domingo, 5 de setembro de 2010

DEIXADOS PARA TRÁS XIIB

- Você dirige, Ray.
- Não, quem dirige é você.
- Vamos falar com Abdullah. Ele gosta de dirigir. Além disso, acho que vai ficar contente de nos acompanhar.
Quando Rayford voltou para Petra, Mac já havia aterris¬sado o helicóptero e encontrado Abdullah. Os três se abra¬çaram.
- O que você diria quando alguém fala o que é óbvio? - perguntou Abdullah.
- Eu diria que era declarar o óbvio - respondeu Mac. - E isso é geralmente feito por um jordaniano. Você está prestes a declarar o óbvio, Abdullah?
- Estou, Sr.
- Diga então.
- Este é o maior dia da minha vida. E o de vocês?

***

Chaim estava quase esmagado pelas pessoas que o enchiam de perguntas. Queria dar-lhes toda a sua atenção, mas como fazer isso com o seu Salvador nas nuvens?
As pessoas estavam também preocupadas com Jesus, é claro, mas até que pudessem falar com ele, face a face, pediam respostas a Chaim enquanto olhavam para o céu.
- Por que os santos atrás dele usam branco? Para indicar sua pureza?
- Creio que sim - respondeu Chaim. - E também porque não vão estar realmente envolvidos na guerra. Jesus fará tudo sozinho e as batalhas - mais três depois desta - não serão na verdade batalhas, mas golpes mortais unilaterais.

***

Rayford ansiava ver Kenny. Não queria, porém, pertur¬bar o menino por deixá-lo logo em seguida.
Queria também conversar com Priscilla Sebastian sobre como ela planejava cuidar das crianças, a filha dela e o neto dele, para que não vissem o horror fora dos muros. Abdullah garantiu que Kenny estava bem até então - tão enamorado de Jesus quanto todos eles - e que Priscilla tinha de fato um plano.
O milhão ou mais de pessoas em Petra praticamente perdera a sua formação original e andava por toda parte, a maioria com a cabeça levantada para o céu, embora de alguma forma se encaminhando intuitivamente para as saídas. Elas sabiam que Jesus iria libertá-las, não só do ataque do anticristo, mas que estariam também livres para regressar à terra natal, sua cidade, Jerusalém, a Cidade de Deus.

***

- Estamos livres? - alguém perguntou a Enoque.
- Penso que sim - ele disse. - O Senhor de modo algum permitirá que as forças do anticristo nos matem por não ter a marca da lealdade, agora que ele está aqui e vai governar as nações. Até mesmo a nossa.
- Como Deus fará isso lá de cima?
- Não tenho idéia. Mas, depois de hoje, vou simples¬mente crer nisso. Você não vai?
- O reinado de Jesus sobre as nações está na Bíblia?
- Está. Apocalipse 12.5 diz: "Nasceu-lhe, pois, um filho varão, que há de reger todas as nações com cetro de ferro. E o seu filho foi arrebatado para Deus até ao seu trono". Esse é Jesus e ele está aqui agora. Esse cetro de ferro indica que ele não vai aceitar nada errado de ninguém, não é?
- Ouvi isso.
- Penso então que estamos livres para nos movimentar sem medo - disse Enoque.
- Vou ficar com medo por algum tempo, mas isso me parece realmente bom.

***

O único lado negativo de Abdullah dirigir o Hummer era que Rayford teria de negociar com Mac o privilégio de viajar de repente. Isso o fez lembrar dos dias de faculdade, quando seus colegas competiam para ocupar o assento favorito, às vezes 24 horas antes de uma viagem. Lembrou-se igual¬mente de como estava longe de ser cristão naquela época. Se alguém tivesse predito onde ele estaria trinta anos mais tarde, e pintado esta cena, Rayford teria com certeza rido com desdém.
O Hummer apertado e compacto abriu caminho para fora da cidade sob o controle cuidadoso de Abdullah. Dezenas de milhares de peregrinos enchiam as ruas e as escadas de pedra, andando de braços dados, de mãos dadas, cantando, orando, louvando a Deus, e olhando Jesus no céu.
- O êxodo deve ter sido assim - comentou Abdullah. Mac riu alto.
- Você sabe - acrescentou Abdullah. - O original. Os filhos de Israel saindo do Egito.
- Sei o que é o êxodo, Abdullah! - Mac disse. - Você acha que aquele povo estava feliz então?
- Bem, não, acho que não. E eles teriam filhos com mais de sete anos, não é?
Ao saírem finalmente de Petra, Rayford ficou impres¬sionado ao ver como Abdullah conseguia encontrar trechos onde correr a mais de 90 km por hora. Na maior parte do tempo, ele tinha de precaver-se contra as pedras, sulcos e crateras dos meteoritos e desviar-se também lentamente dos cadáveres de cavalos e soldados.
Abdullah era claramente um homem com um objetivo em vista, desejando chegar a Bozra logo depois de Carpathia. Rayford vira também onde o comboio do potentado encalhara, e achava que Abdullah até podia alcançar a cidade primeiro do que ele.
Cerca de 60 km de Petra, voando adiante de uma enorme nuvem de poeira, os três abaixaram as janelas e olharam para as nuvens quando Jesus começou novamente a falar.
"Reunirei certamente todos vocês, ó Jacó, reunirei todo o remanescente de Israel; irei colocá-los como ovelhas no redil, como um rebanho em sua pastagem; o ruído será grande por tratar-se de tanta gente".
"Eu sou aquele que abre e vocês me verão. Vão deixar a cidade de refúgio, passarão pela porta e sairão por ela. Eu, seu Rei, passarei antes de vocês. Eu, o Senhor, estarei à sua frente". [Tradução Livre]
- Ele vai levar o povo a Bozra - Abdullah disse.
- Dizendo o óbvio novamente, Abdullah - comentou Mac. Dentro de poucos minutos, no entanto, Rayford e os outros compreenderam o plano de Jesus.
- Vejam o que está atrás de nós - disse Abdullah. Eles se encontravam num trecho especialmente lento, procurando caminho entre vários obstáculos, embora uma grande nuvem de poeira ainda os acompanhasse.
- O que é isso? - Mac perguntou.
- Não tenho idéia - replicou Rayford, estudando a situa¬ção e ficando alarmado. Algo se aproximava. Era enorme e assustador.
Alguns segundos mais tarde, Abdullah encontrou um trecho melhor e acelerou. Em breve, corriam a mais de 100 km por hora. A grande bola de pó mesmo assim os apanhou e os três fecharam depressa as janelas. O chão tremeu e o vento sacudiu o Hummer.
- São pessoas! - gritou Rayford por cima do alarido. - É o remanescente!
- Estão seguindo o Senhor! - disse Mac. - Estão correndo mais depressa do que o nosso carro!
- Vejam! Estão todos sorrindo, rindo, cantando! Até as criancinhas!
- Não tínhamos necessidade do carro! - disse Abdullah.
- Você está afirmando o óbvio! - gritou Mac, rindo.

***

Fora Hannah Palemoon quem sugerira que o Comando Tribulação se esforçasse para permanecer junto na viagem a Bozra. Ela temia que a saída de Petra e a reunião com tantos entes queridos pudessem fazer com que nunca mais se juntassem da mesma maneira. Ninguém sabia quanto tempo a jornada iria durar e ela previa a possibilidade de um dia muito longo. Ao seu redor, todos faziam perguntas sobre como chegar a Jerusalém, já que Bozra estava bem distante - na verdade longe demais para ir até lá a pé.
Ela não se importava. O começo foi divertido e todos se sentiam imensamente abençoados e cheios de gratidão, olhando para Jesus e recebendo seu olhar de volta, diretamente para cada um. Leah estava lá e os Sebastian com sua filha e Kenny. Por se acharem no meio do imenso ajuntamento, as cri¬anças foram poupadas da cena trágica que restara no deserto. E elas, de todo jeito, pareciam preocupadas com Jesus. Razor, Lionel, Chang e Naomi, Zeke e os Woo estavam todos ali.
Hannah não sabia quem tivera primeiro a idéia de caminhar mais depressa, mas repentinamente um grupo rindo e sorrindo os empurrava. Eles andaram o mais depressa possível, depois começaram a correr devagar, em seguida compassado e por fim se puseram a correr a toda velocidade. Hannah sentia-se leve como o ar e embora não estivesse real-mente acima do chão, a sensação era essa. Cada passo a fazia avançar mais e mais e em breve corria como nunca antes.
Para sua surpresa, não se sentia ofegante. Sua força e resistência permaneciam e, portanto, aparentemente, as dos jovens e dos mais velhos. À sua frente, George Sebastian corria mais depressa do que ela, mesmo carregando Beth Ann! Priscilla o acompanhava com Kenny no colo.
Quando o grupo alcançou e ultrapassou um Hummer veloz, Hannah soube que estavam correndo a velocidades sobrenaturais, sobre-humanas. As crianças também queriam ser colocadas no chão para poderem correr. Ela passou pelos Sebastians enquanto eles diminuíam o passo para abaixar as crianças, mas dentro de minutos eles a ultrapassaram outra vez; as crianças correndo tão depressa quanto os adultos.

***

Meia hora depois, toda aquela multidão passava pelo Hummer e se aproximava de Bozra. Quando Abdullah parou perto de uma entrada estreita para o povoado na montanha, as tropas do Exército da Unidade haviam começado a entrar. Tinham aparência de derrotados antes da batalha começar.
O que restara de seus veículos e armamentos era paté¬tico, mas Rayford ficou surpreso ao ver quantos soldados permaneciam vivos. Vários milhares de cavalos também sobreviveram. Ele teve de se perguntar se alguns, que faziam parte do terço original da força militar de Carpathia, per¬maneceriam para juntar-se aos outros no norte.
Como era estranho ver todo o remanescente novamente reunido enquanto Abdullah dirigia na fímbria da grande multidão. O Senhor e seu exército vestido de branco pairava sobre eles e, apesar da viagem, todos pareciam vigorosos e limpos, nada desgastados. Ninguém sequer ofegava. Isso era bom, pensou Rayford, porque tinham ainda outra jornada à sua frente, duas vezes mais longa.
- Onde será que o velho Nick se encontra a esta hora? - perguntou Mac. - Não ouvimos notícias dele há algum tempo, não é?
- Se fosse ele - disse Abdullah - eu deixaria esta batalha para outra pessoa.
Rayford dirigiu Abdullah para um lugar alto a nordeste da cidade.
Eles podiam ver dali o remanescente e as planí¬cies lá embaixo, onde várias centenas de milhares de tropas se achavam enfileiradas e aparentemente prontas para um novo ataque. Rayford estudou o horizonte com os binóculos e em breve ouviu transmissões pelo rádio dos generais de Carpathia.
- Aguardando suas ordens, Excelência. - A voz parecia cansada, derrotada.
Ouviu-se um pigarrear.
- E os pelotões do sul? - A voz era de Carpathia.
- Estão preparados, supremo potentado. - Rayford perce¬beu uma ponta de sarcasmo.
- Prontos, santidade. Podemos saber a sua posição?
- Qual é a razão?
- Para evitarmos o perigo de fogo amigo, grandioso senhor.
- Basta dizer que eu e meu gabinete estamos a noroeste de você.
Só isso com respeito à visibilidade e inspiração. Nicolae aparentemente sabia como estivera prestes a tornar-se ali¬mento para as aves em Petra.
- Logo atrás de vocês, garotos! - parecia ser o seu slogan para aquela escaramuça. Ela provaria ser, porém, mais do que uma simples escaramuça.
- Parece que toda a população de Petra se acha aqui - uma transmissão geral.
- Se estiver se dirigindo a mim - exclamou Carpathia - deve tomar cuidado para usar a permissão adequada.
- Estou falando com os que são essenciais para esta operação, Sr.
- Seu comandante-em-chefe é crucial, general, e você faria bem em lembr...
- Vou lembrar-me disso quando a luta começar, você está se escondendo a noroeste, longe da ação.
- Identifique-se, infiel!
- Linha de frente, Sr., o que é mais do que posso dizer do comandante-em-chefe.
- Dissensão entre as fileiras! - exultou Mac. - O que poderia ser melhor que isso?
- Seria melhor avançarmos, Excelência - outro general interrompeu. - Não seremos favorecidos se deixarmos que o inimigo nos observe.
- Eles estão desarmados! - disse Carpathia. - Este vai ser um passeio pelo parque!
- Eles estavam desarmados em Petra, comandante - disse o primeiro general. - Já esqueceu que o comandante-em-chefe deles está acima de nós? E já se perguntou como conseguiram trazer todos para cá tão depressa?
- Ataque! - berrou Carpathia.
O que restava do terço sulino do Exército da Unidade começou a avançar lentamente em direção a Bozra.
A operação parecia para Rayford uma missão suicida. No momento em que as forças da Comunidade Mundial avista¬ram o remanescente de Israel, os soldados pareceram lançar até os últimos projéteis de seu arsenal. Ele não podia imagi¬nar uma fuzilaria mais ensurdecedora. Todavia, as balas, mísseis, foguetes e morteiros caíram sem atingir ninguém na massa de povo. Milhões e milhões de tiros continuaram a ser despejados por canos de todos os tamanhos enquanto o exército avançava devagar.
Apesar do alarido, as palavras do Senhor continuavam sendo, porém, ouvidas claramente.
"Chegai-vos, nações, para ouvir, e vós, povos, escutai; ouça a terra e a sua plenitude, o mundo e tudo quanto produz. Porque a indignação do Senhor está contra todas as nações, e o seu furor, contra todo o exército delas; ele as des¬tinou para a destruição e as entregou à matança" (Is 34.1-2).
Rayford observou através dos binóculos enquanto mili¬tares, homens e mulheres, assim como cavalos pareciam explodir onde estavam. Era como se as próprias palavras do Senhor tivessem aquecido sobremaneira o sangue deles, fazendo com que fervesse em suas veias e sua pele.
"Os seus mortos serão lançados fora, dos seus cadá¬veres subirá o mau cheiro, e do sangue deles os montes se inundarão. Todo o exército dos céus se dissolverá, e os céus se enrolarão como um pergaminho; todo o seu exército cairá, como cai a folha da vide e a folha da figueira" (v. 3-4).
Dezenas de milhares de soldados da infantaria deixaram cair suas armas, agarraram a cabeça ou o peito, caíram de joelhos e se retorceram enquanto eram invisivelmente cor¬tados em pedaços. Suas entranhas saltaram para o chão do deserto e enquanto os que estavam por perto se viravam para fugir, eles também eram mortos, o seu sangue empoçava e subia no brilho implacável da glória de Cristo.
"Porque a minha espada se embriagou nos céus; eis que, para exercer juízo, desce sobre Edom e sobre o povo que destinei para a destruição...Porque o Senhor tem sacrifício em Bozra e grande matança na terra de Edom. A sua terra se embriagara de sangue, e o seu pó se tornará fértil com a gordura" (v. 5-7).
Era como se o exército do anticristo se transformasse nos animais para o sacrifício da matança do Senhor.
Carpathia gritou:
- Tragam um avião, um helicóptero, um jato - qualquer coisa! Levem-me para o norte! Agora! Já!
E Jesus disse: "Porque hoje será o dia da vingança do Senhor, ano de retribuições pela causa de Sião" (v. 8).
- De onde virá o transporte de Carpathia? - indagou Rayford.
- Ash Shawbak - disse Abdullah.
- É isso mesmo, Abdullah - afirmou Mac. - É a sua cidade natal?
- Não. É Amã, você sabe disso.
- Claro. Não foi em Ash Shawbak que os dignitários estavam em seu safári executivo, tomando estimulantes e presumindo que iam assistir Nicolae trazer a vitória para casa?
- Esse é o lugar - disse Abdullah. - Gostaria de ver a cara deles agora.
- Olhem! - exclamou Rayford, acenando para o céu na direção sudeste. Um helicóptero a jato voava sobre o exército dizimado a noroeste com um ruído estridente.
Rayford levantou novamente o binóculo e estudou a área.
- Lá estão eles. Olhem só aquele velho e enorme Humvee ali sozinho. Parece que Carpathia não vai sequer arriscar sair até que seja absolutamente obrigado.
- Seu exército desapareceu - disse Mac. - Pelo menos esta parte dele. Não se ouve sons de tiro em parte alguma.
Tudo ficara mortalmente silencioso. Enquanto Rayford observava, o helicóptero desceu a vários metros da posição de Carpathia. Só ele e Leon desembarcaram do Hummer. Leon segurou a barra do manto na cintura e correu tão depressa quanto lhe era possível.
A grande bainha da espada de Nicolae pareceu atrapalhá-lo ao sair, e ele levou alguns minutos para livrar-se dela. Correu depois para o helicóptero, passando por Leon e empurrando-o com o cotovelo para ser o primeiro a entrar. Tão logo Leon subiu a bordo, com a ajuda de mãos prestativas, o aparelho levantou vôo e foi para o norte.
Rayford virou os binóculos de um lado para outro e não viu qualquer movimento entre os destroços do Exército da Unidade. Havia corpos espalhados numa extensão de quilômetros e o chão do deserto encharcara-se de sangue.
- Ei, vejam isto - chamou Rayford, abrindo a porta de seu lado e saindo.
Mac e Abdullah o seguiram, subindo no teto do Hummer, observando enquanto Jesus descia do céu. Seu cavalo tocou graciosamente o solo nas planícies a oeste de Bozra e enquanto todo o remanescente judeu observava do monte, Jesus desceu do animal. O exército do céu per¬maneceu cerca de três metros acima dele, acompanhando-o, enquanto ele andava pelo campo de batalha e a orla de seu manto se tornava carmesim ao tocar o sangue do inimigo.
Os santos acima dele começaram uma recitação responsiva, fazendo perguntas em uníssono, às quais ele respondia para que todos na terra ouvissem. "Quem é este - começaram eles - que vem de Edom, de Bozra, com vestes de vivas cores, que é glorioso em sua vestidura, que marcha na plenitude da sua força?".
E o Senhor disse: "Sou eu que falo em justiça, poderoso para salvar. Por que está vermelho o traje, e as tuas vestes, como as daquele que pisa uvas no lagar?.

O lagar, eu o pisei sozinho, e dos povos nenhum homem se achava comigo; pisei as uvas na minha ira; no meu furor, as esmaguei, e o seu sangue me salpicou as vestes e me manchou o traje todo.
Porque o dia da vingança me estava no coração, e o ano dos meus redimidos é chegado.
Olhe, e não havia quem me ajudasse, e admirei-me de não haver quem me sustivesse; pelo que o meu próprio braço me trouxe a salvação, e o meu furor me susteve.
Na minha ira, pisei os povos, no meu furor, embriaguei-os, derramando por terra o seu sangue".
Os incontáveis milhares a cavalo, acima dele nos céus, o louvaram em uníssono:
"Celebraremos as benignidades do Senhor e os seus atos gloriosos, segundo tudo o que o Senhor nos concedeu e segunda a grande bondade para com a casa de Israel, bon¬dade que usou para com eles, segundo as suas misericórdias e segundo a multidão das suas benignidades."
E Jesus disse: "Certamente, eles são meu povo, filhos que não mentirão; e me tornei seu Salvador" (Is 63.1-8).
Depois disso, ele voltou-se para a multidão que espiava de Bozra.
"Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exér¬citos, sabei que está próxima a sua devastação. Então, os que estiverem na Judéia, fujam para os montes; os que se encon¬trem dentro da cidade, retirem-se; e os que estiverem nos campos, não entrem nela. Porque estes dias são de vingança, para se cumprir tudo o que está escrito...Ora, ao começa¬rem estas cousas a suceder, exultai e erguei a vossa cabeça; porque a vossa redenção se aproxima" (Lc 20.20-22, 28).

***

- O que você acha que está acontecendo neste momento, irmão Enoque?
Enoque não tinha certeza, mas fazia uma idéia. Em Illinois, como sabia que estava ocorrendo em toda parte, sem levar em conta a hora, o dia brilhava como se fosse meio-dia, sem uma sombra sequer. A glória do Senhor era a luz do mundo. Mas, Jesus não estava mais visível no céu.
- Vamos vê-lo outra vez? Ou teremos de ir lá para isso?
- Creio que iremos vê-lo de novo - disse Enoque. - Ainda hoje. Ele está provavelmente travando uma das batalhas que precedem a queda de Jerusalém e libertando os judeus dali. Mas, as profecias dizem que quando livrar Jerusalém e subir ao monte das Oliveiras, todo olho o verá. Isso evidentemente nos inclui.
- Em breve, talvez amanhã, teremos de ir para lá, não é?
- Eu gostaria - respondeu Enoque. - Não vai ser, porém, barato.
- Vamos pensar deste jeito: temos mil anos para levantar o dinheiro.
- Não quero esperar tanto assim.
- Nem eu. Que tal um lava-rápido?

***

- Siga para o oeste do mar Morto e para o sul de Jerusalém - Rayford instruiu Abdullah. Ele sentou-se no banco de trás do Hummer, deixando Mac no da frente.
- Carpathia parece descontente, Mac. Você estava ouvindo?
- Sim. Acho que ele esperava que os dois terços nortistas de seu exército estivessem prontos. Parece que eles preferi¬ram fugir.
- Ele podia perder um grupo deles e ainda ficar com uma porção. Está tentando organizá-los para aniquilar os judeus de Jerusalém.
- Jesus não vai deixar que cheguem assim tão longe, não é?
- Na verdade, vai - respondeu Rayford. - Pelo menos uma porção deles, embora muitos soldados vão morrer entre aqui e o monte Megido. Caso tenha lido direito, e Tsion e Chaim tinham razão, é o que vai acontecer em seguida.
Enquanto viajavam, eles seguiram Jesus que cavalgava agora no chão, com o seu exército acima e atrás dele, e o remanescente judeu correndo em massa pelo caminho. Eles cobriram novamente mais de 110 km por hora, e Jesus continuou falando durante todo o trajeto, como se fosse indi¬vidualmente a cada um.
"Eu sou o Rei que vem em o nome do Senhor", disse ele. "Sou o Mediador da nova aliança. Sou aquele que carregou os seus pecados em meu próprio corpo na cruz, para que vocês, tendo morrido para os pecados, possam viver para a justiça - por cujas pisaduras foram sarados".
"Eu sou o Pão de Deus que desceu dos céus e dá vida ao mundo. Portanto, celebrem a festa, não com o velho fer¬mento, nem com o fermento da malícia e da perversidade, mas com o pão sem fermento da sinceridade e da verdade".
"Em mim foram criadas todas as cousas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer Potestades. Tudo foi criado por meio de mim e para mim" (Cl 1.16).
"Vim para fazer a vontade de Deus. Vim ao mundo para salvar pecadores, não para ser servido, mas para servir e dar a minha vida em resgate por muitos" (Mt 20.28).
Rayford aprendera nos últimos sete anos que a Palavra de Deus era viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes. Aprendera também que a Palavra nunca voltaria vazia. Agora, como se estivesse sendo quei¬mada em seu coração e sua alma pelo seu Redentor, ele se sentiu cheio e transbordante, pronto para explodir.
Que privilégio ouvir o Verbo pelo próprio Verbo! Ele e seus amigos rodaram pela terra devastada, ouvindo o que todos os demais no mundo estavam ouvindo e, todavia, Rayford tinha a certeza de que cada um tomava aquelas palavras como para si mesmo. Ele certamente o fazia. E quase no momento em que esquecia essa verdade, Jesus se referiu a ele pelo nome.
"Rayford, nasci para isto e por esta causa vim ao mundo, para dar testemunho da verdade. Quem for da verdade ouve a minha voz. Não posso fazer nada por mim mesmo, mas aquilo que o Pai faz isso faço. Sou a pedra que os construtores rejeitaram, todavia me tornei a pedra angular, tendo sido construída sobre o fundamento dos apóstolos e profetas."
- Senhor, eu te adoro - sussurrou Rayford, ouvindo que Mac também orava. Abdullah continuou dirigindo com lágri¬mas escorrendo pelo rosto.

TREZE

Rayford teve de sorrir. Ali estavam realmente os flancos sulinos dos dois terços restantes do Exército da Unidade da Comunidade Mundial do Anticristo, mas eles pareciam pouco mais organizados e prontos para lutar do que os cadáveres deixados em Edom. Essa talvez fosse a razão de Carpathia não estar à vista e, pelas transmissões que ouviam, ele estava indo mais para o norte, para o centro de suas forças em Megido.
Tanto Tsion Ben-Judá quanto Chaim Rosenzweig haviam dito a Rayford durante anos que de todas as passagens pro¬féticas das Escrituras, as quatro batalhas finais entre Jesus e os exércitos de Armagedom eram as mais difíceis de com¬preender e colocar em seqüência.
- O melhor para nós é seguir Jesus - Rayford disse.
- Esse é que foi um sermão na acepção da palavra - afir¬mou Mac.
- Essas batalhas vão acontecer onde já foi determinado e a única coisa da qual estou certo é de quem vai ganhar.
- Olhe, tenho um pouco mais certeza do que isso - disse Abdullah.
Rayford viu Mac olhar surpreso para Abdullah.
- Não diga, Abdullah. Vamos, conte.
- Estive estudando.
- Estudando o quê?
- Geografia na maior parte. Por minha conta.
- Isso pode ser perigoso.
- Achei bastante informativo.
- E eu gostaria de ouvir, Abdullah - Rayford disse.
Mac sacudiu a cabeça e acomodou-se.
- Rapazes, aqui vamos nós.
- Fiquei curioso, querendo saber porque toda a história apontava para Armagedom no final. Ou seja, o que é Armagedom? É um lugar com muitos nomes e também com uma grande extensão.
- Você deveria ser professor, Abdullah - interpôs Mac.
- Vocês dois são pilotos e viram muitas vezes as cadeias de montanhas que ladeiam a Palestina.
- Claro, perto da costa do Mediterrâneo.
- Conhecem a fenda onde todas as montanhas descem de repente a altitudes de cerca de 90 metros ou menos?
- Lá em cima, onde as terras altas se separam dos montes ao norte da Galiléia?
- Exatamente. É o vale de Jezreel.
- Eu sempre pensei que ali fosse a planície de Esdraelom - disse Mac - ou seja qual for o nome que lhe dêem.
- Muito bem, Mac - disse Abdullah. - Ponto para você. Jezreel é o nome hebraico. Esdraelom é o grego.
- Puxa, estou vendo que você andou mesmo estudando.
- Há mais ainda. Alguns o chamam de planície de Megido, por causa da cidade que fica imediatamente a oeste dele. E é então que obtemos a palavra Armagedom.
- O quê? - Mac disse. - Você me deixou confuso, professor.
- Armagedom vem do hebraico Har Megiddo, que sig¬nifica monte Megido.
- Você fez mesmo a lição de casa, garoto.
- Os especialistas dizem que em Megido houve mais guerras do que em outro lugar do mundo por ser tão estrate¬gicamente localizado. Treze batalhas até o final do primeiro século. Alguns dizem que Megido foi construída 25 vezes e destruída 25 vezes.
- A cidade natal de Jesus não fica para aqueles lados? Nazaré?
- Ao norte do vale - disse Abdullah. - Imagine como será para ele lutar com um exército inteiro assim tão perto de casa.
Como indicação da incerteza das forças do Exército da Unidade, o Hummer deles foi praticamente ignorado. O exér¬cito, como todos os demais, parecia ter os olhos pregados em Jesus, observando-o cuidadosamente com os seus santos. Da maneira como as notícias viajavam nos campos de batalha, aquelas tropas sem dúvida já sabiam da carnificina em Edom.
Rayford avisou Abdullah para ficar longe do exército.
Embora permanecesse confiante na invulnerabilidade deles, não haveria proveito em servirem de alvo para o fogo inimigo.
- Vou provavelmente arrepender-me de perguntar isto, Abdullah - disse Mac - mas o que você aprendeu sobre Megido e tudo isso, além dos nomes? Quero dizer, o que é tão estratégico a respeito?
Rayford achou interessante a maneira como Abdullah reagiu à pergunta. Mac deveria estar ainda mais surpreso do que Ray. Não era freqüente Abdullah ficar em posição de ensinar a seus superiores. Mas, ele parecia ter assimilado bem os fatos.
- É o palco perfeito para a história. O monte Megido não é realmente muito maior que uma colina. Durante séculos, foi o lugar de onde a passagem estratégica era guardada - a estrada internacional que ia do leste até o Egito.
- Nos últimos meses, os exércitos inimigos foram se reunindo em um único, como sabem. Os que vieram do ocidente, do império romano renascido, desembarcaram em Haifa e seguiram diretamente para o vale do Megido.
- Os exércitos do oriente atravessaram o leito seco do rio Eufrates e também se encaminharam para o mesmo lugar. Os exércitos do norte passaram pelo monte Hermom e desce¬ram para a terra de Israel, terminando no vale de Jezreel, no monte Megido.
- Faz sentido - disse Mac. - Garoto, você errou de profissão.

***

Chaim não conseguiu deixar de sorrir. Tsion Ben-Judá, primeiro seu protegido e eventualmente seu mentor, lhe dis¬sera certa vez que a profecia era a história escrita antecipa¬damente. Ali estava ele, aos 70 anos, vivendo essa história.
O maná não caíra mais desde que Jesus aparecera nas nuvens. Embora Chaim soubesse que eventualmente ele e todos os outros mortais teriam de comer, estava certo de que ninguém passava fome, como ele também não passava. O Pão da Vida chegara.
Era como se os seus 50 anos tivessem evaporado. Chaim sabia que não mudara de aparência, mas não sentia fadiga nem dores. Não tinha doenças graves a serem tratadas, mas se Rayford fora curado apesar de seus ferimentos e a enfermaria fora fechada num instante, a idéia de que Chaim tivesse sido libertado da devastação da idade fazia sentido.
Ficou bastante impressionado por ter sido capaz de sair de Petra e seguir para Bozra sem ajuda. Quando começou, porém, a andar mais depressa, a correr e finalmente a quase voar sobre o caminho, Chaim soube que não se tratava de uma façanha pessoal. Ele não se cansara nem tivera dor nas articulações. Não fosse a sua concentração em seu Salvador, poderia sentir-se até inclinado a compartilhar de seu jogo favorito: futebol. Imagine, pensou, um velho como eu cor¬rendo com as crianças.
À medida que o remanescente de Petra seguiu o Senhor e seu exército para Jerusalém, Chaim sentiu-se cheio de orgulho e gratidão. Embora tivesse tido centenas de milhares sob a sua autoridade e cuidado nos últimos três anos e meio, muitos dos quais sequer encontrara e muito menos conhecera, ele sentia amor e responsabilidade por essas pessoas. Deus tinha sido fiel, alimentando-as, providenciando água para elas, protegendo-as.
O que viria agora? Deveriam ir com Jesus para a batalha de Armagedom, ou seriam enviados a Jerusalém? A informa¬ção recebida da Cidade Santa era que o Exército da Unidade estava apenas brincando com o que sobrara da resistência, e quando desejasse e estivesse pronto, invadiria a Cidade Velha e completaria a queda de Jerusalém.
Chaim sabia que isso fora profetizado e iria acontecer, mesmo com Jesus em cena. Mas, ele vingaria rapidamente a perda e a reverteria. E muitos outros judeus remanescentes entrariam no reino.
O que mais emocionava Chaim eram as falas de Jesus. Como ele se dirigia ao mundo inteiro, mas tornava suas palavras tão pessoais, constituía um mistério. Isso satisfa¬zia de alguma forma a ânsia de Chaim por uma audiência pessoal com o seu Senhor. Apesar de saber que todos
estavam ouvindo a mesma coisa, para Chaim era como se Jesus estivesse dizendo a cada vez: - Chaim, venha aqui. Quero contar-lhe algo. - Como é claro, Chaim ouviu as palavras dele em hebraico.

***

Uma coisa era ter voado sobre o Exército da Unidade e visto o mesmo em massa. Outra muito diferente era rodar nas extremidades dele, aparentemente nunca chegando ao fim. Rayford impressionou-se com o enorme empreendi¬mento de equipar tamanha força de combate.
Milhões de uniformes, armas, munições, veículos e várias peças de equipamento faziam toda a operação parecer perfeitamente suprida para a sua tarefa. Em termos humanos, eles não podiam perder. Teriam condições de esmagar qualquer inimigo mortal no planeta.
Seria, entretanto, necessário que enfrentassem um Homem, o Filho do Deus vivo. E foram derrotados antes de começar.
O remanescente que acompanhava Jesus no chão e os exércitos celestiais começaram a cantar louvores enquanto corriam. Calaram-se, porém, rapidamente quando Jesus respondeu.
"Fui coroado de glória e honra pelo sofrimento da morte, para que, pela graça de Deus, pudesse provar a morte por todos. Fui o Libertador que saiu de Sião e repeli a impiedade de Jacó. Fui a semente de Davi, ressuscitado dos mortos, Mediador da nova aliança. Sofri de uma vez por todas pelos pecados, o justo pelos injustos, para que pudesse levá-los a Deus, sendo morto na carne, mas revivido pelo Espírito".
Não havia sequer um combate sendo travado naquele momento, mas, de maneira incrível, milhares de soldados do Exército da Unidade foram mortos simplesmente pelas palavras do Senhor, enquanto ele passava. Eles não estavam lutando, nem ameaçando, avançando ou sequer se movendo. Haviam, porém, tomado a sua decisão. Tinham empenhado a sua lealdade ao deus deste mundo, aceito deliberadamente a marca do anticristo e dobrado o joelho diante dele. Não restava mais para eles qualquer recurso.
Rayford emocionou-se com as poderosas palavras do Mestre e ficou horrorizado com a carnificina resultante. Seu coração estava cheio, mas achou difícil desviar os olhos do sangue derramado pelo chão. Oh, o que aquilo pressagiava para o exército como um todo quando a batalha realmente começasse!
De que forma os homens e mulheres sobreviventes podiam ver seus companheiros sofrerem morte tão hor¬rível - simplesmente por meio das palavras pronunciadas do céu - e ainda se disporem a continuar combatendo, estava além da compreensão de Rayford.
"Meus inimigos se tornaram o estrado de meus pés", disse Jesus. "Não com o sangue de bodes e de bezerros, mas com o meu próprio sangue entrei no Lugar Mais Santo a favor de todos, tendo obtido redenção eterna. Sou o Filho de Deus que veio para dar-lhes entendimento, a fim de que possam conhecer o Deus verdadeiro".
"Sou o pão da vida que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá para sempre; o pão que ofereci é a minha carne, dada para que o mundo viva. Sou o Verbo que se fez carne e habitou entre vocês, e contemplaram a minha glória, a glória de quem foi concebido pelo Pai, cheio de graça e verdade. Em mim habita corporalmente a plenitude da divindade".
"Rayford, tome sobre si o meu jugo e aprenda de mim, pois sou manso e humilde de coração, e encontrará descanso para a sua alma. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve." [Tradução livre]
Cada vez que Jesus falava o seu nome, Rayford se como¬via novamente. Ele olhou de relance para os amigos e viu que o Senhor se comunicara com eles da mesma forma. Mac enterrou o rosto nas mãos, sussurrando:
- Obrigado, Jesus. - Abdullah aparentemente desejava encostar o carro e simplesmente adorar a Deus.

***

Sebastian, que estava correndo com a mão de Kenny nas suas, sentiu um puxão. Abaixou-se para ouvir e Kenny disse:
- Jesus está falando comigo.
- Eu sei! - respondeu Sebastian. - Não é maravilhoso?

***

- Precisamos de um prédio adequado - irmão Enoque.
- Ótima idéia - disse Enoque. - Quem pode impedir-nos agora?
- Será possível que tudo que tenhamos a fazer é descobrir o que está à venda ou para alugar e fazer negócio?
- Por que não?
- Poderemos colocar uma cruz nele e chamá-lo pelo nome?
- Se Jesus fala conosco pelo nome, não vejo razão para não fazer isso. Quem fosse contra receberia o mesmo trata¬mento que seus inimigos estão tendo no mundo inteiro.
- Vamos então agir. Igrejas vão estar surgindo em todo canto.

***

Nas duas horas seguintes, a cena mudou de maneira notável. Quanto mais Rayford, Mac e Abdullah viajavam na direção norte, tanto mais evidente ficava que o Exército da Uni¬dade se entrincheirara e estava pronto para a batalha das eras.
Eles deveriam saber o que as outras unidades haviam sofrido; mas, ou as transmissões de encorajamento e desafio de Carpathia tinham tido sucesso em animá-los, ou sentiram-se estimulados ao saber que suas forças possuíam o dobro do tamanho da força de seus companheiros derrotados. Mesmo com um terço do exército reduzido a nada, o restante repre¬sentava o maior poder militar já reunido em um só local.
Eles talvez não tivessem entendido ou compreendido completamente o que acontecera. Podiam ver Jesus e seu exército e na essência de seu ser deviam ter-se sentido desalentados ao ver que um inimigo a cavalo e aparente¬mente desarmado - embora com a habilidade de desafiar a gravidade e mover-se a uma velocidade incrível - pudesse competir com um adversário formidável como eles.
Rayford viu, porém, organização, poder, determinação. Não ia haver absolutamente uma rendição. Todavia, nada nas Escrituras indicava que o resultado seria de modo algum diferente daquele que eles tinham assistido em Edom.

***

Chang ficou intrigado ao ver que o caminho que tomaram da terra de Edom para Megido passava a uma boa distân¬cia de Jerusalém, na direção oeste. Era como se o Senhor soubesse que o remanescente ficaria muito curioso com respeito à sua terra natal. Ele talvez queria que vissem o que ocorrera em Megido.
Era estranho, disse Chang a Naomi, ouvir Jesus falando do céu e o anticristo em seu fone de ouvido. Sentia às vezes necessidade de simplesmente removê-lo. Quando Jesus o chamou pelo seu nome em chinês, Chang sentiu arrepios percorrer-lhe o corpo. Na vez de Naomi, ele observou os olhos dela se arregalarem admirados e ela ficou sem fala por vários minutos.
Era possível que chegasse o dia em que eles pudessem falar sobre como aquele fora para eles um momento de grande intimidade, mas evitaram o assunto. Para Chang, fora pessoal demais e ele supôs que o mesmo ocorresse com ela.
Curiosa também era a luz sem sombras que continuaria a existir enquanto Jesus estivesse no meio deles. Chang viu-se propenso a fazer sombras com as mãos. Uma fonte de luz onipresente era algo que a ciência jamais conseguira. Os homens que amavam mais as trevas do que a luz não iriam sentir-se felizes no reino milenar.
O brilho penetrante da pureza de Cristo tornaria fácil governar as nações com cetro de ferro. Para os crentes que o amavam e amavam a ver¬dade, seu governo seria uma esplêndida mudança em relação aos sete últimos anos e, de fato, os milênios antes deles. Mas, para as pessoas interessadas apenas em tirar proveito da situação, ainda rejeitando a Deus, o reinado de Jesus seria certamente bastante desconfortável.
Chang gostava de conversar com Naomi, mesmo correndo a velocidades sobre-humanas. Eles não tinham de gritar, não estavam ofegantes, e quando Jesus não estava falando, eram eles que falavam. Na maior parte das vezes, conversavam como seria casar-se e criar filhos numa época como aquela. Quem realizaria a cerimônia e será que o próprio Jesus compareceria?
Chang sentia alegria quando Jesus se punha a falar. O remanescente inteiro caía em silêncio, ouvindo, adorando ao seu Salvador.
"Sou aquele a quem Deus exaltou com sua destra a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependi¬mento e a remissão de pecados" (At 5.31).
"Eu lhe dou a vida eterna, Chang; você jamais perecerá e ninguém o arrebatará da minha mão. Meu Pai, que deu você a mim, é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar. Eu e o Pai somos um" (Jo 10.28).
- Obrigado, Senhor - disse Chang.
Mas, Jesus ainda não havia terminado.
"Dou a você a minha paz; não a dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize" (Jo 14.27).
Chang não podia sequer conceber a idéia de ficar nova¬mente com medo.

***

Mac queria ir para Jerusalém a pé.
- Tem certeza? - Rayford perguntou.
- A não ser que você não permita.
- Não vejo motivos. O que pretende?
- Quero saber em primeira mão o que está acontecendo por lá. Vou ficar em contato pelo rádio e pelo telefone. Pelo que pude ver, não vou perder nada que o Senhor vai falar.
- Você sabe o que vai acontecer, Mac. Jerusalém vai cair, mas Jesus irá resgatar o dia.
- E por que não posso querer um lugar na primeira fila para assistir tudo?
- Voltaremos a tempo para isso.
- Quando você chegar, eu o terei mantido atualizado sobre os detalhes.
- Faça o que quiser.
- Obrigado. - Mac saiu do Hummer, dirigindo-se para Jerusalém.
- O que o Exército da Unidade pode fazer com ele se o apanharem? - indagou Abdullah.
Rayford sacudiu a cabeça. - Gostaria de pensar que não teriam poder sobre ele.
- Não sabemos com certeza.
- É verdade, não sabemos. Mas ele sabe cuidar de si mesmo.
- Está desarmado, capitão.
- De certa maneira.
Quando Rayford e Abdullah chegaram finalmente ao vale de Megido, o Senhor e seus exércitos pareciam ter deixado o remanescente de Israel na metade do caminho entre o vale e Jerusalém. Rayford só podia supor que o plano de Jesus era manter o remanescente em sua companhia até a conquista de Jerusalém e o que viesse em seguida; mas, por alguma razão, não queria que testemunhasse o que aconteceria ali.
Mac informou que um contingente colossal do Exército da Unidade cercava Jerusalém inteira e parecia estar simples¬mente aguardando ordens.
- Há muita inquietação no exército daqui - disse ele. - Reclamações. Fome. Boatos de falta de pagamento e nada de reforços. Muitos rumores sobre o que aconteceu no sul.
- Interessante - disse Rayford. - Não há divisão entre as forças daí e daqui. O imenso exército está virtualmente contíguo desde o oeste do mar Morto até o vale de Megido; portanto, é possível que alguns dos que você está vendo sejam enviados para a ação deste lado e vice-versa.
- É uma extensão enorme, Ray. Você está dizendo que este exército continua tão grande quanto era no começo?
- Exceto pelas baixas acontecidas antes em Edom. Mac assobiou.
- Como vai o meu homem, Abdullah?
- Calado como sempre. Ele gosta de ouvir a voz de Jesus.
- Não é o que todos gostamos? Diga a ele que mandei um "oi".

***

George Sebastian misturou-se com o contingente do Comando Tribulação no lugar de descanso ao norte de Jerusalém. Não conseguiu deixar de pensar quanto avançara desde a sua fuga da Grécia onde quase perdera a vida e teve de matar para permanecer vivo.
- De outro modo - disse ele a Priscilla - eu estaria acenando para você do outro lado dos céus.
- Nós não sabíamos mesmo no que estávamos nos envol¬vendo, não é? - disse ela.
- De jeito nenhum.
- Nossos dias de soldados acabaram, certo? - interferiu Razor.
Sebastian suspirou:
- Espero que sim.
- Cansado? - perguntou Razor.
- Na verdade não, embora devesse estar. Em pé o dia e a noite inteiros e agora com esta luz, não tenho idéia de que horas são. E toda essa viagem? A corrida? Deveria sentir-me capaz de dormir durante um mês, mas estou com a corda toda. Gostaria de ver o que está acontecendo ao norte.
- Eu também - concordou Razor. - Ainda vejo e ouço Jesus. Não compreendo porque sua voz não soa mais dis¬tante. O som continua o mesmo para mim.
Priscilla interrompeu:
- Acho que é porque nós o ouvimos no coração e não com os ouvidos.
Razor encolheu os ombros.
- Pode ser. Caso contrário, como cada um poderia ouvir o seu próprio nome?
Todos silenciaram quando o Senhor falou outra vez.
"Ninguém jamais viu a Deus; eu, o Deus unigênito, que vim do seio do Pai, é quem o revelou. Sou chamado Filho do Altíssimo e hoje o Senhor Deus me dará o trono de Davi, meu pai" (Jo 1.18; Lc 1.32).
De repente, outra voz ecoou do céu e Sebastian soube imediatamente que era o próprio Deus. "Eis meu Servo a quem escolhi. Meu Filho amado em quem me comprazo! Coloquei sobre ele o meu Espírito e ele vai declarar justiça." [Tradução livre]
Em seguida, veio a voz de Jesus: "A lei foi dada por inter¬médio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de mim. Agora, George, possa o Deus da paz que me fez ressur¬gir dos mortos e me tornou o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da aliança eterna, tornar você completo em toda boa obra para cumprir a sua vontade, operando em você o que é agradável aos seus olhos. Amém." [Tradução livre]
Depois do amém, todo o remanescente caiu de joelhos, orando e agradecendo a Deus. Sebastian sabia que cada um ouvira novamente o seu próprio nome na bênção pronunciada por Jesus; todavia, isso não tornou o episódio menos pessoal.

***

Rayford subiu outra vez no Hummer com Abdullah. Eles olharam para a multidão de inimigos, à medida que milhares praticamente explodiam ao ouvir as palavras de Jesus e mor¬riam antes de chegar ao solo. A batalha de Armagedom nem sequer começara. Rayford ouviu Nicolae Carpathia procu¬rando encorajar e reunir as tropas.
Ele vociferou instruções aos generais e comandantes. - Este é o nosso verdadeiro inimigo - disse. - Vençam-no e a vitória é nossa. Jerusalém não será obstáculo.
Como ele conseguira reunir tantos milhares de tropas num só lugar e se encaminhando na mesma direção era difícil para Rayford compreender, mas de alguma forma Nicolae fizera isso. De algum modo ele orquestrara um exér¬cito em meia-lua, cobrindo centenas de quilômetros quadra¬dos, todos de frente para Jesus no céu.
Iria fazê-los atirar sobre o Rei dos reis? Como determi¬naria a distância onde Jesus se encontrava? Se os exércitos de Carpathia não conseguiram aniquilar simples mortais, o que ele esperava naquelas circunstâncias?
Antes que uma ordem pudesse ser dada ou um tiro lan¬çado, Jesus falou. Embora durasse apenas alguns minutos, a devastação foi enorme.
"Provai os espíritos se procedem de Deus", disse, "porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo" (1 Jo 4.1-3).
Rayford ouviu Carpathia furioso, amaldiçoando.
E Jesus disse: "Um rei poderoso levantou-se e reinará com grande domínio e fará o que lhe aprouver. Mas, no auge, o seu reino será quebrado e repartido para os quatro ventos do céu; mas não para a sua posteridade, nem tam¬pouco segundo o poder com que reinou, porque o seu reino será arrancado e passará a outros fora de seus descendentes" (Dn 11.3-4).
"Este é o tempo determinado. O rei deste mundo fez segundo a sua vontade: se levantou e se engrandeceu sobre todo deus, contra o Deus dos deuses disse cousas incríveis e prosperou até agora. Mas, o que está determinado será feito" (Dn 11.36).
O grande exército estava em pandemônio, dezenas de milhares gritando juntos em terror e sofrimento, morrendo ao ar livre. O sangue jorrava deles em grandes ondas, juntando-se para formar um rio que logo se transformou em pântano.
"Não teve respeito aos deuses de seus pais, nem a qualquer deus, porque sobre tudo se engrandeceu. Mas, em lugar dos deuses, honrou o deus das fortalezas; a um deus que seus pais não conheceram, honrou com ouro, com prata, com pedras preciosas e cousas agradáveis. E aos que o reconhe¬cerem, lhes repartirá a terra por prêmio" (Dn 11.37-39).
"No tempo do fim, o rei do Sul lutará com ele, e o rei do Norte arremeterá contra ele com carros, cavaleiros e com muitos navios, e entrará nas suas terras, e as inundará, e passará. Entrará também na terra gloriosa, e muitos sucumbirão, mas do seu poder escaparão estes: Edom, e Moabe, e as primícias dos filhos de Amom" (Dn 11.40,41).
Rayford olhou para Abdullah:
- O seu estudo de geografia ensinou onde essas nações estavam? Quero dizer, sei que Edom se achava no lugar de Petra.
- Moabe fica ao norte dali, no Jordão, e Amom ainda mais ao norte.
Jesus continuou:
"Estendeu a mão também contra as terras, e a terra do Egito não escapou. Apoderou-se dos tesouros de ouro e de prata e de todas as cousas preciosas do Egito; os líbios e os etíopes o seguiram. Mas, pelos rumores do Oriente e do Norte, foi perturbado e saiu com grande furor, para destruir e exterminar a muitos. Armou as suas tendas palacianas entre os mares contra o glorioso monte santo..." (Dn 11.42-45).
- Ele quer dizer Jerusalém - afirmou Abdullah.
- "...mas chegará ao seu fim, e não haverá quem o socorra" (v.45).
Pareceu a Rayford que todo o Exército da Unidade em seu campo de visão estava morto ou agonizante, enquanto isso o sangue continuava a aumentar. Milhões de aves se encaminharam para a área e se banqueteavam com os restos.
Carpathia berrou frenético:
- Este não será o meu fim. Renderei sua amada cidade e a destruirei com ele! Leon, tire-me daqui!

***
QUATORZE

- Abdullah - Rayford disse, vamos seguir Carpathia e Fortunato.
- Fala sério, capitão?
- Eles nem vão notar.
- Uma coisa que não entendo, capitão, é por que Jesus não os prende? Ele extermina quase todo o exército com a palavra da sua boca e, no entanto, permite que esses dois fiquem livres. Sei que não vai matá-los, mas parece estar brincando com eles.
- Não sou teólogo - respondeu Rayford - mas, como sabe, Deus tem o seu próprio calendário. Tudo isto foi pro¬fetizado e escrito. Vai acontecer na hora exata.
Abdullah apontou o Hummer na direção do vale e do Humvee maior de Carpathia. Pela primeira vez depois da aparição de Jesus, o céu começou a escurecer.
Nuvens escuras, ameaçadoras, se formaram no horizonte e rapidamente subiram, enchendo os céus, exceto onde o Senhor e se exército pairavam.
- Está sentindo isso? - Mac falou pelo rádio. - A tempera¬tura deve ter descido cerca de dez graus no último minuto!
- Alguma coisa vai acontecer - Rayford comentou.
- Você entendeu agora o óbvio. Estou procurando abrigo, Rayford.
- Fique em contato.
- Não se preocupe.
Rayford e Abdullah fecharam as janelas.
- Não quer que eu perca o Leon? - perguntou Abdullah, apontando bem além da área de extermínio para onde o Humvee estava ganhando velocidade, aparentemente procurando descobrir um caminho para Jerusalém através do massacre.
- Só fique de olho nele - Rayford disse. - Vão ter dificul¬dades para seguir nessa direção. Ei, ligue o aquecedor!
Abdullah parou do outro lado de um barranco que sepa¬rava as terras altas do vale onde jaziam milhares de corpos. Embora o sangue tivesse cessado de correr, ele parecia esvair-se dos corpos e encher rapidamente as partes mais baixas.
Gelo apareceu no pára-brisas.
- Esta é a primeira vez que vejo isto nesta parte do mundo - disse Abdullah. - Já vi na América, mas não aqui.
Ligou os limpadores, mas eles simplesmente espalharam o gelo e impediram a visão.
Rayford mexeu nos controles até que conseguiu fazer com que o aquecedor e o desembaçador funcionassem, desobstruindo depressa a janela. Sentia muito frio, apesar do aquecedor ligado. E o céu ficou cada vez mais escuro. De modo estranho, sombras ainda não apareciam no chão. A luz de Cristo continuava a invadir tudo, exceto pela negritude do céu que o cercava e os seus seguidores a cavalo.
De repente, uma voz veio do céu, alta e autoritária, mas não era a de Jesus. "Está consumado!"
Relâmpagos explodiram das nuvens, seguidos por fortes trovões. A seguir, veio o granizo - se é que se podia chamar assim. Não se tratava apenas de lascas de gelo - não eram do tamanho de uma bola de golfe ou de softball.
O primeiro pedaço visto por Rayford parecia do tamanho de uma mesa de jantar, com 15 centímetros de espessura. Ele caiu a cerca de seis metros abaixo do Hummer e se enterrou alguns centí¬metros no chão. O choque parecia o de uma bomba.
Os poucos soldados remanescentes do Exército da Unidade comportavam-se como loucos, arrancando os cabelos, alguns se matando, outros pedindo aos companheiros que os matas¬sem. Outro pedaço bateu num lançador de granadas e o acha¬tou. Em breve, blocos de 45 kg aproximadamente começaram a atingir todo o terreno, esmagando corpos, destruindo caminhões, carros e jipes.
O Humvee real, com Leon dirigindo erraticamente, escapou por pouco de três pedaços, um dos quais apanhou a cabeça de um ajudante que corria e o esmagou no chão. As gigantescas pedras de granizo começaram em breve a cair continuamente e não havia possibilidade de fuga. Era como se Deus estivesse enterrando o campo de batalha sangrento numa camada espessa de gelo.
- Este granizo está também caindo em Jerusalém? - Rayford perguntou a Mac pelo rádio.
- Não. Granizo nenhum. O céu parece estar ameaçando chuva ou neve, mas até agora só estamos sentindo frio.
Os sobreviventes permaneciam apenas em lugares espalhados, mas em vez de procurar abrigo, proteger as cabeças ou até cair de joelhos e pedir misericórdia, eles levantavam o rosto para o céu, gritando, aparentemente protestando contra Deus, fazendo gestos obscenos para Jesus e seu exército. Em pouco tempo, foram esmagados debaixo das monstruosas pedras de granizo.
A temperatura voltou ao normal tão depressa quanto descera e as nuvens desapareceram. Toda a criação parecia novamente brilhante como o dia e embora o sol não tivesse aparecido desde a chegada de Jesus, o deserto logo ficou novamente agradável. Rayford desligou o aquecedor e abriu os vidros. Ele e Abdullah voltaram a seguir Leon e Nicolae.
O gelo começou a derreter depressa e a água se misturou com a torrente de sangue.
- Pare aqui - Rayford disse, enquanto observavam a mis¬tura de sangue e água subir acima dos pneus do Humvee do potentado. O veículo logo encalhou no lodo marrom tingido de vermelho. Rayford ouviu Carpathia esbravejando com Leon para tirá-los daquela imundície e continuar para Jerusalém. Todas as possibilidades de fuga foram, porém, bloqueadas pelo lodo que se avolumava. Quando chegou ao meio da porta do veículo, Carpathia ordenou que Leon saísse para empurrar, enquanto ele subia para o assento do motorista.
- Mas, Excelência, vou me afogar!
- Isso não vai acontecer. Quer que o seu rei saia?
- Não, meu senhor, claro que não. Mas eu-eu, ah... Leon abriu a porta e o líquido invadiu o veículo.
- Vamos, homem! - gritou Nicolae. - Feche a porta!
Leon pisou hesitante no líquido, que chegava à sua cin¬tura e fazia seu manto inchar como um balão. Ele deixara sensatamente o barrete no Humvee.
- Está gelado! - esganiçou.
- Minhas pernas estão adormecendo.
- É claro que está gelado! Há gelo aí! Comece a empurrar!
- Está cheirando mal!
- Empurre!
Levou algum tempo para Leon chegar à parte de trás do veículo e o chão debaixo da superfície era claramente aciden¬tado. Ele quase mergulhou certa vez e teve de agarrar-se ao pára-choque para manter-se em pé. Seu manto era uma sujeira só, tinha as mãos e o rosto pálidos, o cabelo desgrenhado. Rayford podia ver que estava tiritando de frio.
Quando Leon chegou à parte de trás do Humvee, Carpathia aparentemente pisou fundo no acelerador, mas tudo que con¬seguiu foi levantar uma coluna de líquido e vapor que cobriu Leon. O Humvee ficou imóvel.
- Tente sacudi-lo! - gritou Leon.
- É para isso que você está aí! Agarre o pára-choque e levante!
- Levantar um Humvee?
- Sacuda!
Eles finalmente coordenaram os movimentos de Leon, levantando e empurrando, e os de Carpathia, ligando e des¬ligando o motor, e aquela coisa enorme começou a balançar. Quando finalmente moveu-se, Leon perdeu o equilíbrio e caiu de bruços, mergulhando de todo. Ele levantou-se gague¬jando e procurando enxugar o rosto.
Nicolae levou o veículo a um terreno um pouco mais alto e Leon correu para o lugar do passageiro. Ao abrir, porém, a porta, Carpathia já estava ali.
- Eu não vou dirigir, Leon! O que isso iria parecer?
Leon arrastou-se pela frente do carro e puxou a porta.
Pouco antes de subir, ele despiu o manto sujo pela cabeça e o abandonou no rio de sangue que crescia. Subiu com dificuldade no carro em suas roupas de baixo, garantindo a Nicolae que tinha outra muda no banco de trás.
- Coloque-as então, imediatamente!
O Humvee sacudiu e balançou enquanto Leon pegava roupas secas e se trocava no carro. Decidindo aparentemente que seu gorro adornado não iria adequar-se ao seu novo traje, ele o jogou pela janela e dirigia devagar, procurando um lugar ainda mais alto. O sangue já subira até mais de um metro.

***

Quando o céu clareou e a temperatura subiu, Mac esfregou os braços nus e saiu de um abrigo leve sob árvores esparsas não muito longe do monte do Templo. Embora não estivesse com o uniforme do Exército da Unidade, ele não devia estar parecendo também um rebelde, pois foi virtualmente igno¬rado.
Muitos dos cidadãos normais, não-combatentes, estavam andando entre os milhares de soldados, que passavam a maior parte do tempo sentados.
Alguns pelotões recebiam ordens para ir daqui para ali, aparentemente de acordo com os caprichos de um general ou comandante, mas todo o combate cessara. As forças da Comunidade Mundial haviam ocupado Jerusalém inteira, exceto o monte do Templo, e cercavam este local. Um general com um alto-falante portátil, ocasionalmente tentava persuadir o pequeno grupo de rebeldes a se render e evitar o derramamento de sangue.
Mac achou engraçado que o general pensasse que os rebeldes não tinham acesso a informações de fora. Por ter falado com eles, Mac sabia que possuíam rádios e até algu¬mas televisões. Tinham conhecimento do que acontecera em Petra e Bozra e em breve naturalmente saberiam até mesmo o resultado da batalha de Armagedom.
Mac achava estranho que os soldados pudessem ficar à toa, fumando e jogando cartas, olhando só ocasionalmente para o céu para ver o que Jesus estava fazendo. Aquilo talvez fizesse parte do endurecimento dos corações; mas, Mac pensou que ele, na mesma situação, reconheceria que o seu fim estava próximo.
O inimigo deles era claramente sobrenatural e não fora detido nem pela arma mais poderosa da História. A guerra estava praticamente terminada.
Todavia, Nicolae Carpathia, o grande enganador, apesar de não ter vencido sequer uma escaramuça desde o apareci¬mento de Cristo, havia de alguma forma convencido as tropas de que Jerusalém era a chave. Se pudessem tomar a Cidade Santa, ele retornaria ao seu trono de direito, o Filho de Deus seria derrotado, e tudo voltaria a ficar certo no mundo.
A única coisa que esse argumento tinha a seu favor era a situação atual de Jerusalém. A idéia dos rebeldes resistirem enquanto cercados e em número tão insignificante com rela¬ção ao inimigo era risível e patética. Exceto que, como Mac sabia, eles estavam do lado certo.

***

Rayford pensara que não conseguiria mais ficar chocado. O que ele poderia ver que fosse mais surrealista do que as últimas horas? Todavia, enquanto Abdullah mantinha uma distância cuidadosa e vigilante do Humvee de Carpathia, tudo o que Rayford podia fazer era observar as conseqüên¬cias da chamada última batalha.
É claro que não houvera realmente um combate. O Exército da Unidade erguera os sabres, carregara as armas e fizera bastante alarido. Jesus, entretanto, aniquilou a todos com simples palavras.
É claro que aquelas palavras tinham sido as palavras de Deus e o efeito era esmagador. Quilômetro após quilômetro, Abdullah dirigiu ao lado de um rio de sangue de vários quilô¬metros de largura e agora com cerca de 1,5 metro de profun¬didade. Toda a força militar de Carpathia, de vários milhões de tropas, fora reduzida a talvez um milhão. Esse era um número ainda grande e do ponto de vista humano os rebel¬des jamais poderiam igualá-lo. Mas, a devastação do Exército da Unidade num período tão curto deveria ter deixado claro a Carpathia que seus dias estavam contados.
Ao contrário, ao ouvi-lo falar animadamente com Leon no carro e às tropas remanescentes pelo rádio, o que acontecera servira apenas como simples motivação.
- Nosso alvo permanece - disse Carpathia - e nossa tarefa é clara. Tomar a cidade do Pai, aniquilar o povo escolhido e matar o Filho. Este foi o nosso desígnio desde o princípio. Nós o atraímos e em breve faremos com que esteja onde o queremos. Permaneçam leais, permaneçam sinceros, permaneçam vigilantes e serão recompensados.
Enquanto isso, Jesus se voltara para os remanescentes e falou diretamente com eles. Rayford e Abdullah ficaram ouvindo.
"Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido o anti¬cristo, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Ele procede do mundo; por essa razão, fala da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de - Deus; aquele que conhece a Deus me ouve; aquele que não é da parte de Deus não me ouve. Nisto vocês reconhecem o espírito da verdade e o espírito do erro" (1 Jo 4.6).
"Amados, amem-se uns aos outros, porque o amor pro¬cede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Deus em vocês: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para viverem por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que tenham amado a Deus, mas em que ele amou vocês e me enviou como propiciação por seus pecados".
"Rayford, se Deus de tal maneira o amou, você deve também amar aos outros" (1 Jo 4.7-11).
Rayford era sempre atingido ao ouvir seu nome, como sabia que Abdullah e todos os outros deviam ser. A seguir, Jesus passou da exortação pessoal para uma explicação clara do que acabara de acontecer.
"Então, os ajuntaram no lugar que em hebraico se chama Armagedom... derramou o sétimo anjo a sua taça pelo ar, e saiu grande voz do santuário, do lado do trono, dizendo: Feito está! E sobrevieram relâmpagos, vozes e trovões, e ocorreu grande terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a terra; tal foi o terremoto, forte e grande... também desabou do céu sobre os homens grande saraivada, com pedras que pesavam cerca de um talento; e, por causa do flagelo da chuva de pedras, os homens blasfemaram de Deus, porquanto o seu flagelo era sobremodo grande".
"Um anjo saiu do santuário, gritando em grande voz para aquele que se achava sentado sobre a nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar, visto que a seara da terra já amadureceu. E aquele que estava sentado sobre a nuvem passou a sua foice sobre a terra, e a terra foi ceifada".
"Então saiu do santuário, que se encontra no céu, outro anjo, tendo ele mesmo também uma foice afiada".
"Saiu ainda do altar outro anjo, aquele que tem auto¬ridade sobre o fogo, e falou em grande voz ao que tinha a foice afiada, dizendo: Toma a tua foice afiada e ajunta os cachos da videira da terra, porquanto as suas uvas estão amadurecidas. Então o anjo passou a sua foice na terra, e vindimou a videira da terra, e lançou-a no grande lagar da cólera de Deus. E o lagar foi pisado fora da cidade, e correu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos estádios" (Ap 14.14-20).

***

O remanescente, cheio da glória de Deus, se voltara na direção de Jerusalém. Chaim acreditava que o Senhor os protegeria; mas, estranhamente, Jesus avançava agora com o seu exército. Embora os filhos de Israel parecessem estar novamente andando depressa de maneira sobrenatural, eles ficaram para trás e logo o perderam de vista.
Chaim viu pessoas se entreolhando preocupadas e queria animá-las. Mas, seu lugar como líder e porta-voz fora tomado e ele não sentia qualquer impulso de reafirmar sua posição. Seu trabalho terminara e Chaim sentiu que agora não passava de uma parte do remanescente. Eles iriam para onde Deus os enviasse e confiariam no Senhor como sua retaguarda

***

Mac ficou surpreso ao descobrir que as ondas sonoras - e ele supunha que a televisão também - continuavam contro¬ladas pela Comunidade Mundial. Ele sabia que isso não ia durar muito. Enquanto atravessava Jerusalém, procurando dar a Rayford e Abdullah uma idéia do que iriam encontrar quando chegassem, ouviu os repórteres da CG e os âncoras inserindo notícias sobre Nicolae Carpathia em tudo.
Não havia naturalmente menção do que poderia ser pelo menos descrito como uma aparição no céu - um estratagema do inimigo para assustar todo mundo. Seria o mesmo que mencionar o elefante proverbial na loja de porcelanas. Mac tinha certeza de que todos na terra sabiam quem estava nas nuvens. A questão era o que Jesus faria e quando.
Jerusalém estava repleta de cadeias improvisadas e celas especiais onde os rebeldes capturados eram torturados e pas¬savam fome. O pessoal da CG noticiava isso com aparente prazer, como evidência de que a vitória se aproximava. Um comentarista disse que os rebeldes que julgavam estar de posse da área do monte do Templo encontravam-se na verdade numa prisão maior de sua própria fabricação, pois não tinham condições de oferecer resistência ao Exército da Unidade nem para onde fugir.
Ficou aparente para Mac que rumores corriam pela cidade de que o potentado se achava a caminho. O lugar virou um centro de atividade.
Os jogos de cartas foram suspen¬sos. Ficar sentado à toa pertencia ao passado. Os pelotões estavam em estado de atenção, as ruas vigiadas e o caminho para as linhas de frente desimpedidos. A cada poucos minutos, as notícias traziam uma informação nova do comandante-em-chefe.
- À medida que nos aproximamos do que muitos chama¬ram de Cidade Eterna, - disse Carpathia - tenho prazer em anunciar que depois da nossa vitória aqui, esta irá tornar-se a nova sede da Comunidade Mundial. Meu palácio será reconstruído sobre as ruínas do templo, cuja destruição está em nossos planos.
- Por mais bela que a Nova Babilônia pudesse ser, meu objetivo sempre foi transferir a sede do governo, comércio e religião para esta cidade, que significou tanto para muitos durante longo tempo. Portanto, leais cidadãos da Nova Ordem Mundial, confio em que vão assistir com grande satisfa¬ção nossa conquista deste lugar, enquanto desarraigamos e destruímos o último bolsão de resistência e tornamos fraco Aquele a quem o inimigo reverencia como o motivo de nunca poderem unir-se à nossa nobre causa.
- Este que esvoaça pelo ar, citando textos de fábulas antigas e forçando os bajuladores a correrem insensata¬mente ao seu lado, adorando-o, irá em breve deparar-se com o seu fim. Ele não é páreo para o senhor ressurreto deste mundo e para o exército que terá de enfrentar. Não me preocupo em tornar público o nosso plano, pois já teve êxito. Esta cidade e esses indivíduos desprezíveis têm sido há muito seus escolhidos, portanto o forçamos a manifestar-se, a revelar-se, a tentar inutilmente defendê-los ou ser desmas¬carado como a fraude e o covarde que é. Ou ele tenta res¬gatá-los, ou eles verão quem realmente é e o rejeitarão como impostor. Ou irá ainda insensatamente atacar meus homens e a mim, ficando então provado de uma vez por todas e para todos quem é o mais forte.
- Embora não espere que esta seja uma campanha prolongada, por ser a última batalha que pretendo travar, estou empregando todos os nossos recursos. Cada homem e mulher sob o meu comando e todo armamento e munição ao nosso dispor serão empregados para tornar esta a vitória militar mais retumbante e convincente da História.
- Minha promessa a vocês, leais cidadãos da Comunidade Mundial, é que no final desta batalha, nenhum oponente da minha liderança e regime ficará em pé, nenhum permanecerá vivo. Os únicos seres vivos no planeta Terra serão os cidadãos confiáveis, amantes da paz, da harmonia e da tranqüilidade, que ofereço com amor por todos do mais profundo do meu ser.
- Estou a apenas 1,5 km a oeste de Jerusalém enquanto falamos e vou dispensar meu gabinete e generais para que possam cuidar deste conflito sob o meu comando. O altís¬simo reverendo do Carpathianismo, Leon Fortunato, servirá como meu motorista para a minha entrada triunfal. Os cidadãos já estão ao longo da estrada para me cumprimenta¬rem e eu agradeço a vocês o seu apoio.
Mac apressou-se para encontrar um local onde pudesse ver o Humvee e o desfile de veículos militares que o seguiam. Ele postou-se num lugar alto do lado oeste, onde podia ver o exército que se estendia em fileiras que alcança¬vam o horizonte. À medida que a procissão se aproximava da cidade, ele podia ouvir tambores e trombetas e, se não estava enganado, até daquela distância o Humvee real dava má impressão. Rayford contara que estivera chapinhando pelo sangue no vale de Megido, mas aparentemente ninguém lembrara o potentado de mandar lavá-lo.
Quando se aproximou, as suspeitas de Mac se confir¬maram. O carro estava salpicado de lama e sangue até as janelas. Todavia, Nicolae tinha razão, civis se alinhavam dos dois lados da estrada, aplaudindo, acenando, batendo palmas, saudando e atirando flores. Carpathia abriu o teto em forma de lua, ficou em pé no banco da frente e apareceu ao ar livre, acenando com as duas mãos e soprando beijos.
Aproveita enquanto dura, companheiro.

***

- Mac, você está nos vendo? - Rayford ligou através da freqüência de segurança.
- Não. Onde você está?
- Terceira fila, atrás do Humvee.
- Ninguém se importa?
- Parece até que eles não nos enxergam.
- Qual é o plano?
- Quando o Humvee chegar à estrada de Jaffa, ele vai até a Porta de Jaffa, com um terço da força de combate. Os outros dois terços irão dividir-se em direção ao norte e ao sul, cercando a Cidade Velha. Uma vez que todos estejam em seus postos, Carpathia vai comandar o ataque pelos bair¬ros armênio e judeu ocupados até o monte do Templo. Eles pretendem derrubar o muro oeste e dominar os rebeldes.
- Planejam.
- Exatamente

***

Mac finalmente avistou o Hummer de Rayford e Abdullah e ficou impressionado ao ver como parecia fazer parte da procissão. À medida que a cavalgada chegava à estrada de Jaffa, Mac começou a andar para lá, esperando encontrar-se com os amigos quando eles se afastassem do grupo.
O número de pessoas que aplaudiam cresceu quando os carros chegaram à Cidade Velha e, enquanto diminuíam a marcha, a banda os alcançou com sua música estridente e os tambores tocando.
Mac lembrou-se das paradas do Dia de Comemoração aos soldados norte-americanos mortos em combate, quando seu pai o colocava nos ombros e ele ficava emocionado com o rat-a-tat-tat dos grandes tambores e dos saxofones. Naquela época, como é evidente, ele nunca tinha ouvido o clamor "ave Carpathia".
A música levara a multidão a um extremo de empolgação e o exército que surgiu em seguida era sem dúvida diferente de qualquer um que os legalistas ou rebeldes já tivessem tido oportunidade de ver. Não haveria espaço na Cidade Velha para uma fração daquela força. Mac se perguntou como Carpathia e o restante das tropas iriam atravessar as ruas estreitas pavimentadas de pedras.

***

- Estive pensando na mesma coisa, Mac - Rayford comentou. - Está parecendo uma festa, não é?
- Ridículo!
- Para ser sincero, estou gostando, quanto mais alto melhor.
- Não entendi.
- Quanto mais pompa e formalidade, tanto maior a humilhação posteriormente.
- É verdade.
- Você já nos achou, Mac?
- Estou indo em sua direção. Quando vai deixá-los?
- Não vamos.
- Não vão? O quê? Pretende participar da parada na Cidade Velha com Carpathia?
- Por que não? Veja se entra também.
- Improvável.
- Tente.

***

Mac chegou até a parada e ficou imaginando qual a finali¬dade de todas aquelas tropas extras. O mesmo contingente de soldados que estivera ali quando encontrara Buck era mais do que suficiente para cumprir a tarefa do ponto de vista humano. Se não pudessem fazê-lo, o restante não seria útil.
Fortunato pilotou o grande Humvee pela Porta de Jaffa e quase imediatamente a loucura do plano deles ficou clara. Não havia simplesmente espaço para as tropas irem até o muro ocidental do monte do Templo.
Pelo fone de ouvido, Mac ouviu Nicolae tentando alistar engenheiros para irem buscar o equipamento pesado e derrubarem prédios e muros durante o percurso. Quando lhe disseram que isso levaria horas, ele explodiu, blasfemando e exigindo saber quem dis¬sera que sua parada pela Cidade Velha tinha sido uma idéia luminosa.
- Deixem os carros onde estão! - anunciou ele. - Vou comandar o resto do ataque a cavalo.
Mac estava perto o suficiente para ver Carpathia olhar de soslaio para o céu. Jesus não estava lá naquele momento nem o seu exército celestial. Mac achou que isso fez Carpathia ficar mais nervoso do que se ele estivesse ali.
Os assistentes atenderam imediatamente Carpathia quando ele saiu do Humvee. Ele endireitou as roupas de couro, que pareciam em ordem, desde que não deixara o veículo durante o fracasso em Armagedom. Nicolae também recolocou sua espada extravagante.
Quando Fortunato desceu do carro, porém, ele vestia trajes civis que faziam parecer que estava a caminho do trabalho num clube comunitário local.
- Consigam um uniforme apropriado para o reverendo e algo para limpar seu rosto e cabelo - ordenou Carpathia.
Alguém saiu correndo e voltou às pressas.
- As maiores que temos - disse o homem, entregando as roupas dobradas e uma toalha úmida para Fortunato, que lhe deu um olhar que abriria um buraco no asfalto.
- Sinto muito - sussurrou o homem.- É o maior que temos.
- O Sr. pode trocar-se na catedral - alguém disse a Leon e ele saiu às pressas com dois ajudantes. Enquanto isso, mais generais, curiosos e bajuladores cercaram Carpathia, que pediu que abrissem espaço para os fotógrafos e equipes de câmeras da TV.
Quando Leon voltou no uniforme do Exército da Unidade, muito curto e justo, parecia o sargento Garcia* tentando usar as roupas do Zorro. Ele procurara dar um aspecto religioso ao traje, colocando em volta do pescoço uma grossa corrente de ouro com o número 216 pendurado nela.
Mac fez o máximo para não rir. Ele acompanhou o passo de Rayford e Abdullah quando eles se aproximaram depois de deixar seu veículo. Os três haviam começado a atrair alguns olhares, mas felizmente não da parte de ninguém que se preocupasse o suficiente para fazer perguntas. A aba do boné deles estava abaixada sobre a testa; mas, sem uni¬formes apropriados, não seriam tomados por membros do Exército da Unidade.
- É melhor nos separarmos, não é capitão? - perguntou Mac.
- Acho que sim. Abdullah, você vai para o norte. Mac, para o sul. Eu me encontro com vocês do lado de fora do muro ocidental na Porta Dourada quando tudo isto acabar.

***

Chaim sentiu um prurido de antecipação quando o remanescente chegou a um lugar elevado na encosta oci¬dental acima de Jerusalém. Parecia ainda desconcertante não ver Jesus no alto, mas ele sabia que o Senhor só faria o que era certo. O anticristo estivera se gabando de atrair o Filho de Deus para a sua armadilha, quando estava claro para Chaim que o oposto acontecera. Carpathia tinha de ler a Bíblia. Tinha de saber que tudo aquilo fora profetizado.
Precisava até mesmo conhecer o resultado previsto. Toda¬via, temerariamente fora ao ponto exato em que deveria estar e apesar da execução em massa de suas tropas em três confrontos, ele ainda tinha a arrogância de acreditar que prevaleceria.
Aquele era um espetáculo que valia a pena assistir e Chaim queria dizer isto aos que estavam ali reunidos. Não tinha meios de falar com todos a um só tempo; e ao olhar para os que o rodeavam, soube que não havia nada que precisassem ouvir. Como ele, todos estavam observando em grande expectativa. Vem, rei Jesus!

QUINZE

Rayford estava suficientemente perto de Nicolae para ouvi-lo perguntar a uma generala:
- Qual a sua força eqüestre?
Ela verificou pelo rádio e respondeu:
- Excelência, entre mais de um milhão de soldados, pouco mais de um décimo está a cavalo.
- Peça tantas montarias quantas forem necessárias para que a primeira leva chegue até o muro ocidental, e dê ordens que sejam escolhidos para mim e o reverendo Fortunato cavalos adequados.
Dentro de minutos, vários milhares de cavalos lotavam as ruas e os soldados do Exército da Unidade já subiam neles. Um ginete alto e bonito, quase idêntico ao que Carpathia montara fora da cidade em direção a Bozra, foi entregue para seu uso. As câmeras clicaram fotos e equipes de TV o rodearam quando ele montou, levantando a espada.
Carpathia girou a espada acima da cabeça, animando as tropas que responderam com um whoop em crescendo, como um time de futebol prestes a sair do vestiário.
Fortunato subiu com dificuldade num cavalo preto menor e se acomodou nele.
- Sigam-me até o muro ocidental, gritou Carpathia, e abram caminho para o aríete e os lançadores de mísseis! Quando eu der ordem, abram fogo!
Como já conhecia a Cidade Velha, Rayford seguiu por ruas laterais, encaminhando-se para o muro ocidental.

***

Mac já se encontrava na extremidade sul da Cidade Velha, a alguns passos ao norte da Porta do Monturo. Abdullah entrou em contato com ele pelo rádio e disse ter encontrado um abrigo perto da Fortaleza Antônia, onde acreditava estar a salvo e invisível, com uma boa visão dos invasores que se aproximavam.
- Estou também numa altura suficiente para ver as forças militares ao redor, Mac - disse ele. - Eles rodearam a Cidade Velha inteira, e estão aos milhares. Posso entender porque estão tão confiantes na vitória, tendo cortado todas as vias de fuga.

***

Rayford parou cerca de 90 metros antes do muro ociden¬tal, num lugar em que havia um pouco de vegetação para se esconder. Pensou ter visto Mac, mas não tinha certeza. Quase todos dentro da Cidade Velha, com exceção da imprensa, faziam parte da força atacante.
Civis ocasionais subiam em cima de qualquer coisa disponível, aplaudindo e gritando palavras de ânimo à medida que Carpathia avançava, valente e orgulhoso em seu enorme cavalo, com a espada apontando para o céu, microfone no ouvido e na frente da boca para que todo o exército pudesse escutar suas ordens.
- Para a glória do seu mestre ressurreto e senhor da terra! - exclamou ele, forçando o cavalo a galopar, fazendo ruído sobre o chão de pedras redondas. O cavalo de Fortunato dava passinhos curtos atrás dele, o que para Leon parecia bastante rápido.
A banda seguia bem atrás das tropas montadas e da infan¬taria, tocando alto uma melodia animada. Quando Carpathia se aproximou do muro, virou para o sul e Fortunato o acom¬panhou.
- Cavaleiros, abram espaço para os armamentos! - berrou Carpathia. - Ataquem! Entrem pelo muro! Tomem o monte do Templo! Destruam os rebeldes!
Quando os cavaleiros chicotearam suas montarias, elas, porém não obedeceram. Os cavalos dispararam como se estivessem cegos - relinchando, empinando, pulando, escoiceando, dando encontrões uns nos outros, correndo impetuosa¬mente na direção do muro, atirando os cavaleiros ao chão.
- Abram caminho! - berrou Carpathia. - Abram caminho!
Os cavaleiros que não tinham caído pularam dos cavalos e tentaram controlá-los com as rédeas, mas enquanto luta¬vam para dominá-los, a carne deles dissolveu-se, os olhos derreteram e os dedos se desintegraram. Rayford viu os soldados ficarem em pé brevemente como esqueletos em uniformes agora muito largos, depois caíram em montes de ossos enquanto os cavalos cegos continuavam com seus acessos de fúria, completamente enlouquecidos.
Segundos mais tarde, a mesma praga afligiu os cavalos, sua carne, olhos e línguas derreteram, deixando esquele¬tos grotescos em pé, antes que eles também tombassem no pavimento.
- Reforços! - Carpathia ordenou. - Avancem! Avancem! Fogo! Ataquem!
Cada cavalo e cavaleiro que avançava, sofria o mesmo destino. Primeiro a cegueira e loucura por parte dos cavalos, depois os corpos dos soldados derretendo e se dissolvendo. A seguir, a queda e o amontoado de ossos.
Rayford ficou estupefato, notando que os cavalos de Carpathia e de Fortunato não haviam sido ainda afetados. Leon escorregou da montaria, rolou até ficar ajoelhado e enterrou o rosto nas mãos.
- Levante-se, Leon! Levante-se! Não estamos vencidos! Temos mais um milhão de soldados e vamos prevalecer!
Mas Leon ficou onde estava, choramingando e se lamen¬tando.
Claramente desgostoso, Nicolae fez o cavalo voltar até a metade do muro e procurou reforços para além dos ossos de suas tropas dizimadas. Ele levantou a espada e amaldiçoou a Deus; mas, de repente, sua atenção foi atraída diretamente para o alto.
Rayford seguiu o olhar dele e viu, claramente como o dia, o templo de Deus aberto no céu e a arca da aliança. Relâmpa¬gos brilharam, trovões rugiram e a terra começou a tremer.
O cavalo de Carpathia empinou e Nicolae esforçou-se para controlá-lo. O cavalo de Fortunato fugiu apressado sem ele.
A terra gemeu e dobrou-se, e a cidade de Jerusalém partiu-se em três, enquanto grandes fendas engoliam os seguidores leais a Carpathia e os soldados. Prédios e muros foram deixados intactos, exceto que Abdullah informou ter visto a Porta Leste que fora cimentada - fechada há séculos - abrir-se inteira com o movimento da terra.
Rayford colocou a palma da mão sobre o fone de ouvido e conectou a outra orelha para ouvir as notícias que chegavam do mundo inteiro. O terremoto era global. Ilhas desaparece¬ram. Montanhas foram niveladas. Toda a face do planeta fora aterrada, exceto a cidade de Jerusalém.
O Senhor Jesus apareceu então de súbito nas nuvens outra vez e o mundo inteiro o viu. Ele falou em alta voz, dizendo:
"Falai ao coração de Jerusalém, bradai-lhe que já é findo o tempo da sua milícia, que a sua iniqüidade está perdoada e que já recebeu em dobro das mãos do Senhor por todos os seus pecados" (Is 40.2).
"Todo vale será aterrado, e nivelados todos os montes e outeiros; o que era tortuoso será retificado, e os lugares esca¬brosos, aplanados. A glória do Senhor se manifestará, e toda a carne a verá, pois eu o disse" (Is 40.4).
"Eis que vem o Dia do Senhor, em que os teus despo¬jos se repartirão no meio de ti. Porque eu ajuntei todas as nações para a peleja contra Jerusalém... mas o restante do povo não foi expulso da cidade. Eu saí e pelejei contra essas nações, como no dia da batalha" (Zc 14.1-3).
"Esta foi a praga com que feri a todos os povos que guer¬rearam contra Jerusalém: a sua carne se apodrecerá, estando eles de pé, apodrecer-se-lhes-ão os olhos nas suas órbitas, e lhes apodrecerá a língua na boca. Também enviei grande confusão entre eles. Como esta praga, assim será a praga dos cavalos" (Zc 14.12,13,15).
"Eis que fiz de Jerusalém um cálice de tontear para todos os povos em redor e também para Judá, durante o sítio contra Jerusalém. Fiz de Jerusalém uma pedra pesada para todos os povos; todos que a erguerem se ferirão gravemente; e contra ela, se ajuntarão todas as nações da terra".
"Feri de espanto a todos os cavalos e de loucura os que os montam; sobre a casa de Judá abrirei os olhos e ferirei de cegueira a todos os cavalos dos povos".
"O Senhor protegeu os habitantes de Jerusalém; e o mais fraco dentre eles é como Davi, e a casa de Davi será como Deus, como o Anjo do Senhor diante deles. Destruí todas as nações que vieram contra Jerusalém" (Zc 12.2,3,8).
"Por isso, a maldição consumiu a terra, e os que habitam nela se tornaram culpados; por isso, foram queimados os moradores da terra, e poucos homens restarão.
Porque será na terra, no meio destes povos, como o varejar da oliveira e como o rebuscar, quando está acabada a vindima" (Is 24.6,13).
"Os filhos de Israel invocaram o meu nome e eu lhes respondi. Eu disse, 'Este é o meu povo'; e cada um disse, 'O Senhor é o meu Deus'". [Última sentença: tradução livre (N.T.) ]

***

Embora o Senhor não tivesse falado audivelmente ao remanescente, Chaim sentiu como se ele e os outros estives¬sem sendo inexoravelmente atraídos para o lado leste da Cidade Velha. Enquanto os mais de um milhão de pessoas passavam lentamente pelos mortos e agonizantes, uma fração das forças do anticristo permanecia viva. Eles envida¬ram esforços e foram tropeçando na direção de um abrigo, também aparentemente atraídos para o leste.
O Senhor manteve-se sentado triunfante sobre o seu cavalo branco nas nuvens, com seu exército atrás dele, contemplando a vitória unilateral sobre as forças que haviam atacado Jerusalém.

***

Mac encontrou Rayford, e eles foram procurar Abdullah. Sabiam que ele estava bem porque o contataram pelo rádio. Ele também se dirigia para o leste da cidade.
- Você devia ter visto Nicolae e Leon - disse Rayford.
- Eu os vi rapidamente - respondeu Mac - quando Leon caiu do cavalo.
- Nicolae saiu galopando há pouco tempo, voltando pelo caminho em que viera. Leon estava correndo atrás dele, suplicando para deixar que fosse com ele, mas Carpathia o ignorou.
- Que figuras!
A terra ainda tremia e se movia depois dos choques e Rayford tentou imaginar sua aparência do espaço exterior. Não havia mais ilhas. Nem montanhas. Virtualmente plana com colinas onduladas e aprazíveis. Toda Israel, exceto Jerusalém, fora aplanada.
Eles encontraram Abdullah, que a princípio olhou para além deles, depois sorriu e balançou a cabeça.
- Eu estava esperando dois homens brancos, Mac.

***

Hannah Palemoon alcançou Chaim, que estava cer¬cado por pessoas fazendo perguntas. Esperou até que ele a reconhecesse e depois disse:
- Quanto tempo vai levar até encontrarmos os entes que¬ridos que foram para o céu antes de nós?
- Muito em breve, espero - replicou Chaim.
- Há muitos que eu também desejo ver, mas primeiro quero ver Jesus face a face.
- O que vem depois?
- Oh!, penso que você sabe. O Senhor porá de novo o pé na terra, pela segunda vez depois da sua ascensão. Como sabe, ele veio nas nuvens para o Arrebatamento e desta vez andou brevemente no chão quando manchou seu manto no sangue em Bozra.
- O inimigo desapareceu completamente?
- logo, logo isso acontecerá.

***

Illinois, plana como já era, não foi muito afetada pelo terremoto, embora Enoque estivesse certo de que ninguém duvidava do que ocorrera. O ruído surdo e prolongado da terra continuava e ele viu os seguidores de Carpathia gri¬tando por suas vidas.
Depois que o seu pessoal voltara para suas casas, Enoque começou a levar a mobília para a parte de cima, antecipando uma vida em que pudesse olhar pela janela sem se impor¬tar com quem pudesse vê-lo. Algum tempo antes do terre¬moto, um dos poucos carros de patrulha dos Pacificadores da Comunidade Mundial que ele vira em semanas recentes desceu velozmente a rua. No momento em que fez a curva na frente de sua casa, mudou subitamente de direção e bateu num hidrante de incêndio.
Os vizinhos correram para o carro, mal acreditando em seus olhos quando só encontraram esqueletos e roupas no banco dianteiro. Os inimigos declarados de Deus estavam sendo dizimados ao redor do mundo.
Enoque tentou telefonar para os seus paroquianos, con¬seguindo falar com alguns e perdendo as chamadas feitas enquanto telefonava. Ninguém ficara ferido, embora algu¬mas das casas tivessem sido danificadas. Alguns estavam traumatizados, contando ter visto funcionários do governo se desintegrando diante de seus olhos.
Todos queriam falar sobre a nova igreja, onde iria ser e quando poderiam mudar-se para ela. Muitos também mencionaram sua peregrinação ao Oriente Médio.
- Não sei quando será - disse uma mulher a Enoque -, mas irei de qualquer jeito.
Enoque lembrou a todos que em algum momento depois do terremoto, Jesus desceria no monte das Oliveiras, a leste de Jerusalém, e o mundo inteiro o veria.
- Fiquem olhando para o céu.

***

- Você está ainda querendo ensinar, Abdullah? - indagou Mac.
- Isso depende de ter estudado o que você quer saber.
- O monte das Oliveiras, é claro.
- Estudei isso muito bem. Você pode vê-lo daqui. Fica a apenas 800 metros do muro ocidental da Cidade Velha. É mais um monte do que uma montanha, como você pode ver. Um dos sermões mais famosos de Jesus foi pregado ali. Na sua entrada triunfal, ele veio do monte das Oliveiras. Voltou para lá todas as noites da última semana antes da crucifi-cação, orando com freqüência no Jardim de Getsêmani. A ascensão também aconteceu ali mais tarde.
- Faz então sentido de que é ali que ele deseja descer agora.
- Com certeza faz para mim - disse Abdullah.

***

George Sebastian nunca vira nada assim. Ele avisou Priscilla que iria alcançá-la e às crianças, assim como o resto do Comando Tribulação que viajava com o remanescente. Atrasou-se, entretanto, e em vez de seguir o remanescente pela cidade devastada, decidiu cortar caminho indo direta¬mente para o monte das Oliveiras.
Por ter seguido a carreira militar, Sebastian já vira despo¬jos de guerra antes em muitos campos de batalha ao redor do mundo. Não podia lembrar-se, porém, de uma cidade bonita e extraordinária como aquela ter sido tão destruída. O mais interessante é que era quase impossível determinar de quem fora a vitória.
Sebastian recebera informações sobre o conflito desde o início e sabia por meio de Buck e depois de Mac como a cidade tinha sido completamente dominada pelo Exército da Unidade Mundial. Metade dos habitantes fora morta ou cap¬turada. Muitos continuavam presos, haviam sido torturados e passavam fome.
Agora, porém, enquanto percorria a passos lentos as ruas estreitas, George viu alguns soldados da Unidade sobreviventes dividindo com toda calma os despojos, enquanto outros se reagrupavam para um ataque aos rebeldes que tentassem fugir do monte do Templo. Notou também pilhas de roupas e ossos onde o Senhor decompusera os corpos dos seus inimigos.
As coisas não tinham, então, terminado. Jerusalém, a preciosa Cidade de Deus, fora profanada a ponto de achar-se em ruínas. Era um milagre que Deus não a tivesse aplanado com as montanhas e ilhas do mundo.
Sebastian esquadrinhou toda a área enquanto caminhava, seguindo para o norte para a Porta de Herodes, onde sabia que Buck fora morto. Ele subiu no muro e olhou para o que restava de Jerusalém. Talvez cem mil homens das tropas de Carpathia ainda restassem. Os rebeldes continuavam defen¬dendo o monte do Templo, guardando a Porta Leste recém-aberta em vez de tentar fugir por ela.
Ele pôde ver o vasto remanescente caminhando lentamente para o muro do sul e passando por ele, dirigindo-se para o monte das Oliveiras; e pensou que seria melhor apressar-se ou se arriscaria a deixar a mulher sozinha com a responsabilidade de duas crianças. É claro que outros ajudariam, mas isso não justificava abandoná-la.
Pouco antes de Sebastian descer do muro, ele viu uma agitação fora da Porta Nova, a noroeste da Cidade Velha. Parecia que a imprensa rodeara Nicolae e Leon e o que restara do gabinete do potentado, seus conselheiros e generais. Sebastian sacudiu a cabeça. Ele sabia o que estava para acontecer e Carpathia também sabia com toda certeza. Por que ele não estava correndo para salvar a vida?
Alguns homens nunca sabem quando estão derrotados, nunca sabem quando admitir isso e afastar-se. Nicolae Carpathia, provando - como se isso fosse necessário - que ele era de fato o anticristo, era o exemplo típico desse tipo de homem. Num caso clássico de negativa cósmica, seu orgulho ainda o convencia de que não poderia perder no final.
Ali estava ele, apontando, persuadindo, tramando, gri¬tando ordens, falando à imprensa. Sebastian ligou o rádio e, como esperava, sua alteza continuava tentando convencer os cidadãos de seu eventual triunfo.
- Esta cidade se tornará o meu trono - disse Carpathia. - O templo será arrasado e substituído pelo meu palácio, a estrutura mais magnífica já . Capturamos aqui metade do inimigo e iremos acabar com a outra metade na hora devida.
- O estágio final da nossa conquista está quase pronto para ser executado e em breve nos livraremos desta amolação lá de cima.

***

Rayford, Mac e Abdullah estavam também ouvindo enquanto observavam o povo, a maior parte o remanescente, se dirigindo ao monte das Oliveiras. É claro que os filhos de Deus sabiam o que deveria acontecer e portanto mantiveram distância. Ninguém tinha idéia da hora em que o Senhor viria, mas ele permanecia ali, pairando sobre eles com seus cavaleiros. E em breve ele falou novamente palavras de con¬solo aos que eram seus.
"Da mesma forma que me receberam como Senhor, andem em mim, arraigados e edificados em mim, estabeleci¬dos na fé, como foram ensinados, abundando em ações de graças. Vocês são aperfeiçoados em mim, o cabeça de todo Principado e potestade."
"O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre. Cetro de eqüidade é o cetro do seu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniqüidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria como a nenhum dos teus companheiros".
"No princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da terra, e os céus são obra das tuas mãos; eles perecerão; tu, porém, permaneces; sim, todos eles envelhecerão qual vestido; também, qual manto os enrolarás, e como vestidos serão igualmente mudados; tu, porém, és o mesmo, e os teus anos jamais terão fim" (Hb 1.8-12) [Tradução Livre]
"Eu, Aquele de quem essas coisas foram ditas pelo próprio Deus, asseguro-lhes, meus filhos, que jamais os deixarei ou abandonarei. Podem então dizer ousadamente: 'O Senhor é o meu socorro, não temerei. O que pode fazer-me o homem?' Eu, o Senhor Jesus Cristo, sou o mesmo ontem, hoje e para sempre. Portanto, santos irmãos e irmãs, participantes do chamado celestial, considerem-me o Apóstolo e Sumo Sacerdote da sua confissão".
"Fui fiel a Deus que me enviou, como Moisés foi também fiel. Fui contado como mais digno do que Moisés, da mesma maneira que Deus, que construiu a casa, tem mais honra do que a casa. Pois toda casa é construída por alguém, mas quem constrói todas as coisas é Deus".
"Deus me estabeleceu como Sumo Sacerdote para vocês - santo, puro, separado dos pecadores e mais alto do que os céus. Não preciso oferecer, como os sacerdotes humanos, sacrifícios diários, primeiro pelos meus pecados e depois pelos do povo, pois fiz isto de uma vez por todas quando ofereci a mim mesmo". [Tradução Livre]
Apesar de todos os comentários magnânimos de Jesus a respeito de si mesmo, Rayford impressionou-se com sua maneira humilde e compassiva. Estava simplesmente falando a verdade, lembrando seus filhos dos privilégios que tinham nele. A verdade da Palavra de Deus, vinda do Verbo Vivo, levou Rayford a ajoelhar-se novamente, com seus amigos e todo o remanescente judeu.
Quando Rayford se ajoelhou, com o rosto nas mãos, Jesus continuou a falar diretamente ao seu coração.
"Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério, isto é, Cristo em você, Rayford, a esperança da glória. Eu sou a esperança de Israel, a trombeta da salva¬ção na casa de Davi, servo de Deus. Eu lhe garanto, antes de Abraão ter sido criado, EU SOU". [A primeira sentença foi extraída de Cl 1.27, a seguinte é tradução livre (N.T).]
Jesus silenciou. Rayford ouviu do lado oeste o som da banda do Exército da Unidade da Comunidade Mundial em marcha. Sua débil interpretação da música "Ave Carpathia" parecia discordante à distância e, como é claro, empalidecia em comparação com as orações murmuradas pelo milhão de joelhos diante do Senhor no céu.
O solo estremeceu quando o que restava dos armamen¬tos da CG foi colocado em posição. Rayford achava patético e ridículo o fato de Carpathia não ter aprendido nada nas horas anteriores. Não haveria contenda com aquela força do céu. Nenhum dano seria causado a Jesus ou ao seu povo com armas de guerra.
Todavia, ali estava Carpathia chegando a galope, as roupas de couro estalando na sela, a espada levantada, e o deplorável Falso Profeta sacolejando desajeitado atrás dele, agarrado às rédeas do cavalo com todas as forças. O rema¬nescente ficou imóvel, não desejando perder nada. Rayford olhou para a face de seu Senhor e lembrou-se outra vez da descrição bíblica do homem no cavalo branco com olhos como de fogo.
A convicção que brilhava nos olhos de Jesus era de alguém que finalmente já suportara o suficiente. Seu inimigo estava exatamente onde desejava que estivesse, totalmente atraído pela armadilha preparada desde antes da fundação do mundo. O cumprimento das profecias seculares se achava prestes a ter lugar, apesar do inimigo tê-las lido, conhecê-las e ter visto todas serem realizadas exatamente como planejadas.
Em toda a sua glória mórbida, de imitação, a quintes¬sência do orgulho e do ego, habitado pelo próprio Satanás, Carpathia surgiu galopando, brandindo a espada acima da cabeça em todas as direções, enquanto Fortunato usava uma das mãos para tentar uma espécie de gesto estranho de adoração e a outra para manter o controle do cavalo e a si mesmo na sela.
A banda, que abria a marcha, tocava cada vez mais alto e, na hora combinada, dividiu-se para a direita e a esquerda, a fim de dar passagem aos soldados montados, depois aos de infantaria e finalmente aos pelotões de munição e armamen¬tos em seus veículos para entrarem lentamente em posição.
Com o remanescente apenas a poucas centenas de metros a leste, a cidade de Jerusalém sitiada a um quilômetro a oeste, e os exércitos celestiais pairando diretamente acima, Jesus tocou seu magnífico corcel branco e desceu no alto do monte das Oliveiras.
Quando ele desmontou, Carpathia berrou sua última ordem:
- Ataquem! - As cem mil tropas obedeceram às ordens, cavaleiros em pleno galope atirando, soldados a pé correndo e atirando, armamentos pesados rodando e atirando. Jesus disse então naquela voz como de trombeta e o som de águas correntes: "EU SOU QUEM SOU".
Nesse momento, o monte das Oliveiras partiu-se em dois de leste a oeste, o lugar onde Jesus estava moveu-se para o norte, e o lugar onde o Exército da Unidade se encontrava movendo-se para o sul, deixando um grande vale.
Todos os tiros, correrias, galopes e veículos rodando se detiveram. Os soldados gritaram e caíram, seus corpos se abrindo da cabeça aos pés a cada palavra do Senhor, enquanto ele falava aos cativos em Jerusalém. "Fugireis pelo vale dos meus montes, porque o vale dos montes chegará até Azal; sim, fugireis como fugistes do terremoto nos dias de Uzias, rei de Judá; então, virá o Senhor, meu Deus, e todos os santos, com ele" (Zc 4.5).
Com gritos e cânticos, era como se Jerusalém explodisse; os cativos presos em Jerusalém correram para o grande vale entre os dois lados do monte das Oliveiras. Enquanto a terra continuava a roncar e mover-se, Rayford assistiu reverente e a cidade inteira de Jerusalém levantou-se do chão cerca de 100 metros e ficou como uma jóia colocada acima de toda a terra nas cercanias que foram niveladas pelo terremoto mundial.

***

Mac levantou-se e agarrou Rayford.
- Está vendo os dois? - disse ele, apontando. - Nicolae e Leon fugindo para se protegerem? Olhe só aquela luz esférica balançando na frente deles! Lembra-se do que eu contei sobre Lúcifer aparecendo nos Estábulos de Salomão? A luz deve ser ele e está abandonando o velho Nick de novo!
Mac, Abdullah e Rayford ficaram ali, com os braços ao redor dos ombros de cada um, observando a cena espetacular.
Os rebeldes do monte do Templo e os cativos fugiram por um novo vale, perseguidos pelos últimos e débeis vestígios do Exército da Unidade. Mas quando Jesus falou, os per¬seguidores morreram ao ouvir suas palavras.
"Águas vivas correrão de Jerusalém, metade delas para o mar oriental, e a outra metade, até ao mar ocidental; no verão e no inverno, sucederá isto".
"E eu, o Senhor serei Rei sobre toda a terra, Hoje o Senhor é um e um só o seu nome. Toda a terra se tornou como a planície de Geba a Rimom, ao sul de Jerusalém; esta será exaltada e habitada no seu lugar, desde a Porta de Benjamim até ao lugar da primeira porta, até à Porta da Esquina e desde a Torre de Hananeel até aos lagares do rei. Vocês habitarão nela, e já não haverá maldição, e Jerusalém habitará segura" (Zc 14.8-11).
Depois disso, Jesus montou em seu cavalo e começou a sua entrada triunfal final a caminho de Jerusalém. Durante sua primeira visita à terra, ele entrara na cidade montado em um jumentinho, acolhido por alguns, mas rejeitado por quase todos. Agora, cavalgava no corcel branco majestoso e a cada palavra que saía de sua boca, o restante dos inimigos de Deus - exceto por Satanás, o anticristo e o Falso Profeta - foi totalmente destruído onde se achava.
"Este é o dia da vingança, porque todas as coisas escritas foram cumpridas. A arrogância do homem será abatida e a sua insolência será humilhada; só o Senhor será exaltado hoje."
Vozes altas vindas do céu disseram: "Os reinos deste mundo se tornaram reinos do Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre!"
"Nós te damos graças, ó Senhor Deus Todo-poderoso, Aquele que é que era e que virá, porque tomaste o teu grande poder e reinaste. As nações se indignaram e a tua ira veio, e a hora dos mortos, para que sejam julgados, e para que tu recompenses os teus servos os profetas e os santos, e os que temem o teu nome, pequenos e grandes, e destruirás os que destroem a terra." [Tradução Livre]
O remanescente seguiu Jesus, levantando as mãos, cantando hosana, e dando louvores a ele. Todos silenciaram quando Jesus falou de novo.
"É justo que Deus envie tribulação aos que perseguem vocês, e que dê descanso a vocês que são perseguidos. Tomei vingança sobre os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao meu evangelho. Eles serão punidos com a separação eterna da presença do Senhor e da glória do seu poder. Vim para ser glorificado nos meus santos e para ser admirado entre todos os que crêem." [Tradução Livre]

DEZESSEIS

Ajoelhado em seu jardim nos subúrbios de Chicago, Enoque chorou ao ouvir as palavras gloriosas e triunfantes de Jesus. Chorou também por desejar intensamente ir a Jerusalém. Ele havia estudado essas passagens bíblicas durante anos e sabia o que estava acontecendo. Mal podia esperar pelo dia da viagem, para reunir-se com seus amigos do Comando Tribulação e ouvir cada detalhe do grande dia do Deus Altíssimo.
Mais do que tudo, porém, ele queria ver Jesus.
A cada momento, tornava-se mais difícil para Rayford assimilar a magnitude dos eventos sobrenaturais. Sobrecarga sensorial não era de modo algum o que sentia. Ele nunca antes tivera de beliscar-se para determinar se estava ou não sonhando. Tudo era tão real, tão maciço, que até o que poderia ter considerado milagres menores se nivelaram com os terremotos mundiais e locais em importância. Por exem¬plo, o fato de ainda não sentir-se fatigado apesar de não ter tido descanso - muito menos sono - há mais tempo do que podia se lembrar.
Quando ele, Mac e Abdullah estacionaram o Hummer do lado de fora da Cidade Velha e seguiram a vasta procissão pela Porta Oriental recém-aberta, um novo fenômeno o aguardava. Uma coisa era seguir o Senhor, o Rei dos reis, em sua última entrada triunfal na Cidade de Davi, mas ver o que viu ali comparado com o que esperava encontrar...
Jerusalém, especialmente a Cidade Velha, devia estar cheia com o sangue dos mortos. Centenas de milhares haviam mor¬rido ali, a maioria de maneira grotesca. Deveria haver mau cheiro, sangue e carne, sem mencionar os restos dos esquele¬tos dos soldados e cavalos do Exército da Unidade.
O terremoto que dividira em dois o monte das Oliveiras e elevara a Cidade Eterna a cerca de 2.400 metros havia porém realizado uma operação de limpeza macabra. Jesus guiou a multidão alegre para dentro e ao redor dos limites internos da Cidade Velha, estendendo por vários quilômetros o desfile de pessoas cantando, dançando, salmodiando, abraçando, louvando, adorando, celebrando.
De modo estranho, os muros haviam sido nivelados, todos eles. Não se viam mais as cicatrizes da batalha, arestas provocadas por bombas e aríetes, nem elevações irregulares. No lugar dos muros, encontravam-se montículos de pedras delicadas, moídas.
Até o Muro das Lamentações desaparecera e Rayford sentiu no fundo do coração que Jesus o substituíra pela sua Pessoa. Quando o início da procissão pôde ser avistado do Muro Ocidental, Jesus começou a falar. Embora enquanto estava montado, ele parecesse apenas um pouco mais alto do que as pessoas na fila e estivesse de costas para elas, Rayford sabia que todos podiam ouvi-lo tão claramente quanto ele mesmo o fazia.
"Só há um Deus e um Mediador entre Deus e os homens, eu, o Homem Cristo Jesus. Dei a mim mesmo como resgate por todos."
Onde se encontrava o resíduo da guerra? Rayford só podia conjeturar. Era como se a cidade tivesse sido sacudida e inclinada de um lado e de outro. Enquanto os prédios e marcos permaneciam, os escombros dos muros haviam apa¬rentemente varrido as ruas e empurrado a evidência repul¬siva - toda ela -para dentro de fendas agora cobertas pelo resto da eternidade. A Cidade de Deus estava novamente imaculada e o povo parecia espantado com isso.
Quando o Senhor entrou cidade adentro a cavalo, a fim de permitir que todos os seguidores também entrassem, ele circulou de modo que a multidão formou um grande círculo, milhares de pessoas. Por trás de todos, quase como uma reflexão tardia, estavam os exércitos dos céus, também ainda montados.
O remanescente os ignorou, como se temporariamente não tivesse consciência deles. Rayford os viu com toda clareza e sabia que todos os demais também os viam. Ele tinha no fundo da mente a perspectiva - esperava que não demorasse - de reunião com os entes queridos. Mas, o fato de Jesus estar no meio deles, fazia todos pensarem apenas nele. Tudo o mais, agradável ou não, perdera a importância.
Quando todos finalmente pararam e se ajeitaram em seus lugares, Jesus desmontou e estendeu os braços. "Ó Jerusalém, Jerusalém" gritou ele, "que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Eis que a vossa casa vos ficará desolada. Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor" (Mt 23.37-39).
Jesus olhou para o remanescente e Rayford soube intuitivamente que todos tinham o mesmo sentimento que ele, que o Senhor olhava diretamente em seus olhos. Rayford não conseguiu conter-se. Ele respirou fundo e gritou com todas as forças, "Bendito o que vem em nome do Senhor!" E cada alma presente gritou a mesma coisa, provocando o mais beatífico sorriso no rosto de Jesus.

***

Ming Toy Woo, em pé e de mãos dadas com seu novo marido, Ree, assistiu a tudo aquilo com um nó na garganta, com o coração a ponto de explodir. Ela ouviu cada palavra em sua língua nativa e teve de lembrar-se de que Jesus estava fazendo aquilo para cada pessoa em seu próprio idioma. Embora ela e Ree estivessem no meio da multidão e todos se achassem em pé, Ming podia ver claramente Jesus sem ter de ficar na ponta dos pés ou se inclinar entre os corpos.
De repente, por trás de Jesus estavam cinco seres celes¬tiais, três dos quais ela reconheceu: Cristóvão, o anjo com o evangelho eterno; Calebe e Naum. Esses eram os três anjos de misericórdia que a tinham livrado da morte certa quando trabalhava secretamente para a Comunidade Mundial. Eram também os que lhe disseram que não morreria antes do Glo¬rioso Aparecimento de Cristo.
Os outros dois anjos foram rapidamente identificados quando Jesus entregou as rédeas do cavalo para um deles, dizendo simplesmente: "Gabriel". O outro colocou um banco de pedra no lugar e ao sentar-se, Jesus disse:
- Obrigado Miguel.
A seguir, o Filho de Deus, Criador do céu e da terra, Salvador da humanidade, olhou diretamente nos olhos de Ming e disse em chinês:
- Venha a mim, minha filha.
Ming olhou como se paralisada. Quando conseguiu mover-se, tocou o peito e perguntou: -Eu?
Jesus pareceu olhar dentro da alma dela, concentrando-se apenas nela.
- Sim, minha querida. Venha a mim, Ming.
Ela quis correr, empurrar os outros, saltar nos braços dele. Mas, tudo que pôde fazer foi colocar um pé na frente do outro. Largou da mão de Ree e começou lentamente a mover-se, compreendendo que todo o grupo, mais de um milhão agora, se movimentava na direção de Jesus como se fosse uma única pessoa.

***

Estava claro como água e não havia erro. Jesus tinha olhado para Rayford, no fundo da multidão, e o escolhera. Ele o chamara pelo nome e lhe dissera: - Venha a mim, meu filho.
Rayford desviou os olhos e olhou à sua direita e à sua esquerda. Abdullah e Mac pareciam ambos chocados, também olhando para Jesus e perguntando, com um gesto ou palavra - Abdullah em árabe - se falava com eles.
Mas estavam errados, Rayford sabia. Ele está falando comigo. Rayford apontou para si mesmo com as duas mãos e levantou as sobrancelhas. E Jesus fez um sinal com a cabeça. Ele começou a mover-se na direção do seu Salvador. Como isso poderia ser? Como Jesus podia dar audiências indi¬viduais diante de uma multidão daquele tamanho? Quanto tempo poderia dar a cada pessoa? Aquilo levaria meses. E como fora possível Rayford ter sido escolhido primeiro?
Enquanto andava com as pernas duras na direção de Jesus, a mente de Rayford girava. Quais eram as probabili¬dades? Como poderia quantificar o privilégio de olhar nos olhos do Deus eterno do universo? Ele começou a apressar-se e Jesus disse:
- Venha a mim, Rayford, e eu lhe darei descanso.
Embora seus olhos estivessem em Jesus e seu corpo se movesse para a frente, Rayford tomou repentinamente consciência de tudo. Ele fazia parte de uma multidão de mais de um milhão de pessoas. Cinco anjos estavam de sentinela por trás do Mestre. Os amigos e a família de Rayford o veriam. O que ele fizera para merecer tal privilégio? Descanso - sim, pela primeira vez ele sentiu essa premência. A fadiga das últimas horas tomou conta dele e sentiu que poderia dormir no momento em que tivesse uma oportunidade.
Ao aproximar-se de Jesus e ver seu sorriso de boas-vindas, teve a sensação de que o Senhor estava tão contente por vê-lo como ele por ver o Senhor. Sentiu-se também vencido pela vergonha do seu pecado. Indigno. Muito indigno. Arrastou os passos, temendo desfalecer em desgraça e humilhação.
- Não, não - disse Jesus, ainda sorrindo e inclinando-se para ele com as mãos marcadas por cicatrizes. Ao ver isso, Rayford quase desabou. Teve de esforçar-se para continuar andando, embora tivesse perdido controle da sua coordena¬ção e temesse tropeçar e cair no colo de Jesus.
Ele caiu de joelhos aos pés de Jesus, soluçando, lembrado de cada pecado e falta de sua vida. Mãos amorosas o levan¬taram e ele foi aconchegado ao peito de Jesus.
- Rayford, Rayford, como esperei este dia.
Rayford não conseguiu falar.
- Sabia o seu nome desde antes da fundação do mundo. Preparei um lugar para você e se não fosse assim, eu lhe teria dito.
- Mas, Senhor, eu...eu...
Jesus pegou nos ombros de Rayford e empurrando-o gen¬tilmente para trás, tomou o rosto dele em suas mãos. Olhou em seus olhos a centímetros de distância e Rayford mal conseguiu suportar aquele olhar esquadrinhador.
- Eu estava lá quando você nasceu. Estava lá quando pensou que sua mãe o havia abandonado. Estava lá quando você concluiu que eu não fazia sentido.
- Sinto tanto, eu...
- Estava lá quando você quase casou com a mulher errada. Quando seus filhos nasceram. Quando sua esposa me escolheu e você não a acompanhou.
- Eu...
- Estava lá quando quase quebrou os seus votos. Quando quase morreu antes de conhecer-me. Estava lá quando foi deixado para trás. E estava à sua espera quando finalmente veio a mim.
- Oh, Senhor, obrigado. Estou tão...
- Eu o amei com amor eterno. Sou aquele que ama a sua alma. Você foi feito para estar comigo na eternidade e agora vai estar.
Rayford tinha tantas perguntas, tantas coisas que queria dizer. Mas, não pôde. Ao olhar para o rosto de Jesus, sentiu-se transportado à sua infância e sentiu que poderia ficar ali ajoelhado, como uma criança, deixando que o Salvador o amasse e consolasse para sempre.
Jesus colocou uma das mãos no ombro de Rayford e a outra sobre a sua cabeça. "Oro diante do Pai, de quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra, para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus.
"Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na Igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém" (Ef 3.14-21).
Enquanto Rayford voltava ao seu lugar entre a multidão, como que flutuando no ar, algo lá no fundo dele compreendia que por mais pessoal que aquilo tivesse sido, Jesus estava concedendo o mesmo amor e atenção a todos os presen¬tes. Ele percebeu subitamente que Mac e Abdullah também retornavam, com lágrimas correndo pelo rosto e a linguagem corporal evidenciando que eles haviam igualmente estado com o Mestre. Os três se abraçaram, adorando abertamente.
Ao olhar à sua volta, Rayford viu em cada face que cada pessoa havia encontrado Jesus pessoalmente.

***

O Salvador viera a Enoque enquanto este dormia. O encontro foi, porém, tão real e profundo que o jovem não duvidou nem por um minuto. Quando terminou, ele se viu ajoelhado no chão, sentindo como se Jesus estivesse bem ali em seu quarto. Fora lembrado de ocasiões significativas em sua vida, de sua jornada, primeiro desviando-se da fé verda¬deira e depois voltando a ela. Enoque pôde ver novamente a mão de Deus em toda a sua vida e ficou sabendo que Jesus o conhecera pelo nome antes da fundação do mundo...
Seu telefone tocava e quando Enoque atendeu ao primeiro chamado, o aparelho confirmou que muitos outros se seguiriam. Uma hora depois, ele recebera telefonemas de quase todos da congregação.
- Eu ainda quero ir para lá - foi um tema comum -, mas se Jesus vier aqui desse modo, talvez não haja essa neces¬sidade.

***

Jesus ficou em pé e abriu os braços. Rayford compreen¬deu que a experiência de observá-lo e ouvi-lo era mais pessoal do que nunca, apesar de toda aquela multidão estar fazendo o mesmo.
"Rogo-vos, pois, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz" (Ef 4.1-3).
"Nunca mais coloquem a sua fé nos homens, que não podem ajudar. O espírito do homem morre, ele volta à terra; nesse mesmo dia seus planos perecem. Felizes são vocês que têm o Deus de Jacó para ajudá-los, cuja esperança está no Senhor seu Deus, que fez os céus e a terra, os mares e tudo que neles há; que sustenta a verdade para sempre, que executa justiça aos oprimidos, que dá de comer aos famintos. O Senhor liberta os cativos".
"O Senhor abre os olhos aos cegos; levanta aos quebran¬tados; ama os justos. O Senhor cuida dos estrangeiros; dá alívio aos órfãos e às viúvas; mas transtorna o caminho dos perversos".
"O Senhor reinará para sempre - o teu Deus, ó Sião, para todas as gerações. Louvem o Senhor!" [Tradução Livre]
Foi o que Rayford e todos os demais fizeram.
Pela primeira vez desde o Aparecimento, Rayford viu Jesus falando, mas não conseguiu ouvi-lo. Ele conferenciava com os seres angélicos às suas costas e isto atraiu natural¬mente a atenção de toda a multidão, que se mostrava tão curiosa como quando podia ouvir suas palavras.
Aquele que fora chamado de Gabriel avançou: "Remanes¬cente de Israel!" - começou ele, com uma voz clara como cristal e ouvida por todos. "E santos da Tribulação! Vejo em verdade que Deus é imparcial.
"Mas, em cada nação, quem quer que temer ao Senhor e usar de justiça é aceito por ele".
"A palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, pregando paz por intermédio de Jesus Cristo - ele é o Senhor de todos - essa palavra que conheceis, a qual foi proclamada em toda a Judéia e começou na Galiléia depois do batismo pregado por João: como Deus ungiu Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, quem andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele"
"Somos testemunhas de todas as coisas feitas por ele - a quem mataram e penduraram numa cruz - tanto na terra dos judeus quanto em Jerusalém".
"Deus o ressuscitou no terceiro dia e manifestou-o aber¬tamente, não a todo o povo, mas a testemunhas escolhidas, até àqueles que comeram e beberam com ele depois da sua ressurreição".
"Ele ordenou que alguns pregassem ao povo e testemunhas¬sem que fora ordenado por Deus como Juiz de vivos e mortos".
"A respeito dele todos os profetas testemunham que, por meio do seu nome, quem crer nele receberá remissão de pecados. Amém." [Tradução Livre]
Os presentes repetiram o amém em uníssono. E Jesus mais uma vez lhes falou:
"Portanto, orareis assim: Pai nosso que estás nos céus, Santificado seja o teu nome; venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal, pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém" (Mt 6.9-13).
Depois de orar com ele em uníssono, eles abriram os olhos e Rayford notou que apenas quatro anjos se achavam agora atrás de Jesus. Miguel partira.
E Jesus disse, "Não estou só, porque o Pai está comigo. Estas cousas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo" {Jo 16.33).
Jesus levantou os olhos para o céu e disse: "Pai, glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti, assim como lhe conferiste autoridade sobre toda a carne, a fim de que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe deste. E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo".
"É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas cousas são tuas e as tuas cousas são minhas; e, neles, eu sou glorificado...e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura. Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal".
"Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade".
"Pai justo, o mundo não te conheceu; eu, porém, te conheci, e também estes compreenderam que tu me enviaste. Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja" (Jo 17.1-5,9-12,15,17,25-26).
Gabriel adiantou-se novamente. "O Senhor é fiel, ele irá guardá-los do maligno."

***

Com a menção do maligno, Mac viu agitação no povo longe de Jesus e dos seres angélicos. Pessoas estavam se movendo e murmurando, abrindo caminho para o arcanjo Miguel. Nicolae Carpathia achava-se com ele, em suas roupas de couro agora desarranjadas, sem a espada; Leon Fortunato abatido e exausto em um de seus mantos mais simples e sem o adorno na cabeça; e os três lívidos robôs, sósias de Carpathia, que Mac e os outros tinham visto na câmara oculta quando Carpathia e Fortunato os apresentaram aos dez reis do mundo.
Aqueles eram Astarote, Baal e Lagarta, as três criaturas demoníacas com aparência de sapos e que haviam sido enviadas para enganar as nações, persuadindo-as a reunir-se em Megido para lutar contra o Filho de Deus.
Eram seres hediondos, cor de giz, que haviam tomado forma humana e usavam ternos pretos idênticos. Pareciam derrotados, curvados, como se mutilados pelo seu próprio mal. Ficaram juntos, mas longe de Carpathia e Fortunato. Nicolae e Leon também pareciam não querer nada um com o outro.
Miguel levou os cinco diante de Jesus e Mac ficou impressionado com a fisionomia dele. Percebeu ira justa, é claro, mas também desapontamento e até tristeza. Não havia satisfação maligna.
O trio patético ajoelhou-se na frente de Jesus, choramin¬gando em tons esganiçados, irritantes. Carpathia voltou as costas a Jesus e olhou para o remanescente, com as mãos nos quadris, provocante e entediado. Leon torcia as mãos e ocasionalmente tocava seu colar espalhafatoso de ouro puro. Ele olhava de soslaio para Jesus, parecendo culpado e cheio de medo, espreitando constantemente Carpathia como se à espera de ordens.
Gabriel adiantou-se, ficando entre Jesus e os três, cur¬vando-se para olhá-los no rosto e disse em alta voz: "Em cumprimento das profecias bíblicas escritas há séculos, vocês se ajoelham hoje diante de Jesus Cristo, o Filho do Deus vivo, quem, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz".
- Sim! - os seres guincharam, silvando. - Sim! Sabemos! Sabemos! - E se inclinaram ainda mais, prostrando seus corpos deformados.
Gabriel continuou: "Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai" (Ef 26-11).
- Jesus Cristo é Senhor!, disseram eles em voz estridente e Gabriel voltou a colocar-se atrás de Jesus. - Jesus Cristo é Senhor! É verdade! Verdade! Reconhecemos isso! Nós o reconhecemos!
Jesus inclinou-se e colocou os cotovelos nos joelhos. Os três mantiveram o rosto abaixado, sem fitá-lo. "Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva" (Ez 33.11).
- Nós nos arrependemos! Vamos nos converter! Vamos nos converter! Nós te adoramos, Ó Jesus, Filho de Deus. Tu és Senhor!
- Para vocês é tarde demais - disse Jesus, e Mac sentiu novamente a tristeza em seu tom. - Vocês eram antes seres angélicos, no céu com Deus. Todavia, foram expulsos por causa das suas decisões arrogantes. Em vez de resistir ao maligno, escolheram servi-lo.
- Estávamos errados! Errados! Reconhecemos a ti como Senhor!
- Como meu Pai, com quem sou um, não tenho prazer na morte do perverso, mas isto é justiça e esta é a sua sentença.
Enquanto os três guinchavam, seus corpos reptilianos rasgaram as roupas e explodiram, deixando uma mistura de sangue, escamas e pele que em breve pegou fogo e foi levada pelo vento.
Leon caiu no chão com tamanha força que suas palmas fizeram ruído e sua testa estalou. Ele arrancou o colar e lançou-o longe. Enquanto Jesus olhava atentamente, Leon - levantou-se e despiu o manto, deixando-o cair e tirando os sapatos. A seguir deitou-se de bruços, vestido apenas com calças simples, camisa e meias, sua grande barriga apertada contra o pavimento.
- Oh, meu Senhor e meu Deus! - gemeu, soluçando forte¬mente. - Tenho sido tão cego, tão perverso!
- Você sabe quem eu sou? - perguntou Jesus. - Quem realmente sou?
- Sim! Sim! Eu sempre soube, Senhor! Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!
Jesus ficou em pé.
- Você blasfema, citando meu servo Simão, a quem abençoei, pois não foi carne e sangue que revelou isso a ele, mas meu Pai que está no céu.
- Não, Senhor! Teu Pai me revelou isso também!
- Em verdade digo a você, ai de ti por não ter feito essa descoberta enquanto havia tempo. Pelo contrário, você rejeitou a mim e ao plano de meu Pai para o mundo. Você opôs sua vontade à minha e tornou-se o Falso Profeta, cometendo o maior pecado conhecido sob o céu: rejeitar-me como o único caminho para Deus Pai e passando sete anos enganando o povo.
- Jesus é Senhor! Jesus é Senhor! Não me mate! Eu suplico! Por favor!
- A morte é um privilégio grande demais para você. Quantas almas estão separadas de mim para sempre por sua causa e das palavras que pronunciou?
- Sinto muito! Perdoe-me! Renuncio a todas as obras de Satanás e do anticristo! Prometo lealdade a ti!
- Você está condenado à eternidade no lago de fogo.
- Oh, Deus, não! Gabriel disse:
- Silêncio!
Leon rolou e depois rastejou para longe, onde se deitou em posição fetal, soluçando.
Jesus sentou-se novamente e Nicolae Carpathia, que continuava de frente para a multidão reunida, encolheu os ombros e afundou ainda mais as mãos nos bolsos. Suas sobrancelhas estavam levantadas e tinha um sorriso malicioso na face. Mac ficou imaginando o que aconteceria em seguida, Até mesmo Carpathia tinha de curvar-se e confessar que Jesus era Senhor, mas ele não aparentava medo e certamente nenhuma humildade.
Miguel avançou para um lado dele, Gabriel para o outro. Miguel agarrou um cotovelo e o fez dar meia-volta enquanto Gabriel gritava:
- Ajoelhe-se diante do seu Senhor!
Carpathia soltou-se de Miguel e ficou novamente com as mãos nos quadris. Jesus disse:
- Lúcifer, deixe este homem!
Depois disso, Carpathia pareceu encolher. Tinha outra vez a aparência que Mac vira no subsolo do monte do Templo, nos Estábulos de Salomão. Suas roupas de couro estavam agora largas demais e pendiam dele como mantos flácidos. Suas mãos e dedos se tornaram ossudos. Seu pescoço parecia nadar num colarinho demasiado grande.
O cabelo de Nicolae era ralo e quase sem cor, veias escuras surgiram na pele exposta. Estava pálido e descorado, como se a sua pele pudesse facilmente descolar-se. Mac pensou que aquela seria a aparência do corpo de Carpathia se estivesse se deteriorando no túmulo desde seu assassinato três anos e meio antes.
Nicolae tremia e estremecia apesar do calor, e deva¬gar, como que penosamente, colocou a capa ao redor dos ombros, cobrindo-se e parecendo esconder-se dentro dela como se fosse um casulo.
- Ajoelhe-se! - gritou Gabriel, e ele e Miguel voltaram à sua posição atrás de Jesus.
Nicolae fez que sim com a cabeça e deliberadamente abaixou-se, como um velho, apoiando-se num dos joelhos. Era como se o pavimento fosse duro demais para ele e seu outro joelho desceu em seguida, com as mãos apoiando para impedir que caísse com o rosto no chão. Ficou então ali, mãos e joelhos no chão, fraco e patético, com a capa pendu¬rada frouxamente nos ombros ossudos.
Mac teve de contrastar a justiça de Cristo com a sua própria humanidade. Se estivesse no lugar de Jesus naquele momento, teria sido incapaz de não se alegrar com o triunfo. Mac teria dito:
- Você não parece mais um homem poderoso, não é? Onde está sua espada? E o exército? O gabinete e os subpo¬tentados? Você não passa agora do supremo impotentado, verdade?
Não se tratava, porém de vitória, mas de justiça. Jesus disse:
- Você se tornou um instrumento disposto do próprio diabo.
Nicolae não protestou, não suplicou. Apenas abaixou ainda mais a cabeça, concordando.
- Você foi um rebelde contra as coisas de Deus e do seu reino. Causou mais sofrimento do que qualquer pessoa na história do mundo. Deus concedeu a você dons de inteligên¬cia, beleza, sabedoria e personalidade e teve oportunidade para usar essas coisas em face dos acontecimentos mais importantes nos anais da criação.
- Todavia, empregou cada dom em proveito pessoal. Levou milhões a adorarem a você e a seu pai, Satanás, Foi o destruidor astucioso de meus seguidores e fez mais para amaldiçoar as almas dos homens e mulheres do que qualquer outro em sua época
- Seus planos e seu sistema finalmente falharam. E agora, quem você diz que eu sou?
A pausa foi interminável, o silêncio mortal. Numa voz humilde e fraca, Nicolae finalmente murmurou:
- Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo, que morreu pelos pecados do mundo e ressuscitou no terceiro dia como predito nas Escrituras.
Jesus fez um gesto quando ele falou e Mac teve a impressão de que ele queria que Nicolae o fitasse. Mas, ele não fez isso.
- E o que isso diz sobre você e sua vida? Carpathia afundou-se ainda mais do que Mac achava possível.
- Confesso - disse ele - que minha vida foi desperdiçada. Indigna. Um erro. Rebelei-me contra o Deus do universo, que agora sei que me amava.
Jesus sacudiu a cabeça e Mac viu uma grande tristeza em seu rosto.
- Você é responsável pelo destino de bilhões. Você e o seu Falso Profeta, com quem derramou o sangue de inocen¬tes - meus seguidores, os profetas e meus servos que criam em mim - serão lançados vivos no lago de fogo.
Os arcanjos Miguel e Gabriel deram um passo à frente, Miguel para puxar do chão o Falso Profeta e pôr de pé o anticristo. Ele se postou diante de Jesus como que aguar¬dando instruções enquanto o abatido Nicolae Carpathia se achava curvado, de cabeça baixa parecendo um velho. Leon Fortunato estava em desordem. Tinha o cabelo desarranjado, ú rosto vermelho e manchado de lágrimas, as mãos apertadas com força à sua frente.
Gabriel disse à multidão, "E vi a besta e os reis da terra, com os seus exércitos, congregados para pelejarem contra aquele que estava montado no cavalo e contra o seu exér¬cito. Mas a besta foi aprisionada, e com ela o falso profeta que, com os sinais feitos diante dela, seduziu aqueles que receberam a marca da besta e eram os adoradores da sua imagem. Os dois foram lançados vivos dentro do lago do fogo que arde com enxofre" (Ap 19.19-20).
Gabriel afastou-se e no lugar em que estivera, um buraco de cerca de um metro abriu-se no chão e um cheiro fétido, sulfúrico fez-se sentir, obrigando Mac e todos da cidade a taparem o nariz. Surgiu então uma chama azul sibilante que, brotando do buraco, subiu a uma altura de seis metros, a qual Mac só pôde comparar a uma tocha de acetileno monstruosa. Isto acrescentou o cheiro de éter à mistura e Mac viu as linhas de frente da multidão recuarem.
Mesmo distante da ação, Mac sentiu o calor tremendo emitido pela coluna furiosa de fogo. Jesus e os cinco seres angélicos estavam aparentemente imunes ao cheiro e ao calor, mas tanto Carpathia quanto Fortunato tentaram se afastar. Miguel segurou os dois com firmeza, ainda olhando para Jesus.
O Senhor acenou tristemente e, sem hesitação, Miguel fez os dois andarem até a beirada do buraco. Fortunato gritou como uma criança e lutou para escapar; mas, com um braço poderoso, Miguel o empurrou para dentro. Seus lamentos se intensificaram e depois emudeceram enquanto caía.
Carpathia não lutou. Apenas cobriu o rosto com os braços enquanto caía e depois seus berros ecoaram por toda Jerusalém até que estivesse bem longe. O buraco fechou tão rapidamente como se abrira e a besta e o falso profeta desapareceram.

DEZESSETE

Rayford estava praticamente cambaleando e só podia imaginar o que o resto do povo deveria ter pensado. Ele sabia que aquelas coisas deviam acontecer e também o que viria em seguida, mas nunca imaginou ser uma testemunha ocular dessas ocorrências. Acreditava que George e Priscilla Sebastian tinham meios de cobrir os olhos das crianças das cenas mais repulsivas, mas também contava com o poder sobrenatural de Jesus para proteger Kenny daquelas imagens.
Ele queria muito ver Irene, Raymie, Chloe e Buck, assim como Amanda. De alguma forma, compreendia que o emba¬raço das duas esposas se encontrarem no mundo natural não seria um problema no novo mundo. Todo o foco da atenção deles estaria em Cristo e o que ele realizara em suas vidas.
Isso, porém, aconteceria na hora devida. Gabriel, o arcanjo porta-voz, apareceu preparado para falar de novo. No momento em que ele começou, Rayford sentiu que aquele era o plano do Senhor, a fim de acalmar a mente de seu povo depois do que havia presenciado.
"Jesus é a verdadeira Luz", começou Gabriel "que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem".
"Ele estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu... Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus".
"E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai" (Jo 1.1-14).
- Amém! - gritou o povo e muitos pareciam consolados.
Nenhum alimento, nenhum descanso e agora lugar algum para sentar a não ser no pavimento - desde que ninguém se importasse de perder parte da ação. É claro que Rayford se importava. Todavia, mais uma vez, ele não sentiu fome, nem sequer a fadiga que o vencera no caminho para ver Jesus. Ficar em pé também não incomodava.
Jesus conversou outra vez com os seres celestiais e Miguel desapareceu. O grande evento aconteceria depressa assim, tão perto dos primeiros julgamentos? Rayford não sabia, mas era certamente algo que ele não queria perder.
Gabriel falou mais uma vez: "Mas, agora, em Cristo Jesus, vocês, que antes estavam longe, foram aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a sua paz. E, vindo, evangelizou paz a vocês que estavam longe e paz também aos que estavam perto; porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito. Assim, vocês já não são estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e são da famí¬lia de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vocês juntamente estão sendo edificados para habitação de Deus no Espírito".
"Portanto, os que foram ressuscitados juntamente com Cristo, busquem as cousas lá do alto, onde Cristo vive, assen¬tado à direita de Deus. Pensem nas cousas lá do alto, não nas que são aqui da terra; porque vocês morreram, e a sua vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, vocês também serão manifestados com ele, em glória." (Cl 3.1-4).
"Por isso, amados, sede sóbrios e vigilantes. O diabo, seu adversário, anda em derredor, como leão que ruge procu¬rando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos seus estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo. O Deus de toda a graça, que em Cristo os chamou à sua eterna glória, depois de terem sofrido por um pouco, ele mesmo irá aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar vocês. A ele seja o domínio, pelos séculos dos séculos. Amém" (1 Pe 5.8-11).
- Amém! - gritou a multidão, que adorava e cantava espontaneamente. Gabriel concluiu:
"Então vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente."
A multidão começou a aplaudir.
"Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos."
Mãos se levantaram, as pessoas estavam gritando agora.
"Lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos."
Rayford sentiu apreensão por parte do povo, porque quem não sabia o que iria acontecer em seguida já começara a imaginar. Quando o poderoso guerreiro, arcanjo Miguel, apareceu subitamente com um enorme leão - facilmente três vezes maior do que qualquer rei dos animais natural - a multidão respirou com dificuldade e todos começaram a se abraçar com medo.
Gabriel, entretanto, os acalmou com esta garantia: "Filhinhos, vós sois de Deus. Maior é aquele que está em vocês do que aquele que está no mundo" (1 Jo 4.4).
O rugido do prodigioso carnívoro machucou os ouvidos de Rayford e ecoou pelos prédios vizinhos. O leão tentou atacar Miguel e rosnou, batendo os pés e se voltando em suas coxas extremamente musculosas. Miguel, porém, o manteve com firmeza. Quando o leão procurou novamente livrar-se e devorar seu captor, Miguel segurou-o com mais força e torceu um pouco mais seu pescoço que parecia um tronco de árvore.
O leão transformou-se então repentinamente numa enorme serpente que silvava e que se enrolou nos braços e pernas do anjo, apertando-os; sua língua se movimentando entre seus caninos alongados. Miguel atirou o animal rapida¬mente no chão e tampou com força sua boca. Depois disso, a criatura se transformou outra vez.
Ela agora cresceu, inchou e se cobriu de escamas escor¬regadias, desenvolvendo quatro pernas grossas com dedos córneos nos pés, uma cauda em forma de chicote, pescoço comprido, cabeça e fauce largas, orelhas em ponta, chifres, e uma boca cheia de dentes cuspindo fogo. Este foi o maior teste para Miguel, que pareceu extrair do ar uma corrente pesada com a qual conseguiu impedir o monstro de agir.
Este rolou de costas, soltando chamas, silvando e babando, lutando contra o que o detinha. Sua cauda atacou várias vezes o anjo, com a grande cabeça balançando de um lado para outro. Miguel conseguiu finalmente laçar o pescoço com o resto da corrente e com um forte puxão encostou a cabeça do ser no dorso, imobilizando virtualmente o dragão.
Ali ficou ele, bufando e se retorcendo e quem quer que estivesse observando sabia o que iria fazer, caso pudesse livrar-se. Pareceu finalmente relaxar, mas isso foi apenas um precedente de sua encarnação final. O dragão deu lugar ao que parecia outro anjo, mais luminoso que os arcanjos e os três anjos de misericórdia, inclusive Cristóvão, o anjo com o evangelho eterno. Todavia, sua luz empalidecia insignifican¬temente quando comparada à de Cristo, cuja glória ilumi¬nava o mundo inteiro.
O ser agora estava em pé submisso, a corrente havia escorregado em espiral no chão. Ele olhou ameaçadoramente para Miguel, que ficou impassível. Gabriel disse então em voz bem alta:
- Lúcifer, dragão, serpente, diabo, Satanás, você vai enfrentar agora Aquele a quem se opôs desde tempos ime¬moriais.
- Oh, não! - vociferou o ser. - A última vez que conten¬demos, Miguel, disputamos a respeito do corpo de Moisés e você não se atreveu a fazer contra mim nem sequer uma acusação injuriosa, mas disse: 'O Senhor te repreenda!' Eu não presto contas a você! (Jd 9).
- Não - Jesus disse baixinho, embora Rayford o ouvisse distintamente.
Com a autoridade dos séculos, ele afirmou:
- Mas você presta contas a mim! Ajoelhe-se aos meus pés.
- Nunca farei isso!
- Ajoelhe-se.
Ele obedeceu, com os ombros curvados, em rebelião e ira.
- Lutei contra você pouco depois da sua criação.
- Minha criação! Não fui mais criado que você! E quem é você para ter qualquer coisa contra mim?!
- Silêncio!
Pareceu a Rayford que o anjo de luz tentava pôr-se de pé, mas não conseguiu. Quis também, aparentemente falar, se esforçando, sacudindo a cabeça.
Jesus continuou:
- Apesar de todas as suas mentiras sobre ter sido desen¬volvido, você é um ser criado.
A criatura sacudiu violentamente a cabeça.
- Só Deus tem o poder de criar e você foi nossa cria¬ção. Estava no Éden, o jardim de Deus, antes que fosse um paraíso para Adão e Eva. Estava ali como um servo exaltado quando o Éden era um lindo jardim rochoso.
"Tu eras o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e for¬mosura. Estavas no Éden, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias: o sárdio, o topázio, o diamante, o berilo, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo e a esmeralda; de ouro se te fizeram os engastes e os ornamentos; no dia em que foste criado, foram eles preparados. Tu eras queru¬bim da guarda ungido, e te estabeleci; permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado até que se achou iniqüidade em ti".
"...se encheu o teu interior de violência, e pecaste; pelo que te lançamos, profanado, fora do monte de Deus e te faremos perecer, ó querubim da guarda, em meio ao brilho das pedras".
"Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus, para que te contemplem. Pela multidão das tuas iniqüidades, pela injustiça do teu comércio, profanaste os teus santuários; eu, pois, fiz sair do meio de um fogo, que te consumiu, e te reduzi a cinzas sobre a terra, aos olhos de todos os que te contemplam".
"Todos os que te conhecem entre os povos estão espanta¬dos de ti; vens a ser objeto de espanto e jamais subsistirás" (Ez 28.11-19).
O anjo ajoelhado, cuja luz desvanecia, pareceu torcer-se de dor, pronto a retaliar.
Jesus disse:
- Você se opôs a meu Pai e a mim ainda antes da criação do homem. Um terço dos anjos dos céus e a maioria da popu¬lação da terra seguiu seu exemplo de rebelião e orgulho. Isto resultará para eles e para você em separação do Deus Todo-Poderoso no fogo eterno preparado para você e seus anjos.
- Você enganou Eva, levando-a a pecar. Durante o milênio seguinte, tentou profanar a linhagem de Adão, colocando no coração de Caim o desejo de matar Abel e eliminando desse modo os dois primeiros filhos de Adão. Você encorajou a coabitação dos anjos caídos com mulheres humanas, a fim de produzir nefilim, os caídos. Por sua causa, no período de 1600 anos, só oito seres humanos foram encontrados fiéis e dignos de serem salvos do Dilúvio.
- Foi você que tentou estabelecer uma religião idolatra e universal em Babel, então a maior cidade do mundo, a fim de impedir que a humanidade adorasse o Deus único e verdadeiro.
- Foi você que tentou destruir a raça dos hebreus, colo¬cando na mente de Faraó a idéia de matar as crianças peque¬nas quando Moisés nasceu.
- Todo o sofrimento da humanidade é obra sua. A terra foi criada como uma utopia, mas você introduziu nela o pecado, que resultou em pobreza, doenças, mais de 15 mil guerras e a matança insensata de milhões. Você e o seu pecado de orgulho geraram a rebelião da humanidade contra Deus, o ódio, o homicídio e a condenação de bilhões de almas desde os dias de Adão.
- Você tentou matar-me depois do meu nascimento ter¬reno, pondo na mente de Herodes o pensamento de assas¬sinar todos os recém-nascidos do sexo masculino em Belém. Tentou-me no deserto e procurou destruir a minha Igreja mediante perseguição e falsos ensinos. Enviou a tempestade ao mar da Galiléia enquanto eu dormia. Foi você quem entrou em Judas Iscariotes, você que encheu de engano o coração de Ananias. Você, como o deus deste mundo perverso, foi quem cegou a mente dos que não crêem.
- Você estava operando no coração dos que se recusaram a obedecer a Deus. Impediu meus servos de ministrarem, semeou discórdia nas igrejas, atacou os fracos, os sofredores, os solitários.
A essa altura, Satanás havia caído de lado, ofegando e bufando, esforçando-se para pôr-se em pé, para revidar, para falar.
- É contrário à vontade de Deus que os homens pequem e também que me rejeitem. É da vontade de meu Pai que está nos céus que nenhum desses pequeninos pereça. Ele não é tardio em cumprir sua promessa, mas é longânimo, não desejando que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento.
- Durante os últimos sete anos você enganou milhões com falsos mestres, falsos messias, um falso profeta e um anticristo. Deu a este o seu poder, seu trono e uma grande autoridade. E todo o mundo se maravilhou e o seguiu.
- Eles o adoraram porque você deu autoridade à besta; e adoraram a besta, dizendo: "Quem é semelhante à besta? Quem pode pelejar contra ela?" Deu-lhe "uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir 42 meses; e abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para lhe difamar o nome e difamar o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu. Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse. Deu-se-lhe ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação; e a adoraram todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo" (Ap 13:2-8).
"Ela também opera grandes sinais, de maneira que até fogo do céu faz descer à terra, diante dos homens" (Ap 13.13).
- E você enganou os habitantes da terra com esses sinais. Você me odeia, odeia meu povo. Lutou contra aqueles que obedeceram aos mandamentos de Deus. Quando alguém ouvia falar do reino e não compreendia, você vinha e rou¬bava o que fora semeado no coração.
- Você foi a razão do meu Servo ter de lembrar meu povo de que eles não lutavam contra carne e sangue, mas contra os principados e Potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. Você foi o motivo deles serem instruídos a usar toda a armadura de Deus, para poderem resistir no dia mau e depois de terem vencido tudo, permanecerem inabaláveis.
- Prometi há séculos que construiria a minha Igreja e que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela.
- Sua hora chegou. Enviei meus anjos e eles removeram do meu reino todas as coisas que possam ofender e os que não seguem a lei, vou lançá-los na fornalha ardente. Haverá choro e ranger de dentes.
- Os justos brilharão então como o sol no reino de seu Pai. Miguel agarrou Satanás e o puxou de volta até os seus joelhos, onde ele continuou a retorcer-se como se prestes a explodir.
- Você trouxe isto sobre si mesmo - disse Jesus. "Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo".
"Contudo, serás precipitado para o reino dos mortos, no mais profundo do abismo. Os que te virem te contemplarão, hão de fitar-te e dizer-te: É este o homem que fazia estremecer a terra e tremer os reinos? Que punha o mundo como um deserto e assolava as suas cidades? Que a seus cativos não deixava ir para casa?" (Is 13.13-17).

***

Da mesma forma que todos os demais, Abdullah estava fascinado com aquela acusação e julgamento de Satanás. Em todos os seus estudos das Escrituras e da profecia, ele nunca esperara testemunhar isso pessoalmente. Desejava poder fazer perguntas, por que o anticristo e o Falso Profeta foram lançados para sempre no lago de fogo, enquanto Satanás ficaria preso por mil anos e solto novamente por algum tempo no fim do milênio.
Abdullah descobrira, porém, que a maioria de suas per¬guntas acabava sendo respondida sem que alguém as tivesse feito.
Ele não conseguia fartar-se da beleza de Jerusalém, em vista do que acontecera nos últimos dias. Ela parecia imaculada, limpa e até a folhagem estava em plena flora¬ção e fragrância. Que impacto a presença de Jesus fizera no mundo!
A maior parte do remanescente consistia de pessoas da grande Jerusalém, bem distante dos muros antigos da Cidade Velha. O inimigo fora expulso e morto e, portanto, todas as casas na Cidade Santa estavam novamente disponíveis.
As pessoas voltariam às suas moradias. Abdullah não sabia o que isso significava para ele e para os outros membros gentios do Comando Tribulação. Podiam talvez voltar para Petra. Havia muito espaço ali.
No que lhe dizia respeito, queria ficar onde Jesus estivesse e sabia pela profecia que o Senhor reinaria no trono de Davi. Isso significava que quando terminasse toda a parte pública, as pessoas continuariam tendo acesso a ele; mas, como é claro, mais de um milhão de indivíduos não poderiam ser acomodados no templo. Quem sabe ele daria novamente audiências sobrenaturais com todos ao mesmo tempo como fizera antes? Aquele seria também o seu quartel-general para reinar sobre as nações do mundo "com cetro de ferro".
Abdullah voltaria a viver com sua esposa? Mal podia esperar para reunir-se com ela, mas não conhecia todas as ramificações da vida nesse nível. Ela existiria em seu corpo glorificado, enquanto ele levaria ao reino milenar sua estru¬tura mortal. Havia tanto a aprender, tanto a saber.

***

Chang e Naomi, embora ainda estivessem de mãos dadas, quase não se falavam havia horas. O dia, de fato todo o tempo, tinha voado desde o Glorioso Aparecimento. Quando Jesus abraçou Chang, segurando o rosto dele nas mãos e comunicando-se com ele em chinês, Chang compreendeu que tudo pelo qual passara tinha valido a pena. Ele teria dado qualquer coisa por aquele encontro com o seu Salvador.
Jesus lhe dissera que estava lá quando Chang nasceu, quando foi criado numa casa ímpia e uma religião aberrante. Estava lá quando Chang foi enviado para estudar bem longe de casa devido à sua inteligência e foi a ele que Chang orou pedindo forças, consolo e companhia, embora naquela época nem sequer tivesse ouvido ainda falar de Jesus.
- Eu estava ali, Chang - Jesus lhe disse - quando você passou a crer que não existia um deus, certamente não aquele que você associava com os capitalistas do ocidente. Estava lá quando você se rebelou contra seus pais e tentou dar-lhes uma lição por tê-lo enviado para longe. Estava lá quando abusou de seu corpo e de sua mente com substân¬cias não planejadas para sua alimentação.
- Estava lá quando a sua mente foi enganada pela filoso¬fia e a vã falsidade. Estava lá quando você foi descoberto pelo governo deste mundo e obrigado a servir ao maligno.
- Alegrei-me com os anjos quando você aprendeu a meu respeito e foi usado para a minha glória no covil do anticristo.
- Achava-me lá também quando a marca da besta foi imposta sobre você e temeu ter perdido a sua salvação. Eu o amei desde a eternidade com amor eterno e tenho aguardado este dia.
Chang estava ainda brilhando por causa dessa experiên¬cia, embora tivesse finalmente compreendido que todos ali haviam usufruído um encontro pessoal com Jesus. O fato de ele não ser o único não o tornou menos especial. A mensa¬gem transmitida pelo Salvador era definitivamente só para ele e as coisas temíveis, medonhas que haviam ocorrido nas últimas horas não conseguiram apagar a emoção que sentia.

***

Era chegada a hora, compreendeu Rayford. Jesus termi¬nara suas acusações e nada restava além da execução da sentença. Satanás se balançava de joelhos, ofegando com os dentes cerrados.
Gabriel curvou-se sobre o anjo de luz, gritando; - Reconheça Jesus como Senhor! Satanás estivera mudo e agora parecia que tentava falar, mas as palavras não saíam de sua boca. Estava, porém, claro que ele não tinha interesse em obedecer à ordem. Sacudiu vigorosamente a cabeça e cerrou os punhos diante de Jesus.
Jesus olhou brevemente à sua esquerda e Rayford adivinhou que cerca de 30 metros nessa direção, afastado dos anjos e do povo, um enorme buraco surgira no solo. Fumaça negra subia das profundezas e quase encobria o céu. Como acontecera antes, não havia sombras, porque a luz do dia não vinha mais do sol, mas do próprio Senhor.
Jesus fez um sinal para Miguel que levantou a comprida e pesada corrente, enrolando-a em seu braço musculoso. Ao aproximar-se do condenado, Satanás levantou-se e se pôs a lutar. Transformou-se outra vez, primeiro em dragão, depois em serpente e finalmente em leão.
O conflito cobriu a distân¬cia que havia entre o remanescente, Jesus e os outros anjos. Cada vez que Miguel e Satanás caíam perto da multidão, as pessoas se empurravam entre si.
Rayford não tinha dúvidas sobre o resultado da contenda. Jesus parecia assistir com desprezo e tristeza e sem qualquer preocupação. Gabriel, que sempre servira como arauto e não como guerreiro, parecia tão capaz quanto Miguel e poderia ter interferido a qualquer hora. Os três anjos de misericórdia, inclusive o pregador do evangelho eterno, estavam também nas proximidades.
Finalmente, em sua forma de leão, Satanás ficou estranhamente sem rugir. Jesus o silenciara e a maldição prevaleceu apesar do seu disfarce. Miguel finalmente envolveu-o com a corrente e apertou-a, prendendo irreme¬diavelmente o animal.
Quando levantou o cativo, levando-o na direção do abismo, Satanás transformou-se porém de novo, voltando a ser anjo de luz. Com isso, ele livrou-se da corrente e fez uma última e frágil tentativa de fuga. Miguel girou a corrente e deixou que escorregasse em suas mãos até que a parte estendida tivesse pelo menos seis metros de comprimento. Atirou-a então sobre o diabo, prendendo-o na seção do meio e fazendo com que a corrente se enrolasse nele.
Miguel aproximou-se, jogou Satanás no chão, completou a operação de envolvê-lo com a corrente e ficou de pé, car¬regando o diabo amarrado. Pouco antes de chegar ao abismo ardente, vomitando fumaça, Miguel voou - com Satanás debaixo do braço - cerca de três metros no ar e depois se atirou de cabeça no abismo.
Jesus não ficou assistindo a isto, apesar dos outros seres angélicos olharem. A multidão gritou e aplaudiu, mas se aquietou rapidamente quando Jesus ficou em pé e fez um gesto com a mão.
"E agora", disse ele, "a Deus Pai, o rei eterno, imortal, invisível, a ele que é unicamente sábio, seja dada honra e glória para sempre. Amados, o pecado reinou na morte, mas mesmo assim a graça reina por meio da justiça para a vida eterna. Até os demônios me reconheceram como o Santo de Deus. Coloco-me diante de vocês hoje como o Rei de Israel, Aquele que vem em nome do Senhor." [Tradução livre]
Jesus olhou para cima e do alto das nuvens veio um coro que Rayford só pôde supor ser daqueles que estavam reuni¬dos ao redor do trono de Deus. Eles cantaram o cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: "Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus, Todo-Poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos santos! E ele reinará sobre a casa de Jacó para sempre e seu reino não terá fim" (Ap 5.3).
A fumaça ainda jorrava do abismo sem fundo e Rayford se perguntou se outros, como ele, tinham começado a preo¬cupar-se com Miguel. Mas, ele surgiu nesse momento com uma chave nas mãos. Satanás e a corrente não mais estavam à vista.
Miguel reuniu-se aos outros por trás de Jesus, que se voltou, montando seu cavalo. Ele afastou lentamente o corcel branco da praça e do povo na direção do monte do Templo, onde ocuparia seu lugar de direito no trono de Davi.
Rayford sentiu finalmente uma pontada de fome e uma nova onda de cansaço. Sem qualquer instrução a respeito, o remanescente parecia estar se dispersando devagar, voltando às suas casas. Rayford, por sua vez, teria de procurar seus amigos e ver quem lhe daria abrigo.

DEZOITO

Rayford não podia pensar numa palavra para descrever seus sentimentos senão euforia. Ele sabia que em certas ocasiões Jesus não estaria visível, como agora. Isso fazia sen¬tido. Mas, temera sentir tamanha necessidade da presença dele a ponto de ficar deprimido, desanimado, quando o Mestre tivesse de ocupar-se com outras coisas. Rayford ficou contente por não acontecer isso.
Seu coração continuava com Jesus, é claro. Pensava constantemente nele. Queria vê-lo, é certo. Pelo fato de estar tão preocupado com ele, ansioso para amá-lo e servi-lo para sempre, descobriu-se livre das suas tentações usuais. Pergun¬tou-se se aquela seria uma situação temporária. Estaria livre da lascívia, orgulho, cobiça, só porque aquilo era como estar na Igreja na presença do pastor? Ou o fato de Satanás ter sido amarrado e seus demônios terem morrido tinha algo a ver com isso? Em vez de ser tentado pelo mundo, pela carne e o diabo, tinha de preocupar-se apenas com uma dessas três coisas. E o mundo era novo e governado por Jesus.
A novidade de Jesus estar fisicamente entre eles iria tornar-se rotina um dia? Quero dizer, mil anos e depois a eternidade...
A maneira como Jesus falara com ele, se ligara a ele, fez Rayford sentir como se o Senhor ainda continuasse ali, embora não o visse. Quando orou, era como se Jesus conver¬sasse com ele imediatamente. Rayford tinha tantas pergun¬tas, tantas coisas que teria de indagar de Chaim...
A primeira, é claro, era se Chaim tinha alguma idéia de onde Rayford poderia alojar-se. Ele achou engraçado desco¬brir, depois de reunir-se com o resto do pessoal do Comando Tribulação que estivera em Petra, que isto já havia sido objeto de consideração, discussão e até de decisão.
Rayford, Mac e Abdullah haviam ficado na praça pública, procurando na multidão alguém que reconhecessem.
- Será melhor nos separarmos - sugeriu Abdullah. - Se algum de nós encontrar alguém, pode chamar os outros e marcar um ponto de encontro.
Abdullah foi para o oeste, Mac para o leste. Rayford ficou no centro, buscando rostos familiares. Que visão! Onde quer que olhasse, as pessoas pareciam amigas, embora fossem quase todas estranhas. Ele reconheceu algumas por tê-las visto em Petra, mas quando perguntou se tinham visto seus amigos e conhecidos, ninguém pôde dar informações.
Toda¬via, todos queriam conversar. Quase sempre sobre Jesus, ou sobre o terremoto e a divisão do monte das Oliveiras. A matança dos inimigos. A condenação de Carpathia, Fortunato e Satanás... .
Outros mencionavam o tempo - quente, claro, refres¬cante, como se estivessem respirando um novo ar. Uma mulher apontou para as árvores e arbustos, que pareciam repentinamente verdes e saudáveis.
- Não eram assim 24 horas atrás - disse ela. Algo ocorreu a Rayford. Perguntou de onde ela viera.
- Rússia - respondeu.
- E que idioma a Sra. está falando?
- Russo, é claro. Sei apenas um pouco de inglês. E você?
- Inglês é tudo que sei.
Rayford continuou andando, olhando, perguntando. Aqui e ali grupos oravam, cantavam, alguns apenas levantando as mãos para o céu e sorrindo. Recebeu finalmente um chamado de Mac.
- Parece estranho que essas geringonças estejam ainda funcionando - Mac disse. - Eu imaginava que pudéssemos falar um com o outro sem máquinas agora.
Rayford riu.
- Por quê?
- Por que não? Você conhece a Igreja de Cristo, a sudeste da Torre de Davi?
- Claro.
- É aqui que estamos todos.
- Abdullah também?
- Todos.
As identificações de todos os lugares haviam sido muda¬das quando Carpathia tomou o poder, mas os crentes sabiam onde ficava o quê. Do lado de fora da Igreja de Cristo, a sudeste do prédio, Rayford encontrou seu círculo de amigos de Petra. Todos menos Otto.
Além de Abdullah e Mac, Chaim estava lá com Chang, Naomi e o pai dela, Eleazar. Hannah e Leah também se encontravam ali. Quando Rayford viu Razor conversando com os Woo, ele soube que Sebastian, Priscilla e Beth Ann deviam estar perto e isso significava que Kenny não estaria longe. Lá vinha ele.
O menino pulou para os braços de Rayford. - Vovô! Eu vi Jesus! E ele falou comigo!
- Que maravilha!
- É mesmo! Vou ver mamãe e papai também.
Rayford olhou para Pris. Ela fez um sinal com a boca:
- Logo.
- Sim, em breve - disse Rayford.
Enquanto carregava Kenny, Rayford foi informado do que havia sido decidido.
- Otto conseguiu um hotel abandonado para o seu pes¬soal - contou Chaim.
- Já?
- Olhe, Rayford, todos estão ansiosos para oferecer acomodação, uns aos outros. Vai então sobrar muito espaço neste país para as pessoas que restaram, pouco mais de um milhão. Quase três quartos de um milhão viviam só na Grande Jerusalém. Há milhares de casas desertas, mas a maioria das pessoas parece estar voltando para suas próprias residências e convidando outras de diferentes lugares para ficar com elas. Eleazar e Naomi concordaram em receber as mulheres solteiras e os casais, e eu tenho muito espaço para os homens solteiros.
- Kenny - perguntou Rayford - você quer ficar com o vovô na casa do tio Chaim? Ou com Beth Ann e a tia Priscilla?
- Onde a mamãe vai ficar?
- Provavelmente conosco - disse Pris, e Kenny desceu do colo do avô.
- Está bem, vovô?
- Está sim, Kenny. Vou ver você a toda hora.
- Vou pegar o carro - falou Abdullah e afastou-se. Rayford apertou-se no fundo, olhando pela janela de trás, com os joelhos junto ao peito e eles conseguiram de alguma forma acomodar Chaim, Chang, Lionel, Mac e Razor no Hummer, com Abdullah no volante.
A caminho da casa de Chaim, Chang passou o tempo todo no telefone com Naomi. Razor brincou com ele que os dois haviam estado juntos vários dias, mas Rayford notou que eles não estavam falando sobre ambos, como todos os outros no carro eles falavam de Jesus.
- Tenho tantas perguntas, Chaim - Rayford exclamou lá do fundo.
- É provável que não sejam tantas quanto as minhas -disse Chaim -, mas para os que estiverem interessados, vou abrir as Escrituras e tentar achar alguma lógica nisto tudo.
- Vocês estão vendo o que estou vendo? - perguntou Rayford, estudando a paisagem, as pessoas e os animais enquanto Abdullah dirigia por entre a multidão alegre.
Todos os animais eram dóceis. Ovelhas, cães, lobos, animais domésticos de todos os tipos, vagavam por toda parte. As lojas já haviam reaberto e os açougueiros trabalhavam ao ar livre. Caminhões entregavam frutas e vegetais frescos de pomares próximos.
- Quem teria tido tempo para apanhar essas coisas e onde os açougueiros conseguiram carne?
- Aquele açougueiro é meu amigo - disse Chaim. - Vou descobrir.
Abdullah parou e todos saltaram. Razor dirigiu-se para uma banca de frutas e verduras. Rayford acompanhou Chaim.
- Ezer! - exclamou Chaim, abraçando o homem alto e magro que brandia um cutelo e usava um avental salpicado de sangue. - Eu não sabia que você era crente!
- Eu não era - respondeu Ezer. - Resisti várias vezes, cego, tão cego. Mas, durante a batalha para defender Jerusalém, ouvi um rabino na Cidade Velha falar do Messias e fui poupado.
- Já de volta ao ofício de açougueiro! Como pode ser isso?
- Fui levado a juntar-me ao movimento da resistência pela CG porque me recusei a receber a marca. Perdi esta loja e minha casa. Depois do que testemunhamos na Cidade Velha, eu queria ver o que restara. Minha casa estava intacta e minha loja continuava vazia. Você não vai acreditar, Chaim, mas animais cevados, prontos para o abate e para o corte, moviam-se por toda parte como se fossem voluntários! Vacas, ovelhas! Imagine! Encontrei minhas ferramentas e comecei a trabalhar imediatamente. O que vocês precisam?
- Uma boa quantidade de carne de boi e de cordeiro. Tenho seis hóspedes, todos homens adultos e famintos.
- Leve o que quiser. É por minha conta.
- Não. Não posso aceitar.
- Você não tem mesmo dinheiro, não é? E eu não quero saber de Nicks.
- Olhe, abra uma conta para mim e quando descobrirmos o rumo da economia, acerto com você.
- Você se opôs a Carpathia, Chaim. Esse é todo o paga¬mento que preciso.
- Não. Eu insisto. Como você vai viver?
- Já lhe disse. As mercadorias não me custaram nada, e olhe! - ele apontou para a rua.
As ovelhas e vacas continuavam chegando de quilômetros de distância. Alguns homens construíam cercados.
- Meus novos empregados - disse Ezer. - Pago a eles em carne. Tenho mais do que preciso e Deus está aparentemente suprindo. Por favor, faça-me a honra de levar tudo o que quiser. São os cortes mais frescos, gordos e melhores que já produzi.
Chaim finalmente cedeu e Ezer insistiu com todos os hós¬pedes dele para levarem vários quilos cada um.
- Para segurar no colo na viagem para casa. Por favor, por favor. Estão me ajudando. Tenho demais e ainda não consegui um depósito para a carne.
Ao voltarem para o carro, Rayford ouviu Ezer gritando para os transeuntes.
- Carne de graça, da mão de Deus! Venham, por favor, e levem quanto precisarem!
Razor voltou da banca de verduras, carregado com sacos de frutas e vegetais. - A mulher não quis aceitar pagamento por nada! - disse ele. - Ela afirma que estão caindo das árvores, não só nas hortas mas também aqui na cidade.
- Espere um pouco - disse Chang no telefone, depois cobriu-o com a mão enquanto Abdullah dava partida e seguia para a casa de Chaim.
- Naomi disse que é um mila¬gre geral. Eles também pararam de acumular carne fresca e verduras. Disse que colheram laranjas e outras frutas debaixo das árvores e viram os galhos amadurecerem nova¬mente diante de seus olhos.
Naquela noite - Rayford só podia saber que era noite pelo relógio; o brilho do dia nunca mudava - os homens se acomodaram na casa espaçosa de Chaim, a distribuição dos quartos parecendo ter sido encomendada, de tão perfeita. Razor e Abdullah se consideraram cozinheiros e provaram isso grelhando a carne e preparando tigelas transbordando de frutas fatiadas e vegetais fumegantes.
Rayford sempre se impressionara com a maneira como os crentes do Comando Tribulação e os da Cooperativa trabalha¬vam juntos, mas nunca vira algo daquele tipo. Ele na ver¬dade ficou pensando se mil anos sem discussões ou conflitos acabariam monótonos.
Apesar das atitudes geralmente positi¬vas do povo sob seu comando nos últimos sete anos, parte do desafio de seu trabalho tinha sido arbitrar nas questões de ego e território. Ele agora apenas observava as pessoas se entenderem e trabalharem juntas. Tinha de admitir que era o primeiro dia em sua nova casa. Elas haviam acabado de testemunhar o cumprimento milagroso da profecia e esti¬veram na presença física de Jesus. Haviam sido presenteadas com os alojamentos mais confortáveis que já tinham tido em anos, sem mencionar que estavam prestes a receber comida grátis - uma verdadeira festa!
Mac encontrou mesas e cadeiras e pediu ajuda a Chang e Lionel, enquanto Chaim solicitou que Rayford o acom¬panhasse para revistar a casa que não via havia três anos e meio. Tudo que o velho homem conseguia fazer era sacudir a cabeça com as lembranças.
Não havia evidência de danos da CG ao lugar. Ele não encontrou quaisquer resíduos dos três terremotos, inclusive o mais recente que fora global e da elevação de toda a cidade a cerca de 90 metros depois da separação ocorrida no monte das Oliveiras.
Quando Rayford o seguiu pela casa, Chaim disse:
- Estou cansado da minha incredulidade. Devo simples¬mente aceitar de uma vez por todas que Deus é o autor de tudo isto. Ele pode fazer tudo e fez tudo. Ouvi falar que a CG ocupou esta casa como centro de comando havia quase três anos. Pode imaginar, capitão Steele, como ela estaria depois que dezenas de homens diferentes tivessem morado e trabalhado aqui? Eu esperava encontrar um odor desa¬gradável de fumo, lixo, um verdadeiro horror. Todavia, veja.
Rayford estava vendo. Era como se uma equipe de lim¬peza tivesse varrido a casa inteira. Chão, paredes, tetos, tudo estava limpo. A mobília no lugar. Rayford não teria ficado mais surpreso se encontrasse protetores sobre cada peça. Mas, não havia necessidade. Ele não conseguiu encontrar um só grão de poeira em parte alguma.
- A geladeira, o freezer e a despensa estão vazios - comentou Chaim. - Todavia, veja o que o Senhor proveu no caminho para cá.
- Acho que ele pensou que você poderia encher as prateleiras sozinho.
- Não sei. Penso que me habituaria a essas coisas. Quando chegou a hora de sentar e comer, Chaim ficou na cabeceira da mesa.
- Vamos orar - disse.
Rayford teve então uma experiência muito estranha. Enquanto orava com Chaim, agradecendo a Deus pelo privilégio de testemunhar o que tinham visto naquele dia, pelo alimento que ele suprira e pela mudança para a casa já preparada que ele preservara, era como se Jesus respondesse em tom audível, imediata e pessoalmente.
- Você é bem-vindo, Rayford - disse ele - tenho prazer em mostrar-lhe amor de maneiras tangíveis. - Antes que Rayford pudesse orar por Kenny, o Senhor disse: - Conheço a sua preocupação. Ele será reunido com seus pais, como você também, em breve.
Era como se Jesus estivesse sentado bem junto de Rayford, com o braço ao redor dele, falando diretamente com ele. Isso comoveu o novamente e ele não conseguiu reter as lágrimas. Cruzou as mãos sobre o prato à sua frente, apoiou nelas o rosto e adorou a Deus.
Jesus falou outra vez:
"Reinarei para sempre sobre a casa de Jacó e não haverá fim para o meu reino nela. Assim como o Pai me conhece, eu conheço o Pai. Entreguei minha vida pelas ovelhas. Eu sou o Cordeiro que guiará você para as fontes de águas e Deus enxugará toda lágrima de seus olhos".
Rayford permaneceu ali, ouvindo e adorando, sabendo que as lágrimas mencionadas por Jesus eram de tristeza e as suas poderiam ser tudo menos isso. Ele não podia imaginar entristecer-se outra vez.
Rayford ouviu os outros homens murmurando seus lou¬vores e soube que eles tinham tido a mesma experiência que a sua. Embora Rayford pudesse sentir o aroma da deliciosa comida nas tigelas, a poucos centímetros do seu prato, sua fome podia esperar. Ele não queria que aquele momento de adoração terminasse.
Depois de vários minutos, Chaim retomou sua oração.
- E agora, ó Senhor, nosso Redentor e amigo, agradecemos por esta generosidade. Confesso Pai, que por mais grato que estivesse pelo maná, e por mais satisfatório que fosse... - Ele não precisou terminar.
Rayford levantou-se e cobriu a boca, mas não conseguiu reter o riso. Em sua alma, ele acreditava de todo coração que ouvira Jesus também rir. Sim, o maná era uma coisa, mas isto era outra completamente diferente.
Chaim sentou-se e os homens abriram os olhos, se entreolhando.
- Jesus falou comigo de novo em chinês - disse Chang.
- Espanhol - afirmou Razor.
- Hebraico - foi a vez de Chaim.
- Inglês - Rayford disse.
- Zona sul de Chicago - falou Lionel, e todos riram.
- Ele acrescentou um pouco de texano do oeste também, creio eu - disse Mac. - Essa é a linguagem do céu, como sabem.
Rayford limpou a garganta. Ninguém começara ainda a comer.
- Será que fui só eu, ou algum de vocês ouviu Jesus rir da piada de Chaim sobre o maná?
Todos sorriram e concordaram com um aceno de cabeça. Chaim disse:
- Não há dúvida de que o Senhor tem senso de humor. Cavalheiros, acreditam que a comida ainda está fumegando como se não a tivéssemos deixado à espera por vários minutos?
- As frutas também parecem viçosas e frescas - disse Razor. - E não temos moscas.
Passaram então a comer. Rayford supôs que os outros tinham a mesma opinião que ele - aquela era a refeição mais saborosa que já tinham feito.
- O verdadeiro milagre - disse mais tarde - será comer assim o tempo todo sem engordar.
Durante as arrumações, Rayford e Chaim falaram com Eleazar por telefone. Foi ótimo ouvir que eles haviam usu¬fruído o mesmo tipo de tempo com o Senhor, assim como uma excelente refeição. Chaim lembrou Eleazar do que planejavam estudar naquela noite nas Escrituras e compara¬ram notas nas passagens difíceis.
- Se tivermos dúvidas - estrondeou Eleazar - perguntare¬mos simplesmente a Jesus, da próxima vez em que o virmos.
Mais tarde naquela noite, os homens se reuniram na grande sala de Chaim e ele abriu a Bíblia e espalhou suas notas e alguns comentários à sua frente.
- Os livros escritos por homens parecem supérfluos agora - disse. - Sempre que oramos, sinto como se o Messias estivesse aqui comigo, respondendo às perguntas antes que sejam feitas. Vamos começar com um período de adoração e oração.
Todos como um só homem deixaram as cadeiras e se ajo¬elharam no chão, cada um orando em sua língua nativa.

***

Mac estava prestes a dizer ao Senhor que havia pessoas - especialmente dos últimos sete anos - que ele gostaria de ver. Cada uma significara algo especial para ele, causara um impacto significativo em sua vida. Mas, antes que pudesse dizer isso, Jesus chamou-o pelo nome:
-Eu sei, Mac. E você vai vê-las em breve. Anseio também muito por essa reunião e vou rejubilar-me com você quando as encontrar.

***

À medida que Rayford recebia respostas às orações que não havia sequer pronunciado, ele prostrou-se no chão e viu outros fazendo o mesmo. Decidiu que aquilo que Jesus estava tentando dizer-lhe era o que ouvira de Bruce Barnes anos antes, e também de Tsion e Chaim: Oração era tanto sobre ouvir como sobre falar, ou mais ainda.
Rayford nunca conseguira esse equilíbrio. Parecia que estava sempre implo¬rando, pedindo, solicitando. Ele agradecia a Deus pelas coisas e o adorava freqüentemente em oração, mas estava começando a entender agora. Era hora de ficar calado e escutar. Mesmo que Deus nada dissesse, Rayford devia des¬cansar na paz da sua presença.
Rayford ficou ali de bruços e aqueceu-se ao calor do amor divino.
Jesus disse: "Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações. Portanto, não temeremos ainda que a terra se transtorne e os montes se abalem no seio dos mares; ainda que as águas tumultuem e espumejem e na sua fúria os montes se estremeçam. Há um rio, cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo. Deus está no meio dela; jamais será abalada; Deus a ajudará desde antemanhã.
Bramam nações, reinos se abalam; ele faz ouvir a sua voz, e a terra se dissolve. O Senhor dos Exércitos está conosco; o Deus de Jacó é o nosso refúgio.
Vinde, contemplai as obras do Senhor, que assolações efetuou na terra. Ele põe termo à guerra até aos confins do mundo, quebra o arco e despedaça a lança; queima os carros no fogo. Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra! O Senhor dos Exércitos está conosco; o Deus de Jacó é o nosso refúgio" (Sl 46.1-12).
Chaim subitamente voltou a ajoelhar-se e orou: "Batei palmas todos os povos; celebrai a Deus com vozes de júbilo. Pois o Senhor Altíssimo é tremendo, é o grande rei de toda a terra. Ele nos submeteu os povos e pôs sob os nossos pés as nações...Deus reina sobre as nações; Deus se assenta no seu santo trono" (Sl 47.1-3,8).
Rayford continuou em comunhão com Deus, apenas vaga¬mente cônscio da presença dos outros. Quando sentiu final¬mente como se tivesse de afastar-se da mão de Jesus, ele voltou à sua cadeira. Era estranho como todos pareciam ter as mesmas experiências ao mesmo tempo e com a mesma duração.
- Antes de você começar, Chaim, tenho uma pergunta, talvez mais uma confissão. Esta presença nova e próxima de Deus, por meio de Jesus, é tão estimulante, tão especial, que às vezes não pareço ter o suficiente dele. Mas, outras vezes, como aconteceu agora, foi como se estivesse tão transbor¬dante, que se continuasse ali, não conseguiria receber mais.
Outros concordaram e isso confortou Rayford.
Chaim disse:
- Isso me faz lembrar de uma história que li certa vez sobre um grande evangelista do século 19, Dwight L. Moody. Ele escreveu sobre uma experiência com o Senhor onde a sua presença e plenitude eram tão esmagadoras que Moody teve de pedir a Deus que "suspendesse a sua mão".
- Exatamente isso - afirmou Rayford.
- Senti também o mesmo - continuou Chaim. - É pos¬sível que na presença de Jesus venhamos a construir o mús¬culo espiritual necessário para suportar essas bênçãos.
Chaim pareceu olhar individualmente para cada homem, como se perguntando se havia mais alguma coisa antes que começasse. A seguir, explicou que ele e os anciãos haviam passado o último mês examinando vigorosamente as Escrituras para descobrir o que esperar depois do Glorioso Aparecimento.
- É como estudar para um teste - sugeriu Razor.
- Não conheço muito bem esse termo que você empregou, mas parece auto-explicativo e tenho de con¬cordar. Não que vamos ser testados. De fato, houve muito debate entre os anciãos no começo sobre a necessidade disto. Alguns afirmaram que Jesus seria o nosso professor e expli¬caria tudo no decurso dos acontecimentos.
- Quem sabe, entretanto, se ele espera que nós já tenhamos aprendido este material, não é? Testemunhamos hoje a sua vitoriosa ascensão ao monte Olival, também conhecido como monte das Oliveiras. Nós o vimos dividido ao meio. Ele venceu os exércitos invasores, exterminando-os com a Palavra de Deus. Estávamos com ele na sua entrada triunfal em Jerusalém e o vimos capturar e julgar demônios, o Falso Profeta, o anti¬cristo e até mesmo o próprio Satanás. Todavia, ele não parou nenhuma vez para dizer:
- Amado, você vai encontrar isto na página tal e tal do seu texto, e será no final.
- Essas coisas aconteceram como profetizadas e nenhuma explicação vai ser fornecida. Jesus ensinou e pregou desse modo da primeira vez em que esteve na terra. Só ocasional¬mente ele explicou uma parábola e quando o fez foi apenas o suficiente para que aqueles que "têm ouvidos ouçam".
- Suponho que há muitos aqui hoje que não entendem muito bem o que está acontecendo. Eles provavelmente pode¬riam ter calculado quem era quem e o que era o quê e no final saberiam que Jesus vencera outra vez, conquistando mais inimigos. Mas, estão provavelmente se perguntando para onde ele foi, o que está fazendo. Bem, cavalheiros, as respostas se acham no Livro e se estiverem interessados, vamos examinar as riquezas contidas nele e ver o que podemos aprender.
Todos expressaram entusiasticamente o seu interesse e Chaim então começou.
- Receio que muitos - e confesso que isto se aplicou a mim e à maioria dos anciãos - acreditavam que o Glorioso Aparecimento introduziu o reino milenar, o qual, como sabem, significa o reinado de mil anos de Cristo na terra. Alguém aqui concorda?
Vários levantaram a mão, inclusive Rayford. Ele olhou para Abdullah que estava sorrindo. Não era o sorriso do superior condescendente, mas de alguém que fizera apa¬rentemente a lição de casa e sabia o que estava para vir. Rayford ficou impressionado com o fato de Abdullah não ter dito apesar disso:
- Eu não! Eu sei!
Rayford levantou a mão.
- Chaim, aposto que Abdullah sabe do que você está falando. Ele tornou-se um grande estudioso.
- É verdade, Sr. Smith?
- Não sou completamente versado nisso - respon¬deu Abdullah - mas meus estudos, quase todos com o Dr. Ben-Judá, revelaram que haverá um intervalo entre o Glorioso Aparecimento e o Milênio, assim como houve entre o Arrebatamento e a Tribulação.
- Houve? - indagou Razor.
- Houve sim - disse Abdullah. - Você deve lembrar que os sete anos não começaram com o desaparecimento dos crentes, mas com a assinatura da aliança entre o anticristo e Israel. Isso aconteceu algumas semanas mais tarde, mas poderia ter ocorrido alguns anos depois e a assinatura, e não o Arrebatamento, teria dado início à Tribulação.
- Excelente! - concordou Chaim. - É disso que eu ia falar e o que vamos discutir esta noite. Desde o Glorioso Aparecimento até o começo do reino milenar, há um intervalo de 75 dias. Se Deus levou apenas seis dias para criar os céus, a terra e o homem, imagine quanto mais trabalho Jesus terá se recebeu 75 dias para realizar sua tarefa.
- Onde isso está na Bíblia? - perguntou Rayford. - Quero dizer, não sou um grande estudioso de nada, mas tenho procurado ler bastante.
- Boa pergunta. A resposta é encontrada parcialmente em Daniel 12.11-12. Ouça o primeiro desses versículos: "Depois do tempo em que o sacrifício diário for tirado e posta a abominação desoladora, haverá ainda mil duzentos e noventa dias". Rayford, você se lembra quando o anticristo profanou o templo?
- Devo lembrar?
- Essa foi a abominação desoladora, mil duzentos e sessenta dias antes do Glorioso Aparecimento. Estamos então falando sobre mais trinta dias. E o versículo seguinte diz: "Bem-aventurado o que espera e chega até mil trezen¬tos e trinta e cinco dias". Trata-se, então, de outros 45 dias, dando-nos um total de mais 75 dias.
- A que se referem os primeiros 30 dias? - indagou Rayford.
- O versículo está falando do sacrifício no templo e da abominação; portanto, penso que é justo supor que o primeiro intervalo se refere ao templo. Não posso imaginar Jesus ocupando o trono de Davi num tempo profanado pelo anticristo - pelo menos enquanto ele não o purificar. Sabe-mos mediante Ezequiel 40-48 que o Senhor vai estabelecer um templo durante o milênio; concluo então que os primei¬ros 30 dias do intervalo serão dedicados à edificação do templo e sua preparação para uso.
- Os outros 45 dias ficam ao sabor da especulação, mas note que o versículo 12 diz que aqueles que perseverarem durante esse tempo serão abençoados. Se essa for uma bênção pessoal, individual, ela indica que a pessoa está qualificada para entrar no reino milenar. Mateus 25.34 diz: "Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo".
- Isso faz parecer que o intervalo de 75 dias é um período de preparação para o reino. Grande parte do globo foi destruída durante os juízos da Tribulação e suponho que não devamos surpreender-nos se o Senhor levar algum tempo para renovar a sua criação para o milênio. O embelezamento de Jerusalém foi feito num instante com a elevação da cidade depois da divisão do monte das Oliveiras, mas imaginem o trabalho que precisa ser feito ao redor do mundo. As mon¬tanhas foram niveladas, enchendo grande parte dos mares. Ilhas desapareceram. Deus quer certamente fazer a terra voltar à sua condição edênica para a alegria daqueles que vão compartilhá-la com Jesus durante os próximos mil anos.

DEZENOVE

Leah Rose caminhara uma longa distância desde seu cargo de supervisora no Arthur Young Memorial Hospital em Palatine, Illinois. Como poderia saber o que iria tornar-se quando encontrou Rayford Steele pela primeira vez e o incipiente Comando Tribulação sete anos antes? Ela e Rayford haviam percebido o selo do crente em cada um deles, visível apenas para outros da mesma fé. Caso contrário, ela não teria dado atenção a ele.
E pensar que desde aquela época ela viajara o mundo todo com o Comando numa variedade de postos, a maioria na área de saúde, mas não exclusivamente. Fizera novos amigos, que passaram a ser entes queridos, e depois os vira morrer. Houve momentos em que não acreditou ter qualquer probabilidade de assistir ao Glorioso Aparecimento. Pelo menos não até ter sido enviada para trabalhar em Petra, onde em três anos e meio ninguém morrera.
Privilegiada, era como ela se sentia. Nada do que já fizera a tornara certamente merecedora dos benefícios que desfrutava. Sua vida não fora fácil. Ninguém que vivera nos tempos da Tribulação teve facilidades. O fato de ter sido obrigada a suportar tudo aquilo fora culpa sua: ouvira a men¬sagem e a ignorara tempo demais. Leah não se considerara uma opositora, mas via a si mesma como intelectual, pensadora, ponderadora.
Evangelistas e amigos de idéias evangelísticas haviam dito repetidamente a ela que hesitar em decidir significava na realidade "rejeição". Ela discutira. Não estava dizendo não, mas ainda refletindo. Um de seus amigos bem-intenciona¬dos a avisara: não reflita tanto até acabar no inferno, ou ser deixada para trás.
Leah rira. Embora tivesse considerado seriamente as reivindicações de Cristo sobre a sua vida, que ele morrera pelos seus pecados - que reconhecia serem muitos - a idéia de vê-lo surgir nas nuvens um dia, com tamanha rapidez que você poderia perdê-lo num piscar de olhos, bem... isso era um tanto difícil de aceitar.
E então fora deixada para trás. Leah cuidou do assunto na mesma hora. A seguir, enquanto vacilava espiritualmente, procurando mais, procurando a verdade, procurando respos¬tas, ela ficou certa de que Deus enviou Rayford e o Comando Tribulação para a sua vida.
Estavam todos na mesma situação, é claro, retardatários para o Reino. Mas, entre eles havia homens da Bíblia, estu¬diosos de uma vida inteira, como Tsion Ben-Judá, de quem achava que aprendera mais do que na escola de enfermagem.
Agora se achava em Jerusalém, na casa de um ancião. Com amigos que haviam se tornado queridos e que tinham experimentado com ela, de primeira mão, o cumprimento da profecia na presença do próprio Jesus. Leah assistira pessoal¬mente, falara e se encontrara com ele face a face.
Quando a abraçou e a chamou pelo nome, dizendo-lhe quanto a amava, ela não conseguiu falar. Ele, porém, ouviu o seu coração. Estivera com ela, a conhecia desde a fundação do mundo, foram suas palavras. Estivera com ela durante a sua vida inteira, nos pontos altos e baixos, nas crises, amando-a, esperando por ela, ansiando encontrá-la.
Leah estava tão radiante com a presença de Jesus que não sabia se conseguiria suportar esse sentimento muito tempo. Enquanto outros recuavam e escondiam o rosto, fazendo caretas diante da terrível realidade de Satanás e seus lacaios sendo castigados, ela não desviou os olhos. Aquilo, sabia, era justiça, e ela queria vê-la.
Leah tinha sido vítima de Satanás e sofrera sob o governo de Nicolae Carpathia. Tornar-se uma fugitiva internacional simplesmente por ter amado o Deus único e verdadeiro e seu Filho era inconcebível, uma ofensa imperdoável. O anticristo, habitado por Satanás, se exaltara acima de Deus e o senti¬mento de certo e errado de Leah - cultivado mesmo antes de tornar-se cristã - lhe dizia que ele teria de pagar. Quando chegou o momento, apesar de ter sido medonho, ela o con¬siderou adequado.
Leah vira as devastações físicas do pecado, o que a guerra podia fazer ao corpo humano. Quando procurava curar companheiros em agonia, não podia deixar de colocar a culpa no anticristo e no seu Falso Profeta. Ela não desviou os olhos naquela carnificina e, portanto, também não fez isso quando os demônios de Satanás foram mortos pelas palavras de Jesus, e quando Nicolae e Leon foram enviados para o tormento eterno. E, especialmente, quando o próprio Satanás foi preso durante mil anos.
Leah ainda não entendera isso. Era algo que poderia per¬guntar a Eleazar quando dirigisse o grupo de estudo bíblico naquela noite. As informações eram que os anciãos estavam todos ensinando a mesma coisa, onde quer que estivessem e com quem. Ela considerava outro privilégio ter acabado na linda casa de Tibério.
Os toques da falecida mãe de Naomi ainda permaneciam, mesmo depois de todo aquele tempo. O lugar tinha sido ocupado pela CG, como as outras casas de algum valor. O resultado poderia ter sido decepcionante; todavia, quando os dez deles se acomodaram, descarregando seu sortimento de carne fresca e vegetais na cozinha generosa, ninguém ficou mais surpreso do que Eleazar com as condições da casa. Parecia que alguém fora encarregado de torná-la perfeita para a permanência deles.
Encontraram seus quartos, com espaço suficiente para todos, e trabalharam juntos olhando as crianças, arranjando as mesas, preparando a refeição. Haviam orado e festejado, feito a limpeza e orado mais um pouco. Jesus lhes falara em três idiomas diferentes ao mesmo tempo. Leah ajudou depois Priscilla Sebastian a colocar as crianças na cama e agora era a hora de estudar.
Ela achou fascinantes os ensinamentos durante os 75 dias que se seguiram, por nunca tê-los ouvido antes. O que Leah apreciava mais sobre Eleazar era a mente brilhante e inquisitiva dele e como não fingia conhecer coisas que não conhecia.
- Algumas coisas - disse ele, com sua agradável voz de baixo profundo - são aparentemente incompreensíveis, pelo menos por agora. Outras verdades são fascinantes quando as pesquisamos nas Escrituras.
Leah fez sua pergunta sobre a razão do anticristo e do Falso Profeta terem sido condenados por toda a eternidade enquanto Satanás seria solto no final do milênio.
- A prisão de Satanás - disse Eleazar - o restringe daquilo que ele faz melhor, é claro. Apocalipse 20.3 indica que o propósito de Deus nessa prisão é para que ele não engane mais as nações até o final dos mil anos.
- Eu sei - interrompeu Leah - mas o versículo continua dizendo: "Depois disto, é necessário que ele seja solto pouco tempo".
- Fiz certa vez essa mesma pergunta ao Dr. Tsion Ben-Judá e indaguei recentemente do Dr. Rosenzweig - disse Eleazar.
- Nenhum dos dois tinha inteira certeza e eu também não tenho, mas sugeriram algumas coisas notáveis que eu não havia percebido e garanto que você também não percebeu.
- Isso não me surpreenderia - respondeu Leah.
- Esta é a minha opinião, baseada no que aprendi. Observe deste modo: se Deus não permitisse a Satanás mais uma oportunidade de enganar as nações, todos os que nascerem e viverem durante o reino milenar ficariam isentos da decisão de seguir a Deus ou a Satanás. Ao libertá-lo mais uma vez, todos terão posição igual diante de Deus.
- Interessante.
- O que é, porém, incerto é que os que rejeitarem Cristo durante o milênio serão todos pessoas relativamente jovens. Você vai ver quando examinarmos as Escrituras que os nascidos durante o milênio e que não confiarem em Cristo quando fizerem cem anos serão amaldiçoados e morrerão.
- Pensei que tivesse dito pessoas jovens.
- Relativamente jovens. Veja bem, os que confiarem em Cristo viverão até o fim do milênio.
- Então alguém que nascer hoje e se tornar crente, viverá até os mil anos.
- É isso mesmo.
- Mas, os incrédulos, quando nascerem neste período, morrerão aos cem anos?
- Agora você entendeu.
- Não sei se entendi - disse Leah. - Mas é interessante. Se estiver raciocinando bem, o que Satanás terá de fazer no final do milênio é tentar organizar todos os que nasceram na marca dos novecentos anos ou depois - que não se tornaram crentes - e procurar fazer com que entrem em ação, num último esforço para lutar contra Jesus.
- Acertou.
- Puxa. E há passagem bíblica para isto?
- Há. Vamos lê-la juntos em Isaías 65.17-25:
"Pois eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas. Mas vós folgareis e exultareis perpetuamente no que eu crio; porque eis que crio para Jerusalém alegria e para o seu povo, regozijo. E exultarei por causa de Jerusalém e me alegrarei no meu povo, e nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem de clamor. Não haverá mais nela criança para viver poucos dias, nem velho que não cumpra os seus; porque morrer aos cem anos é morrer ainda jovem, e quem pecar só aos cem anos será amaldiçoado. Eles edificarão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto. Não edificarão para que outros habitem; não plan-tarão para que outros comam; porque a longevidade do meu povo será como a da árvore, e os meus eleitos desfrutarão de todo as obras das suas próprias mãos".
Eleazar interrompeu.
- É isto que acho que está sendo dito aqui. Não seremos senhores subservientes e déspotas. Iremos desfrutar pes¬soalmente aquilo que construirmos. O que plantarmos e colhermos será nosso e não para um chefe ou um governo de ocupação. Continuemos agora a leitura: "Não trabalharão debalde, nem terão filhos para a calamidade, porque são a posteridade bendita do SENHOR, e os seus filhos estarão com eles. E será que, antes que clamem, eu responderei; estando eles ainda falando, eu os ouvirei."
- Já experimentei isso! - disse Leah. - Vocês não?
- Sim! - disseram outros. - Jesus muitas vezes responde a uma oração antes de ela ter sido feita.
- Vamos continuar agora - disse Eleazar.
"O lobo e o cordeiro pastarão juntos, e o leão comerá palha como o boi; pó será a comida da serpente. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, diz o SENHOR."

***

A cabeça de Rayford girava. Isto era novo para ele e supunha que era também para os que estavam na casa de Eleazar Tibério. Mal podia esperar para discutir o assunto com alguns deles.
Chang levantou a mão.
- Chaim - ele disse - Onde estão todos que morreram antes do Arrebatamento? As pessoas do Antigo Testamento, os que creram antes da vinda de Jesus, e os que morreram durante a Tribulação? Estavam todos no exército que apare¬ceu com Jesus nas nuvens?
Chaim sentou-se e sorriu.
- Você levantou uma questão interessante. Vamos tratar disto esta noite, ou estão todos prontos para levantar as cortinas e ver se podemos fazer de conta que está suficiente¬mente escuro para dormirmos?
Rayford estava cansado, mas não tinha mais interesse em ir para a cama do que o restante dos homens. E foi o que disseram.
- Concordo - Chaim disse. - Tudo começa com o que a Bíblia ensina sobre o dia da ressurreição. Sempre pensei que só havia uma e que coincidia com o Arrebatamento.
- Eu também.
- Ao que parece, não é este o caso, pois a ressurreição que teve lugar no Arrebatamento foi a daqueles que a Bíblia se refere como os "mortos em Cristo" e não incluía os santos do Antigo Testamento. Quando eles morreram, Cristo não tinha vindo ainda à terra. Portanto, embora tivessem sido justificados pela fé, não podem ser tecnicamente referidos como "os mortos em Cristo". As ressurreições nas Escrituras são de duas categorias: a primeira ressurreição, ou res¬surreição da vida; e a segunda, a ressurreição do juízo. O Evangelho de João 5.28-29, cita as palavras de Jesus: "Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo".
- A primeira ressurreição inclui os remidos de todos os tempos, mas o momento da ressurreição dessas pessoas varia, conforme forem um santo do Antigo Testamento, um cristão que viveu antes ou na hora do Arrebatamento, ou um cristão martirizado durante a Tribulação. Todos tomarão parte na ressurreição da vida. A ressurreição do juízo incluirá os não-remidos de todas as eras e isto acontecerá no fim do milênio, durante o que a Bíblia chama de Juízo do Grande Trono Branco. Os não-remidos serão atirados no lago de fogo.
- Vamos ver se entendi - Rayford disse. - Os cristãos que morreram antes do Arrebatamento foram ressuscitados por ocasião do Arrebatamento.
- Certo.
- Quando serão ressuscitados os santos do Antigo Testamento?
- Em breve. Durante este intervalo entre o Glorioso Aparecimento e o Milênio.
- E os mártires da Tribulação?
- Ao mesmo tempo. Os santos do Antigo Testamento e os mártires da Tribulação vão viver e reinar com Cristo no reino milenar.
- E as pessoas que passarem a crer durante o milênio?
- Serão ressuscitadas no fim do milênio.
- Embora estejam vivas.
- Certo.
- E os não-remidos também só serão ressuscitados depois do milênio, para o Juízo do Grande Trono Branco.
Chaim sorriu.
- Você sabe agora tanto quanto eu.
- Então - Rayford disse - minha mulher e meu filho, que foram arrebatados, estavam naquele exército atrás de Jesus.
-Sim.
- Mas minha filha e genro, que foram martirizados durante a Tribulação, serão em breve ressuscitados.
- Exatamente.
- Vamos então ver nossos amigos e entes queridos dentro de pouco tempo.

***

Enoque Dumas e os membros da pequena congregação de O Lugar, antes habitantes do centro da cidade de Chicago, começaram a descobrir pequenos grupos de crentes aqui e ali.
Os empregados do anticristo ou do seu governo, mesmo na América, haviam morrido ao ouvir as palavras saídas da boca do Senhor; mas, era aparentemente propósito de Deus que o milênio começasse com o passado em branco. Todos os incrédulos em breve morreriam.
O grupo se reuniu e logo todos tiveram a mesma idéia. Deviam voltar a Chicago para rever seu antigo local de encontro e ver como estava agora a antiga casa de segurança do Comando Tribulação, onde haviam sido hóspedes antes de ela ter sido descoberta.
Mais que tudo, eles precisavam verificar quais as acomo¬dações disponíveis na cidade. Os hotéis, albergues e cortiços ainda existiam? E o distrito residencial que não ficava distante do lugar onde trabalhavam antes de se tornarem cristãos? Se todos iam morrer, o que poderia impedir que morassem nos hotéis cinco estrelas do centro?
Chicago havia sido considerada como contaminada pela radioatividade há anos e até os membros de O Lugar acredi¬taram nisso, sentindo-se forçados a viver dentro de casa, no subsolo. Quando Chloe Steele Williams os descobrira e convencera de que as leituras nucleares em Chicago eram falsas, preparadas por um espião do Comando Tribulação no palácio da CG em Nova Babilônia, eles finalmente se aventu¬raram a sair.
Uma vez que a CG descobriu o esquema, o Comando Tribulação e os membros de O Lugar tiveram de mudar-se, depressa. Desde então, os operadores da CG haviam determinado que Chicago estava segura novamente e a cidade começara a ser reconstruída. Se isso era verdade em Palos Hills e nos subúrbios que a cercavam, seria também aplicável para a cidade. Enoque e seu pessoal ocupariam o lugar praticamente sozinhos.
Enoque esperara ver os terríveis efeitos da carnificina mundial dos inimigos de Cristo, como vira em sua vizinhança quando o carro da CG batera no hidrante. Haveria corpos caídos nas ruas, sangue e pedaços de carne por toda parte? Pilhas de ossos? Nada disso. O terremoto global fora apa¬rentemente um trabalho de limpeza. Muitos arranha-céus haviam desmoronado, inclusive o Prédio Strong, onde fora a casa de segurança do pessoal do Comando Tribulação.
Até aqueles montões de destroços haviam sido, porém, tão sacudidos que simplesmente enterraram o terror do banho de sangue entre os empregados de Carpathia.
Enoque teve de conversar com Deus sobre o que fazer. Se apenas os crentes é que ficassem nos Estados Unidos, com a profecia bíblica parecendo ignorar a América, aquele ia ser um país escassamente povoado. Os vários grupos de cristãos poderiam encontrar-se, mas o que fariam? Haveria um número suficiente deles para começar a reconstruir o país como uma nação verdadeiramente cristã?
Fora por isso que Deus preten¬dera purificá-la dos não-remidos e já a tinha nivelado, tor¬nando o planeta inteiro tão plano quanto o Estado de Illinois? Nenhum dos crentes trabalhara em público durante anos. Quem quer que ficasse responsável pelos serviços públicos em breve estaria morto. Este talvez fosse o plano de Deus ao reunir todo o seu povo para estar com Jesus em Israel.
Enquanto Enoque dirigia lentamente pelas ruas de Chicago, Jesus falou com ele.
- Não tema, Enoque, pois deduziu corretamente que você e seu rebanho devem ficar comigo.
- Mas, Senhor, nós...
- Vou transportar vocês. Não precisam se preocupar.
- Quando? O que faremos na questão de roupas e...?
- Olhe, Enoque, "se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, porque vosso Pai celestial sabe que necessitais de todas essas coisas" (Mt 6.30).
Enoque jamais esqueceria o olhar no rosto de seu grupo quando os reuniu e lhes disse:
- Vamos para Israel, não me perguntem como. Deus proverá.
- Quando?
- Isso podem perguntar. Creio que será amanhã.

***

Leah ficou finalmente cansada e pronta para dormir, mas queria saber a respeito dos juízos vindouros. Haveria aparente¬mente vários e os outros também pareciam curiosos.
- Eu quero continuar ensinando, se vocês quiserem continuar aprendendo - disse Eleazar. - Não tenho idéia de como iremos dormir com tanta luminosidade.
- Hoje foi claramente o Dia do Juízo para Satanás e seus títeres - disse Leah. - Mas deve haver mais de um Dia de Juízo.
- Tem razão - afirmou Eleazar. - Na verdade, haverá várias ocasiões de juízo, cada uma com um propósito espe¬cífico. Os Drs. Ben-Judá e Rosenzweig, e os anciãos, chega¬ram à conclusão de que há diferentes juízos pelos pecados e obras dos crentes, santos do Antigo Testamento, santos da Tribulação, judeus ainda vivos no final da Tribulação, gentios ainda vivos no final da Tribulação, Satanás e os anjos caídos - que vimos hoje - e todos os não- remidos de todos os tempos.
- A morte de Cristo na cruz foi onde Deus colocou sobre Jesus os pecados de todos que viriam a ser cristãos. Cristo pagou pelos nossos pecados e só teremos então de enfrentar o tribunal de Cristo e não qualquer dos outros julgamentos. Jesus disse em João 5.24:
"Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida".
Romanos 8.1-4 diz: "Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. Por¬quanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito".
- Então por que - disse Leah - temos de enfrentar o tribu¬nal de Cristo e o que significa isso?
- Acreditamos que o trono do juízo de Cristo é diferente do julgamento dos incrédulos. Paulo disse aos cristãos de Corinto, "Porque importa que todos nós compareçamos perante o tri¬bunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo" (2 Co 5.10).
- Se Jesus aceitou o nosso castigo e pagou pelos nossos pecados - perguntou Naomi - em que base seremos julgados?
Eleazar sorriu para a filha.
- Tão moça, porém, tão inteligente.
- Pai - disse ela, corando - pare.
- Desculpe. Sua pergunta é boa. - Ele virou as páginas da Bíblia. - Ouça o que o apóstolo Paulo declarou aos Coríntios:
"Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo. Contudo, se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia a demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará. Se permanecer a obra de alguém que sobre o fundamento edificou, esse receberá galardão; se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo. Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado" (1 Co 3.10-17).
"Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na ver¬dade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. Todo atleta em tudo se domina; aqueles, para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível. Assim corro também eu, não sem meta; assim luto, não como desferindo golpes no ar. Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado" (1 Co 9.24-27).
- Na verdade, Naomi, o tribunal de Cristo já aconteceu. Ele teve lugar no céu para que a Igreja arrebatada com Jesus pudesse ser adornada como sua noiva quando descesse com ele no Glorioso Aparecimento. Apocalipse 19.7-8 diz: "Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou, pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos".
- Aqueles dentre nós que permaneceram vivos serão em breve julgados por Cristo, antes de iniciar-se o milênio.
- Quanto a nós, judeus, a Tribulação em si foi a época em que Deus fez Israel passar "debaixo do cajado", segundo Ezequiel 20.37. Deus diz:
"Separarei dentre vós os rebeldes e os que transgredi¬ram contra mim; da terra das suas moradas eu os farei sair, mas não entrarão na terra de Israel; e sabereis que eu sou o SENHOR" (Ez 20.38).
"Quanto a vós outros, vós, ó casa de Israel...: Ide, cada um sirva aos seus ídolos, agora e mais tarde, pois que a mim não me quereis ouvir; mas não profaneis mais o meu santo nome, com as vossas dádivas e com os vossos ídolos. Porque no meu santo monte, no monte alto de Israel... ali toda a casa de Israel me servirá... Sabereis que eu sou o Senhor, quando eu vos der entrada na terra de Israel, na terra que, levantando a mão, jurei dar a vossos pais" (Ez 20.39,40,,42). O texto de Zacarias 13 diz que dois terços de Israel seriam eliminados, mas dos que restarem, "todo Israel será salvo". Segundo Romanos 11.26-27, "Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Israel as impiedades. Esta é a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados".
- Nós, anciãos, calculamos que entre cinco a dez milhões de judeus vão entrar no milênio. Mas, a Tribulação foi também uma época de juízo dos gentios incrédulos. Isso deve ter ficado óbvio pelos 21 juízos que vieram do céu durante os sete últi¬mos anos.
George Sebastian levantou a mão:
- Ancião Tibério, Tsion e Chaim nos ensinaram que have¬ria também um julgamento das nações, mas devo ter perdido o mesmo ou ele ainda não aconteceu. Do que se trata?
- Isso está para vir e provavelmente em breve. As Escritu¬ras parecem indicar que o vale criado pela divisão do monte das Oliveiras é chamado de vale de Josafá, que significa "Jeová julga". A formação desse vale sepultou os escom¬bros de quase quatro mil anos de civilização e ele vai do monte das Oliveiras até Jerusalém. Nessa área recentemente purificada parece que o Senhor conduzirá três julgamentos: Restaurará a nação judia; julgará as ovelhas; e julgará os cabritos.
- Lembro-me de ter estudado os julgamentos das ovelhas e dos cabritos - disse Hannah Palemoon. Mas me esqueci quem eram.
- Alguns o chamam de julgamento semítico - disse Eleazar.
- Jesus vai julgar os gentios em relação à maneira como trataram o seu povo escolhido. Os que deram honra aos judeus são as ovelhas e os que não o fizeram são os cabritos.
Quando Jesus matou todos os seus inimigos com a espada de sua boca - a Palavra de Deus - os exércitos do anticristo foram dizimados em preparação para o reino milenar. Em breve todos os incrédulos que permaneceram - até mesmo os que não receberam a marca da besta, mas que não aceita¬ram Cristo - enfrentarão também a morte.
- Só os que estão aqui em Israel, ou em todo o mundo? - perguntou Ming Woo.
- Em todo o mundo, tenho certeza.
- E serão julgados aqui? Ou em seus próprios países?
- Boa pergunta. Eu não sei. A Bíblia parece indicar que tudo isto acontecerá no vale de Josafá.
- Pode ser então algum tempo antes que todos cheguem aqui. E se eles decidirem não vir?
Eleazar sorriu.
- Você viu alguém no dia do juízo que parecesse ter uma escolha?
- Está então dizendo - interrompeu Ree Woo - que apenas os crentes sobreviverão no milênio?
- Tudo indica que sim. Pelo menos no início. Os que nascerem durante o milênio terão naturalmente de fazer a sua opção.
Priscilla Sebastian perguntou:
- O Grande Tribunal do Juízo, no fim do milênio, é, portanto, o último?
- Sim.
- Não parece que haverá muita coisa a ser julgada. As pes¬soas receberam Cristo como seu Salvador ou não receberam.
- Tem razão, mas acreditamos que Deus, por ser sábio e justo, e por desejar demonstrar até que ponto os homens e mulheres estão longe do seu padrão, irá julgá-los com base em suas próprias obras. Como é evidente, todos vão falhar. Isto mostrará que o castigo é merecido e, como disse, eles serão enviados ao lago de fogo por toda a eternidade.
- E os cabritos no juízo vindouro? Para onde vão? Eles serão julgados de novo no grande tribunal do juízo daqui a mil anos?
- Sim. Por enquanto serão enviados ao hades, aparente¬mente um compartimento do inferno, onde irão sofrer até o juízo final e depois serão lançados no lago de fogo.
- Muito triste.
- É verdade. Todavia, creio que todos esses julgamentos vão demonstrar ao mundo inteiro a justiça e retidão de Deus, silenciando finalmente todos os zombadores.

***

Pouco antes de retirar-se para o seu quarto, Rayford pediu a George Sebastian para que fosse ver Kenny, esperando que o toque do telefone não tivesse acordado as crianças.
- Ele está dormindo profundo - Sebastian informou. - Priscilla ficou até um pouco surpresa, porque ele não pára de falar em Jesus e em ver os pais amanhã.
- Nós examinamos tudo desde o reino milenar até a res¬surreição e os juízos esta noite. E você?
- O mesmo. Assunto fascinante.
- Cansado, Sebastian?
- Exausto. Estava bem na hora. Tinha começado a pensar se ficaria com fome, com sede ou cansado de novo.
- Ficou com fome? Sebastian riu.
- Depois do nosso jantar esta noite, acho que nunca mais vou ter fome.
- Eu posso sentir ainda o gosto do cordeiro.
- Eu posso sentir o gosto de tudo.
Rayford fechou as persianas e deitou-se de costas, puxando uma única coberta sobre o corpo. A luz que filtrava pelas fendas ao redor das cortinas era tão brilhante que ele teve de cobrir os olhos dobrando o cotovelo. Começou a agradecer a Deus pelos eventos que assistira, a partir de sua própria cura, mas antes que pudesse sequer mencioná-los, Jesus disse:
- Eu sei, Rayford, eu sei. Estou bem aqui e estarei sempre aqui. Nunca o deixarei nem abandonarei.
- Meu sangue é precioso como o de um cordeiro sem mácula e sem mancha. Eu sou a luz do mundo. Aquele que me segue não andará nas trevas, mas tem a luz da vida.
- Obrigado, Senhor.
Certo de que Jesus estava ali, Rayford passou para o sono dos justos.

VINTE

Leah só podia saber que era de manhã por causa do orvalho nas rosas e pela friagem do ar. O tempo estava tão claro como estivera à meia-noite, a última vez em que olhara para o relógio antes de dormir. Ela acordara com a certeza de que devia ir ao novo vale de Josafá. Não havia dúvidas em sua mente. Ao tomar banho e vestir-se, sabia que não deve¬ria comer nem fazer qualquer outra coisa. Apenas ir.
Leah não tinha percebido Jesus falando com ela outra vez durante a noite ou de manhã, mas aquela convicção sobre o que tinha de fazer era tão forte e persuasiva que ele poderia perfeitamente ter surgido em pessoa e dado essas instruções.
Ela foi depressa para a frente da casa, onde Eleazar e Naomi estavam cumprimentando os hóspedes à medida que saíam dos quartos.
Nenhuma palavra foi dita sobre o café ou planos para o dia. Leah pensou em mencionar seu impulso e perguntar como chegaria lá, mas pela fisionomia de George e Priscilla Sebastian, Hannah Palemoon e Ree e Ming Woo pressentiu que eles também estavam numa missão que não requeria palavras. Até as crianças, Beth Ann e Kenny, pare¬ciam entusiasmadas em partir.
Quando todos se reuniram, Kenny perguntou:
- Podemos ir agora?
Eleazar riu, com os olhos protuberantes piscando.
- E aonde você gostaria de ir, pequenino?
- Ver Jesus.
Leah ficou surpresa porque ele não mencionou a mãe ou o pai. Por alguma razão, o menino também estava sendo tão fortemente atraído por Jesus que nada mais parecia importar.
Todos entraram num veículo dirigido por Eleazar e Leah sentou perto dos Woos.
- Para onde vamos, Ming?
- Não sei para onde os outros vão, mas espero que o ancião Tibério pare num ponto em que se possa ir a pé para o novo vale.
Eleazar, no entanto, como que atendendo ao desejo dela, foi direto para o vale. Ao descerem do carro, Leah ficou pasma ao ver milhões e milhões de pessoas de todas as cores. Brancos, negros, vermelhos e amarelos, todos seguindo na mesma direção.
Leah sentiu que Jesus se achava no final daquele arco-íris de humanidade e soube onde encontrá-lo no momento em que levantou os olhos para o céu. Ele não estava lá, mas não apenas seu exército celestial a cavalo, como também dezenas de milhares de anjos que flanqueavam os cavaleiros dos lados e por trás, podiam ser vistos.
Leah parou, já separada dos amigos. Ela simplesmente tinha de ficar olhando. O céu parecia quase lotado de seres celestiais, forçando-a a proteger os olhos, mas não deu resul¬tado. A luz da glória de Cristo a rodeava e mesmo por trás das mãos ela se refletia em seus olhos. Era como se estivesse tropeçando na direção do objeto da atenção de todos.
Leah assistira a eventos esportivos profissionais onde as multidões que entravam e saíam dos estádios eram tão grandes que ninguém podia ver o fim do povo. Esta era um milhão de vezes maior. Quando começou a caminhar de novo, fragmentos de conversas prenderam sua atenção.
- Eu estava em casa, cuidando de meus afazeres.
- Onde?
- Em Joanesbugo.
- Quando?
- Nem dez minutos atrás!
- Eu estava dormindo em Michigan!
Leah seguiu o terreno levemente ondulado até que ele se abriu numa área pouco abaixo de Jerusalém e ela pôde levantar os olhos e ver a Cidade Eterna. Teve também uma visão do Gólgota, o lugar do Calvário, que a fez perder o fôlego. Leah teve novamente de parar e ficar observando.
- Leah - disse Jesus.
- Sim, Senhor.
- Quando vir o meu trono, junte-se aos que estão à minha direita, sua esquerda.
- Sim, Senhor.
Ela voltou-se e continuou a seguir a multidão, compreen¬dendo que todos deveriam ter recebido instruções pessoais. As massas estavam se dividindo, para a direita e para a esquerda, separando-se.

***

Rayford tentou permanecer com Chaim. Os homens haviam deixado a casa de Rosenzweig sem desjejum e em silêncio, como se todos soubessem para onde deviam ir. Rayford decidiu que, não obstante o que acontecesse, ele queria ficar perto de Chaim para fazer perguntas. Os outros deviam ter tido a mesma idéia, pois ficaram todos juntos, apesar da multidão.
Quando Jesus disse a Rayford para onde devia ir, ele foi para a esquerda sem hesitação, e quando as levas de pessoas se moveram em ambas as direções, o panorama diante de Rayford tornou-se subitamente claro. Diretamente abaixo e no centro, sob os vastos exércitos de seres celestiais, santos e anjos, havia uma grande plataforma elevada, com um trono onde Jesus estava sentado. Por trás dele se achavam os três anjos de misericórdia e de cada lado os arcanjos, Miguel e Gabriel.
Rayford soube instintivamente que toda pessoa viva no mundo se encontrava naquele vale.
- Estou calculando vários milhares, Chaim, mas isso não é realmente muito comparado com o número de pessoas que povoavam antes a terra.
- Bem poucos - respondeu Chaim, mantendo-se ao lado de Rayford.
- Meio bilhão ou mais foram arrebatados há sete anos. Metade da população remanescente foi morta durante os juízos dos selos e das trombetas nos três anos e meio seguintes. Muitos mais se perderam durante os juízos dos flagelos e milhões de crentes foram martirizados. Você está provavelmente olhando para apenas um quarto dos que foram deixados após o Arrebatamento e a maioria deles morrerá hoje.
De fato, Rayford compreendeu: os que se reuniram à direita de Jesus eram poucos em comparação com os da esquerda.

***

Enoque estava ao volante de seu carro, na entrada de sua casa em Palos Hills, Illinois, orando. Quando terminou e abriu os olhos, estava sentado na areia em Israel com milhões de pessoas passando por ele. Enoque ficou em pé e viu os exércitos celestiais, a Cidade de Deus, e o Lugar da Caveira. E Jesus lhe disse para onde devia ir.
- E meu rebanho, Senhor. Eles...?
- É claro que sim, amado, vou enviá-los a você.

***

A manhã transcorreu até as massas encontrarem seus lugares e se acomodarem. Para Rayford, pareceu que os que se encontravam à esquerda de Jesus estavam intrigados na melhor das hipóteses, e amedrontados na pior.
Gabriel foi para a frente da plataforma e estendeu os braços pedindo silêncio.
- Adorem o Rei dos reis e Senhor dos senhores! - gritou ele e, como uma só pessoa, os milhões de ambos os lados do trono caíram de joelhos. Numa cacofonia de linguagens e dialetos eles clamaram: - Jesus Cristo é Senhor!
Os que estavam à esquerda de Jesus começaram a ficar em pé, enquanto ao redor de Rayford, todos permaneceram ajoelhados.
- Dois grupos diferentes aqui, não é, Chaim?
- Na verdade três - disse o homem mais velho. - Aqueles são os cabritos, lá adiante, os seguidores do anticristo que de alguma forma sobreviveram até agora. Você está entre as "ovelhas" deste lado, mas eu represento o terceiro grupo. Faço parte dos "irmãos" de Jesus, o povo escolhido de Deus que as ovelhas acolheram. Somos os judeus que entrarão no milênio como crentes, por causa de pessoas como você.

***

Hannah Palemoon ajoelhou-se na areia, adorando o seu Salvador. Aqueles milhões na multidão à esquerda de Jesus o tinham reconhecido, mas sentia que não havia adoração envolvida.
Desde o momento em que acordara, tivera o desejo, a neces-sidade, de estar ali. Ouvir Jesus falando em seu idioma nativo foi mais do que ela jamais poderia ter sonhado ou pedido.
As pessoas ao redor de Hannah começaram então a levantar-se e ela olhou para a plataforma para ver a razão disso. Gabriel fez um gesto para que se pusessem em pé.
Quando todos estavam em seu lugar e quietos, Gabriel falou em voz alta, dizendo:
"João, o revelador, escreveu: Vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da pala¬vra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam. Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? Então, a cada um deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram" (Ap 6.9-11).
"Povos da terra, ouvi-me! Chegou a hora de vingar o sangue dos mártires contra os que vivem na terra! Pois o Filho do Homem veio na glória do Pai com seus anjos e ele irá recompensar cada um segundo as suas obras! Como está escrito: Congregarei todas as nações e as farei descer ao vale de Josafá; e ali entrarei em juízo contra elas por causa do meu povo e da minha herança, Israel, a quem elas esp¬alharam por entre os povos, repartindo a minha terra entre si. Lançaram sortes sobre o meu povo e deram meninos por meretrizes, e venderam meninas por vinho, que beberam!" (JI 3.2-3).
Hannah ficou pasma quando a massa maior, o grupo à esquerda de Jesus, caiu imediatamente de joelhos outra vez e começou a gritar e lamentar-se: - Jesus Cristo é Senhor! Jesus Cristo é Senhor!
Ela se perguntou se deveria fazer o mesmo, mas Jesus disse:
- Hannah, eu conheço o seu coração.

***

- Obrigado, Senhor - Rayford disse. - Eu sei que conhece.

***

- Cleburn - Jesus disse a Mac - "Venha, bendito de meu Pai! Entre na posse do reino que está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e você me deu de comer; tive sede e me deu de beber; era forasteiro e me hospedou; estava nu, e me vestiu; enfermo, e me visitou; preso, e foi ver-me" (Mt 25.35-36).

***

Priscilla Sebastian respondeu: - Senhor, quando foi que te vi com fome e lhe dei de comer, ou com sede e lhe dei de beber?

***

Enoque disse: - Quando te vi forasteiro e te hospedei, ou nu e te vesti?

***

Razor perguntou: - Quando te vi enfermo, ou na prisão e fui ver-te?
Jesus respondeu então em espanhol: "Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes" (Mt 25.40).
- Obrigado, Jesus - disse Razor curvando a cabeça. Mas, foi distraído por uma agitação dos que estavam à esquerda do trono. Ele olhou a tempo de ver Jesus ficar em pé e andar até a beirada da plataforma.
Com ira mesclada de tristeza, ele disse: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me" (Mt 25.41-43).
Os milhões começaram a gritar e suplicar: - Senhor, quando te vimos com fome, com sede, como forasteiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos?
Jesus respondeu: "Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixaste de fazer. E irão estes para o castigo eterno, porém, os justos, para a vida eterna" (Mt 25.45-46).
- Não! Não! Não!
Apesar do número deles e do ruído de seus gritos deses¬perados, a voz de Jesus podia ser ouvida acima do alarido.
"Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer. E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento, a fim de que todos honrem o Filho do modo por que honram o Pai. quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou" (Jo 5.21-23).
- Nós te honramos! Sim honramos! Tu és o Senhor! "Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida. E lhe deu autoridade para julgar, porque é o Filho do homem" (vv. 26,27).
"Eu nada posso fazer de mim mesmo; na forma por que ouço, julgo. O meu juízo é justo, porque não procuro a minha própria vontade, e sim a daquele que me enviou" (v. 30).
- Jesus é o Senhor! - os condenados gritaram. - Jesus é o Senhor!
Gabriel adiantou-se, enquanto Jesus voltava ao trono.
- Silêncio! - ordenou Gabriel. - A sua hora chegou!

***

Rayford assistiu horrorizado, apesar de saber o que estava para vir, enquanto os "cabritos" à esquerda de Jesus batiam no peito e caíam lamentando-se no chão do deserto, rangendo os dentes e arrancando os cabelos. Jesus simples¬mente levantou a mão alguns centímetros e um abismo abriu-se na terra, estendendo-se a ponto de engolir todos eles. Eles tombaram, uivando e gritando de terror, mas suas vozes em breve se calaram e tudo ficou silencioso quando a terra fechou-se outra vez.
Todos na plataforma voltaram aos seus lugares e Jesus disse do trono: "Como pensei, assim sucederá, e, como determinei, assim se efetuará" (Is 14.24).
- Impressionante - disse Chaim.
- O quê? - perguntou Rayford.
- Conheço esse versículo, mas, pense um pouco sobre ele. O que ele simplesmente pensa acontece e o que deter¬mina sucede.
Rayford estava esgotado ao pensar onde todos os "cabri¬tos" e os "irmãos" se achavam. Apesar de todo horror que testemunhara durante a Tribulação e o Glorioso Apareci¬mento, a morte e castigo eterno de milhões ao mesmo tempo dominavam tudo o mais.
- Eu sei, Rayford - disse Jesus. - Agora, descanse. Eu lhe dou a minha paz; não como a dá o mundo. Não se perturbe o seu coração, nem se atemorize. Ouça agora enquanto meu servo o consola.
Gabriel avançou novamente. Ele disse, "Jesus Cristo, nosso Senhor, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos" (Rm 1.3,4).
"Por meio dele recebestes graça. Sois também os chama¬dos de Jesus Cristo; graça e paz a vós outros da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé" (Rm 1.17).
"A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou" (Rm 1.18,19).
"Porque os atributos de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das cousas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se- lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis.
Por isso, Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio coração, para desonrarem o seu corpo entre si; pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o que é bendito eternamente. Amém" (vv. 20-25).
- Amém! - gritou a assembléia reunida.
- Os que foram lançados nas trevas e esperam o Juízo do Grande Trono Branco daqui a mil anos foram sem dúvida indesculpáveis. Deus enviou seu Espírito Santo no dia de Pentecostes, além dos dois pregadores do céu que procla¬maram o seu evangelho durante três anos e meio; enviou também as 144.000 testemunhas das doze tribos. Avisos con¬stantes e atos de misericórdia foram estendidos àqueles que continuaram a amar a si mesmos em vez de amar a Deus.
Rayford compreendeu que todos os que haviam sido deixados eram crentes, adoradores de Cristo e que ele se achava entre os que iriam povoar o milênio.
Gabriel gesticulou para que eles se sentassem. Quando todos sentaram, ele sorriu largamente e pronunciou em voz alta:
"Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos" (Ap 20.6).
"O Todo-poderoso, o Senhor Deus, falou e chamou a terra desde o nascer do sol até o seu ocaso. De Sião, a perfeição da beleza, Deus irá brilhar. Nosso Deus chegou e não se man¬terá silencioso; chamará aos céus do alto e à terra, para que possa julgar o seu povo!" [Tradução livre]
Com isso Jesus levantou-se e Gabriel foi ficar atrás do trono com os outros anjos. Jesus falou então:
- Reúnam os meus santos, os que fizeram uma aliança comigo por meio de sacrifício. Venham!
De toda parte, da terra e de além das nuvens, vieram as almas daqueles que haviam morrido na fé, a quem Chaim e Tsion haviam com freqüência referido como os "mortos cren¬tes", e que Rayford via agora que incluíam o próprio Tsion - com muitos outros amigos e entes queridos dele.
Todos foram reunidos ao redor do trono, entre Jesus e a assembléia dos santos da tribulação. Estavam vestidos de mantos brancos, brilhantes e imaculados. Rayford procurou Chloe e Buck, Tsion e Albie, Bruce Barnes, Amanda, Hattie, Ken, Steve e o resto, mas havia gente demais.
Jesus começou honrando os santos do Antigo Testamento, aqueles de quem Rayford só ouvira falar ou lera a respeito. Em lugar de fazer como fizera nas audiências individuais com os santos da tribulação - dando sobrenaturalmente a eles tudo no que parecia ser um instante - Jesus deu desta vez aos espectadores sua força e paciência.
A cerimônia deve ter durado dias, Rayford eventualmente decidiu, mas ele não sentia fome nem sede, nem fadiga, nem sequer uma dor ou cãibra por estar sentado tanto tempo na areia. Alegrou-se todo o tempo, sabendo que quando Jesus terminasse com os santos do Antigo Testamento, ele chamaria os mártires da tribulação.
Esperar para reconhecer seus amigos e entes que¬ridos, seria o mesmo que esperar que o nome de Chloe fosse chamado quando ela se formou na escola secundária, mas a reunião depois valeria a pena.

***

Abdullah ficou vendo e ouvindo tudo. Ele olhava para o relógio a cada poucas horas e compreendeu como fora longo o tempo necessário para cobrir todos os santos do Antigo Testamento. Havia muitos dos quais nunca ouvira falar - ou não tinha estudado o suficiente ou se tratava daqueles cujas obras não tinham sido registradas. Deus, porém, sabia.
Ele conhecia os corações deles, o seu sacrifício, a sua fé. Um a um Jesus os honrou, enquanto os abraçava e eles se ajoelha¬vam a seus pés. E ele disse: "Muito bem, servo bom e fiel".

***

Enoque Dumas se alegrou com o privilégio. Sentiu-se completamente fascinado com os nomes sobre os quais havia lido e estudado. Ficou atento quando Jesus disse a respeito de Abel, filho de Adão, "Pela fé, você ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, [sua vida] ainda fala" (Hb 11.4).
Enoque ficou embevecido por poder finalmente ver esses homens e mulheres famosos. À medida que se aproximavam de Jesus, um a um, ele disse: "Sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam" (Hb 11.6).
Ali estava Noé, ajoelhando-se humildemente, recebendo o seu galardão. Jesus declarou, "Pela fé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e sendo temente a Deus, você aparelhou uma arca para a salvação de sua casa; pela qual condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que vem da fé" (Hb 11.7).
Horas depois, todos pareceram ficar atentos quando chegou a vez de Abraão. Jesus se dirigiu a ele: "Pela fé, quando chamado, você obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia. Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com você da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador" (Hb 11.8-10).
Sara estava logo atrás de Abraão e Jesus lhe disse: "Pela fé, também, você recebeu poder para ser mãe, não obstante o avançado de sua idade, pois teve por fiel aquele que lhe havia feito a promessa. Por isso, também de um, aliás já amortecido, saiu uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu e inumerável como a areia que está na praia domar" (Hb 11.11-12).
Jesus dirigiu-se em seguida aos espectadores: "Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo, manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade. Pela fé, Abraão, quando posto à prova, ofer¬eceu Isaque; estava mesmo para sacrificar o seu unigênito aquele que acolheu alegremente as promessas, a quem se tinha dito: Em Isaque será chamada a tua descendência; porque considerou que Deus era poderoso até para ressus¬citá-lo dentre os mortos" (vv. 11.13-19).
Mais tarde, Jacó aproximou-se do trono e Jesus disse a ele: "Pela fé, quando estava para morrer, você abençoou cada um dos filhos de José e, apoiado sobre a extremidade do seu bordão, adorou" (v. 21).
Atrás dele, José. Jesus lhe disse: "Pela fé, próximo do seu fim, você fez menção do êxodo dos filhos de Israel, bem como deu ordens quanto aos seus próprios ossos" (v. 22).
Ao redor de Enoque, os judeus começaram a se levantar. Em breve, todos estavam em pé. O próprio Moisés estava ajoelhado aos pés de Jesus com um homem e uma mulher. O Senhor os abraçou e disse: "Muito bem, servos bons e fiéis, vocês ocultaram seu filho recém-nascido durante três meses, porque viram que a criança era formosa; também não ficaram amedrontados pelo decreto do rei" (v. 23).
Disse também a Moisés, "Pela fé, quando já homem feito, você recusou ser chamado filho da filha de faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado; porquanto considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas do que os tesouros do Egito, porque contemplava o galardão. Pela fé, abandonou o Egito, não ficando amedrontado com a cólera do rei; antes, per¬maneceu firme como quem vê aquele que é invisível. Pela fé, celebrou a Páscoa e o derramamento do sangue, paira que o exterminador não tocasse nos primogênitos dos israelitas. Pela fé atravessaram o mar Vermelho como por terra seca; tentando-os os egípcios, foram tragados de todo" (vv. 24-29). Uma mulher ajoelhou-se diante de Jesus. Ele disse: "Pela fé, Raabe, você não foi destruída com os desobedientes, porque acolheu com paz aos espias" (v. 31).

***

Depois de Leah ter visto todos os heróis do Antigo Testa¬mento, inclusive Gideão, Baraque, Sansão e Jefté, também Davi, Samuel e os profetas, ela sentiu-se como se já estivesse no céu. Jesus ficou em pé e afirmou: "Esses, por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a justiça, obtiveram promes¬sas, fecharam a boca de leões, extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram força, fizeram-se poderosos em guerra, puseram em fuga exércitos de estrangeiros. Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos"
"Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, pas¬saram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra. Ora, todos estes obtiveram bom testemunho por sua fé" (vv. 33-39).

VINTE E UM

Os pensamentos de Rayford Steele estavam em uma mulher que ele não via havia mais de sete anos. Qual seria a aparência de Irene em seu corpo glorificado? 0 que eles diriam um ao outro? Ela estivera consciente dele todo esse tempo, observando, sabendo o que ele fazia? Saberia que se tornara cristão?
- Você já notou há quanto tempo estamos aqui? - ele disse. Chaim olhou no relógio.
- Dias. Contudo, parece menos de uma hora. Você sabe, é improvável que Jesus vá tratar os santos da Tribulação e os mártires do mesmo jeito que tratou os santos do Antigo Testamento.
- Por quê?
- Pense um pouco. Levaria anos.
- Quantos há?
- Mais de 100 milhões, só de mártires.
- Como pode ter certeza?
- Li o Livro. Apocalipse diz que os mártires sob o trono, que haviam saído da Tribulação, constituem uma multidão que ninguém pode contar.
- Então como você está dizendo?...
- Fique comigo. O Livro se refere antes aos cavaleiros demoníacos, lembra-se?
- Não me pergunte.
- Ele se refere a 200 milhões deles, evidentemente uma multidão que pode ser numerada. Portanto, se há tantos már¬tires que não podem ser contados, quantos deve haver?

***

Mac tentou imaginar como ele se sentiria, antes do Glorioso Aparecimento, se ficasse sentado no deserto todo aquele tempo sem comida, água, ou sono. Estes velhos ossos teriam secado e sido soprados para longe.
Ele lembrou-se de que quando era criança, ficara preocu¬pado com a vida após a morte. Seus amigos, a maioria deles, eram da igreja e falavam de morrer e ir para o céu como se fosse algo certo.
Ele lembrou-se de que quando era criança, ficara preocu¬pado com a vida após a morte. Seus amigos, a maioria deles, eram da igreja e falavam de morrer e ir para o céu como se fosse algo certo.
— Está bem - dissera ele - mas o que vamos fazer lá? - Sua idéia de céu eram fantasmas de roupas brancas com halos, sentados nas nuvens e tocando harpas.
Seus amigos apenas encolhiam os ombros, respondendo:
- Melhor lá do que no inferno.
Ele não tivera tanta certeza. Seus tios sempre brincavam sobre querer ir para o inferno - porque é lá que todos os nossos amigos vão estar.
Não é necessário dizer que Mac estava agradecido por ter evitado o inferno. E se o céu era tão fascinante quanto aquele intervalo antes do milênio, ia ser muito mais que satisfatório.

***

- Pode ser um pouco tarde para perguntar isto, Chaim - Rayford falou - mas que tipo de relacionamento vou ter com Irene agora? E com Amanda? Sei que esse foi o tipo de per¬gunta que os fariseus fizeram a Jesus quando estavam procu¬rando apanhá-lo em erro, mas preciso sinceramente saber.
- Tudo que posso dizer a você é o que Jesus disse: "Porque, na ressurreição, nem casam, nem se dão em casa¬mento; são, porém, como os anjos no céu" (Mt 22.30). Mas, os que são contados dignos de chegar a essa era - signifi¬cando este período de tempo em que estamos - e à ressur¬reição dos mortos, nem se casam, nem se dão em casamento. Não posso tornar as coisas mais claras do que isso.
- Então só as pessoas que chegarem vivas ao milênio irão casar-se e ter filhos.
- Parece que sim.
Rayford queria também encontrar os seus heróis do Antigo Testamento.
- Nós vamos interagir com eles, não vamos?
- Claro que sim - respondeu Chaim. Em Mateus 8.11, Jesus diz: "Muitos virão do oriente e do ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus".
Naquele momento, porém, os santos do Antigo Testamento não estavam se misturando. Eles também se tornaram especta¬dores, porque a multidão que ninguém poderia contar estava enfileirada diante do trono, esperando os seus galardões.
- Os que foram mortos por testemunharem a favor de Jesus - disse Chaim - o que inclui praticamente todos os cren¬tes que morreram durante a Tribulação, serão honrados. Mas, os que foram martirizados receberão uma coroa especial.
Gabriel adiantou-se novamente e anunciou: "Vi ainda a alma dos decapitados por causa do teste¬munho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos" (Ap 20.4).
O raciocínio de Chaim mostrou ser correto. De alguma forma o Senhor arranjou para que só aqueles que conheciam cada santo da Tribulação assistissem à entrega da recom¬pensa deles. Portanto, em vez de Rayford ter de esperar todo o desenrolar da cerimônia para ver um amigo ou ente querido, no momento em que as festividades começaram, Bruce Barnes aproximou-se do trono.
- Bruce! - gritou Rayford, incapaz de controlar-se, levantando-se e aplaudindo. À sua volta outros faziam o mesmo, mas chamavam outros nomes. - Tia Marge! Papai! Vovó!
Da distância em que se achava, Rayford só podia dizer que Bruce não parecia mudado. É claro que nunca o vira num manto branco e não tinha idéia de como seria um corpo glori¬ficado, mas Rayford mal podia esperar para vê-lo face a face.
Em breve ele viu Loretta, a secretária de Bruce, que mor¬rera no primeiro terremoto mundial.
A seguir veio Amanda, a segunda mulher de Rayford.
Ele viu o Dr. Floyd Charles, que trabalhara com o Comando Tribulação. E David Hassid, o primeiro espião no Palácio da Comunidade Mundial, que fora baleado e morto em Petra, pouco antes da chegada do remanescente.
T. Delanty estava lá e o amável Lukas Miklos e sua esposa, que receberam a coroa de mártir por ter suportado a guilhotina. Em breve surgiu Ken Ritz, que levara um tiro na cabeça da CG numa tentativa de fuga.
Que lembranças! Como seria bom falar do passado. Jesus honrou Ken, mencionando como ele usara a mente e as habilidades que lhe foram dadas por Deus para frustrar com freqüência os esforços do inimigo e encorajar os irmãos e irmãs em Cristo.
Rayford sentiu-se melancólico ao ver Hattie Durham abraçando Jesus. Como ele a usara e quase desistira dela, mas que santa valente ela se tornara no final. Quando Hattie ajoelhou-se, o arcanjo Miguel estendeu uma tiara de cristal a Jesus, que ele colocou em sua cabeça.
- Minha filha - disse - você foi martirizada pelo seu testemunho a meu respeito diante do anticristo e do Falso Profeta, usará então esta tiara por toda a eternidade. Muito bem, serva boa e fiel!
Lá estava também Annie Christopher, que trabalhara secretamente no palácio da CG. Steve Plank, ex-chefe de Buck Williams, julgado morto no terremoto da ira do Cor¬deiro, mas que voltou a servir secretamente como um opera¬dor da CG sob o nome de Pinkerton Stephens.
- Você foi morto à espada por minha causa - disse Jesus - e manteve o seu testemunho até o fim. Use esta coroa por toda a eternidade.
Albie apareceu, o velho amigo e fiel compatriota de Rayford.
Finalmente vieram Chloe, Buck logo depois dela, e Tsion. Rayford continuou gritando e batendo palmas enquanto sua filha, genro e mentor espiritual receberam seu muito bem, seu abraço e sua coroa de mártir. Todo o exército celestial aplaudiu cada mártir, mas Calebe, um dos anjos de misericórdia, saiu detrás do trono para abraçar Chloe. Rayford teria de perguntar à filha sobre isso.
Jesus disse com relação a ela:
- Você também sofreu a guilhotina por causa do meu nome, falando ousadamente a meu favor até o fim. Use isto por toda a eternidade.
Disse também a Buck:
- Você e sua mulher perderam um filho por minha causa, mas ele será devolvido a vocês e serão recompen¬sados cem vezes mais. Irão desfrutar o amor dos filhos de outros durante o reino milenar.
Jesus tomou mais tempo com Tsion Ben-Judá, louvando-o por "sua proclamação mundial ousada de mim como o Messias que seu povo esperava há tanto tempo, a perda de sua família - que lhe será restaurada - sua pregação fiel de meu evangelho a milhões ao redor do mundo, e sua defesa de Jerusalém até o momento de sua morte. Milhões sem conta se juntaram a mim no reino por causa de seu testemunho até o fim".
Rayford apreciou as boas-vindas de Jesus a dezenas de outros cujos nomes ele esquecera, crentes ocultos em vários países que haviam trabalhado por meio da Cooperativa, recebido pessoas do Comando Tribulação, e sacrificado suas vidas em defesa do evangelho.
Só pela obra milagrosa de Deus por meio de Jesus, as homenagens a mais de 200 milhões de mártires e santos da Tribulação terminaram repentinamente. Jesus ficou na beirada da vasta plataforma e estendeu os braços como para abranger a enorme multidão de almas, a maior com corpos glorificados, o restante simples mortais que haviam sobre¬vivido à Tribulação.
"Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão. Com vara de ferro as regerás e as despedaçarás como um vaso de oleiro.
"Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos advertir, juízes da terra. Servi ao Senhor com temor e alegrai-vos nele com tremor. Beijai o filho para que não se irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam" (Sl 2.7-12).
- Bem-vindos todos ao reino que lhes preparei. Rayford, bem-vindo.
- Obrigado, Senhor.
Como as pessoas conseguiam se encontrar naquela enorme massa de almas já era um milagre em si. Rayford viu
Chaim quase voando na direção de Tsion, que já estava sendo abraçado pela mulher e pelos filhos. Albie e Mac estavam rindo, gritando e se abraçando.
Viu em seguida Buck e Chloe correndo para Kenny que corria para eles.
E aparentemente vinda do nada, Irene surgiu junto ao cotovelo de Rayford. Uma coisa ela podia dizer quanto ao corpo glorificado: ela parecia a mesma, como se não tivesse envelhecido. Não havia, porém, meios de ela poder dizer a mesma coisa sobre ele.
- Oi, Rafe - falou Irene sorrindo.
- Irene - disse ele, abraçando-a. - Você tem permissão para dizer um eu-avisei cósmico.
- Oh! Rayford - ela recuou como se para vê-lo melhor. -Fiquei tão grata por você ter encontrado Jesus e tão feliz pelas muitas almas que estão aqui por causa do que você, Chloe e os outros fizeram. - Ela olhou para além dele.
- Raymie - disse - venha aqui.
Rayford voltou-se e ali estava seu filho. Ele o levantou, dando-lhe um apertado abraço.
- Até você sabia a verdade que eu não sabia - disse.
- Você não imagina como é bom vê-lo aqui, papai.
Rayford apontou para Buck, Chloe e Kenny:
- Você sabe quem é aquele ali?
- É claro - exclamou Irene. - É meu neto - seu sobrinho, Raymie.
Eles se aproximaram timidamente, mas foi Buck quem que¬brou o gelo enquanto Chloe abraçava os pais.
- Tão bom conhecê-la finalmente - disse ele, apertando a mão da sogra. - Ouvi falar tanto de você.
Kenny parecia fascinado por ter um tio verdadeiro e tão jovem.
Enquanto riam, se abraçavam e louvavam a Deus um pelo outro e pela sua salvação, Amanda White Steele aproximou-se.
- Rayford - disse ela. - Irene.
- Amanda - respondeu Irene, puxando-a para perto de si. - Você acredita que orei a seu favor mesmo depois de ter sido arrebatada?
- Deu certo.
- Sei que deu. Você e Rafe foram felizes por algum tempo.
- Tinha tanto medo de que este encontro fosse difícil - exclamou Rayford.
- De modo algum — disse Irene. - Não me ressenti por você ter uma esposa e companheira. Fiquei feliz porque ambos aceitaram Jesus. Vão descobrir que ele é tudo que importa agora.
- E eu - disse Amanda - estou felicíssima porque você conseguiu atravessar a Tribulação, Rayford. - Ela voltou-se então para Irene e tocou-lhe o braço. - Você sabe, o seu testemunho e caráter foram as razões para eu ter aceitado o Senhor.
- Sei que disse isso, mas não me lembrava de ter causado qualquer impressão mais forte a você.
- Não acho que tentou, apenas foi o que fez.
Rayford sentiu que sua família ia manter um relaciona¬mento unido e afetuoso durante todo o milênio. Ele ainda não entendia tudo, na verdade bem pouco. Mas, tinha de concordar com Irene: Jesus era tudo que importava agora. Não haveria ciúmes, inveja, ou pecado. Sua maior alegria seria servir e adorar o Senhor, que os chamara para si.
Enquanto Buck e Chloe continuavam a conversar com Irene e Amanda, Rayford tomou Raymie de empréstimo.
- Há tanta gente que quero ver, filho. Você precisa conhecer todos. Nós só temos mil anos.

EPÍLOGO

"Depois disto, é necessário que ele [Satanás] seja solto pouco tempo" Apocalipse 20.3

SOBRE OS AUTORES

Jerry B. Jenkins (www.jerryjenkins.com) é o autor da série Deixados para Trás, e de mais de cem livros, 11 dos quais figuraram na lista dos mais vendidos do New York Times. Foi vice-presidente da divisão editorial do Instituto Bíblico Moody de Chicago e trabalhou muitos anos como editor da revista Moody, com a qual colabora até hoje.
Escreveu artigos para várias publicações, tais como Reader's Digest, Parade, revistas de bordo e numerosos periódicos cristãos. Seus livros abrangem quatro gêneros literários: biografias, obras sobre casamento e família, ficção para crianças e ficção para adultos.
Dentre outras, Jenkins colaborou nas biografias de: Hank Aaron, Bill Gaither, Luis Palau, Walter Payton, Orel Hershiser, Nolan Ryan, Brett Butler e Billy Graham.
Oito de seus romances apocalípticos - Deixados para Trás, Comando Tribulação, Nicolae, A Colheita, Apoliom, Assassinos, O Possuído e A Marca - constaram da lista dos mais vendidos da Associação Cristã de Livreiros e do semanário religioso Publishers Weekly. Deixados para Trás foi indicado para receber o prêmio de Livro do Ano, pela Associação das Editoras Cristãs Evangélicas, em 1997, 1998, 1999 e 2000. O Possuído foi o número um na lista dos mais vendidos do New York Times, durante quatro semanas consecutivas.
Como autor e conferencista sobre assuntos relacionados ao casamento e à família, Jenkins tem participado com freqüência do programa de rádio do Dr. James Dobson, Focus on the Family (A Família em Foco).
Jerry também é o autor das tiras cômicas Gil Thorp, distribuídas aos jornais dos Estados Unidos por Tribune Media Services.
Ele mora, com sua esposa, Dianna, no Colorado.


O Dr. Tim LaHaye (www.timlahaye.com), que idealizou o projeto de romancear o Arrebatamento e a Tribulação, é autor famoso, ministro do evangelho e palestrante de temas sobre profecias bíblicas. É fundador do Tim LaHaye Ministries (Ministérios Tim LaHaye) e do The PreTrib Research Center (Centro de Pesquisas do Período Pré-Tribulação). Atualmente, o Dr. LaHaye faz palestras sobre profecias bíblicas, nos Estados Unidos e no Canadá, onde seus nove livros sobre profecias fazem muito sucesso.
O Dr. LaHaye recebeu o grau de Doutor em Ministério, pelo Western Theological Seminary (Seminário Teológico do Oeste) e de Doutor em Literatura, pela Liberty University (Universidade Liberty). Durante 25 anos, foi pastor de uma das mais prósperas igrejas dos Estados Unidos, em San Diego, a qual se expandiu para outras três localidades. Nesse período, fundou duas escolas cristãs de ensino médio reconhecidas pelo governo, um sistema de escolas cristãs composto de dez estabelecimentos de ensino, e a Christian Heritage College (Faculdade Herança Cristã).
O Dr. LaHaye escreveu mais de 40 livros, com mais de 30 milhões de exemplares impressos em 33 idiomas, abordando uma ampla variedade de assuntos, tais como vida familiar, temperamentos e profecias bíblicas. Suas obras de ficção, escritas em parceria com Jerry B. Jenkins - Deixados para Trás, Comando Tribulação, Nicolae, A Colheita, Apoliom, Assassinos, O Possuído e A Marca - alcançaram o primeiro lugar na lista dos livros cristãos mais vendidos. Outras obras escritas por ele: Perhaps Today (Talvez Hoje); Spirit-Controlled Temperament (Temperamento Controlado pelo Espírito); How to Be Happy Though Married (Casados, mas Felizes); Revelation Unveiled (O Apocalipse Revelado); Understanding the Last Days (Compreendendo os Últimos Dias); Rapture Under Attack (Críticas ao Arrebatamento); Are We Living in the End Times? (Estamos Vivendo os Últimos Dias? - United Press); e Left Behind: The Kids (Deixados para Trás - Série Teen).
Ele é pai de quatro filhos e tem nove netos. Gosta muito de esquiar na neve e na água, de motociclismo, de golfe, de férias com a família e de caminhadas.

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