão de pessoas via Internet, um número inacreditável. Um dia, no céu, vou
pedir a Deus que permita que meu cérebro finito compreenda essa cifra. Por
enquanto, trata-se de algo grandioso demais para minha compreensão. Não
posso imaginar o que isso significa, não posso dizer quantos estádios de cem mil
lugares seriam necessários para acomodar toda essa gente. Bem, é claro que sei
que dez mil desses estádios acomodariam um bilhão de pessoas, mas os
senhores conseguem ter idéia do que isso significa? Eu não.
- Agora, permitam-me dizer-lhes o que pesa sobre mim quando penso nas
responsabilidades que tenho diante dessa imensa congregação. Creio que é
chegado o momento de parar de falar sobre o julgamento de Deus. Não há como
negá-lo. Não há como fingir que sua ira não está sendo derramada. Mas cheguei
à conclusão de que a mensagem de Deus, ao longo dos séculos, é uma antífona
à sua misericórdia.
- A maioria dos senhores sabe que essas palavras vêm de um homem que
presenciou o assassinato de sua esposa e filhos muito amados. Será que estou
dizendo que a santidade de Deus é menos importante que o amor de Deus?
Como eu seria capaz disso, se a Bíblia diz que Ele é amor, mas que também é
santo, santo, santo?
- Estou simplesmente dizendo que vou deixar que a justiça, o julgamento e
a ira de Deus falem por si, e passarei o resto de meus dias aqui advogando
ardorosamente sua misericórdia.
Pareceu a Rayford que Tsion fez uma pausa para fitar demoradamente
todos os que o ouviam. Ele poderia ter prosseguido, defendido a si mesmo e
defendido sua recente opinião. Mas simplesmente encerrou sua fala, dizendo:
- Os senhores têm até o meio-dia de amanhã para corrigir-me, se
acreditarem que sou um irmão intempestivo. Caso contrário, meus ensinamentos
vão começar, e os senhores sabem qual será o tema.
Buck estava solidário com Albie. O homenzinho do Oriente Médio parecia
inquieto, incapaz de ficar parado.
- Eu não posso viver assim, Cameron - ele disse. - Vou conversar com
Zeke esta noite para examinar os arquivos dele. Você viu o material que ele tem?
- Claro.
- Ele deve ter uma identidade para mim. Acho que não posso mais me
fazer passar por funcionário da CG, mas aceito qualquer coisa. Qualquer coisa
que não seja ficar sentado aqui. Você acha que ele poderia me deixar alto e
loiro?
Buck não pôde conter o riso. Uma dessas duas coisas até que poderia dar
certo.
- Acho que vou com você - ele disse. - Zeke é um artista, e essa história de
ficar parado aqui vai me matar.
- Mas você tem o que fazer. Escreve. Faz download do material que
Chang envia e transmite tudo pela internet. Eu gosto muito de seu filho,
Cameron, mas vou enlouquecer se ficar aqui ajudando a cuidar dele, lendo,
olhando pela janela e aguardando a chegada do resto do pessoal.
- Eu sei...
- Você já passou bastante tempo em companhia de Mac? - Albie
perguntou.
- Claro.
- Grande homem. Muito inteligente. Mas não pensamos da mesma
maneira. Fico imaginando tudo o que ele deve estar fazendo na Grécia num
momento como este, que poderia ser... oh, sinto muito. Eu sempre me esqueço
de que Chloe está lá com ele.
- E daí? Você acha que Mac não está cuidando de Chloe? Pois eu acho
que ela é que está cuidando dele.
- Eu só quis dizer que deveria estar lá.
- Subcomandante Konrad?
- Exatamente - disse Chang, com a voz modificada eletronicamente -, e
espero estar falando com Nelson Stefanich.
- Sou eu mesmo, senhor, e...
- Comandante, exijo saber o que está se passando aí.
- Sim, senhor, nós...
- Enviei meu comandante sênior daqui de Nova Babilônia com a missão de
conversar diretamente com seu prisioneiro.
- Ele vai conversar, senhor. Eu...
- Não gosto da maneira como ele está sendo jogado de um lado para o
outro. Você foi avisado com antecedência e teve tempo de sobra para preparar
tudo.
- Eu sei. Nós...
- Aguardo a transmissão de um relatório completo para meu escritório até
o meio-dia de amanhã.
- Vou fazer isso, senhor, porque posso explicar tudo.
- Johnson já se encontrou com Sebastian?
- Ainda não...
- Como não? Se não se encontrou com ele até este momento, exijo saber
por quê.
- Houve um mal-entendido entre a equipe daqui, senhor. Eles imaginaram
ter ouvido...
- Vou examinar esses detalhes amanhã, comandante, mas, enquanto isso,
quero crer que você vai providenciar esse encontro.
- Sim, senhor.
- E não convoque Johnson para ir até onde você está.
- Como, senhor?
- Ele já foi até onde eu acho que deveria ir. E, esteja onde estiver, o lugar
em que ele se encontra é seguro; portanto, ordene que seu pessoal leve o
prisioneiro até ele.
- Sim, senhor. Subcomandante, será que eu poderia transmitir-lhe uma
boa notícia?
- Nenhuma notícia será boa enquanto Johnson não tiver acesso a
Sebastian.
- Eu só queria que o senhor soubesse que localizamos a sede do
esconderijo em Ptolemaïs e planejamos invadi-la à meia-noite.
SETE
De dentro do barracão, Chloe acompanhou os passos de Sócrates até o
momento em que ele desapareceu, mancando, em direção à estrada. Em
seguida, ela caminhou, pé ante pé, em ângulo de 90°, até o meio das árvores e
cruzou depressa o local onde estavam a Calibre 50 e a DEW.
O homem que ela vigiava havia passado perto das armas, que estavam a
uns 12 metros à sua esquerda, mas ele não as viu. Não seria difícil acompanhar
os passos de Sócrates, que mancava.
Chloe segurava firme o cabo da Uzi, puxando a tira para mantê-la afastada
do corpo e impedir que batesse na Luger. Ela olhou para os dois lados e desceu
a rampa, com passos miúdos, tomando cuidado ao atravessar a estrada coberta
de pedregulhos. Ao chegar ao outro lado, ela percebeu uma movimentação no
meio da vegetação, alguém seguindo apressado para a esquerda, a leste, sem
preocupar-se por estar andando entre galhos secos e pisando em entulhos.
Chloe agachou-se e controlou a respiração, calculando a direção e a distância,
para não aproximar-se muito do homem e pôr tudo a perder.
Não havia necessidade de andar no meio da vegetação alta. Ela poderia
facilmente manter o ritmo das passadas caminhando pelo acostamento da
estrada, sobre a terra fofa, sem fazer barulho. O único perigo era alcançar sua
presa e ser vista. Provavelmente era Sócrates. Ele parou assim que chegou
perto do barracão, aparentemente para prestar atenção a algum ruído. O fato de
não ouvir nada serviu para encorajá-lo, porque ele voltou a ficar exposto, talvez a
uns 15 metros de Chloe, também preferindo andar pelo caminho menos
acidentado ao lado da estrada.
Chloe ficou imóvel, com a mão no cabo da arma, para não ser pega de
surpresa, caso ele decidisse virar-se para o outro lado. Ela acreditava que não
seria vista na escuridão, mas quem poderia saber que tipo de visão teria aquele
homem manco e desarmado? Algumas pessoas eram capazes de ver ou
perceber sombras no escuro. Mac havia comprovado isso. Talvez, por conhecer
a área, aquele sujeito notasse uma silhueta entre as árvores.
Chloe aguardou até que ele fizesse a curva. Em seguida, caminhou
rapidamente até onde poderia voltar a ouvir os passos mancos e pesados do
homem. Ela firmou bem os olhos e conseguiu ver - ou pelo menos imaginou ter
visto - que ele estava mexendo o joelho e tentando andar com o corpo mais
ereto, mais normal, porém sem sucesso. Vez por outra, ouvia um resmungo ou
um gemido. Ele estava sentindo dor e, certamente, seguindo pelo caminho mais
longo até a cidade.
Não, Sócrates ia levá-la ao local onde George Sebastian se encontrava.
Chloe sabia disso. Será que ela poderia tentar fazer uma transmissão silenciosa
apenas para avisar Mac que o homem estava seguindo na direção contrária? Se
a conversa durasse 30 segundos, quantos metros o homem se distanciaria dela?
Mac e Hannah poderiam alcançá-la rapidamente, e os três o dominariam sem
demora.
Mac, porém, estava vasculhando o barracão, e Hannah ficara do lado de
fora sozinha, para prevenir emboscadas. Chloe jamais perdoaria a si mesma se
uma transmissão desnecessária deixasse alguém em perigo. Se Sócrates a
conduzisse à tal garagem ou coisa parecida, ela não correria nenhum risco, a
menos que fosse vista. Se os outros três estivessem lá - até mesmo Stefanich -,
ela ainda teria tempo suficiente para avisar os companheiros.
Mac estava ajoelhado no porão úmido e atulhado. A única lâmpada
dependurada no teto deixava entrever marcas irregulares no chão de terra. Com
o auxílio da lanterna, ele tentou averiguar se George havia sofrido maus-tratos.
Era impossível enxergar se havia traços de sangue entre as pegadas e as
marcas indecifráveis. Aquele seria o lugar ideal para aterrorizar um seqüestrado,
ele pensou.
Depois de iluminar todos os cantos com a lanterna, desligou a lâmpada do
porão. Quando estava caminhando em direção à escada, seu celular vibrou.
Ansioso por sair dali, mas hesitando falar ao telefone ao ar livre, ele parou no
meio da escada e abriu o aparelho. Seria imaginação sua ou teria ouvido uma
voz vinda dos fundos? Ele supôs que Hannah já tivesse vasculhado a área.
Agora, ela deveria estar aguardando, em companhia de Chloe, perto da árvore
diante do barracão.
Mac não se atreveu a dizer nada ao telefone; apenas ficou ouvindo.
- Mac?
Era Chang, mas Mac não quis confirmar. Ele apertou uma tecla no
aparelho.
- Mac? É você?
Ele apertou a tecla por um pouco mais de tempo.
- Está bem, você não pode falar, nem eu posso, enquanto não tiver certeza
de que é você. Um bip se for verdadeiro; dois bips se for falso: depois do primeiro
livro do Novo Testamento, os próximos quatro livros têm exatamente, em seus
títulos, o mesmo número de letras [na Bíblia em inglês].
Agora Mac tinha certeza de ter ouvido uma voz vinda dos fundos. Voz de
homem. A afirmação de Chang era verdadeira, mas agora ele estava em dúvida:
um bip para verdadeiro e dois para falso ou o contrário? Ele hesitou, tentando
ouvir alguma coisa enquanto rastejava até o topo da escada.
- Mac saberia responder - disse Chang. - Um para verdadeiro, dois para...
Mac apertou a tecla uma vez, rapidamente.
- Pode ter sido um palpite que deu certo - disse Chang. Mac fechou os
olhos. Ora, vamos, Chang!
- Você tem um contato num lugar muito estratégico. Dê um bip para cada
número de letras do sobrenome de solteira da irmã dele.
O quê? Chang faria sucesso numa festa. Ótimo, o contato é Chang. A irmã
dele é Ming Toy. Três bips. Alto lá! Sobrenome de solteira. O mesmo de Chang.
Wong. Quatro. Mac deu quatro bips rápidos. Agora, ele estava espiando o lado
de fora do barracão em direção aos fundos. Não via nada.
- Entendido, Mac. Agora, preste atenção. Falei com Stefanich como se eu
fosse Konrad. Ele está mandando seus homens levarem Sebastian até você.
Fique alerta, mas não perca tempo. Ele disse que descobriram uma sede
clandestina e que vão atacá-la à meia-noite. Eu não sei o número do telefone do
pessoal da cooperativa daí. Você sabe? Um para sim, dois para não.
Mac apertou a tecla duas vezes.
-Eu nem sei se eles têm telefone. Você pode enviar alguém para ajudar?
Um para... Mac apertou uma vez.
- Você está correndo perigo imediato? Mac apertou duas vezes.
- Entendi, você não pode falar. O GPS mostra que você continua no
mesmo lugar desde a última vez que conversamos. Há alguém com você aí?
Duas vezes.
- Do lado de fora?
Uma vez.
- Consegue ver quem é?
Duas vezes.
- Está bem, você consegue ouvir. Você mandou seu pessoal para fora?
Uma vez.
- Duas pessoas?
Uma vez.
- Ligue para mim quando puder. Quero saber se vamos fazer alguma coisa
pelo pessoal da cooperativa daí.
Mac guardou seu celular e rastejou até o lado de fora Havia meia dúzia de
soldados das Forças Pacificadoras, armados, em volta do carro.
- Eu digo que devemos levar o carro.. A caminhada durou horas.
- Não temos chave.
- Faça uma ligação direta.
- Ora vamos! Acho que só falta meio quilômetro. Os soldados dirigiram-se
para o leste. Mac contornou o barracão até a frente. Então, Stefanich tinha
enviado reforço. Será que o reforço era só esse?
Nem Hannah nem Chloe estavam ao lado da árvore. Mac deu um leve
assobio para saber se elas estavam por perto. Nada. Ele ajoelhou-se na
escuridão. A Calibre 50 estava no lugar. A DEW havia sumido.
Para George, parecia que Aristóteles havia virado à esquerda na estrada e
seguido na direção leste durante 20 minutos antes de parar no acostamento e
aguardar. George tinha aprendido a calcular mentalmente a passagem do tempo,
mas agora precisava lutar contra o sono. Segundo seus cálculos, eles estavam
sentados ali, parados, por mais de uma hora. Mas não seria surpresa se fossem
duas horas. Finalmente, Aristóteles disse:
- O que vocês acham?
- Já devíamos ter saído daqui há muito tempo - disse Elena. - Vai clarear
logo, e, de qualquer forma, não há muitas pessoas lá.
- Platão?
- Sim, vamos! Temos de voltar logo para cá. George entendeu que eles
saíram da estrada de pedregulhos e dirigiram-se para a estrada principal rumo ao
sul. Depois, seguiram para o leste. De acordo com o ambiente e os sons, George
achou que eles estavam em uma área povoada, talvez uma cidade.
- Não deixem que ninguém veja esse cara! - disse Aristóteles alguns
minutos depois.
Platão agarrou George pelo ombro direito e o puxou até ele ficar com a
cabeça em seu colo.
Aristóteles reduziu a velocidade e parecia estar estacionando o veículo.
- Não, não! - disse Platão. - Dê a volta pelos fundos.
Assim que eles pararam e estacionaram, Elena disse:
- Vou ver se está tudo em ordem.
George sentia cãibras na parte inferior das costas, mas não podia fazer
nada para aliviá-las. Elena retornou e subiu no jipe, fechando a porta.
- Mais ou menos 20 minutos - ela disse.
- Você encontrou o que precisávamos? - perguntou Aristóteles. - Deixe-me
ver.
- E o lugar?
- Mais ou menos 30 centímetros abaixo do alto da porta direita.
- Eu não notei isso antes.
- Ele pode ficar sentado? - perguntou Platão.
- É melhor esperar.
Chloe parou a uns 15 metros atrás de Sócrates e calculou que faltava meio
quilômetro para eles chegarem ao barracão.
Sócrates estava curvado, com as mãos nas coxas, respirando com
dificuldade. Seus passos ficaram mais lentos nos últimos cem metros; talvez ele
estivesse tentando inventar uma história para seus companheiros, a fim de
conquistar a simpatia deles.
Ela observava o homem atentamente e, de repente, assustou-se ao ouvir
som de passos no pedregulho. De várias pessoas. E não estavam com pressa.
Nem furtivos. Apenas aproximando-se. Ela se escondeu atrás de um arbusto a
cerca de três metros da estrada e ajoelhou-se, sentindo a calça da farda de
camuflagem empapada de suor frio. Lutava contra a tentação de prender a
respiração, temendo exalar o ar justamente no momento em que as pessoas
estivessem se aproximando. Não podiam ser Mac e Hannah. Havia várias
pessoas.
Ela havia perdido Sócrates de vista e não ficou sabendo se ele continuou a
caminhar. Se tivesse continuado, encontraria seus companheiros, e ela ficaria
sem saber para onde seguiram. De repente, avistou meia dúzia de soldados das
Forças Pacificadoras empunhando armas. Eles caminhavam sem pressa,
conversando. Dois fumavam. Chloe tentou entender o que se passava. Eles
pareciam saber para onde iam. Para o mesmo lugar? Ela poderia acompanhálos,
e talvez fosse mais fácil, em razão do barulho que faziam.
Eles passaram a três metros de Chloe, e ela aguardaria 30 segundos
antes de aventurar-se a sair dali. Seu walkie-talkie deu dois estalos rápidos,
cheios de estática, assustando-a.
Os soldados continuavam caminhando e conversando, mas ela entrou em
pânico. Apesar de não terem ouvido os sons, poderiam ouvir vozes, caso alguém
começasse a falar com ela.
Chloe enfiou a mão no bolso para desligar o rádio, mas errou o botão e
aumentou o volume. Aflita e tentando encontrar o botão para desligar, ela perdeu
o equilíbrio e caiu sentada.
"Johnson ou Irene, fale, por favor."
Alto demais!
Chloe levantou-se rapidamente, tirou o rádio do bolso, apertou o botão de
transmissão duas vezes, desligou-o e endireitou-se, preparando a Uzi. Os
soldados das Forças Pacificadoras haviam parado e estavam vindo em sua
direção.
Mac pegou seu rádio e cochichou:
- Aqui é Johnson, Jinnah. Qual é a sua posição?
- Cem metros a nordeste do ponto de encontro.
- Você está bem?
- Positivo. Tropas da CG na mata, senhor.
- Irene com você?
- Negativo.
- E a DEW?
- Positivo.
- Estou a caminho. Quantos?
- Calculo duas dúzias, senhor.
- Repita!
- No mínimo 24.
- Entendido. Tome cuidado, desligue transmissão via rádio e retorne ao
ponto de encontro.
- Entendido.
Fácil demais enganar Stefanich. Ou ele não estava acreditando ou era um
verdadeiro idiota.
- Johnson chamando Irene... Johnson chamando Irene... Johnson
chamando Irene. Está me ouvindo?
Mac olhou para seu relógio, chutou o chão, apertou os lábios e aguardou a
chegada de Hannah.
Chloe estava no meio de um arbusto espinhoso, com o dedo no gatilho e
os pés afastados sobre a terra fofa. Os soldados das Forças Pacificadoras
pararam na estrada, de frente para o local onde Chloe se encontrava, tão perto
que ela podia ouvir a respiração deles. Os seis engatilharam as armas ao mesmo
tempo. Ela mal conseguia enxergá-los e supôs que eles não pudessem vê-la. Ela
prendeu a respiração e ficou imóvel.
- CG! - um deles gritou. - Quem está aí?
Chloe tinha esperança de que os seis chegassem à conclusão de que não
ouviram nada.
- Apresente-se ou vamos cercar a área!
- Sou aliada! - ela gritou. - Também da CG. Irmã em missão. Tenham
calma.
- Armada?
- Segurando a arma acima da cabeça. Tenho certeza de que minha
patente é superior à de vocês, portanto não tomem nenhuma atitude precipitada.
Uma enorme lanterna forçou-a a semicerrar os olhos. Continuando a
segurar a Uzi acima da cabeça, ela disse:
- Apague essa coisa! Estamos todos aqui trabalhando na mesma missão.
A lanterna foi apagada.
- Entregue a arma, senhora, e depois vamos resolver esse caso.
- Não, primeiro vamos resolver esse caso. Estou colocando a arma
embaixo do braço para poder mostrar meus documentos a vocês. Relaxem. Até
agora vocês seguiram estritamente as instruções e não posso culpá-los.
- Obrigado. Vou precisar acender a lanterna para ver seus documentos,
senhora.
- Um momento, eu tenho uma lanterna pequena. Está no meu bolso.
Com a arma embaixo do braço e apontando a lanterna pequena para seus
documentos, Chloe sentia o coração bater como um tambor dentro do peito.
- Ela é oficial, companheiros - disse o líder. - Sentido!
- Não há necessidade - disse Chloe. - Bom trabalho. Apenas um pequeno
deslize, mas pelo menos vocês chegaram no horário.
- O que a senhora estava fazendo no meio do mato?
- Cumprindo ordens. Quero que vocês aguardem a chegada de meu
comandante e de outro oficial, para seguirmos juntos.
- Essa Uzi não é oficial, é?
- Ela é muito cobiçada. De uso restrito.
- Verdade?
- Como oficial, eu posso usá-la.
- Puxa!
- Continuamos no horário? - ela perguntou.
- Ainda faltam cerca de 20 minutos, senhora.
- Esperem um pouco, cavalheiros. - Chloe tirou o rádio do bolso e o ligou.
- Oficial Irene para o comandante sênior Johnson.
- Johnson? Oh, não!
- Comandante sênior!
Chloe virou-se para os homens das Forças Pacificadoras.
- Um pouco mais de respeito, por favor.
- Aqui fala Johnson, prossiga.
- Senhor, encontrei seis soldados das Forças Pacificadoras que vão
trabalhar conosco na missão. Estamos aguardando pelo senhor a cerca de 480
metros a leste de sua posição.
- Seis?
- Positivo.
- Está tudo em ordem, Irene?
- Positivo.
- Pelo que estou entendendo, devíamos estar cercados - disse Mac a
Hannah. - Você tem certeza de que não foi vista?
- Absoluta. Mac ligou para Chang e o inteirou da situação.
- O que está havendo? - ele perguntou a Chang. - O que você acha que
Stefanich está aprontando?
- Entrei no mainframe dele, Mac, e não existe nada lá. Pode ser que eles
estejam atrás de você ou Stefanich esteja apenas tentando se proteger.
- Mas por que ele mandou toda aquela gente para o meio do mato? Será
que estão se reunindo aqui para a invasão da meia-noite?
- Parece que pegaram o caminho errado.
- É claro que sim, a não ser que eles não saibam ao certo onde fica a sede
clandestina. Não estamos muito longe do local onde o pastor escondeu Rayford.
Você acha que eles descobriram o esconderijo?
- Você está a uns 50 quilômetros de lá, Mac. Vou continuar investigando,
mas não sei o que lhe dizer.
- Muito bem, vamos - disse Aristóteles.
Platão empurrou George, forçando-o a ficar com o corpo ereto. Alguém
abriu a porta a seu lado e, aparentemente, Platão e Aristóteles o seguraram pelo
braço, um de cada lado, enquanto Elena abria as portas. Sempre conduzido
pelos dois, ele andou uns quatro metros, subiu três degraus de concreto e entrou
em algum lugar. Em seguida, deu mais uns 20 passos ao longo de um corredor
que, pelo eco dos passos, parecia estreito. Finalmente, entrou em uma sala
espaçosa.
Aristóteles soltou George e afastou-se um pouco.
- Droga! - ele disse. - Não consigo. Platão?
- Dê-me isso aí.
George ouviu um som de metal sendo inserido em outra peça de metal e,
em seguida, dois cliques altos.
- Qual é o segredo disto aqui? - Platão resmungou.
- Vou tentar pelo outro lado - disse Aristóteles.
Elena ocupou o lugar de Aristóteles, ao lado de George.
Se ao menos eu não estivesse algemado, pensou George. Ele poderia
aproveitar a oportunidade. Derrubaria a moça com um golpe, arrancaria as
vendas dos olhos, correria pelo corredor até a saída e contaria com a sorte para
ajudá-lo. Mas não com as mãos algemadas para trás. Se fizesse qualquer
movimento, ela certamente atiraria nele.
Platão e Aristóteles continuavam a resmungar.
- Empurre o homem para dentro, Elena - disse Aristóteles.
Elena conduziu George para a frente, virou-o de lado e tentou forçá-lo a
passar por uma abertura que, aparentemente, era mantida aberta por Platão e
Aristóteles, um segurando de cada lado. A abertura era muito pequena para
George passar.
- Deixem um pouco mais de espaço - disse Elena.
Os dois resmungaram alto. Com um empurrão, ela fez George passar pela
abertura.
- Esperem um pouco - disse Aristóteles. - Não quero que ele seja
encontrado algemado e com os olhos vendados.
Alguém abriu as algemas.
- Tire a venda dos olhos e jogue-a para mim - disse Elena.
Assim que a arrancou, George viu que estava dentro de um elevador
escuro. Elena tinha uma arma apontada para ele. Seria uma boa oportunidade,
George pensou, porque Platão e Aristóteles estavam totalmente ocupados,
segurando as portas para que elas não se fechassem. Elena pegou a venda,
colocou-a no bolso e tirou uma garrafa de água do outro bolso. Ela atirou a
garrafa dentro do elevador e gritou:
- Divirta-se!
As portas se fecharam.
George deixou que a garrafa rolasse no chão e tentou enfiar os dedos
entre as portas. No exato momento em que encontrou um ponto de apoio, ele
ouviu barulho de chave trancando a fechadura. O ruído seguinte foi o de água
sendo derramada, e ele tateou no escuro até encontrar a garrafa. Colocou-a em
pé, decidido a economizar o que restara, pelo tempo que fosse possível.
Com os braços abertos, George conseguiu tocar as paredes dos lados, e,
quando virou um pouco o corpo, ele se deu conta de que o local era quadrado.
Não lhe causaria surpresa se os botões do painel estivessem desativados, mas,
pelos seus cálculos, ele se encontrava dentro de um prédio de quatro andares. O
teto do elevador estava a menos de 30 centímetros de sua cabeça.
Ele tateou o painel, à procura de algum botão solto, desparafusado,
qualquer coisa. Tudo estava muito bem preso. O painel fino, de plástico, que ele
encontrou devia estar protegendo a lâmpada. Ele removeu o painel e, tateando,
percebeu que era um pequeno tubo de luz fluorescente, duplo e circular. Ao lado,
havia outro painel cobrindo um emaranhado de fios. Ele o empurrou para o lado
e o quebrou. Agora, podia sentir as lâminas do ventilador, empoeiradas e sujas
de óleo.
A temperatura do corpo de George começou a aumentar, e sua respiração
ficou ofegante. Será que aquela gente era maluca? Um elevador sem funcionar
serviria perfeitamente como cela de prisão, mas será que eles queriam sufocálo?
George tirou a malha, as botas e as meias e sentou-se, encostado na porta.
Pegou uma bota e começou a bater na porta com ela, por cima do ombro.
- Pare de bater ou eu acabo com você! - gritou Elena. Então, eles haviam
deixado a moça sozinha para tomar conta dele. George queria dizer que, se eles
não quisessem apresentar um homem morto à chefia, seria melhor ela ligar o
ventilador. Mas estava decidido a não falar. Nem uma só palavra. Por isso,
continuou a bater na porta.
Chang teve um mau pressentimento. Desde o dia em que passou a ser o
único espião no palácio da CG, ele nunca se sentira tão desanimado. Será que
Stefanich estava blefando? Ele parecia ter ficado intimidado, ansioso por agradar
ao chefe. Mesmo que o homem tivesse checado a legitimidade de Mac, não
haveria problema; Chang tinha providenciado tudo para que Howie Johnson
parecesse autêntico. Ele estava certo de que Stefanich tinha ficado constrangido
por ter duvidado de Johnson, e agora devia estar tentando apagar essa
impressão.
Desesperado, Chang queria saber até que ponto Mac, Chloe e Hannah
estavam vulneráveis. Estariam sendo conduzidos a uma emboscada? O tempo
trabalhava contra ele, mas talvez não fosse conveniente aconselhar Mac a
abortar a operação. Talvez eles pudessem fazer uma ligação direta no carro
encontrado perto do barracão e seguir para o aeroporto, mas Chang sabia que
Mac não abandonaria Sebastian à própria sorte. E se Sebastian já estivesse
morto? Se a identidade de Mac tivesse sido descoberta, não haveria motivos
para a CG manter o rapaz vivo.
De repente, Chang deu um tapa na testa com as duas mãos. Raciocine!
Se eles estão tentando descobrir alguma pista sobre Mac, deve haver um motivo.
Se eu encontrar a conexão, talvez possa descobrir o que eles pretendem fazer.
Chang começou a fazer uma pesquisa global pedindo ao supercomputador
de David Hassid que encontrasse alguém nos altos escalões do palácio que
tivesse conexão com a CG em Ptolemaïs. Ele chegou até a digitar alguns
códigos, caso o contato dentro do palácio desconfiasse de que estava sendo
monitorado por alguém. Enquanto o computador pesquisava, com uma
velocidade espantosa, os milhares de arquivos de centenas de localidades,
Chang ajoelhou-se no chão.
- Deus, nunca te pedi que interferisses em uma só peça deste
equipamento. Mas tu sabes que foi um servo teu que projetou este computador,
e quero servir-te também. Ajuda-me a raciocinar. Acelera o processo. Permite
que eu proteja esses irmãos e irmãs. Depois do que presenciei hoje em Petra,
sei que nada está fora do alcance de tuas mãos. Perdemos muitos companheiros
para o inimigo, e sei que perderemos outro tanto antes de tua derradeira vitória.
Mas não permitas que os crentes gregos sofram mais ainda. Não esta noite.
Protege a cooperativa. E ajuda-me a tirar Mac, Chloe, Hannah e George de lá
Mac gostava de missões claras, com incumbências específicas. O objetivo
daquela era infiltrar-se, atravessar os portões, libertar o homem e chegar à
estrada. Agora, havia também o problema do esconderijo clandestino. Ele certamente
não partiria da Grécia sem Sebastian, tampouco poderia ir embora sem
defender os crentes dali.
O plano original não previa mais gente, além dele e de seu pessoal. Havia
quatro seqüestradores. Assim, Mac, as duas mulheres e George formavam uma
equipe de quatro pessoas, o suficiente para lidar com aquela situação. Mas
seguir com Hannah pela estrada para encontrar-se com Chloe e seis homens da
CG, ainda mais sabendo que haveria, pelo menos, outros 24 na área... bem,
aquilo não fazia sentido.
- Um momento - ele disse a Hannah. - Você sabe fazer ligação direta num
carro?
- Devo dizer que sim ou que não?
- Responda à minha pergunta. O tempo não está a nosso favor.
- Sim.
- Então, faça.
Enquanto ela caminhava apressada até o carro de Sebastian, Mac chamou
Chloe pelo rádio.
- Johnson para Irene.
- Aqui é Irene, prossiga.
- Atraso imprevisto aqui. Necessito de sua colaboração.
- Entendido. Devo levar ajuda?
- Negativo. Dispense os homens. Nós os alcançaremos.
- Vocês ouviram o chefe, cavalheiros - disse Chloe. - Vamos nos encontrar
com vocês no destino.
- Nós gostaríamos muito de ajudar o comandante sênior, senhora,
- Não, obrigada.
- Podemos nos encontrar com ele depois?
- Vou providenciar. - Assim que disse isso, Chloe teve uma forte intuição e
não pôde deixar de expressá-la. - Vocês me fariam um favor?
- Pode pedir, senhora.
- A presença do comandante sênior Johnson esta noite é uma surpresa
para o comandante Stefanich. Ele vai ser recompensado por algumas ações
recentes. Portanto... - Não devemos dizer que ele está chegando? - Exatamente.
- Tudo bem, senhora. E sabe de uma coisa? Nós nem sabíamos que o
comandante Stefanich viria para cá. A verdade é que não sabemos o que ele
está fazendo aqui.
Chloe empalideceu. E se Stefanich não estivesse lá?
- Tudo faz parte da surpresa, rapazes.
Chang sabia que Deus o havia protegido, provavelmente mais vezes do
que ele imaginava. Mas ele não tinha motivos para pensar que Deus lhe devesse
algum favor nem que fosse obrigado a agir no presente momento só por causa
de um pedido seu. Sem acreditar que suas súplicas tivessem produzido algum
efeito, Chang tornou a sentar-se, abatido, em sua cadeira diante do computador.
Luzes vermelhas piscavam na tela.
O mecanismo de busca havia acessado os arquivos secretos dos altos
escalões e estava comparando, combinando, traduzindo idiomas, transformando
palavras faladas em escritas. Uma pequena caixa no canto direito superior
mostrava seis combinações feitas entre alguns elementos da CG em Ptolemaïs e
a chefia no palácio.
Chang temia que a multitarefa retardasse a busca, mas ele tinha de correr
o risco. Mac e as duas mulheres corriam perigo, estavam em desvantagem
numérica e não sabiam o que encontrariam pela frente.
Ele verificou as três primeiras combinações e descobriu que eram
interações rotineiras da administração de Ptolemaïs reportando estatísticas ao
comando da CG. A quarta, porém, era diferente. Tratava-se de uma interação de
segurança máxima, de uma série de e-mails entre TB e OT, além de várias
ligações telefônicas, também entre essas duas pessoas, que estavam sendo
transformadas em palavras escritas.
Chang digitou: "Lógica da combinação?" A resposta foi imediata. "Atende a
critérios simples, amplos: iniciais de pessoas-chaves da CG na Grécia e da CG
no palácio representadas com as letras posteriores do alfabeto."
Chang semicerrou os olhos. Era o que ele havia pedido: uma conexão
qualquer baseada em seqüências e códigos de uma busca padrão. TB
significava SA. OT significava NS. Assustado, Chang levantou-se da cadeira,
debruçou-se sobre o teclado e digitou: "Mostre interação", e, enquanto os
arquivos apareciam em forma de cascata na tela, ele ligou para Mac.
Mac ouviu o carro funcionando e passos correndo em sua direção vindos
do norte e do leste.
- Senhoras? - ele disse.
- Sim.
- Sim.
Seu celular vibrou.
- Aguardem. Ei, Chang.
- Mac! Vou dizer uma vez só e volto a falar com você sobre os detalhes o
mais rápido que puder. Pronto?
- Diga.
- Akbar e Stefanich comunicaram-se pessoalmente várias vozes hoje.
Clique.
- Emboscada - disse Mac. - Prestem atenção. Não há tempo para
perguntas. Hannah, você dirige. Chloe,sente-se no banco do carona. Pegue a
DEW, a Uzi e uma pistola. Telefones e rádios ligados. Dirijam-se para a
cooperativa imediatamente. Tirem o pessoal de lá e não deixem nada que possa
ser encontrado na invasão da meia-noite. Depois, sigam direto para o aeroporto.
Fiquem escondidas e aguardem minha chegada com Sebastian, prontas para
fugir no avião dele. Se não aparecermos, significa que estamos mortos e vocês
terão de se virar sozinhas.
Mac curvou-se e ergueu a Calibre 50, segurando-a contra o peito.
- Está na hora de trabalhar, garotão - ele murmurou.
Hannah e Chloe contornaram, correndo, o barracão em direção ao carro
com o motor funcionando.
OITO
Obrigado, Senhor, disse Chang ainda em pé e já digitando freneticamente
o teclado do computador. Em segundos, ele conseguira abrir a transcrição de
quatro conversas telefônicas em uma linha tão segura que nem mesmo
Carpathia tinha acesso a ela, conforme ele próprio dissera uma vez.
Mas David Hassid conseguiu, Nicky. Ele conseguiu.
Chang também tinha cópias dos e-mails que não constavam do
computador do palácio nem do mainframe de Ptolemaïs. Esses e-mails tinham a
suposta garantia de que desapareceriam de cada registro assim que fossem
lidos. O disco principal de Hassid devia ter as únicas cópias existentes, inclusive
as dos remetentes dos e-mails.
Apesar de sua curiosidade, Chang sabia que seria irrelevante, no
momento, tentar entender como alguém do nível de Stefanich tinha acesso
pessoal ao diretor do Serviço de Segurança e Inteligência. A ligação entre eles
evidenciava a existência de alguma história por trás daquilo, mas a caixa no
canto superior da tela não havia começado a piscar novamente, portanto Chang
não perderia tempo tentando descobrir alguma coisa enquanto seu problema não
fosse resolvido. Ele clicou rapidamente na caixa e leu: "Combinação primária
100%, não há necessidade de decodificação."
Ele abriu o manifesto e leu: "Correlação direta da Lista A com a Lista B:
Suhail Akbar e Nelson Stefanich, registrados na Escola Militar de Madri,
ocuparam as mesmas posições em épocas alternadas."
Pelos anos relacionados, Chang calculou que eles freqüentaram aquela
escola na mesma época, quando eram adolescentes, havia mais de 25 anos.
Aquele seria o motivo da troca de telefonemas.
Os olhos de Chang corriam pela cópia querendo saber como se deu a
artimanha.
Stefanich havia perguntado se Howie Johnson era "um homem confiável."
Akbar respondeu que o nome não lhe dizia nada.
Stefanich informou: "Comandante sênior subordinado a Konrad."
"Vou verificar."
Akbar encontrou o nome nos arquivos: "Ficha excelente, mas nossos
caminhos nunca se cruzaram. Fato raro para alguém desse nível, mas acontece."
Stefanich insistiu: "Não quero ser inoportuno, mas Konrad garante a
integridade dele? Quero ter certeza antes de levar o prisioneiro a ele."
"Que prisioneiro? E quem é Konrad?"
"O judaísta, George Sebastian."
"Ainda não extraiu nada dele?"
"Vamos quebrar os ossos dele ou matá-lo."
"Quebre os ossos dele. Eu sei que você é capaz disso."
"Você não é o superior imediato de Konrad?"
"Não. Será que preciso verificar também quem é esse sujeito?"
"É melhor. Ele me disse que é seu subordinado imediato, que é
subcomandante, que trabalha em seu andar."
"Envie documentação."
Mais tarde, Akbar contou a Stefanich: "Você está sendo enganado.
Johnson e Konrad estão no sistema, as informações conferem, só que eles não
existem."
"Tenho permissão para me vingar deles?"
"Desejo-lhe toda a sorte do mundo. Pegue os dois, mortos ou vivos, e
providenciarei sua transferência para o palácio."
À medida que as ligações e os e-mails prosseguiam, ficou claro que eles já
sabiam que as identidades das mulheres também eram falsas.
"A de Montreal esteve em minha sala."
No início da tarde, Akbar havia tomado uma decisão: "Se Sebastian está
merecendo todo esse trabalho, é porque eles têm ligações estreitas com os
clandestinos. Anuncie uma invasão para ver se eles revelam o local."
Chang ligou para Mac.
- A invasão é falsa. Se você avisar os crentes, vai pôr tudo a perder.
- Ligue para Chloe ou Hannah. Estou ocupado.
- O local onde você está também é uma armadilha, Mac.
- Tudo bem. Ouça, Chang. Você salvou a nossa vida. Agora, faça o
possível para encontrar Sebastian. Ou eu tiro esse cara daqui ou vou morrer
tentando.
Chloe atendeu o telefone. Era Chang.
- A invasão foi uma encenação para que você levasse a CG até o
esconderijo. Aborte a operação.
- Hannah, você tinha razão.
- O quê?
- Hannah tinha razão, Chang. Ela desconfiou que estávamos sendo
seguidas. Eu não percebi nada e achei que fosse paranóia dela.
- Eu bem que falei!
- Livre-se deles ou leve essa gente a lugar nenhum - disse Chang. - Pelo
que sei, a CG não tem nenhuma pista de onde fica a cooperativa, nem que é lá
que os crentes se reúnem. Preciso desligar. Mac está na linha.
- Prossiga, Mac.
- Pergunta. Se for uma armadilha, por que os homens das Forças
Pacificadoras retornaram com Chloe e queriam encontrar-se comigo depois?
- Não estou entendendo.
Mac lhe contou sobre o encontro de Chloe com a meia dúzia de soldados.
- Você me deixou confuso. Ainda estou tentando decifrar a conversa entre
Akbar e Stefanich. É possível que nem todos saibam.
- Pode ser.
- Isso lhe dá uma vantagem.
- Confirme se puder.
- Claro.
Mac caminhou um bom trecho na direção leste para tentar avistar a
garagem improvisada, se é que havia alguma. Não viu nada. Hannah e Chloe
também não. Isso significava que o local de reunião das tropas localizava-se um
pouco mais adiante. Se Chang estivesse certo, Sebastian devia estar a poucos
quilômetros dali.
Excelente raciocínio militar, Mac. Ficar sozinho num lugar deserto e em
número menor que o inimigo.
Mac refletiu sobre suas opções. As vantagens eram poucas. Seria difícil
alguém vê-lo. Ele não cairia no engodo de dirigir-se ao lugar em que Sebastian
supostamente estava. Tinha uma Calibre 50. Poderia caminhar ou correr até o
carro, mas o veículo já devia estar sob vigilância. Devia estar cercado, e, se ele
fosse idiota o suficiente para tentar chegar até lá, seria facilmente capturado.
Senhor, ele disse em voz baixa, eu vou te agradecer se me mantiveres
motivado a permanecer em forma, e vou te pedir que me dês mais força do que
já tive até hoje. Tudo o que estou tentando fazer é tirar vivos daqui teu servo e as
minhas duas parceiras. Estou agradecendo tua ajuda desde já, porque vou estar
muito ocupado por uns tempos. E, se tu decidires não me ajudar, é porque
desejas o melhor para mim, e nos veremos dentro em breve.
Mac retornou pelo caminho que levava ao barracão e parou a uns cem
metros acima dele. Tirou a jaqueta, ficando apenas com três projéteis da Calibre
50 e dois pentes da Uzi. Em seguida, enrolou a tira da Uzi duas vezes em volta
do corpo para que a arma ficasse bem junto dele.
Ele não conseguia correr carregando a Calibre 50, mas trotou o melhor
que pôde, permanecendo sempre no lugar mais alto da colina, a uns 200 metros
acima da estrada, acompanhando o terreno. A princípio, ele sentiu o ar fresco
batendo-lhe nos braços, pescoço e rosto, mas, em seguida, seu corpo inteiro
transpirava. Isso, ele sabia, era apenas o começo.
Os músculos de Mac doíam pelo esforço e pelas cãibras, mas ele não
queria parar; nem sequer diminuiu o ritmo das passadas. Continuou a caminhar
cada vez mais na direção oeste, tentando calcular a distância do local onde ele
havia deixado o carro. Depois de atravessar uma faixa de terra acidentada com
pedras soltas que quase o fizeram perder o equilíbrio várias vezes, finalmente ele
decidiu localizar o veículo.
Mac deitou-se no chão, no alto da colina, e olhou para a estrada embaixo.
Com os braços trêmulos em razão do esforço e da fadiga, ele colocou o suporte
bípede no chão, abriu o telescópio e ajustou o foco para poder esquadrinhar a
área, em vez de tentar movimentar a arma pesada.
Demorou um pouco de tempo para seus olhos se acostumarem à
escuridão. A estrada de pedregulhos era apenas uma faixa cinza em
comparação com a negritude da mata, mas ele sabia para onde deveria olhar. À
direita de seu campo de visão - a uma distância tão grande que seria necessário
fazer um movimento de quase 30 metros com a arma -, ele avistou alguma coisa
que captava o reflexo das estrelas. Só poderia ser o carro branco.
Mac respirou um pouco de ar fresco e forçou-se a levantar o corpo até o
ponto de conseguir alinhar a Calibre 50 com o carro. Ele estava impaciente.
Enquanto apertava os olhos para enxergar melhor e fazia cálculos mentais, ele
teve certeza de ter visto algum movimento no lado norte da estrada. Se estivesse
certo, a CG o aguardava ali - e, com toda a certeza, do outro lado da estrada
também.
Ele se lembrou, por experiência anterior, de rasgar uma tira da camiseta
para tapar os dois ouvidos. Depois de colocar munição extra perto da arma,
fincou os pés no chão. Contava com a grande vantagem de apontar para baixo,
porque o coice o atiraria para cima e para trás. Precisava lembrar-se de manter
os joelhos dobrados.
O plano de Mac era alvejar o carro com dois disparos seguidos, sabendo
que teria de dar tudo de si para ir até o fim, porque ninguém que usou aquela
arma violenta - inclusive ele - haveria de querer atirar com ela mais de uma vez,
muito menos logo em seguida.
Mac esticou o braço e posicionou-se, com o dedo afastado do gatilho, até
apoiar a base do rifle no ombro. Ele procurou acomodá-la em um local macio, e
não diretamente em cima do osso, porque sabia o estrago que aquela coisa
poderia provocar em seu corpo todo.
Ele se lembrou das lições que aprendera. Firmar-se no lugar. Relaxar.
Apoiar o rifle bem firme no ombro. Não retesar o dedo que faria o disparo.
Proteger os ouvidos. Pés firmes no lugar. Cotovelos levemente dobrados.
Joelhos flexionados. Mirar o teto do carro, um pouco para a esquerda, por causa
do vento. Manter uma distância de pouco menos de 200 metros. Mesmo levando
um coice tremendo, recarregar a arma e atirar novamente, da segunda vez sem
preocupação com precisão na mira.
Enquanto fazia a contagem regressiva a partir do número três, Mac ficou
satisfeito ao observar movimento através da lente. A menos que alguém fosse
tão infeliz a ponto de colocar-se na linha de fogo, ninguém seria atingido pela
primeira seqüência de disparos. Na segunda, ele esperava que a CG já estivesse
a meio caminho do barracão.
Ao chegar ao número um, Mac parou. Ele teve uma idéia melhor. Arriscar
tudo de uma só vez. Mirar um pouco à esquerda, na esperança de atingir o
tanque de combustível. Mesmo que ele errasse, aqueles homens pensariam que
estavam enfrentando um tanque de guerra ou, no mínimo, uma bazuca. Mas, se
ele tivesse sorte, eles pensariam que estavam enfrentando a eternidade.
Mac mudou apenas um pouco de posição. Tudo pronto. Três, dois, um,
zero, oh, mamãe!
Ele pensou que estivesse preparado. Foi como se não tivesse colocado
nada para proteger os ouvidos. O barulho foi tão violento que parecia senti-lo de
modo palpável. Os galhos e troncos das árvores tinham explodido, e, sim, a
explosão do tanque de combustível e o barulho do carro se espatifando sobre os
pedregulhos provocaram um estrondo que qualquer um poderia ouvir, mesmo
não estando por perto. O ruído ficou retinindo em seus ouvidos por mais tempo
do que a bola alaranjada que ele via, mesmo com os olhos fechados.
A violência do disparo atirou-o para trás, fazendo-o cair do lado esquerdo.
Enquanto lutava para recuperar o senso de direção, ele rolou de bruços e voltou
a ficar na mesma posição. Com os dedos trêmulos, Mac colocou mais munição
na câmara, tomando o cuidado de deixar a arma apontada para a frente. E,
mesmo contra todos os seus instintos, ele acionou novamente o gatilho.
Ele esqueceu-se das lições que aprendera. Um dos pés não ficou firme no
lugar. Ele também não estava firme. A base do rifle não foi apoiada no ombro. O
coice da arma atirou-o para trás, aparentemente à velocidade da luz, e provocou
um afundamento na parte superior de seu ombro.
O ruído foi menor, porque o primeiro disparo já havia feito um estrago em seus
tímpanos. Os ouvidos zuniam e ressoavam. Atordoado, levantou a cabeça e viu
árvores caindo, duas de um lado da estrada, uma do outro. Ele havia mirado três
metros à esquerda do carro, que agora estava achatado no chão e em chamas,
que iluminavam o estrago feito na lataria e na fauna - tudo devastado por dois
simples movimentos em um gatilho de metal.
Mac queria ter podido ouvir os gritos dos jovens das Forças Pacificadoras
correndo para escapar da morte. Ele forçou-se, desajeitadamente, a ficar de
quatro no chão, como se fosse uma criança, e lutou para não escorregar ladeira
abaixo.
Quando, finalmente, conseguiu ficar em pé, com os braços abertos para
manter o equilíbrio até as árvores pararem de girar, ele aguardou... e aguardou.
Depois que seu organismo fez os ajustes necessários, Mac recuperou o fôlego,
sacudiu a cabeça, esticou os braços e as pernas e começou a correr.
Sua intenção era cobrir a pé todo o percurso que ele levara mais de meia
hora para percorrer de carro. Encontraria o caminho para o local onde ele, Chloe
e Hannah haviam se reunido no fim da tarde, que agora parecia tão distante. Lá,
Mac encontraria o jipe escondido, faria uma ligação direta e partiria para a
missão que ele esperava fosse a última brincadeira do dia. Certamente, quando
chegasse lá, Chang já lhe teria informado o local do cativeiro de George
Sebastian.
E, depois de tudo isso, que Deus tivesse misericórdia - ou não - de quem
ousasse intrometer-se entre eles e a liberdade.
NOVE
Chloe não conhecia com detalhes a arma de energia direcionada que
levava no banco traseiro do carro, mas ouvira falar do efeito que ela causou em
um alvo. Estava curiosa, levantou a arma cuidadosamente e colocou-a no colo,
fazendo com que Hannah desviasse os olhos da estrada para a DEW.
- Não aponte essa coisa para mim, Chloe.
- Ela não está ligada!
- É o mesmo que dizer que uma arma não está carregada, Já morreram
muitas pessoas com armas que as pessoas juravam estar descarregadas.
- Parece bem simples. Você sabe lidar com ela, certo?
- Sei - disse Hannah. - Mas, por favor, Chloe...
- Parece que basta ligá-la, deixá-la aquecer, ou coisa parecida e disparar.
Não é letal.
- Ah, eu sei. Mas o efeito do calor de 55°C sobre a pele humana sensível
fará qualquer pessoa desejar estar morta.
- Aposto que esses caras iam parar de nos seguir.
- Nem pense nisso. Se você errar, eles vão começar a atirar e não vamos
ajudar ninguém.
- De qualquer forma, não estamos ajudando ninguém - disse Chloe. -
Estamos sentadas aqui com Uzis, pistolas, uma espingarda e uma DEW e
deixamos Mac lá em cima, sozinho, com toda aquela gente da CG.
- E quanto tempo vai levar para que esses sujeitos percebam que estamos
brincando com eles?
- Precisamos acabar com eles antes de seguir para o aeroporto, Hannah.
Eles não vão permitir que a gente entre lá.
- Acabar com eles? Chloe, o pelotão deles pode até ser dizimado, mas
eles têm mais gente, mais carros, mais rádios. Não vamos acabar com eles.
- Estou ligando para Chang.
- Para quê?
- Quero saber quantas pessoas estão atrás de nós.
- Por quê?
- Espere um pouco.
Seria muito mais fácil correr sem aquela Calibre 50 desajeitada, mas Mac
não fazia esse tipo de exercício desde... desde quando? Desde nunca. Nem
mesmo os trechos das corridas nos tempos de ginásio eram tão longos assim. E
essa corrida era mais longa que uma maratona, com certeza. Ouvindo o som
ritmado de seus passos, ele repetia continuamente para si mesmo: Deus, eu sou
teu. Deus, eu sou teu. Deus, eu sou teu.
Se ele conseguisse chegar até o jipe, seria pela misericórdia de Deus.
Essa corrida ultrapassava os limites da capacidade humana de Mac.
Chang lia, freneticamente, cada palavra da comunicação entre Akbar e
Stefanich na esperança de encontrar alguma coisa, qualquer coisa, para ajudar
Mac. Seu celular vibrou, e, pelo visor, ele sabia quem estava ligando.
- Você está bem, Chloe? - ele perguntou.
- Por enquanto - ela respondeu. - Existe alguma maneira de saber quantas
pessoas estão nos seguindo?
- Posso tentar descobrir. No que você está pensando?
- Se for um bando, estamos mortas. Vamos fazer essa gente rodar pela
cidade atrás de nós e, depois, tentar fugir ou trocar tiros com eles, mas você
sabe que temos poucas chances. Se for só um carro, e eles estiverem
incumbidos apenas de contar à chefia onde fica o esconderijo, eu tenho uma
idéia.
- Diga-me qual é a idéia antes que eu comece a tentar acessar o
computador de Ptolemaïs novamente.
- Por quê? Se você não gostar da idéia, não vai procurar? É?
- Chloe, deixe disso. Mac está em perigo, e não temos idéia do paradeiro
de Sebastian. Tenho de cuidar das prioridades.
- Desculpe-me. Vou falar rápido. Se eles estiverem atrás de nós só para
saber onde fica o esconderijo, vamos levá-los até um. Só que não vai ser o
verdadeiro. Alguns cidadãos infelizes vão ser atacados hoje.
- Gostei.
- Que alívio!
- Estou falando sério. E acho que vocês são peixes pequenos para eles.
Não estou dizendo que eles não suspeitam de vocês. Sair do aeroporto esta
noite vai ser quase impossível, mas eles poderão pensar que vocês não têm para
onde ir e vão prendê-las quando tentarem partir. Eles querem o pessoal daí.
- E vamos levá-los até lá, só que não até o pessoal verdadeiro.
- Ligo para você assim que puder.
- Pare de bater, se não eu mato você! - gritou Elena.
George não ouvia a voz de mais ninguém. Continuou a bater na porta.
Como ela faria para alcançar a fechadura? para destrancá-la? para abrir as
portas?
Ela praguejou, e ele ouviu movimentos. A moça estava arrastando alguma
coisa para perto do elevador. Ele ouviu o barulho de uma chave sendo enfiada
na fechadura e, depois, girando. Parecia que ela havia descido de uma cadeira,
ou coisa parecida, que tinha usado para subir e pegar algo num lugar mais alto.
Agora, ela tentava abrir as portas. Nem mesmo Platão tinha sido capaz de fazer
isso sozinho. George continuou a bater na porta.
- Estou tentando chegar aí! - ela disse. - Mas, quando eu chegar, vai se
arrepender!
Bam! Bam! Bam!
- Eu vou atirar na porta!
Bam! Bam! Bam!
- É melhor você parar com isso! Eu não estou brincando! George percebeu
que ela continuava lutando com as portas. Não havia como abri-las. Se pelo
menos pudesse fazê-la esquecer de trancar de novo as portas... Ele parou de
bater.
- Assim é melhor!
Ele ouviu quando ela subiu em alguma coisa novamente. A chave estava
sendo colocada na fechadura.
Bam! Bam! Bam!
- Não! Não adianta insistir! Estou trancando você de novo, e por mim pode
bater a noite inteira!
Ela trancou as portas.
George levantou-se e encontrou a outra bota. Calçou uma em cada mão.
Agora, ele estava inclinado para a frente, com as mãos acima da cabeça e as
botas encostadas nas portas. Ele arrastou as botas pela porta enquanto
escorregava lentamente em direção ao chão. George encenou um tombo.
Primeiro, os joelhos bateram com força no chão, depois o lado do corpo, depois
as botas, depois as mãos. Ele ficou imóvel.
- Você acabou com a brincadeira aí?... Hein?... Vai continuar?... Vai levar
um tiro!... Você está bem?... Ei?
Ela praguejou novamente, e ele a ouviu falando ao telefone.
-...batendo na porta do lado de dentro. Ameacei atirar, e ele parou, mas
acho que está morto... pelo som que ouvi... parece que ele desabou no chão.
Você sabe que não há ar lá dentro. Não há ventilação. Onde? Vou procurar. Ela
bateu nas portas duas vezes.
- Agüente um pouco aí. Vou dar um jeito para que você receba um pouco
de ar.
Chang encontrou a fita das conversas, via rádio, entre o pessoal das
Forças Pacificadoras da CG em Ptolemaïs, mas a qualidade era tão precária que
o dispositivo de conversão não conseguiu transformar as falas em palavras
legíveis. Ele fez um download de tudo para seu computador e tentou captar as
palavras por meio de fones de ouvido.
- Chloe - ele relatou -, é apenas um palpite, portanto deixo a decisão a seu
critério. Acredito que existe apenas um carro seguindo vocês, e não pertence à
CG. Eles mandaram dois Monitores de Moral vigiar vocês. Ambos estão
armados, é claro, mas a tarefa deles é saber quem vocês vão avisar sobre a
invasão.
- Você disse que é um palpite.
- Tenho de ser honesto, Chloe. Estou quase certo de que foi isso o que eu
ouvi.
- Certo até que ponto?
- Cinqüenta e cinco por cento. Ela riu.
- Você achou graça?
- Não. É que eu esperava que fosse pelo menos 60%. Se você chegar a
60, compro esse carro hoje mesmo.
- O quê?
- Nada. Pode ser 64?
- No máximo.
- Vamos fazer uma tentativa.
Elena continuava a falar ao telefone, mas George teve de encostar o
ouvido na porta do elevador para ouvir. Ela devia estar gritando, mas ele mal
conseguia entender.
- Na parede perto do elevador? - ela parecia estar dizendo. - Sim. Porta
cinza. Entendi. Há dezenas dessas coisas aqui, homem... Bem, alguma coisa
como caldeira, ventilação, aquecedor de água... ah, sim, parecem bugigangas do
andar térreo... Como eu posso saber? Há umas 20 coisas desse tipo. Está bem,
21 e mais... está bem, talvez este seja o primeiro andar... Sistema de alarme,
luzes de emergência, luzes externas, luzes da escada, elevador... Você diz que
há um diferente para ventilador ou luz? Não estou vendo... Ah, sim, está tudo
num lugar só... Mas eu preciso. Ele vai morrer sufocado lá dentro... Não! Abra
essa coisa, nem que seja um pouco, e eu vou vigiar o homem o tempo todo... E
se eu ligar e deixar as portas fechadas?... Cada andar? Então, vou trancar as
portas de cada andar. Aí, ele não vai poder ir a lugar nenhum, certo?... Ligo para
você depois.
George ouviu quando ela saiu do saguão e começou a subir a escada. Ele
continuava com o ouvido encostado na porta e percebeu que ela estava
trancando as portas externas do elevador nos três andares acima. Ah, ela ia ligar
a chave para fazer funcionar o ventilador do elevador, a fim de que George
recebesse um pouco de ar. Aquilo não adiantaria. Ele tinha de forçá-la a abrir as
portas.
Elena prestava atenção para saber se o ventilador havia sido ligado e se
George estava consciente. Ele levantou-se e apalpou o ventilador e as luzes,
apoiando-se com firmeza nas paredes laterais. Os painéis tinham sido muito bem
parafusados, mas a fiação elétrica no teto do elevador era coberta por outros
tipos de painéis, talvez um pouco mais frágeis. Ele calçou as luvas e empurrou
os painéis com força. O metal era muito resistente e afiado em alguns lugares,
mesmo sendo manuseado com luvas. Elena já devia estar voltando.
George calçou as meias e as botas, curvou o corpo, ficou de cabeça para
baixo, apoiou-se nas mãos e começou a levantar as pernas, para que as solas
das botas encostassem no teto do elevador. Com os pés, ele foi tateando até ter
certeza de que havia alcançado a luz e o ventilador. Em seguida, esticou as
pernas e arremessou-as para cima com toda a força.
As lâmpadas fluorescentes estouraram e caíram; as pás do ventilador
entortaram e começaram a despencar. Os bíceps de George tremiam e seu peito
doía, mas ele continuou a fazer força, como se sua vida dependesse daquilo. Os
painéis romperam-se, soltando-se dos fios. O teto do elevador devia estar
completamente devastado.
George tentou controlar a respiração forte causada pelo esforço. Não
queria fazer nenhum barulho. Aos poucos, ele voltou à posição normal e deitouse
no chão, ofegando e empurrando cuidadosamente o entulho para um canto.
Em seguida, ouviu Elena caminhando com passos rápidos, aproximandose
da caixa de força e ligando a chave. As luzes dos botões do painel
acenderam-se, e ele ouviu um zumbido no teto, no local onde a lâmpada e o
ventilador haviam sido instalados.
Continuando a controlar a respiração, George girou o corpo, amarrou os
cordões das botas e, com movimentos de um gato, ajeitou-se no lugar.
- Você está recebendo um pouco mais de ar aí? - gritou Elena. Ela
esmurrou a porta. - Ei! Melhorou?
George ficou de quatro no chão, arrastou-se para trás, encostou os pés na
parede e foi se afastando, apoiado de cócoras. Em seguida, ele inclinou-se para
a frente, colocou as palmas das mãos no chão, virou o rosto para a direita e
deitou-se com a face e o ouvido esquerdo encostados no piso do elevador.
Esforçando-se para inspirar o ar de maneira profunda, porém lenta, ele preparouse
para prender a respiração e fingir-se de morto.
Mais duas batidas na porta.
- Vamos! O ventilador deve estar funcionando, não é? Se estiver
recebendo um pouco de ar, dê uma batida na porta!
George continuou deitado, com o corpo curvado e encostado na parede.
Qualquer pessoa que o visse, imaginaria que ele estava morto, com o rosto
encostado no chão.
- Muito bem! Estou abrindo as portas, mas, se você tentar alguma coisa,
vai morrer.
Agora, ela estava em cima da cadeira. Objeto de metal sendo encaixado
em metal... Um estalido... George sentiu-se tentado a apertar o botão "Abrir
Porta", mas sabia que Elena estava em pé ali, com a arma apontada para ele.
Ele piscou várias vezes para umedecer os olhos. Depois, continuou deitado, com
os olhos abertos, sem piscar, na esperança de poder enxergar alguma coisa pela
visão periférica para saber o momento exato de agir.
- Estou abrindo as portas! Não se mexa! É melhor que a chefia encontre
você baleado do que morto por acidente.
George ouviu quando Elena apertou o botão e sentiu o elevador vibrar. As
portas começaram a abrir. Ele queria sorver o ar puro e fresco, mas não se
atreveu. Sob a luz fraca das placas indicando a saída e da lâmpada do corredor,
ele viu a silhueta da moça diante de si, com os pés afastados um do outro,
segurando a arma possante com as duas mãos.
Ela praguejou. Aproximou-se um pouco mais. Tirou a mão esquerda da
arma e fez um movimento para sentir a carótida dele. Assim que seus dedos
tocassem a pele de George, ela saberia que ele estava vivo. Aquele toque seria
o momento certo para ele dar o bote.
- Vou fazer o que você quiser, Chloe - disse Hannah -, mas tenho outra
prioridade além de sair viva daqui.
- Mac?
- Claro.
- A minha também. E George.
- Não posso imaginar que ele ainda esteja vivo, Chloe. Por que eles
haveriam de querer mantê-lo com vida aqui?
- Não pense assim.
- Ora, vamos! Não somos mais crianças. O fato de não pensar assim não
vai mudar nada, caso já tenha acontecido.
- Só espero que eles acreditem que ainda podem extrair alguma coisa
dele.
- Tive pouco contato com ele, Chloe, mas vou lhe dizer uma coisa. Ele
parece o tipo do sujeito durão, e ninguém vai fazê-lo mudar de idéia. Aposto que
ele enganou toda aquela gente.
- Pare ali adiante.
- Você tem certeza de que isso vai dar certo?
- Certeza? Eu preciso ter certeza?
- Não devemos dar muito na vista.
- É por isso que você vai parar aqui e não na frente da porta, Hannah.
Quando eu me dirigir para a loja, você sairá do carro e permanecerá como se
estivesse vigiando gente xereta.
- Gente xereta?
- Isso mesmo, gente da CG ou Monitores de Moral bisbilhotando por aí.
- Xereta?
- Pensei que você conhecesse esse termo. Esqueci que você foi criada
numa reserva indígena.
- Bem, enfim, eu devo ficar prestando atenção para ver se aparece alguém
da CG ou algum MM. E o que faço se eles aparecerem?
- Eles não vão aparecer. Só querem saber quem estamos avisando para
eles poderem invadir o local.
- Há pelo menos 55% de chance de isso acontecer.
- Sessenta.
- Se for 40%, eles vão nos prender ou coisa pior.
- Você está portando uma Uzi. Vi o que você sabe fazer com uma
espingarda, e só posso imaginar o que faria com uma DEW.
- Vou lhe dizer uma coisa, Chloe. Se aparecer alguém, entro correndo no
carro, aperto a buzina e venho buscar você.
- Bem, espero que sim.
No exato momento em que sentiu o contato de pele com pele, George
Sebastian evocou todos os seus anos de treinamento militar, de futebol e de
levantamento de peso. Quando ergueu o corpo do chão, apoiando-se nas palmas
das mãos, os fortes músculos e tendões de suas pernas o atiraram de encontro a
Elena. Ela nunca mais mataria nenhum cristão.
Os quase 110 quilos de George atingiram-na tão depressa e com tal
violência que, quando ele passou os braços ao redor da cintura da moça, sentiu
o topo da cabeça afundando no estômago dela. Elena vomitou em cima de
George, bateu o rosto com toda a força nas costas dele e atingiu-o nos joelhos
com as botas.
Ele deu um salto de um metro e projetou-se uns três metros na direção do
saguão, levando consigo o corpo dela dobrado em dois. Quando ele caiu, seu
peito comprimiu as pernas de Elena, e a parte posterior da cabeça dela estatelou-
se no piso de mármore.
George levantou-se, arrancou a arma da mão dela e guardou o telefone e
o rádio nos bolsos. Em seguida, agarrou-a pela cintura e atirou o corpo sem vida
dentro do elevador. Depois de trancar as portas, ele deixou a chave em cima da
cadeira que ela usara para alcançar a fechadura.
George pegou o tapete da porta de entrada e cobriu o sangue que sobrou
no local em que a moça morreu. Usou as luvas para limpar o rastro de sangue
até o elevador. Quando estava prestes a dirigir-se à porta dos fundos para ver se
conseguia encontrar um carro e fazer uma ligação direta, ele ouviu barulho de
chaves na porta da frente. Ao olhar, viu um senhor idoso sorrindo e acenando
para ele.
O homem usava um uniforme de segurança do prédio, com a calça
destoando da camisa, e carregava duas vassouras. Assim que entrou, ele disse
alguma coisa em grego.
- Inglês? - perguntou George, ciente de que estava com o rosto afogueado,
parecendo um seqüestrado em fuga que acabara de matar seu captor.
- Eu querer saber se elevador ainda sem funcionar.
- Sim.
- Funcionar?
- Não.
- Não funcionar.
- Certo.
- O.k. E daí, inglês, como vai você?
- Bem. Até logo, senhor.
- Até logo.
Chloe preparou a Uzi, segurando-a com a mão direita, e abriu a porta com
a esquerda. Assim que parou o carro três quarteirões adiante, nas sombras de
uma viela, Hannah desceu e começou a andar de um lado para o outro.
Apesar de sentir-se tentada a olhar para trás ou de lado para ver se havia
soldados das Forças Pacificadoras por perto, Chloe manteve os olhos fixos na
vitrina da loja, onde pouco antes, naquele mesmo dia, ela assistira ao
bombardeio em Petra pela TV. O local estava escuro, mas nos fundos havia pelo
menos dois apartamentos com as luzes acesas.
Ela esmurrou a porta de vidro, com a mão fechada. Talvez os moradores
daquele local não dessem atenção a essas batidas, imaginando que fosse um
bêbado perambulando pela rua àquela hora da noite. Portanto, ela insistiu até
ouvir alguém gritar lá de dentro:
- Fechado!
Ela esmurrou a porta com mais força ainda. Finalmente, uma luz foi acesa
e um homem, de roupão e chinelos, com rosto marcado por rugas profundas,
aventurou-se a aparecer.
- O que é? Quem é você?
- CG! - ela disse em tom de segredo, mas para que qualquer um pudesse
ouvir. - Abra. Só por alguns instantes. Por favor.
Ele aproximou-se, resmungando, mas não abriu a porta.
- O que você quer?
- Tenho um recado urgente para o senhor, mas não posso dizer em voz
alta. Ele sacudiu a cabeça e abriu um pouco a porta.
- O que pode ser tão urgente?
- Quero avisar ao senhor que vai haver uma blitz na vizinhança esta noite.
- O quê? Uma blitz?
- Uma batida policial.
- O que eles estão procurando? - ele disse, apontando para o número 216
em sua testa.
- É por isso que estou aqui - ela disse. - O senhor é um cidadão leal, e
quisemos avisá-lo com antecedência para que não fique assustado.
- Mas você me assustou!
- Eu lhe peço desculpas. Boa-noite.
Ele bateu a porta e trancou-a, sem dizer nada, e Chloe dirigiu-se
apressada para o carro.
- Deu certo - ela disse.
- Você derreteu alguém?
Hannah assustou-se.
- O quê?
- Com aquela arma.
- É assim que você disfarça seu medo? Fazendo gracinhas?
- Talvez. Estou com o corpo todo adormecido.
- Não vi ninguém, Chloe. Não sei o que isso significa. Ou eles são
eficientes demais, ou nós somos paranóicas.
- Talvez as duas coisas. Nós poderíamos ficar rodando por aqui e ver se
aparece alguém da CG para bisbilhotar o esconderijo.
- Espero que você não esteja falando sério.
- Claro que não, mas você tem de admitir que seria engraçado.
Principalmente quando perguntarem àquele velho se ele foi avisado da invasão.
- Para onde vamos agora, Mulher Maravilha?
- Parece que estamos na corda bamba, Hannah. Não podemos ligar para
Mac, a não ser que a gente saiba que ele se encontre em algum lugar onde
possa falar. Chang vai nos dizer o que pode fazer e quando. Acho que devemos
procurar um lugar para ficar, sem que ninguém nos veja, e aguardar por Mac e
George.
- Você está sonhando.
Rayford estava prestes a acomodar-se na barraca que lhe fora destinada
em Petra. Ele imaginava que não conseguiria dormir depois da experiência pela
qual passara. Enquanto contemplava as estrelas, seu celular tocou. Ele virou de
lado e pegou-o na mochila. O número exibido no visor não lhe dizia nada.
Ao tentar imitar um sotaque do Oriente Médio, ele percebeu que não teve
sucesso.
- Aqui é Atef Naguib - ele disse.
- Ray?
- Por favor, quem é?
- Memorizei dois números - disse a voz. - O seu e o de Chang. Mas este
telefone aqui não é seguro, e eu não quero prejudicar Chang.
- Sebastian? - disse Rayford, sentando-se. - Eles o encontraram?
- Eles quem? Acabei de fugir do cativeiro. Existe alguma casa segura por
aqui? Algum local onde eu possa ficar até encontrar um meio de sair deste lugar?
Rayford ficou em pé, sem perceber. Explicou, resumidamente, a George
qual era a missão do grupo do Comando Tribulação na Grécia e como ele
poderia chegar à cooperativa de lá.
- Vou ligar para Chang e pedir que informe nosso pessoal que está na
Grécia.
DEZ
Deitado na grama úmida de orvalho, ao lado do jipe, Mac sentia uma
profunda gratidão, apesar de saber que nem ele nem seus amigos estavam fora
de perigo até aquele momento. Com o corpo superaquecido e arqueado,
aspirava o ar noturno, agradecendo a Deus, infinitas vezes, a força que Ele lhe
dera para correr até ali.
Ele mal conseguiu falar quando Chang lhe contou tudo o que acontecera,
mas entendeu rapidamente que, das quatro pessoas que estavam na Grécia,
Chloe e Hannah eram as que se encontravam, agora, em maior perigo. Elas
tinham sido seguidas, estavam dentro de um veículo da CG, em Ptolemaïs, e não
se atreveriam a chegar perto da cooperativa, nem mesmo a pé. Apesar de
estarem fortemente armadas, eram inexperientes. George Sebastian havia
passado de uma situação extremamente precária para uma temporariamente
mais segura, se é que conseguira encontrar a cooperativa.
Sentindo o corpo todo dolorido, Mac sentou-se e encostou no veículo.
Apesar de ter almejado essa operação, houve momentos em que se sentiu
apavorado. Sua intenção sempre foi a de libertar George, mas as circunstâncias
não foram nada favoráveis. No início da operação, ele ficou animado ao ver
como parecia fácil ludibriar o pessoal da Grécia. Logo depois, a situação
complicou-se, chegando a ficar desesperadora. Agora, apesar da pouca ajuda de
Mac, todo aquele trabalho, que envolveu tantas aventuras, voltou a ter um único
objetivo. Mac tinha uma tarefa: reunir-se com os outros três e fugir dali.
Chang estava inconsolável por não ter descoberto a conexão entre Akbar
e Stefanich antes do início da operação. Mac tentou confortá-lo, dizendo que a
hierarquia da Comunidade Global era tão recente e tão diversificada que
ninguém poderia supor que aqueles dois se conhecessem. Chang havia se
redimido por ter violado a segurança e todos aqueles códigos ostensivamente
indecifráveis.
Agora, ele e Mac sabiam mais sobre Stefanich e sobre os planos dos
seqüestradores do que os próprios idealizadores. Por exemplo, Mac sabia que
Sebastian havia fugido. Do grupo da CG - Stefanich, Aristóteles, Platão, Sócrates
e Elena -, a única pessoa que tinha conhecimento disso estava morta.
Por meio de um exame rápido, porém minucioso, das conversas entre
Akbar e Stefanich, Chang descobriu que eles haviam montado um esquema para
atrair Mac, Chloe e Hannah para o interior da mata. Lá, eles os obrigariam a
seguir até um lugar onde os três ficariam em desvantagem numérica perante o
contingente da CG, sendo que a maioria desse pessoal não fazia idéia do que
estava se passando. Mesmo que a situação se revertesse e que Mac e seu
grupo tivessem sido capazes de dominar os homens das Forças Pacificadoras,
poucos teriam informações suficientes para revelar o segredo do plano articulado
para enganá-los.
A CG esperava que o pessoal de Mac a levasse até o esconderijo dos
judaístas e que eles finalmente fossem presos ali. Johnson, Sebastian, Jinnah e
Irene seriam conduzidos à sede local da CG e enviados para Nova Babilônia
como troféus de Stefanich, o mais recente morador do palácio e membro da
equipe de Akbar.
- Stefanich está louco para pegar você - Chang dissera a Mac. - Eles
ficaram preocupados quando não conseguiram falar com Elena, mas, assim que
restabeleceram o contato, foram informados de que tudo está em ordem na sede.
- O que você acha disso, Chang?
- Não estou preocupado. Sebastian confirmou a morte de Elena e está
com o telefone dela. Quem pode saber como ele ludibriou aquela gente? Eu
confio plenamente nele. Minha preocupação é com Chloe e com Hannah. Os
Monitores de Moral perderam as duas de vista logo depois que elas os levaram a
um local que eles imaginaram ser a cooperativa. Eles só vão perceber seu erro
no momento da invasão. Mas Stefanich mandou tanta gente para o meio do mato
capturar vocês três que a sede de Ptolemaïs ficou desfalcada. A situação mudou
completamente. O pessoal está retornando para lá.
Enquanto fazia uma ligação direta no jipe, Mac deu-se conta de que
poderia ligar para Chloe e Hannah, mas não teria condições de entrar em contato
com o pessoal da cooperativa nem com Sebastian, a não ser pessoalmente. Mac
tinha uma idéia de como eles todos poderiam fugir, mas, por enquanto, as duas
mulheres precisavam ser protegidas.
- Que situação bizarra! - disse Chloe. - Devíamos estar muito perto de
George quando ele saiu pela porta dos fundos da sede da CG. Poderíamos tê-lo
levado à cooperativa.
- E complicar a vida de todo mundo.
- Bem, é mesmo, mas é o que eu penso. Temos de abandonar este carro e
chegar a um lugar onde Mac possa nos encontrar.
- Quanto mais cedo, melhor - disse Hannah. - Não avistei ninguém nestes
últimos minutos. Vamos fazer isso agora.
- Vamos, pelo menos, rodar até a periferia da cidade.
- É muito arriscado.
- Menos arriscado do que estacionar na cidade e andar a pé pelas ruas.
Mac detestava a idéia de ter de caminhar alguns quarteirões, mas não
podia arriscar-se a estacionar perto da cooperativa. Ele deixou o jipe a cerca de
um quilômetro e meio ao norte e seguiu a pé. O problema era entrar sem ser
alvejado, porque o pessoal da cooperativa estava de olho na CG.
Ele pensou em entrar na taberna como se fosse um cliente habitual, mas
Sócrates já devia ter feito uma descrição dele à chefia, e a cidade inteira o estava
vigiando. Ele ainda usava a farda de camuflagem e portava uma Uzi - um
habitante comum de Ptolemaïs não sairia vestido daquela maneira à noite para
tomar alguns tragos.
Mac lembrou-se do que Chloe e Hannah lhe contaram a respeito do lugar
e caminhou o tempo todo nas sombras. Depois de contornar o local, esgueirouse
pela porta dos fundos e entrou no minúsculo banheiro. A taberna estava
lotada e barulhenta, o que lhe dava uma vantagem. Ele trancou a porta, tentou
controlar a respiração e limpou a graxa do rosto. Pelo espelho sujo, notou que
seu rosto não ficou totalmente limpo e assustou-se ao ver marcas profundas de
cansaço ao redor dos olhos. Faz algum tempo que escureceu, ele pensou, e
estamos apenas começando:
Mac estudou o sistema de encanamento. Os canos atravessavam o piso e,
provavelmente, desciam até um metro ou pouco mais do local em que George e
os outros crentes estavam reunidos no fundo da lavanderia. Ele sentou-se no
chão e usou o pente da Uzi para bater no cano em forma de código Morse.
"Procurando amigo de S.D."
Ele repetiu a mensagem mais duas vezes.
Finalmente, alguém respondeu. Mac não tinha nenhum papel para
escrever, e teve de lembrar-se de cada letra que ouviu: "Necessito
comprovação."
Mac respondeu: "Maravilhosa Graça."
A resposta: "Mais."
Ele bateu: "Vamos para casa."
A resposta: "Anjo favorito?"
Essa era fácil. E só um compatriota saberia. "Miguel."
"Seja bem-vindo. Rápido."
Mac apagou a luz antes de abrir a porta. Ao ver que não atraíra olhares
curiosos, ele desceu correndo a escada. Assim que ouviu um "Psiu" vindo do
cômodo dos fundos, atravessou a cortina e viu os canos de duas Uzis sob a fraca
iluminação.
Um jovem, de cabelos escuros, parecia pronto para atirar.
- Deixe-me ver suas mãos - ele disse.
Mac levantou as mãos deixando a Uzi - carregada com munição daquele
próprio cômodo - pendurada no braço.
- É ele? - perguntou o jovem.
- Deve ser - respondeu George.
- Se não sou - disse Mac -, como eu poderia saber que seu nome é
Costas?
Foi, então, que ele entendeu qual era o motivo da dúvida de George e tirou
os óculos.
- Eu fingi estar trabalhando para Carpathia, homem! - ele disse. - Minhas
sardas foram disfarçadas e mudei a cor dos cabelos.
- É ele! - disse George, aproximando-se de Mac para abraçá-lo.
Várias outras pessoas - a maioria homens, de todas as idades e armados -
, escondidas sob pilhas de roupas, apareceram. Havia apenas três mulheres ali -
uma de meia-idade, uma idosa e uma com pouco menos de 20 anos. A primeira
apresentou-se como Sra. R, a mãe de Costas. A mais velha disse:
- Meu marido é primo de K.
Um homem franzino e magro, que parecia estar beirando os 80 anos,
disse:
- O marido dela sou eu. George apontou para a moça.
- O telefone de Elena tocou, não faz muito tempo, e esta jovem aqui
atendeu. Apesar de a ligação estar péssima e da estática, ela confirmou ao
bando de Elena que eu continuava trancado a sete chaves.
- Prazer em conhecê-lo - disse a moça imitando alguns ruídos de estática,
o que provocou risos no pessoal.
- Excelente trabalho - disse Mac. – Mas, irmãos e irmãs, não temos tempo
a perder. Existe uma verdadeira caçada humana atrás de mim, e não vai
demorar muito tempo para eles descobrirem que Elena está morta e que o
prisioneiro fugiu. Tenho duas companheiras que estão a pé. Primo de K, o seu
sobrenome também é Kronos?
-Sim.
- Foi o senhor que emprestou seu caminhão para a causa?
Ele fez um movimento afirmativo com a cabeça, de modo solene.
- Esse caminhão está disponível?
- A dois quarteirões daqui.
- Quero comprá-lo. - Mac tirou um volumoso maço de nicks do bolso da
calça, abaixo do joelho.
- Não, não, não é necessário.
- É, sim, porque no fim da noite esse caminhão ficará conhecido da CG e o
senhor não poderá vê-lo novamente.
- Eu não preciso de dinheiro.
- E a cooperativa? E o pessoal do esconderijo?
- Sim - disse a Sra. Pappas dando um passo à frente para pegar o
dinheiro.
- Como é o caminhão? Tem tração nas quatro rodas?
- Sim. Mas não é novo nem rápido. Câmbio manual de cinco marchas,
muito pesado e bem possante.
- Assim que eu conseguir falar com as outras duas companheiras, George
e eu vamos pegar o caminhão para buscá-las. A CG acha que vamos seguir
direto para o aeroporto de Ptolemaïs, mas seria um ato suicida. Temos um avião
numa pista abandonada, a uns 130 quilômetros a oeste daqui. Se pudermos
seguir naquela direção sem chamar a atenção de ninguém, será lá que o senhor
vai encontrar seu caminhão amanhã. Se deixarmos rastro, finja que nunca viu
aquele caminhão.
- Eu quero ir junto - disse Costas.
- Não, sinto muito. Não há meios de você nos ajudar a fugir, a menos que
queira nos acompanhar até a América.
- Mas eu...
- Vamos aceitar toda a munição que você puder nos fornecer. E eu diria
que, se partirmos agora, nossas chances são de apenas 50%. Concorda,
George?
- Não. Acho otimista demais. Mas concordo que não temos outra opção e
precisamos partir já.
A Sra. P. levantou a mão.
- Não há nada errado em orar enquanto alguém trabalha. Alguém coloca
munição extra numa sacola enquanto eu oro,
- Nosso Deus, nós te agradecemos a vida de nossos irmãos e irmãs em
Cristo e te pedimos que coloques um círculo resistente como aço ao redor deles
para protegê-los. Que eles façam uma boa viagem, nós te suplicamos, em nome
de Jesus. Amém.
George pegou a sacola e as chaves do caminhão, enquanto Mac,
encolhido em um canto, tentava falar com Hannah e Chloe pelo walkie-talkie.
Chloe estava conversando com Chang pelo telefone quando ouviu Hannah
receber uma mensagem de Mac, via rádio, e informar a localização delas: fora da
estrada, atrás de um arbusto, ao norte da cidade.
- Isto é urgente - Chang estava dizendo. - Não tenho tempo de ligar para
cada um de vocês, portanto prestem atenção. Todos os Monitores de Moral e
todos os homens das Forças Pacificadoras da CG estão em alerta máximo. Eles
saíram da mata e estão começando a vasculhar a cidade inteira. Estou falando
de centenas de pessoas e de todos os veículos em operação.
- Eles encontraram o corpo de Elena - prosseguiu Chang -, sabem que
alguém atendeu o telefone dela e estão rastreando aquele aparelho pelo GPS.
Se George estiver de posse do telefone, eles saberão onde ele está. Se
abandoná-lo, vai ter de ser bem longe da cooperativa.
- O aeroporto está fervilhando de gente da CG. O Rooster Tail está na
pista e pronto para decolar, mas não tem combustível. Se vocês puderem voltar
para pegar o avião de Mac, o melhor que posso fazer é tentar falar com o piloto
amigo de Abdullah e pedir que ele vá para Larnaca, em Chipre, amanhã.
- Obrigada, Chang - disse Chloe. - Hannah está me contando que Mac e
George estão a caminho. Esqueça Larnaca. Nunca vamos conseguir chegar lá.
Parece que o cerco está se fechando à nossa volta. Diga a todos que os
amamos e que estamos fazendo o melhor que podemos para voltar para casa.
Mac estava dirigindo o caminhão rumo ao norte, com George sentado a
seu lado, quando recebeu a ligação de Chloe contando sobre o telefone de
Elena.
- Isso é fácil - ele disse parando no meio da estrada. George, coloque o
telefone de Elena debaixo da roda da frente.
O caminhão esmagou o telefone.
Enquanto eles seguiam na direção norte, Mac avistou um mar de luzes
azuis piscando a distância.
- Estamos fritos - ele disse.
- Eles não estão procurando este caminhão - disse George. - Não faça
nada suspeito.
- Como, por exemplo, pegar duas mulheres armadas?
- Siga em frente. As duas vão ver a CG e saberão que teremos de voltar
mais tarde.
- Quando vamos ter tempo de fazer isso?
- O que você vai fazer, Mac?
- Eles estão bloqueando a estrada. Ponha as armas e a munição debaixo
dos bancos e coloque o boné. A sua descrição é mais conhecida aqui do que a
minha. Você não vai poder esconder muita coisa, mas pode esconder o cabelo
loiro.
Deitadas de braços, Chloe e Hannah observavam a longa fila de carros da
CG, com as luzes piscando.
- Lá está o caminhão - disse Hannah.
- Há muitas viaturas da CG rodando por ali. Acho que eles não precisavam
de tantas para bloquear a estrada.
Duas viaturas da CG pararam de cada lado da estrada, e um homem das
Forças Pacificadoras levantou a mão para impedir a passagem do caminhão
acenando para o restante das viaturas.
- Hannah, se você estiver me ouvindo, dê um clique.
Chloe olhou para ela.
- É o George?
Hannah assentiu com a cabeça e deu um clique no walkie-talkie.
- Muito bem, peguei o rádio de Mac aqui no banco. Vou ficar olhando para
a frente fingindo que não estou falando, portanto vai ser difícil você me ouvir.
Preste muita atenção. Se tiver uma DEW aí e puder ligá-la, dê um clique.
Hannah ligou a arma e deu outro clique.
- Esses caras vão nos revistar. Vou deixar o rádio aberto. Se vocês
acharem que eles estão se aproximando demais, destruam os dois. Entendido?
Clique.
- Eles estão vindo. Preparem-se. Se algum deles se aproximar muito de
mim, ficando do meu lado, cuidado com a pontaria!
Clique.
Chang estava exausto e gostaria de encerrar o expediente como todos
fizeram no palácio, com exceção de Suhail Akbar e o incansável Carpathia, que
não necessitava mais de sono. No entanto, Chang não conseguiria dormir
enquanto Mac, Chloe, Hannah e George não estivessem seguros, dentro do
avião, voando de volta para casa. Ele continuou diante do computador, pronto
para colaborar. Nesse meio tempo, ligou a escuta clandestina no escritório de
Carpathia.
- Eu preciso acompanhar de perto o que está acontecendo na Grécia -
Akbar estava dizendo. - Volto a falar com o senhor assim que puder.
- Esse assunto não pode ser resolvido daqui, Akbar? As noites são muito
longas, e há muitas informações que necessitamos saber das regiões onde o dia
já amanheceu.
- Perdoe-me, potentado, mas tivemos uma falha grave na segurança.
Estou me comunicando com Ptolemaïs por meio de telefonemas e e-mails
seguros. A situação está prestes a ser resolvida, e voltarei a falar com o senhor o
mais rápido possível.
- E temos condições de saber como anda o trabalho dos Monitores de
Moral na Região -6 e na Região 0?
- Claro.
- Deveria haver transmissões em áudio e em vídeo para que eu pudesse
ver os últimos renitentes recebendo a marca de lealdade, adorando minha
imagem três vezes por dia ou sofrendo as conseqüências. Eles estão sofrendo,
não?
- Claro que estão, Excelência. O senhor e eu temos recebido notícias
atualizadas a respeito disso.
- E os judeus? Existem muitos judeus nessas duas regiões que devem
estar apreciando o brilho do sol neste momento, mas eles não sabem que é pela
última vez. Estou certo?
- O senhor está sempre certo, Excelência. No entanto, poucas pessoas
estão apreciando a beleza da natureza, em razão da condição em que os mares
se encontram. Não sei como o planeta poderá sobreviver a uma tragédia de tais
proporções.
- Isso é obra dos judaístas, Suhail! Essa gente acha que os judeus são o
povo escolhido de Deus e diz isso a eles. Bem, agora eles são meus escolhidos.
E o que reservei para esse povo deixará um gosto amargo na boca deles. Eu
quero saber de tudo, Suhail. Quero ver se meus editos estão sendo postos em
prática.
- Vou providenciar, meu senhor. Quando voltarmos a conversar, alguém já
terá conectado o monitor com as emissoras de noticiários daquelas regiões, de
modo que o senhor possa receber todas as informações que desejar.
- E esse caso de falha na segurança, Suhail? Partiu daqui, de dentro do
palácio?
- Tudo nos leva a crer que sim, senhor. Se toda essa trama, todas essas
informações falsas foram plantadas em nosso principal banco de dados, de um
lugar distante, estamos muito mais vulneráveis do que imaginamos. Por pior que
seja, temos quase certeza de que está partindo daqui de dentro, e não vamos
demorar muito para descobrir.
- Você se lembra, Suhail, de minhas ordens quanto ao tipo de tratamento
que deveria ser dado aos judeus e, principalmente, aos judaístas? Pois esse
seria um castigo muito suave para alguém que ousou enganar-me dessa maneira
aqui, debaixo de meu teto.
- Eu entendo, senhor.
- O responsável deve ser morto diante dos olhos do mundo.
- Claro.
- Suhail, não fizemos uma operação pente-fino em todo o pessoal daqui?
- Fizemos.
- E existe algum funcionário da Comunidade Global, aqui ou em qualquer
outro lugar do mundo, que ainda não recebeu a marca?
- Menos de um milésimo de 1 %, Excelência. Provavelmente menos de
dez. Todos eles são cidadãos leais e apresentaram motivos válidos. Pelo que
sabemos, têm planos de corrigir a situação imediatamente.
- Eles não deveriam ser os principais suspeitos?
- Estão sob vigilância cerrada, senhor. E não existe nenhum funcionário
dentro do palácio, nem em Nova Babilônia, sem a marca.
Depois que Suhail conseguiu, finalmente, desculpar-se e retornar à
situação em Ptolemaïs, Chang continuou a ouvir o que se passava no escritório
de Carpathia. Nicolae estava resmungando alguma coisa, mas Chang não conseguia
entender. De vez em quando, ele ouvia uma batida forte, como se
Carpathia estivesse esmurrando uma mesa ou uma escrivaninha. Finalmente, ele
ouviu uma seqüência de ruídos, como se Carpathia tivesse chutado o cesto de
lixo, derrubando todo o conteúdo no chão.
Após alguns instantes, Chang ouviu uma batida leve na porta.
- Entre! - gritou Carpathia.
- Ah, com licença, potentado, senhor. Vou ligar seu monitor às emissoras
dos Estados Unidos Norte-americanos e dos Estados Unidos Sul-americanos.
Carpathia não lhe deu atenção. Quando o homem estava de saída, ele
disse:
- Limpe esta bagunça aqui.
Mac decidiu tomar a iniciativa com o soldado das Forças Pacificadoras da
CG encarregado do bloqueio da estrada, em vez de esperar que ele lhe pedisse
os documentos. George estava sentado, com o corpo relaxado, no banco do
passageiro.
- Puxa, o que está havendo aqui esta noite, chefe? Não vejo um
contingente tão grande nas ruas desde que comecei a trabalhar na manutenção
das estradas. Todos esses homens trabalham duro em nossas zonas de
construção, e você está cumprindo seu dever. O que está procurando? Posso
ajudar em alguma coisa?
- Assunto confidencial. Caçando alguém de alto nível. O dia foi longo para
vocês, não?
- O que está havendo? Nós não costumamos passar por aqui tão tarde
assim. Tivemos de pegar o caminho mais longo do aeroporto até aqui. Aquele
trecho também está sendo vigiado? O cerco está grande lá. Passamos pelo bloqueio
de lá. Eles nos deram permissão para passar, apesar de estarmos sem
documentos, porque tivemos de trabalhar até tarde transportando asfalto, essas
coisas. Estamos voltando para o depósito.
- Isso não é desculpa para andar sem documentos. Todos devem portar
documentos. Sempre.
- Nós sabemos, e estamos muito aborrecidos por isso. Mas vamos pegálos
no depósito antes de voltar para casa.
- Permitiram que vocês passassem pela estrada do aeroporto?
- Permitiram, sim. Os caras foram legais. Bem, nós não pertencemos às
Forças Pacificadoras, mas todos trabalhamos para o bem-estar do povo, certo?
- Isso é contra o regulamento.
- É verdade. Eu pensei a mesma coisa e fiquei muito feliz, porque eles não
agiram como esses sujeitos durões que tratam mal operários como nós.
- Bem, eu também não quero atrapalhar a vida de vocês, portanto vou
facilitar as coisas. Vocês me mostram a marca de lealdade e podem ir embora.
Chloe achou que Mac tinha quase resolvido a situação com aquela
conversa. Mas, se ele não representava nenhuma ameaça, não haveria motivos
para mostrar a marca.
- Não hesite, Hannah - disse Chloe.
- Eu gostaria que o outro sujeito saísse do carro. Elas ouviram o diálogo
pelo walkie-talkie:
- Você quer ver as nossas marcas?
- Sim. Na mão ou na testa?
- A minha está aqui na testa, debaixo do quepe. A do meu companheiro
está... hã... onde mesmo, cara?
- Na mão - disse George.
- Quero ver - disse o soldado.
- E a sua, onde está? - perguntou Mac. - Você também tem a imagem do
potentado?
- Não. Só o número. Como militar, não sou obrigado. Chloe olhou para
Hannah e, depois, para o caminhão.
Mac estava desatando o cinto lentamente e tirando o quepe. Ele inclinouse
para a frente.
- Não estou vendo nada.
- O quê? Olhe direito!
Pelo walkie-talkie, elas ouviram George resmungar:
- Este seria o momento perfeito.
O soldado deu meia-volta, bateu com as costas na cabina do caminhão e
caiu no chão, gritando. Quando ele começou a levantar-se, Mac disse:
- Diga aí, companheiro. O que aconteceu?
- Não sei... acho que foram formigas-lava-pés ou coisa parecida.
Agora o soldado estava em pé coçando as costas com força. Ele fez um
gesto para o oficial na outra viatura da CG, que desceu rapidamente.
- Qual é o problema?
- Uma dor nas costas, como se eu tivesse encostado num cano quente.
Acho que está levantando bolhas.
Ele inclinou-se na direção de Mac, mas, no mesmo instante, com a mão na
parte de trás da perna, caiu no chão Contorcendo-se de dor. O oficial sacou a
arma.
- O que vocês estão fazendo? - ele perguntou.
- Não estamos fazendo nada! - respondeu Mac. - Qual é o problema dele?
A luz interna do caminhão foi acesa. George desceu e caminhou até a
frente do caminhão, com as mãos erguidas. O walkie-talkie devia estar dentro de
seu bolso, porque Chloe ainda conseguia ouvir sua voz pelo rádio de Hannah.
- Posso ajudar em alguma coisa? - ele perguntou.
- Fique onde está - disse o oficial pouco antes de desabar na estrada,
deixando cair a arma e tentando cobrir o rosto.
Mac saltou do caminhão para ajudar George.
- Arranque os rádios das viaturas deles. Vou pegar esses dois, com farda e
tudo.
Agora, os homens estavam delirando, com os olhos vítreos e gemendo.
- Senhoras - George disse pelo rádio -, venham nos ajudar com estas
viaturas.
Mac desarmou os homens da CG e atirou suas armas na carroceria do
caminhão. Pegou os rádios e colocou-os no banco da frente.
- Assim que você desligar os fios nas viaturas - ele disse a George -, abra
os porta-malas.
Chloe e Hannah vieram correndo.
- Chloe - disse Mac -, vocês duas vão nos escoltar. Assim que eu colocar
este cara no porta-malas da viatura, vou encostar o caminhão atrás de você.
Hannah, você se posiciona atrás de mim assim que colocarmos o outro sujeito no
porta-malas da outra viatura.
Os homens da CG estavam gemendo.
- Quietinhos, rapazes - disse Mac. - Vocês vão sofrer um pouco, mas não
vão morrer, a não ser que nos obriguem a atirar em vocês. Vamos dar um
pequeno passeio.
Depois de esconder os homens da CG nos porta-malas das viaturas, Mac
manobrou cuidadosamente o caminhão e pediu a George que entregasse às
mulheres a munição extra colocada na sacola pelo pessoal da cooperativa. Com
o caminhão e as duas viaturas da CG voltados para o oeste, eles ouviram um
dos rádios da CG sendo acionado.
- Bloqueio da estrada norte; confirme, por favor.
- Bloqueio da estrada norte - disse Mac sem apertar completamente o
botão de transmissão.
- Repita!
- Aqui bloqueio da estrada norte - ele disse tomando o cuidado de ser
ouvido, mas não perfeitamente.
- Posição?
- Em atividade.
- Continue.
George entrou no caminhão. Enquanto Chloe rodava seguida por Mac,
George disse:
- Veja só o que tem aqui dentro. Não sei dizer por que, mas gostei muito
daquela senhora. - A Sra. P. havia mandado alguém colocar pão, queijo e frutas
na sacola, no meio das munições. - Chloe e Hannah já pegaram quase tudo. E
eu vou comer o resto, se você não pegar logo sua parte.
Mac serviu-se de uma parte do lanche, enquanto o comboio inusitado
rodava na escuridão, na direção oeste, começando a viagem de volta para casa.
Quanto tempo conseguiriam enganar a CG era um mistério. Por ora, Mac
saboreava a comida e a situação de vantagem do momento.
ONZE
As notícias transmitidas por Mac permitiram que Chang respirasse mais
aliviado pela primeira vez depois de horas. Ele voltou a ligar a escuta clandestina
no escritório de Carpathia, onde Akbar relatava os últimos acontecimentos ao
chefão.
- Tivemos um contratempo, mas não é possível que esse bando tenha sido
capaz...
- Um contratempo?
- Resumindo a história, senhor, o prisioneiro matou um dos nossos... uma
mulher, para ser mais exato... e fugiu. Achamos que ele está fugindo com os três
que...
- Ele matou um dos captores?
- Sim, Excelência. Achamos que...
- Esse é o tipo de homem durão. Por que ele não está do nosso lado?
- Achamos, senhor, que ele se encontrou com os três que foram resgatá-lo
e esperamos que eles cometam a tolice de tentar voltar ao aeroporto. A vigilância
lá está cerrada.
- Sim, bem... - Carpathia parecia distraído, como se o resto da história não
lhe interessasse. - Suhail, será que conseguimos abafar o fiasco de hoje?
- Ainda é cedo para dizer, senhor.
- Ora, vamos. Sei que você não é daqueles que tentam poupar-me de más
notícias. Eles escutaram o relatório do piloto e me ouviram dizer que ele cometeu
um erro, que as bombas atingiram o alvo. Bem, o que o povo anda dizendo?
- Sinceramente, não sei, Excelência. Passei o dia inteiro entre o seu
escritório e o meu, tentando resolver esse problema na Grécia.
- Vou lhe dizer uma coisa, Suhail: o videodisco do avião mostra claramente
o alvo sendo atingido e aqueles traidores ardendo em chamas! Seja qual for a
mágica que fez aquele povo sobreviver, não pode surtir efeito fora daquela área.
- Com todo o respeito que lhe devo, senhor, não faz muito tempo que
perdemos tropas terrestres do lado de fora...
- Eu sei disso, Suhail! Você acha que não tomei conhecimento?
- Peço-lhe desculpas, potentado.
- Precisamos descobrir um lugar seguro próximo àquela área, onde nossas
armas de guerra não sejam engolidas pela terra. Desse lugar, poderemos
controlar tudo o que entra e sai de lá. Eles vão necessitar de mantimentos, e
vamos impedir que recebam.
- Nossas forças armadas estão muito reduzidas, senhor...
- Você está me dizendo que não temos pilotos nem aviões que possam
impedir a entrada de mantimentos em Petra?
- Não é bem isso, senhor. Estou certo de que temos. Ah, mudando de
assunto, senhor, nossos especialistas em textos antigos dizem que a próxima
praga vai fazer com que os lagos e rios do mundo tenham o mesmo destino dos
mares.
- Todas as fontes de água doce serão transformadas em sangue?
- Sim, senhor.
- Impossível! Todo mundo vai morrer! Até nossos inimigos.
- Há os que acreditam que os judaístas não sofrerão nada, da mesma
forma que foram protegidos contra nossos exércitos recentemente.
- Onde eles vão conseguir água?
- No mesmo lugar em que receberam proteção. Talvez fosse prudente
negociar com o líder deles para que as pragas sejam suspensas.
- Nunca!
- Não quero contrariá-lo, senhor, mas não podemos conviver muito tempo
com essa devastação. E se os rios e os lagos também se transformarem...
- Você não está a par de tudo, Suhail. Eu também tenho poder
sobrenatural.
- Eu já vi, senhor.
- E vai ver mais. O reverendo Fortunato está preparado para usar os
mesmos artifícios para revidar essa magia dos judaístas, e ele tem gente
especializada para fazer isso no mundo inteiro.
- Bem, aquele...
- Agora me mostre o que eu quero ver, Suhail.
- Bloqueio da estrada norte, aqui é a Central.
- Bloqueio da estrada norte - disse Mac. - Prossiga, Central.
- Destino do caminhão suspeito?
- Repita?
- Uma de nossas viaturas informou que, assim que ela passou, você
deteve um caminhão.
- Positivo. Caminhão em ordem.
- Seguindo de oeste para leste?
- Positivo.
- Rastreamos um celular no lado oeste da cidade e, depois, no lado leste,
mas o aparelho desapareceu da tela.
Mac olhou para George.
- O que será que eles querem que eu diga?
- Não sabemos nada sobre isso - disse George.
Mac voltou a falar.
- Não podemos ajudá-lo daqui.
- Caminhão seguiu para leste?
- Positivo.
- Você informou tráfego intenso.
- Positivo.
- Congestionado?
- Positivo.
- Os homens nas viaturas não viram mais nada quando passaram, a não
ser o caminhão.
- Congestionado agora.
- Qual é a sua posição?
Mac olhou para George novamente.
- Eles estão atrás de nós.
George pegou as armas de debaixo do banco e tirou o walkie-talkie do
bolso.
- Atenção, Jinnah e Irene - ele disse. - Em breve vamos ter companhia.
. Mac clicou o botão do rádio da CG algumas vezes.
- Repita - ele disse.
- Qual é sua posição? Sua localização?
O sangue de Chang gelou nas veias. Nos últimos minutos, ele chegou a
cochilar ouvindo o diálogo entre Carpathia e Akbar, enquanto eles assistiam aos
noticiários dos Estados unidos Norte-americanos e dos Estados Unidos Sulamericanos.
Em conseqüência disso, deixou de acompanhar os acontecimentos
mais recentes da operação em Ptolemaïs.
A CG de lá havia rastreado o celular de Elena até o lado neste da cidade,
e o aparelho continuou no mesmo lugar por mais de uma hora. O comandante
Nelson Stefanich e os sobreviventes do grupo de filósofos estavam comandando
pessoalmente a invasão de uma taberna naquela área.
Chang ligou para Mac.
- Fale rápido, Chang. Estamos num beco sem saída.
- A que distância vocês estão do oeste da cidade?
- Não sei ao certo. Estou pisando fundo no acelerador deste ferro-velho,
mas ele não passa dos 80. Estão atrás de nós?
- Vocês estão muito longe da cooperativa? Não dá para ajudar o pessoal
de lá?
- Depende. O que está havendo?
- A CG está invadindo a taberna neste momento. Você sabe que o próximo
lugar vai ser a cooperativa.
- Alguma chance de nossos companheiros saírem de lá?
- Acho que não. Não consegui avisá-los.
- Pelos meus cálculos, estamos a menos de 30 minutos de nosso avião.
Podemos voltar, se você achar que é necessário.
- Aguarde um instante. Está chegando um relatório. Esconderijo dos
judaístas descoberto embaixo da taberna.
Houve tiroteio. Dezesseis homens da CG mortos e uma dúzia de feridos.
Local destruído por granada e incendiado. Vários prédios vizinhos destruídos.
Não há inimigos sobreviventes.
Enquanto Mac inteirava George da situação, a CG continuava tentando
falar com ele pelo rádio pedindo algum tipo de código.
- Bloqueamos as duas extremidades da estrada norte por causa da
invasão, portanto não se desviem do caminho - eles disseram. - Ainda não
recebemos seu código de identificação.
George estava arrasado e tentou pegar o rádio da CG da mão de Mac.
- Vou fornecer um código a eles.
- Tenha calma, amigo.
- A culpa foi minha, Mac! Onde eu estava com a cabeça quando fiquei
andando por aí com aquele celular?
- Eu gostaria de ter conseguido voltar - disse Mac. - Gostaria de ter tirado
alguns deles de lá. Mas nossos irmãos e irmãs estão no céu, e parece que eles
lutaram um bocado antes.
- Então, é isso? - disse George. - Você acha que devo ficar tranqüilo
depois de ter sido culpado da morte de um grupo de pessoas que agora estão no
céu?
- Necessito do código de identificação imediatamente - disse a voz pelo
rádio.
- Eu devia recitar o Salmo 94.1 para eles - disse Mac.
- Eu sei muito bem o que gostaria de dizer a eles. Peça às mulheres que
parem e que perguntem aos dois caras da CG qual é o código.
- É provável que eles revelem o local onde estamos.
- Não, se tiverem uma DEW apontada para eles. Deixe-me fazer isso, Mac.
Por favor. Eu preciso.
- Chloe, pare no acostamento - disse Mac.
- Agora?
- Agora.
- Está tudo bem?
- Por enquanto.
O telefone de Mac vibrou. Era Chang.
- Stefanich, Platão e um pelotão da CG estão à procura do caminhão e de
duas viaturas. Estão seguindo na direção oeste.
- Precisamos agir rápido - disse Mac saltando do caminhão, enquanto
Chloe descia da viatura e Hannah estacionava atrás.
- Abra o porta-malas, Chloe - disse George. - Hannah, dê-me a DEW.
Chloe abriu o porta-malas, e Mac focalizou a lanterna no rosto abatido do
soldado da CG. George arrancou-o do porta-malas com uma das mãos, e o
homem ficou deitado no chão, gemendo.
- Ai minhas bolhas - ele disse, chorando. - Tome cuidado, por favor. Ou me
mate.
- Você bem que gostaria que eu o matasse, não? - disse George,
empunhando a DEW. - Está vendo isto aqui?
O homem abriu um olho e assentiu com a cabeça, com ar desolado.
- É o que está cozinhando sua carne, e pode cozinhar muito mais ainda.
- Não, por favor.
George ligou a arma, e ela zumbiu, pronta para ser acionada.
- Por favor!
Ele mirou o tornozelo do soldado, e o homem enrijeceu o corpo,
choramingando.
- Quero saber qual é o seu código.
- O quê?
- Você ouviu. Quero saber qual é o seu código ou...
- Está no porta-luvas! No meu manual!
Chloe foi até lá e trouxe uma pasta de couro, preta e pequena, com folhas
presas por argolas.
- Está cheia de anotações - ela disse.
George pegou a pasta e jogou-a em cima do homem.
- Precisamos ir embora - disse Mac. - De qualquer forma, eles não vão
acreditar no código que fornecermos. Estão vindo atrás de nós.
- Esses caras são pesos mortos - disse George. - Se forem deixados aqui
na estrada, poderão servir para retardar os outros.
O homem folheava as páginas rapidamente segurando a pasta diante do
farol do caminhão.
- É um-um-seis-quatro-oito! - ele disse.
George o arrastou pela estrada, enquanto Mac tirava o outro da outra
viatura. Os homens contorciam-se de dor.
- É melhor vocês nos matarem - implorou o segundo.
- Você não sabe o que está pedindo - disse George.
- Mas, do jeito que as coisas estão ruins, com certeza a morte seria melhor
para você.
- Vamos deixar uma das viaturas aqui - disse Mac.
- Bloqueiem a estrada com ela e com o caminhão. Não vai demorar muito
para que a CG encontre os dois veículos, mas qualquer empecilho no caminho
será vantajoso para nós.
Chloe manobrou a viatura de frente para o caminhão; ambos ficaram
atravessados na estrada. Em seguida, Mac e George tiraram a tampa do
distribuidor dos dois veículos e pegaram as chaves.
- Última chamada para fornecer o código - soou a voz pelo rádio.
Mac gritou o código no microfone. Em seguida, disse:
- Chloe, você dirige. E pise fundo no acelerador. A espingarda fica comigo.
Acho que eles não vão nos pegar já, mas devemos estar armados e preparados.
George colocou a DEW no porta-malas e sentou-se no banco traseiro, ao lado de
Hannah. A viatura era pequena demais para os quatro e parecia gemer com o
peso, mas Chloe acelerou com força e, em breve, eles estavam rodando a mais
de 110 quilômetros por hora.
George perguntou:
- E, então, Mac, o que diz o Salmo 94.1? Mac virou-se para trás, o mais
que pôde.
- "Ó Senhor, Deus das vinganças, ó Deus das vinganças, resplandece."
O rádio da CG voltou a ser acionado.
- Necessitamos de sua posição. Pelotão ao norte da estrada acaba de
relatar que não há tráfego lá, nem sinal de vocês.
- Dê-me isso aí - disse George, pegando o microfone da mão de Mac e
apertando o botão.
- Muito bem, vocês nos encontrarão no Salmo 94.1.
Chang preparou um chá fazendo uma mistura esquisita, que incluía café
instantâneo com alto teor de cafeína para mantê-lo acordado. Ele desabaria na
cama assim que tudo terminasse, mas, no momento, não podia cochilar. Ficou
claro que a CG da Grécia estava de olho em seus companheiros, e não
demoraria muito para que eles descobrissem que Mac devia ter um avião numa
pista abandonada, a menos de 20 minutos da estrada. Mac, por certo, não ia
fugir pela Albânia. Quanto tempo ainda faltava para que ele e sua equipe
subissem a bordo do avião e por quanto tempo voariam antes de precisar
abastecer a aeronave?
Nesse ínterim, pelo que Chang pôde ouvir, Carpathia estava entretido -
para não dizer absorto - com as transmissões das regiões onde ainda era dia
claro. O potentado da Região 0, os Estados Unidos Sul-americanos, anunciou
um evento do qual sua esposa, a "primeira-dama", estava participando
pessoalmente.
- E onde você está enquanto ela faz seu trabalho? - perguntou Carpathia.
- Ah, meu amado ressurreto, o senhor pode ficar tranqüilo, porque estou
me dedicando a um trabalho muito mais nobre. Estamos seguindo à risca suas
determinações para descobrir os infiéis daqui, e estou trabalhando em conjunto
com os Monitores de Moral, com os soldados das Forças Pacificadoras e com
grupos de homens disfarçados de civis. Esperamos ver mais algumas dezenas
de pessoas enfrentando a guilhotina ou recebendo sua marca dentro de 24
horas.
- Dezenas? Meu caro amigo, soubemos, por meio de seus compatriotas do
mundo inteiro, que em algumas regiões existem centenas, talvez milhares, que
sofrerão por terem sido desleais. Há gente trabalhando contra nós na calada da
noite, até mesmo aqui, nesta parte do mundo.
O sul-americano deu um longo suspiro.
- Senhor, infelizmente nossas forças foram dramaticamente reduzidas em
razão do que ocorreu com os mares.
- Mas tenho certeza de que existem dissidentes aí, não?
- É verdade. Mas, por favor, eu gostaria de mostrar-lhe uma transmissão
ao vivo do Uruguai, onde minha esposa está participando de uma cerimônia
pública que culminará com a imposição à lealdade.
Chang mudou rapidamente para Mac e sua equipe. Não havia nenhuma
novidade. Ele voltou a ouvir a conversa entre Carpathia e o potentado dos
Estados Unidos Sul-americanos. A primeira-dama estava recebendo aplausos
entusiásticos. Ela havia passado o braço ao redor de um homem tímido, de meiaidade.
- Este cavalheiro está finalmente recebendo a marca de lealdade a nosso
potentado ressurreto!
Mais aplausos.
- Diga-me uma coisa, Andrés, por que você demorou tanto tempo?
- Eu estava com medo - ele disse, sorrindo.
- Medo do quê?
- Da agulha.
Muitas pessoas riram e bateram palmas.
- E você vai aceitar receber a marca hoje?
- Sim, desde que seja um 0 bem pequeno - ele disse.
- Você não está mais com medo da agulha?
- Ainda estou. Mas tenho mais medo da guilhotina.
O povo gritou e continuou a aplaudir quando Andrés se sentou, com o
corpo ereto, pronto para receber a marca. Sua testa foi esterilizada com um
cotonete. Alguém segurou-lhe a mão, a máquina foi acionada, e ele pareceu
sinceramente aliviado e feliz.
A primeira-dama disse:
- Você pode retornar ao que estava fazendo quando foi descoberto sem a
marca.
A câmera acompanhou Andrés enquanto ele corria até a imagem de
Carpathia e ajoelhava-se diante dela. A primeira-dama dirigiu-se ao povo:
- Andrés demorou para ser descoberto sem a marca porque seguiu à risca
o decreto de adorar a imagem, e ninguém desconfiou dele.
Aparentemente, Carpathia não se impressionou com a cena.
- Ele me adora, mas tem medo de uma pequenina picada. Droga!
- Mas o senhor ficará satisfeito com a novidade, Excelência - disse o
potentado sul-americano. - Seguindo as pistas de vários cidadãos leais,
descobrimos um antro de oposição Seis foram mortos por terem resistido à
prisão, mas conseguimos trazer 13 para este centro de adoração e de aplicação
da marca.
- Quantos vão receber a marca agora? - perguntou Carpathia. - Quantos
mudaram de idéia diante do instrumento de imposição à lealdade?
- Bem... ah... até agora nenhum, senhor. Chang ouviu um murro na mesa.
- Gente teimosa! - disse Carpathia. - Teimosa demais. Por que são tão
obstinados? Tão idiotas? Tão sem visão?
- Eles vão pagar por isso hoje, Excelência.
- Neste momento, enquanto conversamos?
A voz de Carpathia estava eufórica.
- Sim, agora.
- Que música é essa?
- Os condenados estão cantarolando alguma coisa, meu senhor. Isso é
bem comum.
- Mande-os calar a boca!
- Um momento. Com licença, senhor. - Ele chamou alguém. - Jorge! Avise
os funcionários do centro que o supremo potentado não permite nenhum tipo de
música. Sim, já! Excelência, a música já vai parar.
- Eles preferiram mesmo a guilhotina?
- Preferiram, senhor. Estão em fila.
- O que estamos esperando, então?
- Que obedeçam à sua ordem e parem de cantar, senhor.
- Vá em frente! A lâmina os silenciará.
Chang teve um sobressalto quando viu um guarda portando enorme rifle
com baioneta empurrar a primeira pessoa da fila, uma mulher aparentando ter
pouco menos de 30 anos. Ela estava cantando, com o rosto erguido em direção
ao céu. O guarda gritou com ela, mas a mulher não lhe deu atenção.
Ele a empurrou, e ela tropeçou, continuando a cantar, com os olhos fitos
no céu. Ele a cutucou nas costelas com o rifle, e ela caiu de joelhos no chão. Em
seguida, levantou-se e continuou a cantar.
O guarda posicionou-se ao lado da mulher, firmou pés no chão e desferiulhe
um golpe com a baioneta, que atravessou o braço dela, chegando a perfurarlhe
o lado do corpo. Ela deu um grito quando a baioneta foi retirada e cobriu o
local do ferimento com a outra mão. A mulher soluçava, agora, ao entoar seu
cântico, e as pessoas a seu lado ajoelhavam-se no chão.
- O que ela está cantando? - Carpathia quis saber.
O som foi melhorado, e Chang prendeu a respiração enquanto ouvia o
cântico comovente entoado com dificuldade. Ela não conseguia mais manter a
cabeça erguida, mas continuou em pé, cambaleando, visivelmente zonza,
esforçando-se para cantar: "... quão espinhosa foi a coroa que Jesus suportou
por amor de nós".
Outros guardas juntaram-se ao primeiro, todos golpeando a cabeça dos
que estavam ajoelhados com as coronhas dos rifles.
- Diga aos guardas que parem de fazer disso um espetáculo! - disse
Carpathia, irado. - Eles estão entrando no jogo dessa gente. O povo precisa ver
que a cabeça desses infelizes ainda nos pertence. Para mim, tanto faz que eles
cantem, falem ou façam qualquer outra coisa!
A guilhotina estava pronta, e a mulher continuava a esforçar-se para
cantar, agora de maneira desafinada. Quando foi agarrada por um guarda de
cada lado e colocada no lugar, ela gritou: "... tua é minha alma, minha vida, meu
tudo!"
A lâmina foi solta, e o povo vibrou.
- Aah! - suspirou Carpathia. - Posso ver do outro lado?
- Do outro lado, senhor? - repetiu o potentado sul-americano.
- Da lâmina! Da lâmina! Coloque a câmera do outro lado! O corpo não cai!
Ele simplesmente desaba. Quero ver a cabeça despencar!
As próximas pessoas da fila aproximaram-se da máquina mortal com as
palmas das mãos erguidas. Os guardas continuavam a agarrá-las pelos
cotovelos e a cutucá-las com as armas, mas ninguém abaixou as mãos. Quando
os guardas as golpearam com as baionetas, elas recuaram instintivamente para
não serem feridas.
Em seguida, os guardas posicionaram-se atrás delas, cutucando-as na
parte inferior das costas com a ponta das baionetas. Agora, a câmera estava
atrás de um homem que segurava uma alavanca com uma das mãos e, com a
outra, agarrava a vítima pelos cabelos para colocar a cabeça no local apropriado.
O homem posicionou a barra de retenção no pescoço da vítima, soltou a
alavanca e fez um gesto afirmativo com a cabeça em direção a uma mulher
corpulenta. Ela puxou a corda para liberar a lâmina.
A lâmina começou a descer rangendo pelas guias laterais e despencou de
vez. A cabeça desapareceu da vista de todos, deixando à mostra apenas o
sangue esguichando do pescoço.
- Sensacional! - murmurou Carpathia.
- O caminho para casa está livre, não? - Hannah perguntou.
Mac virou-se e olhou para ela.
- Meu avião tem combustível suficiente para chegarmos a Roma. Lá, existe
uma pequena pista de pouso ao sul, controlada pelo pessoal da cooperativa que
estoca combustível. Eu só vou me sentir seguro quando decolarmos de lá.
- Mas eu estou falando dessa gente aqui - ela disse. Eles não vão chegar
ao aeroporto antes de nós, vão?
- De carro, não.
O que você está querendo dizer? - perguntou George.
- Não vai demorar muito até descobrirem para onde estamos indo. Com
certeza sabem que não pretendemos fugir deles indo de carro até a fronteira.
- Seu avião está escondido?
- Da estrada, sim, tenho certeza. De outros aviões? Não.
- Quanto tempo eles vão levar para chegar lá de avião?
- Saindo de Kozani, num caça? Eles vão chegar muito antes de nós.
- Eles têm condições de destruir seu avião?
- Só se chegarem antes de nós.
- Quantas pessoas eles podem levar?
- Pouca gente, se usarem uma aeronave pequena, rápida.
George parecia irritado.
- Já corremos muitos riscos para deixar a coisa dar errado agora, Mac.
Vamos pôr tudo em pratos limpos. Você acha que vamos chegar lá, subir a bordo
e decolar?
- É o único plano que eu tenho - disse Mac.
- Temos de levar em conta que eles poderão chegar antes de nós - disse
George -, e vamos ter de decidir o que fazer nessa situação.
- Você quer pensar no pior?
- Claro! Precisamos. Você acha que, para me livrar daqueles idiotas, eu
fiquei esperando que eles fossem me soltar? Fale mais sobre a pista de
decolagem.
- Ela corre de leste para oeste. Meu avião está na extremidade leste, de
frente para o oeste.
- Se eles conseguirem descer com um avião lá antes de decolarmos, vão
interceptar nosso caminho.
- Nós é que vamos interceptar o caminho deles - disse Mac. - Eu largo
vocês ao lado do avião. Você liga os motores, enquanto eu rodo com a viatura
pela pista e paro bem em frente ao nosso avião. Eles vão ter de ser muito hábeis
e ter jogo de cintura para não colidir comigo no momento do pouso. Nós fazemos
uma decolagem em ângulo, para não bater na viatura e neles, e desaparecemos
de vista.
George sacudiu a cabeça, em dúvida.
- E quando vai subir a bordo? Não sei, não, está deixando muita coisa por
conta do acaso.
- Deixando por conta de Deus, George. Não sei mais o que fazer.
O telefone de Mac vibrou.
- Diga, Chang.
- Eles estão dentro de um jato, a dez minutos da aterrissagem. Stefanich,
os três filósofos e um piloto. Pelo jeito, a aeronave não está equipada para
atacar, mas eles estão fortemente armados.
- Estamos a menos de dez minutos de lá - disse Mac. - Vamos chegar
antes deles, só isso.
Mac perguntou a Chloe se ela podia acelerar um pouco mais, mas a
viatura já estava gemendo por ter de rodar, em alta velocidade, numa estrada tão
acidentada.
- Quando chegarmos lá, saia da estrada e entre na pista pela extremidade
leste.
Mac estava instruindo Sebastian acerca da aeronave, quando ouviu o
zumbido de motores de jato a distância. Ele e George abriram os vidros da
viatura para ouvir melhor.
- Essa é a nossa chance, Chloe! - ele gritou. - Cuidado!
Ela fez uma manobra rápida para sair da estrada, desceu um barranco e
subiu outro. A viatura sacolejava, e Mac bateu com a cabeça no teto.
- Acenda o farol alto! Não sei o que vamos encontrar pela frente! - gritou
ele.
- Você acha que vou ser capaz de passar pelo meio daquelas árvores? -
Chloe perguntou.
- Dê um jeito. Vamos ter de chegar lá.
A viatura bateu numa pedra e foi atirada para cima. Assim que pousou no
chão, o pneu esquerdo traseiro estourou.
- Que ótimo! - ela exclamou.
- Pelo menos, a roda continua no lugar - disse George. - Agüente firme!
Mesmo com os faróis altos acesos, Chloe enxergava apenas um terreno
acidentado e rochoso e, logo adiante, uma espécie de bosque. Ela não
imaginava como poderia atravessar as árvores, mas agora não dava mais para
recuar. O lado traseiro esquerdo estava arrastando no chão por causa do pneu
furado. E, para agravar o problema, George Sebastian, o grandalhão do grupo,
estava sentado daquele lado.
Com o jato se aproximando, Chloe queria apagar todas as luzes da viatura
e passar por entre as árvores, mas agora tudo se resumia ao fator tempo... e
determinação. Aquela gente havia matado seus companheiros e, naquele
instante, tentava exterminar o pequeno grupo de membros do Comando
Tribulação sem qualquer piedade.
Chloe sempre quis mais ação, mais envolvimento na luta. E, apesar de
agora dar qualquer coisa para voltar ao convívio de Buck e Kenny, não tinha
alternativa, no momento, a não ser enfrentar o perigo. Cautela, diplomacia,
esperteza - tudo isso voara pela janela. Ela precisava chegar àquele avião para
que todos decolassem, ou nenhum deles voltaria a ver a luz do sol.
Ela avançou pelo meio das árvores, tirando o pé do acelerador apenas de
vez em quando. A viatura tinha tração nas rodas dianteiras, uma pequena
vantagem no meio de tantos problemas. Enquanto Chloe abria o caminho, a
viatura colidiu de um lado e do outro com uma árvore, mas continuou rodando.
Agora, ela já podia avistar o avião de Mac, mas havia uma cerca de três
fileiras de arame impedindo a passagem. Se Chloe tirasse o pé do acelerador,
mesmo que de leve, a viatura poderia enroscar-se na cerca. Ela olhou para Mac,
que se segurava como podia com a palma da mão no teto. Ele fez um movimento
com a cabeça em direção à cerca, indicando que não havia mesmo outra
alternativa.
Chloe pisou fundo no acelerador. A fileira mais baixa de arame enroscouse
no pára-choque dianteiro, e as outras duas caíram por cima do capô, levando
junto uma estaca de madeira fincada no chão, mas a viatura conseguiu chegar à
beira da pista, parando a uns 12 metros do avião.
O jato da CG aproximava-se pela outra extremidade da pista, inclinado
lateralmente e com os faróis acesos, iluminando todo o caminho até a viatura.
DOZE
Pela primeira vez, desde que passara a ser o espião do Comando
Tribulação dentro do palácio, Chang desconfiou que havia sido descoberto. De
repente, na tela de seu computador apareceu um círculo com uma borda
vermelha, sinal de que alguém de fora estava testando seu firewall (sistema de
monitoração de tráfego nas intranets).
Imediatamente, ele substituiu a proteção de tela por outra que exibia a
data, a hora e a temperatura, apagou todas as luzes de seu apartamento, trocou
de roupa e deitou-se na cama - preparado para fingir que estava dormindo, caso
Figueroa ou um de seus funcionários batesse em sua porta. Não havia meios de
saber o que aquele aviso significava, mas David Hassid lhe contara que havia
instalado um dispositivo de segurança apenas para avisar o operador que havia
gente bisbilhotando.
Talvez alguém estivesse verificando todos os computadores ligados. E se
aquela busca acessasse seus dados secretos e acabassem descobrindo quem
era o espião?
A última hipótese parecia impossível, de acordo com o que David lhe
dissera. Ele havia montado um sistema tão intricado que, aparentemente, não
haveria tempo suficiente até o dia do Glorioso Aparecimento para que alguém
pudesse decodificá-lo. A mente de Chang começou a divagar. Talvez Akbar
tivesse instruído Figueroa a testar todos os computadores em funcionamento,
eliminar o mainframe que rodava todos os programas do palácio, isolar os
laptops e computadores pessoais e fazer uma varredura para saber se havia
alguma trama.
O computador pessoal de Chang não mostraria nenhum registro do que
ele esteve fazendo desde que retornara do trabalho. Por esse motivo, ele achava
que alguém bateria à sua porta para interrogá-lo.
Deitado no escuro, com o coração aos pulos, Chang sentia-se frustrado
por ter deixado de acompanhar os últimos acontecimentos na Grécia. Que
ironia!, ele pensava. Com toda a tecnologia que Deus lhe concedera para lutar
pela causa de Cristo ao redor do mundo, de repente ele se deu conta de que não
poderia fazer nada para ajudar, a não ser recorrer ao tradicional recurso da
oração. Chang gostaria de verificar mais uma vez os "grampos" instalados nos
escritórios de Carpathia e de Akbar, para ver se a gravação feita no computador
mostraria alguma desconfiança da parte dos dois. Não demoraria muito para que
alguém do alto escalão perdesse a paciência com toda aquela espionagem.
Chang desceu da cama e ajoelhou-se no chão frio para orar por Mac,
Chloe, Hannah e George.
- Senhor, não vejo como eles poderão fugir, a não ser por meio de tua
interferência direta. Não sei se chegou a hora de eles irem ao teu encontro.
Nunca achei que os nossos pensamentos são os teus pensamentos. Tudo
acontece em teu tempo determinado e para tua glória, mas eu oro por eles e
pelas pessoas que os amam. Seja o que for que tu fizeres, sei que isso provará a
tua grandeza, e eu te peço que me mostres, em breve, quais são os teus planos.
Suplico-te também que estejas com Ming enquanto ela procura nossos pais, e
que eles possam comunicar-se comigo de alguma maneira.
Chang sentiu o impulso de contar a Rayford o que estava se passando.
Ele olhou para seu relógio. Já passava da meia-noite, mas será que o povo em
Petra conseguiria dormir depois de tudo o que acontecera naquele dia? Nada
indicava que seu telefone deixara de ser seguro, portanto ele discou para
Rayford.
- Desçam! Desçam! - gritou Mac assim que as portas da viatura foram
abertas.
- Eu dirijo, Chloe. Preciso dar um jeito de interceptar aquele jato.
- Eu posso decolar com seu avião - disse Sebastian a Mac -, mas não vou
partir sem você.
- Preste atenção, George. Faça o que precisa ser feito. Enquanto eles
estiverem preocupados comigo, você terá tempo suficiente para decolar. Se tiver
de ser assim, nós nos veremos na Porta do Oriente.
- Não diga isso!
- Não fique emotivo agora. Vocês devem ir para casa! Mac aguardou um
instante até que George se afastasse da viatura. Em seguida, pisou fundo no
acelerador e seguiu pela pista alinhado com o jato que estava prestes a tocar o
solo.
Rayford não estava dormindo, mas, finalmente, conseguira acalmar-se e
controlar a respiração, enquanto contemplava as estrelas através de uma
pequena abertura na barraca. Seu telefone tocou indicando no visor que a
chamada era de Chang.
- Quero ouvir boas notícias - disse Rayford.
- Eu bem que gostaria de lhe dar boas notícias - disse Chang -, mas acho
que Deus deseja que eu lhe conte o que está acontecendo para que o senhor
possa orar.
Rayford não estava tão animado quanto parecia, mas, depois de ouvir a
história, disse:
- Deus protegeu um milhão de pessoas dentro de uma fornalha de fogo
ardente. Ele pode tirar os quatro da Grécia.
Rayford calçou as sandálias e dirigiu-se apressado ao local onde Tsion e
Chaim deveriam estar dormindo. Se estivessem adormecidos, ele não os
despertaria. Rayford não se surpreendeu ao encontrá-los acordados e
aglomerados ao redor de um computador, na companhia de alguns anciãos.
Diante do teclado, estava sentada uma jovem chamada Naomi, que o interpelara
pouco antes.
- Tsion, quero trocar algumas palavras com você - disse Rayford.
O Dr. Ben-Judá virou-se, surpreso.
- Pensei que você estivesse dormindo, conforme todos nós deveríamos
estar. Amanhã será um grande dia.
Rayford inteirou-o da situação.
- Vamos orar, é claro, imediatamente. Mas ligue de volta para Chang e
diga-lhe que o aviso no computador foi um alarme falso. Naomi está
entusiasmada com as centenas de páginas de instruções que David instalou
neste sistema aqui, inclusive uma que nos permite checar os computadores do
palácio. É o que ela tem feito ultimamente, e foi isso que enviou uma mensagem
de advertência ao computador de Chang.
Tsion dirigiu-se apressado aos anciãos e pediu-lhes que orassem pela
segurança do contingente do Comando Tribulação na Grécia. Rayford sentiu-se
animado ao ver uma dúzia e meia de pessoas ajoelhadas orando por seus
companheiros.
Ele mal podia esperar para contar a novidade a Chang.
Assim que colocou o pé no primeiro degrau da escada do avião, George
Sebastian ouviu o som estridente dos motores sendo ligados. Ele não imaginava
que uma daquelas mulheres soubesse pilotar uma aeronave. Tanto melhor. Ele
se agachou para empurrar a porta atrás de si, mas, quando se virou para dirigirse
à cabina, viu Chloe e Hannah atando os cintos de segurança nos dois
assentos traseiros. Elas pareciam tão surpresas quanto ele.
George pegou sua Uzi e a colocou encostada no anteparo que separava a
cabina de passageiros da cabina de comando. Em seguida, aproximou-se
lentamente do lugar de onde poderia ver quem estava ali. O desconhecido,
trajando manto bege do tipo usado pelos beduínos, estava sentado no banco do
co-piloto. Sem virar-se, o homem levantou a mão e fez um gesto para que
George se sentasse no banco do piloto.
George voltou-se para as mulheres e encarou-as.
- Quem é?
- Pensamos que fosse você - disse Chloe.
- Vamos ter de tirá-lo daqui, caso contrário não haverá lugar para Mac.
Preciso de cobertura.
Chloe desatou o cinto e ajoelhou-se atrás de George, preparada para atirar
com a Uzi. Hannah pegou sua arma e subiu no braço da poltrona para poder
enxergar a cabina de comando por cima da cabeça de George.
Sebastian virou-se rapidamente e olhou para o banco do co-piloto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário