domingo, 5 de setembro de 2010

DEIXADOS PARA TRÁS XIB

- Jamais.
- Você vai me contar onde estão seus companheiros ou me
fornecer alguma pista que nos leve a capturá-los? Estou falando
principalmente de seu pai, de seu marido, do Dr. Tsion Ben-Judá e do Dr.
Chaim Rosenzweig.
- Prefiro morrer a contar.
Jock aplicou o restante do soro e aguardou cinco minutos,
cutucando as unhas. Chloe cantou:
- "Preciosa a graça de Jesus, que um dia me salvou. Perdido
andei, sem ver a luz, mas Cristo me encontrou."
Jock levantou-se e olhou para a porta, respirando pesadamente.
Em seguida, dirigiu-se para perto de Chloe, retirou o tubo e o receptáculo
e a desamarrou.
- Pronto? - ela perguntou.
- Não, mas eu apliquei a dose máxima. Nunca vi coisa
semelhante. Vamos ficar sentados e conversar por alguns minutos. Se a
última porção da droga fizer efeito e você recuperar o bom senso, é só
me dizer.
- Vamos conversar sobre você, Jock. Por que esse entusiasmo tão
ardente por Carpathia?
- Ah!, não, você não vai conseguir. Quero que me deixe em paz.
Acredite no que quiser. É impressionante. Vou lhe dizer o que penso.
Gente mal orientada, mas impressionante. É esse o problema dos
religiosos extremistas.
- É isso o que somos? - ela perguntou.
- Claro.
- Você está nos confundindo com gente que mata em nome da fé,
não é isso?
- Vocês são tão extremistas quanto eles, madame.
- Nós não matamos pessoas que não concordam conosco. Não
erguemos estátuas de nosso Deus por aí nem exigimos, por lei, que todos
se curvem e façam bajulações diante delas três vezes por dia. Nós
apresentamos a verdade, mostramos o caminho às pessoas, exortamos
que conheçam a Deus. Mas não obrigamos ninguém.
Jock sentou-se pesadamente na cadeira.
- Você já se deu conta de que vai morrer amanhã?
- Esse pensamento já me passou pela cabeça.
- E não está preocupada?
- Claro que estou. Estou apavorada.
- Você nunca mais vai ver seu marido, seu filho, seus parentes e
seus amigos.
- Se eu acreditasse nisso, a história seria bem diferente.
- Já entendi. Sonhos e quimeras. Um dia, vocês vão ficar
flutuando em volta das nuvens, tocando harpa e usando mantos brancos.
- Espero que você esteja certo a respeito da harpa, e não dos
sonhos e quimeras.
Jock sacudiu a cabeça.
- Você sabe que vamos mostrar tudo ao mundo pela TV.
- Espalhar mais mentiras sobre mim?
- Vamos dizer o que é necessário para livrar a nossa cara.
- E, no meu caso, vocês precisam livrar a cara porque essa
operação foi um enorme fracasso, não?
- Poderia ter sido melhor.
- Poderia? Não poderia ter sido pior! O que vocês conseguiram?
- Bem, quando descobrirmos onde o restante dos covardes está
escondido, vamos conseguir alguma coisa.
- Você os chama de covardes porque estão escondidos ou quer
dizer que eles são covardes como eu? Você me acha covarde?
- A bem da verdade, não.
- Vou ter direito a dizer minhas últimas palavras amanhã?
- No seu caso, não vamos permitir. Você vai tentar pregar um
sermão, atacar Carpathia, tentar salvar as pessoas.
- Em resumo, eu só vou poder dizer minhas últimas palavras se
fizer tudo o que a Comunidade Global deseja.
- Mais ou menos.
- É o que nós veremos.
- Nós? Nós quem?
Chloe levantou-se e notou que seu amigo havia desaparecido. Ela
prosseguiu corajosamente.
- Jock, você já pensou que o dia está chegando, muito antes do
que você pensa? O dia em que todos terão de prestar contas a Deus e a
seu Filho?
- Você acredita nisso?
- "Como está escrito: Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim
se dobrará todo joelho, e toda língua dará louvores a Deus" (Rm 14.11).
- Bem, querida, eu não vou fazer isso.
- Sinto muito, Jock. Cada um de nós prestará contas a Deus.
- Meu deus é Carpathia. E isto me basta.
- E quando Jesus vencer?
- Ele vai vencer?
- "Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o
nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se
dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua
confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai" (Fp 2.9-11).
- Espero que isto tudo lhe dê algum conforto quando você estiver
debaixo do sol quente amanhã cedo, sentindo aquele cheiro, vendo
cabeças rolando e sabendo que a próxima será a sua. Talvez eu não seja
um interrogador tão bom quanto pensava, ou você pagou muito dinheiro
para ser treinada e assim resistir ao soro da verdade. Mas não existe
nada melhor para deixar a mente mais clara do que saber que você está
na fila da guilhotina e vai ser a próxima. Vou estar de olho em você
amanhã, moça. Aposto que vai tremer, gemer e implorar por uma chance
de se salvar.
***
O relógio marcava 8h30, horário do palácio, e ainda faltavam sete
horas para Mac chegar a Petra. Ele digitou o número de Otto Weser, que
Rayford lhe dera, e identificou-se.
- Ele ressuscitou - disse o alemão.
- Cristo ressuscitou verdadeiramente - disse Mac. - Você tem
alguma novidade para mim?
- Eu preciso lhe dizer que a Srta. Krystall tem sido uma
preciosidade para nós. Gostaria que ela estivesse do nosso lado. Ela me
deixou ouvir a conversa de um homem chamado Suhail Akbar, chefe do...
- Eu sei quem ele é, Sr. Weser. Com todo respeito, vamos ao que
interessa.
- Carpathia encarregou aquele homem e seu pessoal de duas
coisas. Primeira, providenciar a instalação do governo em Al Hillah, e
segunda, preparar uma verdadeira Oktoberfest para os líderes do mundo
inteiro em Bagdá, daqui a seis meses.
- Não vai ser em outubro?
- É apenas um modo de dizer. Vai ser igual ao que vocês ianques
chamam de um mega-evento, com toda pompa e circunstância,
bandeiras, cartazes, show de luzes, bandas, dançarinos, tudo. Se a
escuridão terminar em Nova Babilônia, o governo volta para cá. Mas,
mesmo que isto aconteça, a festa será mantida em Bagdá.
- Exatamente onde? Você sabe?
- Em um edifício novinho em folha, Sr. McCullum. No lugar em que
estava localizado o Museu do Iraque, antes da guerra. Deve ser um
evento de alto gabarito, com acomodações de luxo, sala para reuniões e
muita ostentação. Existem apenas dez chefes de Estado, mas, pelo jeito,
além das reuniões particulares com seu gabinete, Carpathia também quer
algumas festividades abertas ao público. Mas para o povo dele, Carpathia
está se referindo às reuniões com os subpotentados como uma solução
final para o problema dos judeus.
- Para um alemão, isso deve ser parecido com o que está escrito
em seus livros de história, não, Sr. Weser?
- Francamente, nossos livros de história não são iguais aos que os
outros escrevem sobre nós, mas entendo o que o senhor está querendo
dizer. Já percorremos essa estrada antes.
- Alguma notícia de Chloe Williams?
- Krystall diz que ela está na Prisão de Angola, em Louisiana.
- Ela está se baseando nos noticiários que vimos ou tem
informações de dentro do palácio?
- Vou perguntar a ela.
Depois de alguns instantes, Otto voltou a falar.
- As duas coisas. Ela diz que ouviu o noticiário e que ouviu
também o pessoal do Serviço de Segurança e Inteligência conversar
sobre Chloe, dizendo que ela está lá. A última notícia é que ela vai ser
executada às 10 horas, horário central.
***
- Temos de partir e levar George e alguns homens conosco,
Rayford - disse Buck.
- Esta história ainda não faz sentido para mim - disse Rayford. -
Por que a CG divulgaria onde ela está?
- Talvez para preparar uma armadilha para nós.
- Então, é menos provável que ela esteja lá.
- Você acha que eles estão desconfiados de Krystall? - perguntou
Buck.
- Que deram uma informação falsa só para testá-la?
- Vamos ver o que Sebastian acha disto.
***
Chang estava sentado diante de seu computador, no centro de
tecnologia, desde antes do alvorecer. Quando Naomi chegou, ela se
postou atrás dele e pousou suavemente as mãos sobre seus ombros.
- Tropas, tropas e mais tropas - ele disse. - Se as tropas da Grécia
sozinhas poderiam dominar Israel, imagine só as tropas de todos os
Estados Carpathianos juntas. E isto é apenas o começo.
- Quais são as últimas notícias sobre a esposa do Sr. Williams?
- Tudo o que consegui extrair das informações recebidas no
palácio procedentes de Al Hillah foi que Chloe está em Louisiana e que
será executada às 18 horas, nosso horário.
- Oh! Não.
- E isto não é o pior, Naomi. Eles divulgaram a notícia pela
televisão internacional, mas nunca dizem a verdade. Se quisessem
ludibriar o Comando Tribulação, poderiam ter deixado Chloe em San
Diego. Rayford e Buck estão atarefados tirando o pessoal de San Diego e
acho que não sabem o que fazer. Espero que consigam enxergar uma
saída. Pelo que sabemos, Chloe está a uma hora de San Diego. A CG só
precisa que ela esteja em algum lugar onde uma afiliada da CNNCG
possa fazer uma transmissão ao vivo.
Naomi puxou uma cadeira e se sentou ao lado de Chang.
- Acho que você vai fazer de tudo para interferir nesse noticiário,
não?
- Não quero que o mundo veja isso de jeito algum.
- Mas nós vamos querer que o mundo veja e ouça o que Chloe
tem a dizer.
- Claro. Eu só quero dar um jeito de tirar a cena do ar no momento
em que eles perderem a paciência com ela.
***
Rayford constatou que Sebastian concordava com ele.
- A CG não vai informar onde ela está de jeito nenhum - disse
Sebastian. - Seria uma gafe tremenda.
- E então, como nós ficamos? - perguntou Buck. - É melhor saber
o pior do que não saber nada.
- Quero ver se Krystall está pronta para assumir o risco - disse
Rayford. - Vou ligar para ela.
Quando a ligação foi completada, Rayford disse:
- Preciso lhe fazer uma pergunta muito importante para mim.
- Já forneci tantas informações sobre seu pessoal que poderia ter
sido executada.
- Vou lhe passar uma informação que prolongará sua vida.
- Do que você está falando?
- Você costuma visitar o site do Dr. Ben-Judá, certo?
- Eu já lhe disse que sim.
- Então sabe que ele tem informado por antecipação e mostrado
trechos da Bíblia, profecias sobre todas essas pragas e julgamentos que
estão se abatendo sobre a terra.
- Sim, é de arrepiar os cabelos.
- É de arrepiar os cabelos, mas tudo isso é verdadeiro, e sabemos
o que vai acontecer em Nova Babilônia. Só não sabemos exatamente
quando.
- E o que vai acontecer aqui?
- Deus vai destruir a cidade inteira no espaço de uma hora.
- Oh!, meu...
- Deus vai tirar o povo dele daí... pessoas como Otto e seus
amigos... para salvá-lo da morte. Você também precisa sair.
- Para onde eu devo ir?
- Para qualquer lugar, menos ficar em Nova Babilônia.
- Você tem certeza de que isso vai acontecer?
- Se não acontecer, será a primeira vez que uma das profecias
não se cumprirá. Veja, Krystall, não posso prometer que você será
protegida só por ter saído de Nova Babilônia. O restante do mundo
também sofrerá, mas talvez não de maneira tão trágica e rápida quanto
em Nova Babilônia. Sua única esperança é sair daí.
- Todos esses exércitos que Carpathia está enviando para Israel
também fazem parte das profecias? - perguntou Krystall.
- Você já ouviu falar em Armagedom? É isso. Mas o fim de Nova
Babilônia será antes.
- E o que você vai querer de mim depois de me dar esse alerta?
- Quero que ligue para alguém. Alguém que saiba das coisas. E
quero que você inclua Chloe Williams na conversa. Diga a essa pessoa
que assistiu ao noticiário, ou coisa parecida, e que está apenas curiosa. É
verdade que ela vai ser executada? Onde? Você me faria este favor?
- Você não está acreditando que será em Louisiana? - ela
perguntou.
- Acho isso muito difícil de engolir.
- Não prometo nada, mas vou ver o que posso descobrir.
***
- O que você vai fazer esta noite, Jock? - perguntou Chloe quando
ele a levou de volta à cela solitária.
- Dormir como um bebê. Amanhã será um grande dia. Vamos
contar ao mundo que você cantou como um canarinho, mas que, no fim,
recusou a marca e não prometeu lealdade a Carpathia. Bem que nós
forçamos.
- E você será o herói da história.
- Talvez promovido. Despachado para a divisão internacional.
- E onde você vai trabalhar?
- Por que está interessada em saber? Você não pode contar a
ninguém nem fazer alguma coisa.
- E que mal faz você me contar?
Jock aprumou a cabeça e olhou para ela.
- Dizem que vou trabalhar no vale de Jezreel.
- Sério? O que está acontecendo lá?
- Não tenho autorização para dizer.
- Mas você sabe?
- Bem, sim, claro que sei.
- Parabéns.
- Obrigado.
- O céu é o limite, não?
- Acho que sim - ele disse.
- Quer que eu lhe dê uma pequena informação?
- Agora é um pouco tarde, mas quero saber.
- Nova Babilônia nunca mais voltará ao normal.
- Você diz isto com muita certeza.
- Tanta certeza quanto estou em pé aqui - disse Chloe.
- Duvido que você esteja certa, mas não vai poder constatar. Eu
vou.
- Eu não teria tanta certeza assim.
- Até amanhã cedo, madame.
Chloe sentou-se na cela escura e perguntou em voz baixa:
- Ainda estás aqui comigo?
- Sempre - foi a resposta. - Até à consumação do século.
Chloe prostrou-se no chão e orou o restante do tempo, incapaz de
dormir. Ela cantou, citou versículos da Bíblia, louvou a Deus e ouviu.
Ficou a maior parte do tempo ouvindo. E Ele confortou seu
coração.
TREZE
- Nunca mais vou permitir que isto aconteça - disse Buck.
O dia começava a amanhecer, e eles estavam em pé, do lado de
fora do jato de dois lugares, em uma região remota do oeste de
Wisconsin, monitorando um rádio e uma TV em miniatura e aguardando o
chamado de Krystall.
- Mesmo se tivéssemos descoberto que Chloe estava a meia hora
de St. Paul, não teríamos condições de fazer nada. Estamos sem carro,
sem disfarces, sem documentos de identidade. Nunca mais, pai, eu
prometo.
Aparentemente, Rayford não tinha nada a dizer, e Buck condoeuse
dele.
- Não sei o que mais poderia ter sido feito - prosseguiu Buck. -
Mas eu preferia não estar parado aqui, esperando alguma coisa
acontecer.
- Eu não entendo por que Krystall ainda não ligou - disse Rayford.
- Ela teve o dia inteiro para fazer isso. - Ele consultou seu relógio. - A
tarde já chegou à metade em Nova Babilônia.
- É melhor não pensarmos que eles estão desconfiando dela, que
grampearam seu telefone ou algo parecido. Aí, eles vão notar tudo sobre
Otto, descobrir que sabemos onde a grande reunião vai ser realizada,
descobrir tudo.
- Não sei - disse Rayford. - David e Chang sempre afirmaram que
a CG não grampeia os próprios telefones.
- Entendo que todos em Al Hillah estão em reunião o dia inteiro e
que não há ninguém que possa contar a verdade a Krystall sobre o
paradeiro de Chloe, é isso? Você devia ter dado um prazo a ela. Será que
ela faz idéia de que precisamos saber disto antes da execução?
- Ela não trabalha para nós, Buck. Ela tem sido uma dádiva de
Deus.
- É interessante usar esta expressão para alguém que possui a
marca da besta.
***
Mac deixou Zeke em Petra por volta das 14 horas. Abdullah, que
já havia providenciado uma aeronave maior para Mac, encarregou-se de
ajudar Zeke a instalar-se em sua nova moradia.
- Planejo entrar e sair daquele apartamento o mais rápido que
puder - disse Mac. - Depois, pego Weser e seu grupo e volto para cá. Eu
gostaria de terminar tudo antes que a CNNCG leve ao ar o caso de
Chloe. Não quero assistir à cena em que ela vai ser morta, mas quero ver
as preliminares.
***
Envolvida na mais completa escuridão, Chloe não tinha idéia da
passagem do tempo. De vez em quando, ela encostava a orelha na porta
de aço para ouvir o que se passava no conjunto de celas solitárias. Até
aquele momento, nada.
Ela imaginou que o tempo de espera para a execução deveria ser
o mesmo que aguardar para falar com o diretor do colégio ou enfrentar
um castigo iminente, só que multiplicado por um milhão de vezes. E,
mesmo assim, ela se sentia relativamente calma. Seu coração estava
pesaroso em relação a Buck, não apenas pela falta que ele sentiria dela,
mas pelo esforço que ele teria de fazer para explicar o acontecido a
Kenny.
Kenny era muito criança, e não haveria necessidade de muitas
explicações, ela sabia disto. Mas as perguntas do dia-a-dia, a falta que
ele sentiria da mãe, a triste realidade de que ninguém poderia amá-lo da
mesma forma que ela... tudo isso era muito desgastante.
Chloe sentia a presença de Deus, embora não estivesse vendo o
mensageiro que aparecera na noite anterior. Seus músculos estavam
doloridos por causa das posições em que ela se colocava para orar e
quando tentava acomodar-se melhor. A fome era um problema que ela
conseguira afastar da mente. Em breve, ela dizia a si mesma, estaria
jantando na mesa de banquete do Rei dos reis.
O mais gratificante de tudo era que Chloe tinha poucas dúvidas e
muito mais segurança à medida que as horas passavam. Ela colocara
todos os ovos em um só cesto, conforme costumava dizer. Se estivesse
errada, paciência. Se tudo aquilo não passasse de uma grande
encenação, ela havia engolido a história inteira. Mas, para ela, os dias de
questionamentos e receios não mais existiam.
Já presenciara muita coisa, passara por muitos sofrimentos. Já
vira, como todas as pessoas do planeta, que Deus era real, que Ele
estava no controle de tudo, que Ele era o arquiinimigo do anticristo, e que
Ele seria o vencedor final.
No início de sua vida espiritual, Chloe se mostrava um tanto
presunçosa, principalmente quando as pessoas a criticavam ou
zombavam dela por causa de sua crença. Ela aprendera a não se alegrar
com o sofrimento alheio, mas não podia deixar de sentir uma satisfação
interior por saber que um dia provaria a todos que estava certa.
Porém, pela misericórdia de Deus, aquela atitude já não existia.
Quanto mais ela aprendia, quanto mais sabia, quanto mais via exemplos
de outros crentes demonstrando compaixão pela condição deplorável das
pessoas perdidas, mais Chloe amadurecia na fé. Esse amadurecimento
era manifestado na tristeza que ela sentia pelas almas das pessoas, no
desespero para que elas conhecessem a verdade e aceitassem a Cristo
antes que fosse tarde demais.
Ela não sabia o que fazer com seus sentimentos de amor,
preocupação e simpatia pelas pessoas que já haviam recebido a marca
de Carpathia e estavam condenadas ao castigo eterno. Não havia mais
esperança nem possibilidade de ajudá-las, mas ela sentia pena delas.
Lampejos de humanidade em Florence, em Nigel, em Jessé, em
Jock... o que aquilo significava? Ela não podia esperar que pessoas
incrédulas vivessem como crentes, portanto não sabia como julgá-las -
apenas as amava. Mesmo assim, não havia mais nada a fazer.
Embora não conseguisse compreender que ainda houvesse
pessoas incrédulas no mundo, Chloe sabia que isso era verdade. Talvez
fossem aquelas pessoas que ela tentaria convencer quando Deus
forçasse a CG a permitir que ela dissesse suas últimas palavras. Era
difícil entender como alguém que presenciou todos os acontecimentos
dos últimos seis anos ainda não houvesse percebido que as únicas
opções eram Deus ou Satanás - ou pior, apesar de conhecer as
alternativas, optara por Satanás.
Mas, sem dúvida, esta era a dura realidade. Ming lhe contara que
os muçulmanos eram contra Carpathia porque não queriam abandonar
sua crença. Alguns judeus praticantes que não acreditavam que Jesus
era o Messias também rejeitavam Carpathia como deus deste mundo.
George conhecia alguns militares que se recusaram a prometer
lealdade a um ditador, embora não confiassem em Cristo para receber a
salvação.
Seria possível que depois de tanto tempo ainda houvesse pessoas
espiritualmente descompromissadas, que simplesmente não queriam
tomar uma decisão? Chloe não podia imaginar, mas sabia que isso era
verdade. Algumas preferiram correr atrás de seus objetivos, de suas
concupiscências.
Chloe pensou nos outros prisioneiros de Stateville que morreriam
naquela manhã. Muitos eram portadores da marca de Carpathia, mas
outros não. Será que ela, a prisioneira mais famosa, seria a última da fila?
- Clareza, Senhor - ela disse. - É tudo o que eu peço. Tu já me
prometeste graça e força. Permite apenas que minha mente funcione
melhor do que funcionaria nestas circunstâncias.
***
Mac vasculhou sua sacola e encontrou seus trajes de homem
embriagado. Ninguém se daria ao trabalho de procurar a marca de
Carpathia debaixo do gorro de meia de um homem malcheiroso, sem eira
nem beira. Foi o único jeito que Mac encontrou para atrever-se a sair à
rua durante o dia.
Ele encontrou sua motoneta no mesmo lugar onde havia deixado -
no arbusto perto da pista aérea - e dirigiu-se à periferia de Al Basrah.
Deixou a motoneta presa por corrente antes de entrar cambaleando na
cidade.
Mac foi cumprimentado por vários bêbados verdadeiros. Ele agia
como se estivesse andando a esmo, mas tinha um roteiro em mente. E
quando chegou a um quarteirão de distância do apartamento que morou
com Albie, ele entrou em uma viela, onde não havia ninguém. Correu o
restante do caminho e ouviu vozes quando começou a subir a escada.
Mac parou e sentou-se no patamar superior da escada. Havia dois
homens em frente ao apartamento dele e de Albie.
- Você não pode ficar aí, velho! - gritou um deles. - Dê o fora.
Mac resmungou alguma coisa, abaixou a cabeça e começou a
roncar.
Os homens riram.
- Estou achando - disse um deles em voz baixa - que ele vai
chegar depois que escurecer. O MM quer esse cara vivo.
Mac reconheceu o apelido.
- Consegui dois homens para vigiarem a entrada uma hora antes
do pôr-do-sol. Você tem certeza de que ele não vai chegar mais cedo?
- Ele não tem a marca, homem! Quem se arriscaria a andar por aí
durante o dia sem a marca?
Quando os homens se afastaram e Mac teve certeza de que o
caminho estava livre, ele se levantou rapidamente e abriu a porta do
apartamento. O local estava vazio. Nenhuma mobília. Os pertences deles
haviam desaparecido. Agora, o local servia apenas como armadilha para
ele.
Mac desceu correndo a escada, pegou sua motoneta, dirigiu-se
rapidamente para a pista aérea e seguiu para Nova Babilônia. Já havia
combinado com Otto para que ele levasse seu pessoal até a pista do
aeroporto de Nova Babilônia.
- É melhor o pessoal entrar no avião antes que alguém nos veja -
ele dissera.
Os homens e mulheres sob a responsabilidade de Otto, em
número de 30 ou pouco mais, tentaram agradecer individualmente a Mac,
mas ele se limitou a sorrir e continuou guiando-os até o avião. Ele não se
sentiria tranqüilo enquanto não chegasse a Petra. Depois, com uma nova
identidade fornecida por Zeke, ele estaria pronto para qualquer
traquinagem que Rayford pudesse ter imaginado.
Otto estava inquieto atrás do grupo.
- Assim que tudo estiver pronto - disse Mac -, podemos partir.
- Mac, não podemos partir ainda.
- Por quê? O que houve agora?
- Ela está morta.
- Quem?
- Krystall.
- Como assim?
- Vá até lá e veja. Depois que estive aqui esta manhã, voltei para
nosso esconderijo e ajudei todos se aprontarem para ir a seu encontro.
Quando cheguei aqui, eu disse a meu pessoal que aguardasse sua
chegada e que você seria a única pessoa capaz de enxergar o suficiente
para poder pousar. Voltei para agradecer a Krystall, e foi então que
descobri.
- Como você sabe que ela está morta?
- Não sou médico, mas havia um cheiro forte como se alguém
tivesse atirado alguma substância lá dentro. Ela estava no chão, com o
telefone tocando. Eu a deixei ali. Verifiquei o pulso dela. Vá até lá e veja.
- Sr. Weser, não temos tempo. Se ela está morta, está morta, sinto
muito. E isso talvez tenha acontecido porque Rayford a colocou no meio
de toda essa confusão. Mas não há nada que eu possa fazer por ela, e
podemos prejudicar esta missão se você e eu sairmos daqui e deixarmos
todo o seu pessoal aguardando no avião.
- Você acha que eles estavam desconfiando dela? Que enviaram
alguém para matá-la?
- Eu não sei como poderiam fazer isso se não estão enxergando
nada.
- Achei que talvez eles tivessem encarregado alguém que
conhece o palácio, e essa pessoa tateou o caminho até lá, conversou
com aquela mulher para ter certeza de que ela estava lá e, em seguida,
atirou um gás venenoso ou algo parecido dentro do apartamento dela.
- Pode ser. Isso explica por que Rayford não recebeu notícias
dela. Você já o avisou?
- Eu deveria, não? Mas não sabia o que fazer. Fiquei muito
aborrecido.
- Vamos subir a bordo. Eu ligo para Rayford.
***
Buck aguardava impaciente enquanto Rayford conversava com
Mac e cobriu os olhos com a mão.
- O que foi? - ele perguntou.
Rayford fez um gesto pedindo um pouco de tempo, e os joelhos
de Buck fraquejaram.
- O que foi? Chloe está morta?
- Ainda não, Buck - respondeu Rayford, ajoelhado na grama. -
Mas isso poderá acontecer.
Rayford relatou os fatos.
Buck sentou-se, dobrou as pernas e encostou os joelhos no peito.
- Não posso acreditar que estou parado aqui no meio do nada,
aguardando minha mulher morrer, sem sequer saber onde ela está.
O rosto de Rayford estava branco como cera.
- Deveríamos ter ido para Petra.
- Mas e se alguém...
- Ninguém que saiba de alguma coisa vai nos contar, Buck. É hora
de levantarmos acampamento.
- Desistir, você quer dizer.
- Sim, Buck. - Rayford levantou-se e disse com voz embargada. -
Estou desistindo. Agora ela está nas mãos de Deus. Se Ele deseja
poupá-la por um motivo qualquer, acho que decidiu fazer isso sem nossa
ajuda.
Enquanto Rayford subia a bordo, Buck levantou-se e apoiou as
mãos abertas na fuselagem do avião, com a cabeça baixa.
- Chloe - ele disse com a voz rouca pela emoção. - Onde quer que
você esteja, saiba que eu a amo.
***
Após uma longa noite de oração, Chloe passou por um cochilo.
Foi despertada, sem saber quanto tempo depois, por um inconfundível
toc-toc-toc da hélice de helicóptero. Mais de um. Talvez três. Ela
imaginou, apenas por alguns instantes, que alguém chegara para tirá-la
dali.
No íntimo, ela sabia que seu marido e seu pai, e talvez outros
companheiros do Comando Tribulação, iriam até o fim na tentativa de
libertá-la. Porém, sabia também que, sem um milagre, eles não teriam
meios de saber onde ela estava. Aquilo havia sido o ponto alto de sua
transferência.
Teriam eles descoberto alguma coisa? Ela nunca cessava de
maravilhar-se diante dos recursos disponíveis para seus companheiros.
Deveria preparar-se para fugir, caso eles invadissem o local para resgatála?
Saberiam eles mais coisas que ela? Conheceriam a arquitetura e a
planta da prisão, onde ficavam as solitárias, em que cela ela se
encontrava? E em quantos eles estariam? Teriam condições de dominar
o pessoal da CG?
Suas perguntas foram respondidas em seguida, quando seu
amigo reapareceu e deixou a cela tão iluminada quanto se fosse meiodia.
- Posso saber qual é o teu nome? - ela perguntou.
- Pode me chamar de Calebe.
- Eu não vou ser resgatada hoje, vou, Calebe?
- Você será libertada, mas não da maneira que está pensando.
- Libertada?
- Hoje você estará com Cristo no paraíso.
Ao ouvir aquelas palavras, Chloe ajoelhou-se no chão.
- Eu não consigo esperar - ela disse. - Vou sentir uma enorme
saudade de muitas pessoas queridas, mas não será por muito tempo.
Como eu anseio estar com Jesus!
Além dos helicópteros, Chloe ouvia apenas barulhos fortes do lado
de fora e nenhum do lado de dentro do edifício. Veículos. Marteladas em
objetos de metal. Gritos. Sons semelhantes ao de uma construção em
andamento. Apesar de seu preparo psicológico, ela começou a ficar
nervosa.
- Quero ser uma filha de Deus exemplar - ela disse, esforçando-se
para controlar as emoções.
- Deus a manterá em perfeita paz se seus pensamentos
permanecerem nele.
- Obrigada, Calebe. Mas, de repente, estou me sentindo frágil
demais.
Finalmente, Chloe ouviu sons no interior do conjunto das celas
solitárias. Uma batida rápida na porta de aço. A portinhola foi aberta. O
rosto de Jock apareceu.
- Como se sente esta manhã, moça? Pausa para ir ao banheiro.
- Aguarde um minuto, por favor.
- Ora, que garota difícil!
Ela olhou desesperadamente para Calebe.
- "Deixo-vos a paz", diz o Senhor Jesus Cristo - foram as palavras
de Calebe. - "...a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo.
Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize" (Jo 14.27).
Chloe bateu na porta de aço.
- Estou pronta.
Um guarda abriu a porta. Quando Chloe saiu, avistou Jock
trajando um uniforme azul com botões dourados, todo enfeitado. Ela
também ficou frente a frente com uma mulher que trajava um blazer da
CNNCG e carregava uma maleta de couro.
- Ora, ora - disse a mulher a Chloe. - Assim não está bom. Quero
que me avise quando eu puder entrar no banheiro com você. Ei, Jock,
providencie um macacão limpo para ela.
- Você vai me vestir para a morte? - perguntou Chloe.
- Com toda pompa, minha querida - respondeu a mulher. - A pena
será cumprida, mas vamos deixar claro que você não foi maltratada.
- Estou vendo - disse Chloe, enquanto a mulher a acompanhava. -
Arrancada de minha família, passando fome, sendo drogada,
atravessando metade do país de avião, recebendo uma injeção do soro
da verdade e presa a noite inteira numa cela solitária... é esta a sua idéia
de um tratamento justo?
- Eu sou apenas uma artista em maquiagem. Quando estiver
pronta, me chame.
- Para quê?
- Vou arrumar seu cabelo, fazer uma maquiagem leve em você.
- Não se preocupe.
- Ah! , é minha obrigação.
- Você não tem escolha? - Chloe perguntou.
- Se ao menos você estivesse apresentável... mas, olhe para
você.
- Mas eu tenho escolha. Posso ter a aparência que desejar.
- É o que você pensa. Mas não é assim.
Chloe se viu de relance quando passou pelo espelho. Seu aspecto
era horrível. Ela estava com o rosto oleoso e sujo, e os cabelos
emaranhados. Que situação bizarra! Quando foi a última vez que alguém
me embelezou? E agora ela estava recebendo um tratamento grátis,
quando a aparência era a última coisa que lhe passava pela mente.
- Não demore - gritou a mulher. - O pessoal da TV tem um horário
de programação, você sabe.
Chloe sacudiu a cabeça. Pessoal da TV. Eles esperavam que até
mesmo uma condenada à morte fizesse parte de sua equipe.
- Estou deixando um macacão limpo em cima da pia! Troque de
roupa e me avise quanto estiver pronta!
Chloe trocou de roupa, mas não disse nada. Quando ela saiu, a
mulher reclamou:
- Você ficou de me avisar quando estivesse pronta!
- Eu não.
- Vamos entrar lá novamente para que eu possa usar o espelho.
- À vontade. Eu não preciso de espelho.
- Ora, vamos! Eu tenho de aprontar você.
- Eu já estou pronta.
- Pare! Espere! Fique onde está!
Chloe encarou a mulher.
- Você não está vendo o absurdo que está cometendo? Não basta
me condenarem à morte? Vocês precisam fazer um espetáculo disto?
- Eu recebo ordens e tenho de cumpri-las.
- Então, faça o que tem de fazer, aqui e agora.
A mulher curvou-se, colocou a sacola no chão e pegou um pente e
uma escova. Penteou com força o cabelo de Chloe. Em seguida, usou um
lenço de papel umedecido para limpar o rosto dela e passou um pouco de
blush em suas faces. Quando ela pegou o rímel, Chloe disse:
- Não. Chega. Nada de rímel, nada de batom. Vamos parar por
aqui.
- Você é uma moça muito bonita.
Chloe ergueu uma sobrancelha.
- Muito obrigada. Este vai ser o ponto alto de minha manhã.
Que pensamento reconfortante! Minha cabeça vai ser a mais linda
da caçamba.
Quando Chloe apareceu diante de Jock, ele perguntou:
- Eu preciso algemá-la, amarrá-la?
-Não.
- É assim que se fala, garota. Ela olhou firme para Jock.
- Não é nada pessoal - ele disse. - Só estou cumprindo o meu
dever.
- Providencie, então, para que eu tenha direito a dizer minhas
últimas palavras.
- Se dependesse de mim...
Ela se virou e o encarou.
- Depende de você, Jock, e você sabe disto. As pessoas que
poderiam dizer o que você pode ou não fazer estão a quilômetros de
distância daqui. Assuma a responsabilidade pelo menos uma vez, por
favor. Tome uma decisão. Anuncie que vou falar e deixe que eu fale. Eu
vou morrer e você vai receber uma promoção. Qual é o problema?
Jock desviou o olhar. Conduziu-a escada acima e para fora do
edifício.
O sol da manhã estava brilhante. Ela protegeu os olhos. A
imprensa dominada por Carpathia estava toda presente. Havia palanques
armados e, aparentemente, o público tinha sido convidado. Chloe gostaria
de saber qual era a finalidade de todo aquele tumulto até o momento em
que percebeu que ela era a atração principal. O povo estava aplaudindo e
dando vivas.
Os outros prisioneiros, na maioria homens, já estavam em suas
respectivas filas, aguardando atrás das mesas. Alguns se mexiam no
lugar nervosamente. Outros pareciam pálidos demais. Havia oficiais
sentados diante de cada mesa, uma delas reservada para o aplicador da
marca. O que aquilo significava? A esta altura, até aqueles que já haviam
recebido a marca teriam de enfrentar a guilhotina. Estariam imaginando
que a marca lhes daria alguma vantagem na vida após a morte que
Carpathia oferecia?
Em volta de cada guilhotina, Chloe avistou alguns prisioneiros
sentados, com as pernas cruzadas, usando uniformes de brim escuro.
Aqueles homens, Chloe imaginou, deviam ser os condenados à prisão
perpétua que Jock descreveu como coletores. Eles dariam um fim aos
restos mortais. Todos pareciam entusiasmados, sorrindo, caçoando um
do outro.
Jock a conduziu ao fim da fila diante da mesa do meio.
- Bem, é isso aí - ele disse.
Chloe notou um tom de justificativa na voz dele.
- Você ainda pode...
- Você deveria ter feito uma aposta ontem - ela disse.
- Como assim?
- Você tinha certeza de que, neste momento, eu faria um último
apelo, imploraria.
- Esta você ganhou - ele disse. - Você é uma mulher estranha.
Chloe estava ciente dos holofotes presos em postes altos, das
gruas que sustentavam as câmeras e seus operadores, dos técnicos com
fones de ouvido correndo de um lado para o outro e das pessoas olhando
para seus relógios.
Na fila diante da mesa à sua direita, Chloe viu um homem de
meia-idade ostentando a marca de Carpathia - o que significava que ele
havia sido condenado por outro crime capital - cair de joelhos no chão,
tremendo e chorando. Ele agarrou as pernas da calça do homem à sua
frente, que queria pousar a mão em seu ombro, com ar de
constrangimento.
Uma senhora idosa, na fila seguinte àquela, estava em pé com as
mãos no rosto, balançando o corpo. Talvez orando, Chloe imaginou. Em
todas as filas havia judeus, identificados com a Estrela de Davi
reproduzida por meio de estêncil, ou usando solidéus, alguns feitos de
retalhos de tecido; outros, de cartolina. Todos estavam abatidos, com
escoriações na pele por terem sido surrados, debilitados pela fome e
tostados pelo sol.
Por meio de pesquisas feitas por Buck e de informações recebidas
de David Hassid e Chang procedentes de dentro do palácio, Chloe sabia
que Carpathia queria que os judeus fossem torturados até o limite de
suas forças, porém a morte só deveria ocorrer diante do público, no
momento em que fossem decapitados.
Já fazia certo tempo que Chloe vinha se alarmando, da mesma
forma que muitas pessoas, com a degradação dos programas de TV que
pioravam a cada dia. Alguns canais exibiam, 24 horas por dia, as mais
terríveis perversões, e não havia limites para nada. Mas quando as
pesquisas revelaram que os programas de TV mais vistos durante a
semana inteira eram as execuções públicas, Chloe constatara que havia
um lado mais perverso ainda, para o qual a sociedade estava derivando,
e esse lado já vinha sendo mostrado.
A sede de sangue era, aparentemente, insaciável, chegando a tal
ponto que os programas mais populares de execuções ao vivo eram
aqueles que duravam uma hora e mostravam replays em câmera lenta
das mortes mais horripilantes. Quando as guilhotinas apresentavam
problemas e as lâminas emperravam, as vítimas eram deixadas ali,
mortalmente feridas e gritando, mas sem morrer... Era isso que o público
queria ver, e quanto mais, melhor.
Cada execução era precedida de um relato detalhado dos delitos
praticados pelos recalcitrantes. A lógica era a seguinte: quanto mais
sórdido o passado, mais sofrimento era imposto à vítima. Chloe conhecia
os tipos de histórias que circulavam sobre ela, mas não tinha idéia do que
diziam sobre os verdadeiros culpados.
Chloe viu Jock retornar e dirigir-se à plataforma onde havia um
microfone. Um homem - aparentemente o apresentador - pediu silêncio
ao povo, aguardando o aviso de alguém. Em seguida, pediu aplausos
enquanto lia um texto que mencionava as qualificações de Jock Ashmore.
Ele disse que Jock era o um dos principais investigadores da
Comunidade Global, responsável sozinho pela captura e prisão de Chloe
Steele Williams, a terrorista anti-Carpathia de maior periculosidade que
havia sido detida até aquela data. O povo aplaudiu aos gritos.
- Obrigado - Jock começou a dizer. - Hoje vamos realizar 36
execuções: 21 por assassinato, dez por recusa a receber a marca de
lealdade, quatro por crimes contra o Estado, e uma por todas estas
acusações e outras tantas.
O povo aplaudiu, gritou, vaiou e assobiou.
- Para mim, é uma satisfação dizer que, apesar de Chloe Steele
Williams não ter concordado em receber a marca de lealdade a nosso
supremo potentado, ela nos forneceu informações detalhadas sobre seus
companheiros no mundo inteiro, o que nos ajudará a erradicar de vez os
judaístas que estão fora de Petra e a pôr um fim na cooperativa de mercado
negro.
O povo aplaudiu freneticamente.
- Falaremos mais dessa mulher quando ela se tornar, hoje, a 36ª
paciente da Dra. Guilhotina.
Depois que o povo finalmente se acalmou, Jock prosseguiu:
- Esta manhã, começaremos pela fila sete com um homem que
assassinou sua esposa e dois filhos pequenos.
Chloe olhou de relance para um monitor de TV que mostrava uma
cena terrível dos corpos mutilados dos meninos.
Deus, dá-me força, ela orou silenciosamente. Permite que eu me
mantenha concentrada em ti.
Uma mulher bem à frente de Chloe, pálida, de aspecto doentio e
sem a marca de lealdade, virou-se de repente para ela e perguntou:
- Você é Chloe Williams?
Chloe assentiu com a cabeça.
- Eu não quero morrer e não sei o que fazer!
Obrigada, Senhor.
- Se a senhora sabe quem eu sou - disse Chloe -, sabe de que
lado estou.
- Sim.
- Sua única esperança é depositar sua fé em Cristo. Reconheça
que é pecadora, que está separada de Deus. A senhora não pode salvar
a si mesma. Jesus morreu na cruz pelos seus pecados e, se a senhora
acreditar nisto, diga a Deus e peça-lhe que a salve por meio do sangue
de Cristo.
- Mesmo assim, eu vou morrer?
- A senhora vai morrer, mas estará com Deus.
A mulher ajoelhou-se e cruzou as mãos, clamando a Deus. Um
guarda apontou para um dos coletores e, depois, para a mulher. O
homem levantou-se de um salto e correu na direção dela. Quando ele
estava prestes a agarrá-la, Chloe abaixou o ombro e investiu contra ele.
O cotovelo dela atingiu a boca do homem e empurrou sua cabeça
para trás. Ele caiu no chão, gritando e cuspindo dentes e sangue. A
mulher continuou a orar. Finalmente, levantou-se. O homem fez um novo
movimento em direção à mulher, mas Chloe apontou para ele, o que o fez
fugir em disparada.
- Eu orei - disse a mulher -, mas continuo apavorada. Como sei se
deu certo?
- Deixe-me olhar para a senhora - disse Chloe. Ela viu o selo dos
crentes em sua testa. - O que a senhora está vendo em minha testa?
- Um sinal, como se fosse em 3D. Ela esticou o braço para tocá-lo.
- Eu também vejo o mesmo sinal na senhora - disse Chloe. -
Somente os filhos de Deus são selados com esse sinal. Não importa o
que vai lhe acontecer hoje. A senhora pertence a Deus.
O povo gargalhou quando os coletores tentaram arrastar o
primeiro homem para a guilhotina, puxando-o pelos cabelos. Ele fincou os
pés no lugar, chutou e gritou. Em seguida, começou a cair e teve de ser
forçado a ficar em pé. O homem se contorceu e lutou de tal maneira que
foram chamados dois coletores extras para segurá-lo no lugar. Quando o
executor assegurou-se de que os coletores haviam se afastado, ele
puxou a corda para descer a imensa lâmina.
A lâmina enferrujada, enegrecida de sangue, enroscou
ligeiramente no momento de atingir o pescoço da vítima. Chloe
estremeceu quando ela afundou apenas alguns centímetros. O homem
fez um movimento brusco, pulou para trás e agrediu os coletores que
tentavam dominá-lo.
Depois de conseguir livrar-se deles, o homem girou o corpo e
começou a cambalear, esguichando sangue para todos os lados. Os
coletores se protegeram, rindo e ridicularizando dele quando o executor
bateu com força na lâmina para endireitá-la e levantou-a novamente.
Dois coletores agarraram o homem e forçaram-no a ficar na
posição correta. A corda foi puxada novamente e, desta vez, a lâmina
completou o trabalho. Pela reação demonstrada pelo povo, aquela era a
maneira perfeita de iniciar o dia.
- A seguir - disse Jock -, executaremos os primeiros dez da fila
daqueles que se recusaram a receber a marca, com exceção de nossa
convidada de honra, é claro. Deixaremos o melhor para o fim.
Antes que ele pudesse prosseguir, Calebe apareceu no meio do
pátio, com todo seu esplendor, entre Chloe e Jock. Ele parecia ter uns
quatro ou cinco metros de altura. Seus trajes eram tão brancos que,
quando Chloe se virou para ver a reação do povo, ficou claro que a luz
ofuscara os olhos de todos.
Eles gritaram e ficaram imóveis. Chloe viu Jock virar-se para ver o
que havia deixado o povo tão apavorado. Ele caiu, segurando o microfone
e com os olhos arregalados, aparentemente incapaz de se mexer.
Quando Calebe falou, o chão tremeu e um vento fez levantar uma
poeira. Chloe tinha certeza de que todos queriam fugir dali, mas não
podiam.
- Eu vim em nome do Deus Altíssimo - ele começou a dizer. - Ouvi
a minha voz e prestai atenção às minhas palavras. Aqueles que me
desprezarem, estarão em perigo. "Rendam graças ao SENHOR por sua
bondade e por suas maravilhas para com os filhos dos homens!" (Sl
107.8).
- "Pois dessedentou a alma sequiosa e fartou de bens a alma
faminta. Os que se assentaram nas trevas e nas sombras da morte,
presos de aflição e em ferros, por se terem rebelado contra a palavra de
Deus, e haverem desprezado o conselho do Altíssimo" (Sl 107.9-11).
- "Então, na sua angústia, clamaram ao SENHOR, e ele os livrou
das suas tribulações. Tirou-os das trevas e das sombras da morte, e lhes
despedaçou as cadeias" (Sl 107.13,14).
- Assim diz o Filho do Deus Altíssimo: "Eu sou a ressurreição e a
vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê
em mim não morrerá, eternamente" (Jo 11.25,26).
- Mas ai daqueles que não derem atenção à minha admoestação
neste dia. Assim diz o Senhor: "Se alguém adora a besta e a sua imagem
e recebe a sua marca na fronte ou sobre a mão, também esse beberá do
vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e
será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na
presença do Cordeiro" (Ap 14.9,10).
- "A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e
não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da
besta e da sua imagem e quem quer que receba a marca do seu nome"
(Ap 14.11).
QUATORZE
Sentado no meio do centro de tecnologia de Petra, Chang
finalmente compreendeu o significado de não desgrudar os olhos da tela
da TV, conforme diziam os ocidentais. Ele estava preparado para
interromper a transmissão, tirá-la do ar antes que alguém visse a
execução de Chloe.
Contudo, a aparição daquele mensageiro de Deus, advertindo os
indecisos para que não recebessem a marca e suplicando que
aceitassem a Cristo, era algo que o mundo necessitava ver e ouvir mais
uma vez.
Nos últimos meses, o mundo inteiro foi informado sobre o
aparecimento de anjos nos locais da aplicação da marca e das
guilhotinas. Era difícil acreditar em alguns desses relatos, mas Tsion Ben-
Judá explicou que eles se encaixavam perfeitamente no amor e bondade
de Deus.
Chang olhou de relance para o local onde os anciãos estavam
sentados na frente de um telão. Um pouco adiante deles, centenas de
digitadores aguardavam instruções.
O sol do fim de tarde lançava raios oblíquos através da porta, a
uns 30 metros de Chang, e ele se comoveu às lágrimas ao ver a chegada
do maná. Proporcionando alimento para seu povo escolhido, protegendo
e emocionando Chang, confortando Chloe e enviando mensageiros para
anunciar o Evangelho eterno... Deus era o supremo obreiro das mil e uma
funções.
Um telefone tocou e Naomi atendeu. Pela leitura labial, Chang
entendeu o que ela disse quando se aproximou de Tsion.
- Buck quer falar com o senhor.
- Cameron, meu amigo! Como deve estar sendo difícil para você...
Não, lamento muito, filho. Não conheço fato algum em que o portador do
Evangelho eterno tenha interferido na sentença... Sim, é claro que Deus
pode realizar um milagre, mas eu o advirto a estar preparado para
qualquer resul...
***
Rayford questionou a decisão que tomara de estar em pleno vôo
durante a transmissão. Ele acionou o piloto automático e ficou só
observando, mas temia o momento que estava prestes a chegar e se
perguntava quando recobraria a confiança em si mesmo para reassumir o
controle da aeronave.
Bem, ele pensou, não havia escolha. Talvez esta fosse a melhor
terapia. Se não quisesse ver Chloe, Buck e ele próprio morrerem no
mesmo dia, precisava manter o equilíbrio mental.
Pobre Buck! Falando ao telefone com Tsion e, aparentemente,
não ouvindo o que esperava. Rayford queria consolá-lo, mas Buck era o
tipo de pessoa que só aceitava uma palavra de conforto depois de
terminada a crise. Naquele momento ele estava argumentando com
Tsion. Quando o mensageiro de Deus olhou para a multidão paralisada e
viu os nove indecisos restantes, ajoelhados, chorando, Buck pressionou
Tsion.
- Deus enviou seu mensageiro para lá, doutor! Por que é tão difícil
interferir? Por que Ele não a tira de lá e nos devolve? Você sabe que Ele
pode fazer isso! Ele também podia ter nos avisado onde ela estava. O
que eu fiz ou deixei de fazer para merecer tão pouca consideração?
***
Chang voltou a olhar a tela para ter certeza de que não havia
perdido nada, mas ainda podia ouvir Tsion aconselhando Buck com toda
sinceridade.
- Cameron - disse Tsion -, é sua emoção que está falando. Você
sabe muito bem que este período inteiro, o período da Tribulação, não se
refere a nós individualmente. Deus tem um plano grandioso. É o auge da
batalha entre o bem e o mal que tem atravessado milênios. Ele está
reconciliando seu povo consigo. Devemos ser gratos por termos sido
incluídos. Ele tem um cenário maior em mente, que também é uma prova
de seu amor eterno para conosco. Confie nele, meu amigo. Confie nele
sejam quais forem as circunstâncias.
***
Chloe sentia como se já estivesse no céu. O brilho de Calebe a
impedira de presenciar a morte horrenda da primeira vítima. Ela viu Jock
levantar-se com dificuldade e limpar a poeira do uniforme.
- Por favor, pessoal, ninguém deve sair daqui. Temos notícias
dessas aparições em outros locais, embora esta seja a primeira visita que
recebemos aqui. Trata-se de um truque perpetrado pelos espiritualistas
que fazem parte do grupo dos rebeldes. Talvez devêssemos perguntar ao
intruso se podemos prosseguir com nossa programação.
Ele se virou e olhou para Calebe, fingindo mais medo do que
realmente sentia. Chloe percebeu que ele não conseguira convencer a
multidão de que aquilo era real.
- Por gentileza, senhor - disse Jock, com a voz destilando
sarcasmo -, podemos continuar?
A voz de Calebe, muito mais alta agora, ecoou nos muros da
prisão.
- Você foi julgado e considerado culpado por seus crimes contra o
Deus Altíssimo. Está condenado à morte por ostentar a marca do
demônio. Não há nada que você possa fazer para fugir de seu destino.
Você beberá do vinho da cólera de Deus por ter adorado a besta e sua
imagem e recebido sua marca. Será atormentado com fogo e enxofre
diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. E não terá descanso,
nem de dia nem de noite.
- Tudo o que o Senhor Deus pensa certamente acontecerá, e o
que Ele decide jamais mudará, porque está escrito em sua Palavra:
"Jurou o SENHOR dos Exércitos, dizendo: Como pensei, assim sucederá,
e como determinei, assim se efetuará" (Is 14.24).
Jock encarou Calebe com as sobrancelhas erguidas. A seguir,
olhou para a multidão e encolheu os ombros.
- A pergunta é simples... - ele disse, e o povo riu nervosamente. -
Entendo que esta é uma indicação de que podemos prosseguir, porque...
prestem atenção... se ele estiver certo e nós estivermos na mira de Deus,
esse mesmo Deus poderá acionar o gatilho quando quiser. Mas vejam
quem está morrendo aqui hoje. Quem? Vocês estão entendendo? Quem
está morrendo? Quero que me respondam!
Ninguém respondeu.
- Esse tal povo de Deus! - disse Jock. - Aqueles que o adoram em
vez de adorar o deus verdadeiro e nosso supremo potentado, Nicolae J.
Carpathia! Vamos, minha gente, não se intimidem diante de fantasmas
enormes, luminosos e transparentes. Ah, sim, ele é uma figura
assustadora. Mas só conseguiu interromper um programa de TV e...
vejam bem... torná-lo melhor ainda! Será que tudo isto não passa de uma
encenação ou coisa parecida? O inimigo aparece para brandir a espada,
mas ele não mudou nada! Vocês estão aqui para ver cabeças sendo
cortadas, e é o que vão ver. Essas pessoas podem chorar, orar e suplicar
o quanto quiserem, mas vão morrer!
Chloe se emocionou ao constatar que, dos nove indecisos que se
levantaram, seis tinham o selo dos crentes na testa. Devia ter acontecido
alguma coisa no íntimo deles, porque levantaram as mãos e sorriram,
mesmo sabendo que morreriam. Os outros três estavam desolados, e
Chloe supôs que eles fizessem parte dos que tinham o coração
endurecido. Talvez tivessem desejado mudar de idéia, mas demoraram
demais.
Apesar de toda a sua empáfia, Jock devia estar mais temeroso de
Calebe do que deixara demonstrar ou queria cumprir à risca a
programação da TV.
- Vamos esquecer essas coisas por alguns instantes, está certo? -
ele disse. - Quero que sete dos dez que não têm a marca de Carpathia
fiquem na frente de cada guilhotina, todos ao mesmo tempo. Já! Vamos!
Coletores, comecem a trabalhar! Executaremos todos de uma vez e
retornaremos à programação. Se ainda existe alguém que deseja receber
a marca, que diga agora.
A mulher na frente de Chloe e os seis que receberam o selo de
Deus na testa não saíram do lugar. Os outros três arrastaram-se até o
local onde se encontravam os aplicadores da marca.
Dois coletores agarraram os sete restantes que não possuíam a
marca de Carpathia, inclusive a mulher na frente de Chloe. A mulher
virou-se e as duas se abraçaram.
- Seja forte e confie em Deus - disse Chloe.
A mulher foi arrastada até a guilhotina do meio. Nenhum dos sete
lutou, esperneou ou teve de ser forçado a ajoelhar-se e colocar o pescoço
no lugar.
- Vamos executar três de uma vez! - gritou Jock.
O povo, embora assustado diante da presença daquele
desconhecido, de tamanho descomunal e brilhante, começou a vibrar
antecipadamente.
Chloe abaixou a cabeça e fechou os olhos, determinada a não
presenciar a execução dos filhos de Deus. Porém, mesmo com os olhos
fechados, ela notou alguma coisa diferente. Levantou a cabeça e viu que
o brilho de Calebe havia tomado conta do pátio inteiro. A claridade era tão
intensa que ninguém conseguia enxergar nada. Aquilo provocou um
estrago nas câmeras de TV, e os operadores e técnicos começaram a
gritar pedindo ajuda, implorando a Jock que aguardasse.
- Não vamos retardar nossa programação por causa deste truque
do inimigo! - disse Jock. Em seguida, contou até três. O som aterrador
das lâminas pesadas ecoou, e o povo aplaudiu. Mas a luz intensa não
permitiu que ninguém presenciasse as mortes, nem o pessoal dali nem os
que estavam assistindo o espetáculo pela TV no mundo inteiro.
***
Chang recostou-se na cadeira e analisou a tela. A seguir, fez um
sinal para que Naomi se aproximasse.
- Você viu isto? - ele perguntou. - Se o anjo fizer o mesmo com
Chloe, não vamos precisar interromper a transmissão. Ele fará o serviço
para nós.
- Ele desapareceu - disse Naomi. - Veja.
Ela estava certa. O pátio da prisão parecia ter voltado ao normal.
As execuções prosseguiram na meia hora seguinte, de acordo com o
programado, cada morte precedida das mesmas preliminares:
representações gráficas dos crimes dos condenados.
Após o desaparecimento de Calebe, a reação do povo retornou ao
normal: assobios, vaias, gritos e aplausos. Os coletores estavam sujos de
sangue e de poeira. Pareciam embriagados de emoção por estar
realizando aquela tarefa.
Chloe, em pé sob o sol quente por mais de uma hora, evitou olhar
para aquele cenário de horror. Enfraquecida pela fome, ressequida pela
sede e zonza por estar em pé, ela lutou para controlar as emoções. Orou
o tempo todo suplicando a Deus que lhe concedesse uma oportunidade
de falar em seu nome e que ela fosse capaz de expressar o que tinha em
mente.
Chloe sentiu a falta de Calebe. Enquanto ele esteve ali, ela
parecia estar recebendo o brilho da glória e sentindo a presença de Deus.
Agora, sabia que Deus estava a seu lado, mas era necessário ter mais fé
ainda. Ela procurou concentrar-se no pensamento de que, dentro de
alguns instantes, estaria na presença do Deus Todo-Poderoso e se
emocionou diante da idéia de que, em breve, se ajoelharia aos pés de
Jesus.
Mas, naquele momento, ela estava em pé sob o forte calor do dia,
recebendo poeira de todos os lados. Notou os olhares de simpatia dos
funcionários que haviam aplicado a marca nos condenados. Eles já
estavam acostumados a isso, tinham visto a "convidada de honra" ser
ridicularizada e humilhada, como se a decapitação não fosse suficiente.
Mais de 30 minutos depois que Calebe o interrompera, Jock se
mostrava envaidecido. Ele se dedicara à tarefa e, conforme Chloe
imaginava, podia antecipar o gosto da promoção e já se via nos
corredores do poder em Al Hillah em companhia do potentado.
Ainda de frente para o povo, Jock pegou um microfone sem fio e
começou a caminhar em direção a Chloe.
- E agora chegou o momento pelo qual tanto aguardamos - ele
anunciou, e o povo o aplaudiu.
Quando chegou perto de Chloe, ele tocou em seu ombro e a virou
de frente para a platéia. Continuou ali com o braço ao redor dela. Embora
enojada, Chloe surpreendeu-se com a gentileza dele. Com os dedos
esticados e a mão aberta, ele a amparava, segurando-lhe o ombro. Ela
queria desvencilhar-se e cuspir nele, mas sabia que estava sendo vista
pelo mundo inteiro e aquela era sua última oportunidade de causar
impacto e conduzir muitas pessoas a Cristo.
- É nosso costume conceder a um prisioneiro famoso o direito de
proferir suas últimas palavras - disse Jock. - Mas, neste caso, eu estou
em dúvida. O que vocês acham?
Alguns gritaram:
- Acabe logo com isso! Mate essa mulher! Queremos ver essa
linda cabecinha dentro de um cesto!
Outros batiam palmas e gritavam:
- Permita que ela fale!
Jock olhou para a diretora de TV, e Chloe viu a mulher sinalizar
que havia tempo para ser preenchido.
- Eu não sei - ele disse. - Devo ou não devo? O povo começou a
gritar novamente.
- Enquanto pensamos no assunto - ele prosseguiu -, vamos ver o
teipe dos crimes que estamos punindo hoje.
As vaias e os gritos recomeçaram quando as telas de TV
mostraram uma história totalmente falsa, atribuindo todos os tipos de
maldades a Chloe, aos judaístas, ao Comando Tribulação e à
Cooperativa Internacional de Mercadorias.
Chloe surpreendeu-se ao ver que ela e seus companheiros foram
responsabilizados por grande parte das pragas e julgamentos que tinham
vindo do céu nos últimos seis anos.
Finalmente, as acusações falsas contra ela, seu pai e seu marido
foram exibidas, acompanhadas da fotografia falsificada de um menino de
dois anos ao qual ela, supostamente, dera o nome de Jesus e declarara
que ele era a encarnação de Deus.
- Além de tudo - disse Jock -, esta mulherzinha mudou
completamente de atitude quando ficou sabendo que ia morrer. Para
proteger sua família, particularmente seu filho deus que assumiu a figura
humana, ela cantou como um canarinho atrás das portas fechadas. Ela
nos forneceu tantas informações que temos de admitir que Chloe Steele
Williams nos ajudou sobremaneira a eliminar os últimos vestígios da mais
significativa rebelião que a Nova Ordem Mundial já enfrentou.
O povo vibrou aos gritos.
- Podemos afirmar que ela disse o suficiente! Talvez tenha
fornecido informações mais que suficientes! Talvez seja melhor
permitirmos que ela fale! O que vocês acham?
Mais aplausos, batidas de pés no chão, gritos.
- A Sra. Williams entregou seus amigos, parentes e companheiros
de conspiração, mas se recusou a prometer lealdade ao verdadeiro deus
deste mundo, o ressurrecto Nicolae Carpathia.
Vaias tomaram conta do pátio.
- E agora Sra. Williams - ele disse virando-se para ela -, creio que
estamos prontos para prosseguirmos com a sentença, a menos que
esteja pronta para mudar de idéia.
Chloe esticou o braço para pegar o microfone, mas Jock o
segurou com força.
- Ah, ah, ah! - ele disse. - Nada de privilégios, a não ser que você
esteja disposta a aceitar a marca de lealdade ao trono do líder da
Comunidade Global.
Ela, porém, continuou com o braço esticado, e agora estava com
as duas mãos no microfone.
- Estamos presenciando um momento histórico, não é mesmo,
pessoal? - disse Jock. - Você está entendendo, Sra. Williams, que, se
pegar este microfone, está aceitando receber a marca de Carpathia?
Chloe pegou o microfone. Jock virou-se para o povo com os
braços esticados para a frente e recebeu uma enorme ovação.
- Jock, você me garantiu que, se dependesse de sua vontade, eu
poderia dizer algumas palavras. Depende de você?
Jock quis pegar o microfone.
- Eu não disse isso! Você só vai poder falar se receber a marca.
Calebe apareceu atrás de Chloe e levantou um dedo, fazendo um
gesto negativo para Jock.
Jock ficou paralisado e tombou para trás, com o braço ainda
esticado para pegar o microfone. O povo riu ao ver Jock com o rosto
vermelho, transpirando e sem poder se mexer.
Chloe virou-se para a platéia e falou meigamente.
- Certa vez, um mártir famoso disse que lamentava ter apenas
uma vida para entregar. É assim que me sinto hoje. Na cruz, morrendo
pelos pecados do mundo, meu Salvador, Jesus, o Cristo, orou: "Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lc 23.34).
- Vocês querem saber qual é minha preferência pessoal? Minha
escolha? Eu gostaria de estar com minha família, com pessoas que amo,
com meus amigos, até o glorioso aparecimento de Jesus, que vai voltar.
Mas este é o meu quinhão, e eu o aceito. Quero expressar meu amor
eterno a meu marido e a meu filho. E um agradecimento eterno a meu
pai, que me levou a conhecer a Cristo.
- Um famoso estadista missionário, que morreu como mártir,
escreveu certa vez: "Não é tolo aquele que dá o que não pode manter
para ganhar o que não pode perder." Ele estava falando de sua vida na
terra comparada à vida eterna com Deus. Minha natureza humana não
deseja uma morte igual às que vocês presenciaram 35 vezes hoje. Mas,
para ser franca, em meu espírito, estou aguardando ansiosamente a
chegada desse momento, porque estar ausente do corpo é estar presente
com o Senhor. O próprio Jesus disse a seu Pai na hora da morte: "Nas
tuas mãos entrego o meu espírito" (Lc 23.46).
- E agora, "...segundo a minha ardente expectativa e esperança
[...] em nada serei envergonhado; antes, com toda a ousadia, como
sempre, também agora, será Cristo engrandecido no meu corpo, quer
pela vida, quer pela morte. Porquanto, para mim o viver é Cristo, e o
morrer é lucro. Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o
desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor"
(Fp 1.20,21,23).
- E para meus companheiros que lutam pela causa de Deus no
mundo inteiro eu digo: "Tende em vós o mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não
julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se
esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de
homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou,
tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz" (Fp 2.5-8).
- "Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o
nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se
dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua
confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai" (Fp 2.9-11).
- "Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do
que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera
em nós..." (Ef 3.20) "e para vos apresentar com exultação, imaculados
diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus
Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de
todas as eras, e agora, e por todos os séculos" [Judas 24,25].
- Buck e nosso querido filhinho, saibam que eu amo vocês e que
os estarei aguardando do lado de dentro do Portão Leste.
Chloe se curvou e colocou o microfone no peito imóvel de Jock.
Sem precisar de escolta, ela caminhou até a base da guilhotina do meio.
Quando ela se ajoelhou e colocou a cabeça debaixo da lâmina, o brilho
de Calebe ofuscou os olhos das pessoas do mundo inteiro. Chloe ouviu
apenas a corda ser puxada e a descida da lâmina mortal afiada que a
conduziu à vida eterna.
INTERLÚDIO
Quinze horas mais tarde, Buck desceu penosamente do avião de
Rayford, exausto por causa da longa viagem e com os olhos turvos,
porém ansioso demais para carregar o filho nos braços.
Abdullah os aguardava com um carro na pista, nos arredores de
Petra. Ele havia levado Ming, que carregava o menino. Buck pegou
Kenny e o apertou com força de encontro ao peito, derramando lágrimas
nas costas do filho.
Enquanto os cinco se dirigiam para Siq, a entrada estreita de
acesso a Petra, Abdullah informou o pessoal de lá, pelo rádio, sobre o
horário previsto da chegada deles.
- Espero que não se importe, Buck - ele disse -, mas o. Dr. Ben-
Judá gostaria de realizar o culto em memória de Albie e Chloe assim que
você e Rayford chegarem lá.
Buck ficou atônito diante da multidão que os aguardava. Centenas
de pessoas haviam se reunido no lugar alto, de onde era possível ouvir o
som forte da correnteza do riacho. O pessoal abriu caminho para que os
amigos mais próximos de Buck e Chloe se reunissem à frente da
multidão. Com um pouco de dificuldade por ter os braços de Kenny
enroscados com força em seu pescoço, Buck sentou-se na parte plana de
uma rocha e contemplou a cena.
Tsion e Chaim estavam em pé no meio, aguardando o povo se
acomodar. Formando um meio círculo, de frente para Buck, Kenny e
Rayford, estavam George e Priscilla Sebastian e Beth Ann. Ao lado deles,
Buck avistou Ree Woo e Ming Toy de mãos dadas. Também estavam
presentes Lionel Whalum e sua esposa, Felicia, acompanhados de Leah
Rose e Hannah Palemoon, todos recém-chegados de Illinois.
Buck fez um sinal com a cabeça para cumprimentar Zeke, em pé
perto de Abdullah e Mac. Um pouco mais adiante, Buck avistou Chang
sentado em uma rocha com sua nova amiga Naomi, ambos
demonstrando estar à vontade um com o outro. Buck notou o olhar de
Eleazar Tiberias, pai de Naomi, vigiando a filha.
Tsion levantou a mão pedindo silêncio. Começou a falar em voz
baixa, mas Buck teve a impressão de que todos podiam ouvi-lo apesar do
ruído da correnteza.
- Hoje, eu trouxe comigo minha Bíblia pessoal. Conforme vocês
devem saber, os anciãos daqui, o Dr. Rosenzweig e eu estamos
estudando constantemente a Bíblia, comentários e dicionários bíblicos,
procurando encontrar uma explicação para o que está acontecendo
nestes últimos dias.
- São buscas de cunho acadêmico. Ao mesmo tempo em que elas
têm relação com a vida cotidiana daqui, também são exercícios
devocionais muito úteis. Diariamente, vemos em cada página as mãos do
próprio Deus trabalhando para cumprir sua vontade em nosso meio e
neste mundo.
- Mas hoje eu trago a Palavra de Deus que, além de fazer parte de
minha biblioteca teológica, é o livro que tenho estudado desde alguns
anos antes do Arrebatamento.
Conforme vocês sabem, minha vida mudou quando descobri que
Jesus era o Messias que eu tanto aguardava. Essa descoberta não se
deu apenas por causa do Arrebatamento, mas porque eu também tinha
sido encarregado de estudar as profecias referentes ao Messias.
- Para fazer esse estudo, tive de comprar um exemplar do Antigo
e do Novo Testamentos, o que me causou, na ocasião da compra, um
enorme constrangimento. Eu não queria ser excomungado por meus
colegas nem por meu Deus.
- Tomei conhecimento da verdade antes que o Arrebatamento a
comprovasse para mim; logo a seguir, aceitei o verdadeiro Messias e
passei a acreditar nele. De repente, este livro - Tsion ergueu a Bíblia -
passou a ser o meu pão diário. Esta Bíblia, um livro que na época era
necessário apenas para pesquisas de textos e que comprei com o rosto
corado de vergonha, passou a ser o bem mais precioso que possuo.
- Quando minha família foi trucidada, eu me apeguei
desesperadamente a ela para continuar a viver. Minha Bíblia tornou-se
um símbolo material, um talismã como alguém diria, da Palavra de Deus
que me fez conhecer Jesus, o Cristo, o Messias, o Filho do Deus vivo, o
Cordeiro que foi imolado para levar consigo os pecados do mundo. Li,
certa vez, a história de um grande teólogo cuja Bíblia pessoal se lhe
tornou tão preciosa que às vezes ele se via acariciando-a, como se fosse
um filho, uma filha ou um cônjuge. Aquilo me pareceu estranho, mas
passei a entender o significado da Bíblia e a identificar-me com ela.
- Eu amo este livro! Eu amo esta Palavra! Eu amo seu autor e amo
o Senhor que ela representa. E por que estou falando da Palavra de Deus
hoje, neste dia em que estamos com o coração pesaroso demais,
lembrando-nos de dois companheiros tão queridos?
- Porque Albie e Chloe eram pessoas da Palavra. Oh, como eles
se deliciavam com a carta de amor de Deus endereçadas a ambos e a
nós! Albie era o primeiro a dizer que não tinha estudos, que mal sabia ler.
Ele cursou apenas a faculdade da vida; aprendeu a caminhar sozinho
pelo mundo e se tornou, rapidamente, uma pessoa astuta e sarcástica.
Porém, sempre que se lhe apresentava uma ocasião, quando podia
sentar-se para estudar a Bíblia, ele tomava notas e fazia perguntas,
assimilava seus ensinamentos. A Palavra de Deus foi fundamental em
sua vida. Mudou seu modo de ser. Ajudou-o a transformar-se no homem
que foi até o dia de sua morte.
- E Chloe, nossa querida irmã, foi um dos membros fundadores do
pequenino Comando Tribulação que, hoje, é tão grande. Todos os que a
conheceram adoravam sua personalidade marcante, seu intelecto, sua
coragem. Que grande esposa e mãe ela foi! Jovem, porém muito
dinâmica, ela transformou a Cooperativa Internacional de Mercadorias em
uma empresa que manteve vivos milhões de pessoas do mundo inteiro,
pessoas que recusaram a marca do anticristo e perderam o direito legal
de comprar e vender.
- Nas várias casas secretas em que morei nos últimos seis anos,
convivi com Chloe e sua família. Era comum encontrá-la lendo a Bíblia,
memorizando versículos, e empenhando-se em transmiti-los a outras
pessoas. De vez em quando, ela me entregava sua Bíblia e me pedia que
conferisse se os versículos decorados estavam corretos, palavra por
palavra. E ela sempre queria saber o significado exato de cada um. Não
lhe bastava conhecer o texto; ela queria que ele se tornasse vivo em seu
coração, em sua mente, em sua vida.
- Para aqueles que sentirão uma falta terrível, profunda e dolorosa
de Chloe até o dia em que a veremos novamente em glória, eu ofereço o
único conselho que me manteve a mente sã quando minha querida
família foi arrancada de mim de maneira tão cruel. Segurem firme na mão
imutável de Deus. Apeguem-se à sua Palavra. Apaixonem-se novamente
pela Palavra de Deus. Agarrem as promessas da mesma forma que um
cãozinho agarra as pernas da calça do seu dono com os dentes, sem
soltá-las jamais.
- Buck, Kenny e Rayford, não compreendemos o que aconteceu.
Não somos capazes de compreender. Somos seres finitos. A Bíblia diz
que o conhecimento é tão passageiro que um dia desaparecerá,
"...porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos. Quando,
porém, vier o que é perfeito...", e, oh!, meus amados, o que é perfeito está
vindo, "...então, o que é em parte será aniquilado" (1 Co 13.9,10).
- "Quando eu era menino, falava como menino, sentia como
menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das
cousas próprias de menino. Porque, agora, vemos como em espelho,
obscuramente; então, veremos face a face..." (1 Co 13.11,12).
- Vocês ouviram a promessa, o "então"? Que maravilha podermos
nos regozijar com os entãos da Palavra de Deus! O então está se
aproximando, meus queridos! O então está se aproximando.
Tsion sentou-se e abriu a Bíblia no colo.
- Enquanto choramos, não como fazem os idólatras, a perda de
nossos amados irmãos em Cristo, quero encerrar este culto com as
palavras do salmista: "Preciosa é aos olhos do SENHOR a morte dos seus
santos. SENHOR, deveras sou teu servo, teu servo, filho da tua serva;
quebraste as minhas cadeias. Oferecer-te-ei sacrifícios de ações de
graças e invocarei o nome do SENHOR" (Sl 116.15,16,17).
- "Cumprirei os meus votos ao SENHOR, na presença de todo o seu
povo, nos átrios da Casa do SENHOR, no meio de ti, ó Jerusalém. Aleluia!"
(Sl 116.18,19).
- "Louvai ao SENHOR [...] louvai-o, todos os povos. Porque mui
grande é a sua misericórdia para conosco, e a fidelidade do SENHOR
subsiste para sempre. Aleluia!" (Sl 117.1,2).
- "Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom, porque a sua
misericórdia dura para sempre" (Sl 118.1).
- "Diga, pois, Israel: Sim, a sua misericórdia dura para sempre" (Sl
118.2).
QUINZE
Seis anos e cinco meses e meio dentro da Tribulação
Ree e Ming casaram-se em uma cerimônia simples, realizada por
Tsion, alguns dias após o culto em memória de Albie e Chloe. O
relacionamento de Chang e Naomi havia florescido, mas eles foram
aconselhados a adiar o noivado para depois do Glorioso Aparecimento.
Rayford havia reorganizado o Comando Tribulação ao longo de
vários meses. Mac, Abdullah e Ree tornaram-se os pilotos principais.
Lionel Whalum, depois de meses voando de um lado para o outro,
apresentou-se como voluntário para assumir a direção da cooperativa,
tendo Ming como assistente e Leah e Hannah como colaboradoras.
Chang idealizou um plano brilhante para "grampear" a reunião
internacional dos chefes de Estado da CG em Bagdá. Pelo fato de ter
acesso diário ao computador principal de Nova Babilônia, ele descobriu
que Leon Fortunato havia encarregado alguém de transmitir, por controle
remoto, os registros das atividades diárias do governo para fins de duplicação
e divulgação.
A grande oportunidade surgiu quando Chang descobriu que o
governo estava abrindo concorrência para contratar a instalação de um
serviço de som para o grande evento, no salão de conferências. Ele
contou seu plano a Naomi.
- É espetacular - ela disse -, e acho que o capitão Steele também
vai gostar. Seria bom você trocar idéia com ele logo, não?
No final de uma noite, Chang convidou Rayford para ir ao centro
de tecnologia.
- Meu plano é este - ele disse a Rayford. - A identidade de Ree
Woo nunca levantou suspeitas, e o nome dele não é conhecido pela CG.
Formulei um dossiê mencionando que ele estudou numa faculdade de
tecnologia e é proprietário de uma pequena empresa de engenharia de
som na Coréia do Sul, chamada Woo e Associados.
- Presumo que essa empresa não existe.
- Claro. Como o senhor pode ver, registrei Ree como um cidadão
leal bem conceituado da Região 30, com uma longa lista de clientes
satisfeitos. Se alguém cruzar estas informações com as dos clientes, eles
confirmarão tudo. Já sei quais são os preços dos concorrentes para a
instalação do som, por isso posso fazer uma oferta mais baixa para que
Woo ganhe a concorrência.
- E daí?
- Incluí vários avisos dizendo que ele prefere ter uma equipe
pequena e trabalhar rapidamente à noite, para que outros sons não
interfiram nos ajustes que devem ser feitos. Não será difícil instalar o som
na sala principal e trabalhar com a CNNCG. Posso ensinar Ree e você
como fazer isso em um dia ou dois. Vamos dizer à CG que o trabalho vai
demorar o dobro do tempo normal, para que vocês possam ter acesso ao
principal salão de conferências, onde sabemos que Carpathia e seu
gabinete planejam reunir-se com os potentados regionais. Vai ser um
pouco complicado instalar uma escuta clandestina lá, mas posso ensinar
a vocês como fazer isso.
- Eu adoraria fazer esse serviço pessoalmente - Chang prosseguiu
-, mas Zeke teria muito trabalho para me deixar irreconhecível perante as
pessoas com quem trabalhei durante tanto tempo. Minha idéia é ensinar
Buck e George como fazer a instalação. Enquanto você e Ree instalam o
sistema de som básico no salão grande, eles poderão entrar na sala de
reuniões e deixar tudo pronto.
- Ree é o único que tem a aparência de coreano, Chang. Buck,
George e eu somos muito corpulentos.
- Isso é fácil. De qualquer forma, a equipe de trabalho terá de ser
aprovada antecipadamente, por isso não haverá problemas em incluir
todos vocês com as aparências e nacionalidades que Zeke escolher para
cada um. O Sr. Woo vai explicar que está usando uma equipe
internacional de alto gabarito para fazer o melhor trabalho possível.
- Gostei da idéia, Chang. Precisamos reunir todo o pessoal
envolvido, principalmente Zeke. Ele terá de confeccionar uniformes da
empresa e providenciar disfarces e documentos para todos.
Tudo correu às mil maravilhas. Zeke foi um artista e transformou
George e Rayford em dois homens bem mais velhos. Buck precisou
receber um tom rosado nas bochechas para ficar semelhante a um
australiano. Todos passaram rapidamente a estudar eletrônica. Buck
aprendeu tudo com facilidade, porque, na opinião de Chang, necessitava
muito se concentrar em um novo trabalho.
***
Na época, houve um contratempo que se tornou útil, conforme
Rayford descobriu posteriormente. A única representante do gabinete da
CG responsável pela entrada da empresa Woo e Associados no salão de
conferências era uma mulher que não foi contemporânea de Rayford e
Buck quando eles trabalharam para Carpathia.
Ela não desconfiou de nada, e os dois se tranqüilizaram por estar
lidando com uma pessoa estranha. Os demais membros do governo
continuavam escondidos em Al Hillah, mas a mulher deixou escapar que,
quando o salão estivesse pronto para as reuniões, o governo se mudaria
para lá dentro de algumas semanas.
Rayford ficou impressionado com a habilidade de Ree em fingir
que era um especialista em eletrônica. Ele havia aprendido os jargões
com Chang e fez questão de impressionar a mulher responsável pelas
chaves. Ela raramente trabalhava após o expediente, e, pelo fato de toda
a equipe de Woo portar crachás e bonés da empresa cobrindo-lhes a
testa, eles nunca foram abordados por ninguém, e o serviço transcorreu
sem imprevistos.
Chang contara com a colaboração de Lionel para conseguir as
peças para a instalação do som, e a equipe da Woo e Associados levou
todo o material necessário para captar a transmissão de cada emissora
afiliada que faria a cobertura da grande reunião. Também instalaram
vídeo transmissores em metade das luminárias.
Ree Woo e seus associados terminaram o trabalho antes do
tempo, e a CG depositou, eletronicamente, o pagamento total via internet.
- Agora estamos na folha de pagamento de Carpathia - Chang
disse a Rayford.
***
O gabinete de Nicolae mudou-se de Al Hillah para a mansão perto
do salão de conferências de Bagdá e, em questão de dias, os chefes das
dez regiões seguiriam para lá. Certa noite, Rayford disse a Buck:
- Faz meses que o mundo não ouve um pronunciamento de
Carpathia. Agora, pelo menos vamos saber o que esse sujeito tem em
mente.
Carpathia adotara uma atitude discreta desde que a escuridão
tomou conta de Nova Babilônia. O governo encontrava-se em um
verdadeiro caos e muitos funcionários haviam morrido. O potentado
conseguira pouco sucesso para arregimentar suas tropas em Israel.
Rayford imaginou que Nicolae devia estar constrangido e humilhado por
não ter sido capaz de contra-atacar a última praga.
- É aí que ele se torna mais perigoso ainda, não? - disse Buck. -
Quando tem tempo para pensar e arquitetar seus estratagemas. Pode
apostar que ele está ruminando alguma coisa espetacular.
Carpathia fez uma alusão a essa "alguma coisa" na primeira vez
que Chang teve acesso à sala de reuniões, quando estavam presentes
apenas Nicolae e seus homens de confiança. Chang gravou a conversa
para ser ouvida posteriormente por Rayford.
- Tenho novidades - disse o potentado. - E ela é tão dinâmica e
maravilhosa que mal posso aguardar para contá-la a vocês. Mas não
posso dizer nada agora. Vocês terão de esperar a chegada de nossos
colegas do mundo inteiro. Quero apresentar um trio a todos vocês. Eles
nos ajudarão a atingir nossos objetivos.
- De onde vem esse trio, Excelência? - soou a voz clara de Viv
Ivins.
- Por enquanto, é segredo.
- Oh!, divindade, por que o senhor gosta de brincar conosco? -
perguntou Leon.
- Fique feliz por eu estar brincando com vocês, meu amigo. As
forças rebeldes se arrependerão amargamente do dia em que sonharam
opor-se a mim.
***
Certa noite, Rayford estava prestes a retirar-se para seus
aposentos quando recebeu um recado que Tsion queria vê-lo.
- Ele está disposto a vir ao encontro do senhor - foi o que lhe
disseram.
- Oh!, não, eu irei até lá.
Quando Rayford chegou, Tsion começou a dizer:
- Antes de fazer meu pedido, quero que você saiba que estou a
seu dispor. Os anciãos e eu sabemos muito bem que, quando você está
em Petra, é o chefe do Comando Tribulação, e eu sou simplesmente...
como posso dizer?... o capelão do grupo.
- Estou satisfeito por você ter abordado este assunto, Tsion,
porque eu também tinha a intenção de conversar com você sobre sua
deferência em relação a mim. Isso me deixa desconfortável. Eu não
considero Petra como quartel-general do Comando Tribulação. Sim, sinto
que Deus colocou o manto de liderança sobre mim para comandar esse
grupo, mas você foi o escolhido por Ele para liderar seu povo, que agora
é composto de um milhão de pessoas. Você não deve sentir-se na
obrigação de dar satisfações a mim. Você tem os anciãos e seu colega
Chaim, e sei que o Senhor o conduz por meio deles. Para mim, está tudo
bem. Na verdade, prefiro que seja assim.
Tsion esticou o braço e apertou o ombro de Rayford.
- Eu agradeço muito a sua confiança, capitão Steele. Mas você
não deve subestimar suas responsabilidades de líder. Eu pretendia pedirlhe
um conselho sobre minha nova mensagem que será levada ao ar
internacionalmente.
Rayford estava perplexo.
- Suas mensagens são transmitidas diariamente via internet, não?
- Claro. Mas, de vez em quando, Deus coloca em meu coração
uma mensagem que, conforme acredito, é do desejo dele que ela seja
dirigida tanto a crentes quanto a incrédulos. E, embora eu saiba que o site
está disponível para todos e que muitos incrédulos o acessam
involuntariamente, se pudéssemos mais uma vez entrar ilegalmente nas
ondas de transmissão internacionais, eu ficaria muito grato por essa
oportunidade. Creio que Deus me transmitiu uma mensagem que deve
ser ouvida até mesmo pelo deus deste mundo e seus bajuladores.
Quando o povo ouve a verdade de Deus pregada nas redes de TV de
propriedade de Carpathia, bem, é como levar o Evangelho até as
profundezas do inferno.
- E as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja - disse
Rayford, citando um versículo bíblico.
- Excelente. E então, o que você acha? Podemos fazer isso?
Quando?
- Em primeiro lugar, Tsion, você não necessita de minha
permissão.
- Considere, então, que eu estou lhe transmitindo uma informação.
- Tudo bem. Você deve saber que os melhores técnicos de
informática do mundo estão aqui. Chang é o principal, mas Naomi
também trabalha lá, e eles montaram uma equipe capaz de fazer
qualquer coisa. Trabalham para você da mesma forma que trabalharam
para mim, portanto se necessitar de alguma coisa deles, basta pedir.
- Você tem um ótimo entrosamento com eles, Rayford. E comigo.
Prefiro ter você como intermediário.
- Como você quiser. Só quero dizer, Tsion, que o que vamos
fazer, seja lá quando for, é pirataria. É ilegal.
- Você tem algum problema em fazer isso?
- Absolutamente nenhum. Nem preciso pensar duas vezes.
Estamos em guerra, e estou preparado para usar os meios que forem
necessários para conquistar alguma vantagem. Em minha opinião, isso
não precisará ser planejado. Chang montou um sistema tão aperfeiçoado
que basta apertar um botão para aquele pessoal sair do ar e nós
entrarmos. Você só terá de dizer quando e dar a ordem.
- Bem, penso que devemos fazer isso no momento oportuno,
quando a maioria do povo estiver assistindo. Talvez durante um
pronunciamento oficial de Carpathia ou durante um dos programas mais
populares.
- Você sabe quais são esses programas.
- Não precisa me lembrar. Imagino que possa ser a qualquer hora.
Que tal amanhã, ao meio-dia de nosso horário?
- Combinado.
- Vou reunir todo o pessoal, porque me sinto duplamente
fortalecido quando tenho uma platéia ao vivo.
- Uma platéia de um milhão de pessoas? Eu não posso sequer
imaginar. As câmeras serão instaladas e Chang estará no comando de
tudo.
***
No dia seguinte, Tsion se sentia estranhamente nervoso. Havia
muita gente recém-chegada a Petra, e ele nunca sabia o que esperar da
multidão. Os anciãos oraram por ele e o animaram.
Chaim fez a apresentação de Tsion. E, quando ele apareceu para
falar e o mestre Chang fez um sinal de que a transmissão estava sendo
feita ao vivo internacionalmente, Petra irrompeu em aplausos.
Era exatamente isso que Tsion temia. Embora ele tivesse pedido
silêncio e tentado transferir ao Senhor aquele extravasamento de
emoções, apontando para cima, o povo não se acalmava. Rayford devia
ter notado a situação desconfortável e embaraçosa em que Tsion se
encontrava, porque se aproximou do rabino e falou em seu ouvido:
- Eles estão apenas demonstrando gratidão e amor a você, Tsion!
Estão agradecidos demais pelo que você tem feito a eles. Aceite essa
demonstração de gratidão e amor e ela cessará.
- Mas capitão Steele! Em Isaías 42.8, Deus é claro! Ele diz: "Eu
sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a
outrem."
- E eu digo que estas pessoas não estão tentando glorificar você.
Estão simplesmente lhe agradecendo por você as ter levado até Ele.
Tsion queria acreditar que Rayford estava certo, mas não podia
aceitar aquela reação do povo. Preferia que a terra o engolisse naquele
momento. Ele abaixou a cabeça e olhou para o chão durante alguns
minutos até o povo se cansar de aplaudi-lo.
***
Chang voltou rapidamente ao centro de tecnologia assim que a
transferência foi feita e se deliciou ouvindo o caos em Bagdá.
- O que está havendo? - gritou alguém. - Como isto pôde
acontecer? É impossível!
Outra pessoa ordenou à equipe de controle que desligasse todas
as afiliadas.
- Não podemos - foi a resposta. - Todos os nossos sistemas
sofreram interferência.
E não foi apenas o milhão de pessoas em Petra que, naquele dia,
ouviu a mensagem de Deus por intermédio de Tsion. O número de
telespectadores no mundo inteiro chegou a bilhões.
***
- Deus incutiu em meu coração uma mensagem que, conforme
acredito, Ele gostaria que eu compartilhasse com vocês - Tsion começou
a dizer. - Não vou fazer uso de meias palavras nem dourar a pílula,
porque estamos atravessando o período mais perigoso da história da
humanidade. Conforme todos nós sabemos, estamos chegando aos
últimos seis meses de vida que nos restam. A batalha dos séculos, que
tem sido travada desde o início dos tempos, está prestes a alcançar seu
apogeu.
- O rei maligno deste mundo, o anticristo, está cuspindo sua raiva
e vingança principalmente sobre o povo escolhido de Deus. No mundo
inteiro, homens e mulheres inocentes estão sendo torturados o tempo
todo. Que crime que cometeram? Cometeram o crime de ser judeus.
Alguns acreditam que Jesus é o Messias; muitos não. Por um motivo ou
outro, eles recusaram a marca de lealdade a Nicolae Carpathia e estão
pagando por isso todos os dias.
- Vocês têm presenciado tudo, desde o início, e conhecem o
prazer com que o demônio vê seu plano sendo levado a efeito.
- Muitos anos atrás, eu comecei a provar a verdade da Palavra de
Deus quando lhes falei, antecipadamente, sobre os julgamentos e
flagelos que seriam lançados à Terra, fatos claramente profetizados há
centenas, talvez milhares, de anos. Vimos a concretização da profecia de
um cavaleiro sobre um cavalo branco, prometendo paz, mas trazendo
uma espada. A seguir, veio o cavalo vermelho, a Terceira Guerra Mundial
que, por sua vez, trouxe o cavalo preto da fome, e, depois, o cavalo
amarelo da morte. De maneira subseqüente, houve o martírio de muitos
santos antes do terremoto da Ira do Cordeiro.
- Aqueles seis julgamentos foram profetizados nas Escrituras
Sagradas, e o sétimo anunciou os sete julgamentos seguintes. Granizo e
fogo caíram sobre a Terra. A seguir, a montanha incandescente foi
atirada ao mar. O absinto envenenou as águas. Logo depois, o sol, a lua
e as estrelas perderam um terço de sua luminosidade. Gafanhotos
demoníacos atacaram aqueles que não foram selados por Deus, e, em
seguida, a humanidade foi atacada por um exército de cavaleiros
satânicos, em número de 200 milhões, que exterminaram grande parte da
população. O 14º julgamento anunciou os últimos sete, cinco dos quais já
foram enviados.
- Milhões de pessoas sofreram com as úlceras. O mar se
transformou em sangue, e o mesmo aconteceu com os rios. O sol
queimou o povo com seu calor e destruiu um terço da vegetação da
Terra. A escuridão que tomou conta de Nova Babilônia tem sido
justificada, analisada e recebido explicações sem fundamento. Mas
ninguém pode contestar o fato de que ela é tão abrangente e penetrante
a ponto de fazer as pessoas morderem a língua por causa da dor que
sentem.
- Muita gente tem especulado quanto tempo ela vai durar. Eu lhes
digo que não há nada na Bíblia que indique que ela se abrandará antes
do fim. Foi por causa dessa escuridão que o rei deste mundo mudou o
local de seu reinado, talvez pensando que chegará o dia em que ele e
seu povo poderão voltar para lá, mas eu afirmo que isso jamais
acontecerá. Haverá mais dois julgamentos antes do glorioso
aparecimento de nosso Senhor e Salvador, Jesus o Cristo.
- Ouçam o que eu digo! As águas do rio Eufrates secarão! Alguém
poderá zombar disso hoje, mas se surpreenderá quando acontecer e se
lembrará desta profecia. O último julgamento será um terremoto que
arrasará o mundo inteiro. Esse julgamento trará granizos tão grandes que
matarão milhões de pessoas.
- Todos os dias alguém me pergunta como o povo pode
presenciar todas essas coisas e, mesmo assim, escolher o anticristo em
vez de Cristo? Este é o enigma dos séculos. Para muitos de vocês, é
tarde demais para mudar de idéia. Talvez enxerguem, agora, que
escolheram o lado errado desta guerra. E se prometeram lealdade ao
inimigo de Deus aceitando sua marca, é tarde demais.
- Se ainda não receberam a marca, talvez também seja tarde
demais, porque demoraram muito tempo. Vocês exorbitaram e fizeram
Deus chegar ao limite de sua paciência.
- Mas pode ser que ainda há uma chance para vocês. Para saber
se ela existe, orem para aceitar a Cristo, digam a Deus que reconhecem
que são pecadores e que estão separados dele, e que admitem que sua
única esperança está no sangue de Cristo, derramado na cruz por vocês.
- Lembrem-se disto: se não aceitarem a Cristo e não forem
poupados do próximo julgamento, este sofrimento pelo qual estão
passando neste momento será eterno. Se aceitarem a Cristo e se seus
corações não estiverem endurecidos, não mais sofrerão pelo restante da
eternidade.
- Para aquelas pessoas do mundo inteiro que já são meus irmãos
e irmãs em Cristo, exorto que sejam fiéis até a morte, porque Jesus disse:
"Não temas as cousas que tens de sofrer. Eis que o diabo está para
lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova [...] Sê fiel
até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida" (Ap 2.10).
- Que promessa maravilhosa! Cristo lhes dará a coroa da vida.
Será uma emoção indescritível ver Jesus voltar novamente, mas oh!, que
privilégio morrer por amor a Ele.
- A boa nova é que eu creio que o inimigo, quer ele admita ou não,
sabe que seu tempo é limitado. Isto também faz parte das profecias.
Apocalipse 12.12 diz: "Por isso, festejai, ó céus, e vós os que neles
habitais. Ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até vós, cheio de
grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta." Para que vocês não
duvidem de minhas palavras, lembrem-se de que tudo o que esse homem
tem feito foi predito. Apocalipse 13.5-8 diz: "Foi-lhe dada uma boca que
proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir quarenta e dois
meses; e abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para lhe difamar o
nome e difamar o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu. Foi-lhe
dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse. Deu-se-lhe
ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação; e adorá-la-ão
todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram
escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do
mundo."
- Vocês podem ter o seu nome escrito no Livro da Vida! Esta é a
boa nova.
- Agora, preciso dizer-lhes que também existem más notícias. A
ira do demônio se intensificará, em ritmo frenético, de agora até o fim.
Haverá cada vez mais exigências para que todos o adorem e recebam
sua marca. Para vocês que compartilham minha fé e estão dispostos a
ser fiéis até a morte, lembrem-se da promessa de Tiago 5.8 que diz que
"...a vinda do Senhor está próxima".
- Oh!, você que é crente, compartilhe sua fé e viva intrepidamente,
para que outros possam receber a Cristo pela fé e serem salvos. Pense
nisto, meu amigo. Você pode orar para conduzir outras pessoas que
ainda não conhecem a verdade. Você pode ser aquele que vai levar a
última alma a Cristo.
- Em 2 Pedro 3.10-14, lemos: "Virá, entretanto, como ladrão, o Dia
do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os
elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela
existem serão atingidas. Visto que todas essas cousas hão de ser assim
desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e
piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do
qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se
derreterão. Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus
e nova terra, nos quais habita justiça. Por essa razão, pois, amados,
esperando estas cousas, empenhai-vos por serdes achados por ele em
paz, sem mácula e irrepreensíveis."
- Eu os exorto a imitarem nosso Senhor e Salvador e a dizerem
com Ele: "Devo cuidar das coisas de meu Pai."
- Alguns têm questionado, legitimamente, como um Deus amoroso
e misericordioso pôde ser capaz de lançar essas pragas e julgamentos
horríveis à Terra. E eu lhes pergunto: o que mais Ele poderia ter feito
depois de tantos milênios procurando livrar homens e mulheres de uma
falsa sensação de segurança e levá-los a buscar sua misericórdia e
perdão?
- Pensem no quanto Deus tem sido misericordioso. Ele arrebatou
sua Igreja antes do início da Tribulação. Enviou duas testemunhas
sobrenaturais para pregarem em Jerusalém e comunicarem seu amor.
Derramou seu Santo Espírito em poder, conforme prometeu por
intermédio do profeta Joel, para convencer a humanidade da necessidade
de aceitar a Cristo em vez de servir a Satanás e a seus demônios.
- Selou 144 mil evangelistas judeus para irem por todo o mundo e
alcançarem o que a Bíblia chama de "grande multidão que ninguém podia
enumerar" com o poder redentor do Filho de Deus. Enviou três anjos de
misericórdia para ajudarem o povo a decidir-se por Cristo. E prometeu
advertir a humanidade, de maneira sobrenatural, antes de destruir a
Babilônia.
- E o mais importante de tudo é que, em sua misericórdia, Deus
ainda permite que o povo escolha seu destino eterno: aceitando Jesus
Cristo como Senhor e Salvador ou acreditando em Satanás.
- A notícia mais espetacular que posso lhes transmitir hoje é que
Deus nos capacitou a usar as mentes brilhantes e a tecnologia com as
quais fomos abençoados aqui. Qualquer pessoa que se comunicar
conosco, via internet, receberá uma resposta pessoal inclusive tudo o que
é necessário para saber como aceitar a Cristo.
- Sim, eu sei que o rei deste mundo proibiu que o povo visite
nosso site, mas podemos assegurar a todos que esse site é seguro e que
sua visita não será rastreada. Temos milhares de conselheiros na internet
com capacidade para responder a qualquer pergunta e conduzir vocês a
Cristo.
- Temos também equipes de resgate que poderão transportar para
cá as pessoas que estão sendo perseguidas por amor a Cristo. Este é um
tempo perigoso, e muitos serão mortos. Muitas pessoas que amávamos
perderam a vida porque estavam em busca da justiça. Faremos o que for
possível, até o fim, para continuarmos a lutar pelo que é certo. Porque, no
final, venceremos e estaremos com Jesus.
***
Perto do final da mensagem de Tsion, Rayford atravessou a
multidão e dirigiu-se ao centro de tecnologia. Postou-se atrás de Chang,
enquanto o jovem ria, assistindo à frustração em Bagdá e nas emissoras
afiliadas do mundo inteiro.
Quando notou a presença de Rayford, Chang disse:
- Ouça isto.
Ele clicou uma gravação feita na sala de reuniões quando Nicolae
estava exigindo saber quem deveria ser despedido ou morto por causa do
vexame ocorrido com a TV.
- Onde está Figueroa?
- Ele não foi visto desde que partimos de Nova Babilônia,
Excelência.
- Onde estão os funcionários dele? Aquele garoto asiático. O
jovem escandinavo.
- O asiático desapareceu. O escandinavo morreu por causa do
calor, lembra-se?
- Não tenho condições de saber quem morreu por causa dessas
pragas. Quem é o responsável pela TV agora?
- A responsabilidade foi transferida para as afiliadas. Não se pode
fazer nada em Nova Babilônia.
- Eu sei, Leon! Quero que alguém se encarregue de pôr um fim
nisto. O que o povo vai pensar?
Fortunato pigarreou.
- Com todo o respeito, Alteza, o povo deve estar fazendo a mesma
pergunta que o pessoal de seu gabinete. Eles estão perguntando: "Todas
essas coisas que estamos sofrendo não foram preditas? Será que existe
alguma verdade em tudo isto? Quem é Carpathia?"
- Eles querem saber quem é Carpathia? - perguntou Nicolae, com
um tom mais alto na voz. - O meu gabinete está querendo saber?
- Sim, senhor.
- E quanto a você, Leon? Quem você diz que eu sou?
- Eu sei quem o senhor é, e eu o adoro.
- Você está insinuando que existem pessoas de minha confiança
que não sabem?
- Só estou repetindo o que ouvi, majestade.
- Talvez seja tempo de contar a eles, Leon. Talvez seja tempo de
saberem quem eu sou, se é que ainda não sabem.
***
Chang imaginou que não conseguiria dormir. Ele e Naomi
caminharam juntos até a casa dela, com passos cada vez mais lentos à
medida que se aproximavam.
- Que época maravilhosa estamos vivendo! - ele exclamou.
- Você está falando sério? - ela perguntou. - Se eu pudesse
escolher, teria conhecido Jesus antes, para ser levada com Ele no
Arrebatamento.
- É claro, se tivéssemos tido escolha.
- Nós tivemos.
- Ah!, sim.
- A bem da verdade, Chang, penso que o melhor tempo para viver
será após o Glorioso Aparecimento. Além de estar com Jesus em uma
época de paz na Terra, vou viver com você durante mil anos.
Chang ficou confuso diante daquele pensamento. Parou e segurou
as mãos dela nas suas.
- Eu gostaria de saber como vou estar quanto tiver 1.020 anos -
ele disse. - Um velhinho chinês todo enrugado, eu acho.
- Para mim, você será sempre bonito. Eu vou ser uma velhinha
judia com muitos filhos com idades desde 500 anos até 900 e alguma
coisa.
Sob a luz do luar, Chang segurou o rosto dela com as duas mãos.
- Estou muito agradecido por ter conhecido você.
***
Buck estava deitado em sua cama de lona, de frente para o quarto
de Kenny, com os braços doloridos por estar segurando a Bíblia no alto
para poder lê-la. Ele queria estudar tudo o que encontrasse sobre a
batalha que se aproximava.
Rayford prometera que o encarregaria de ir a Jerusalém. A
princípio, Buck ficou desapontado, imaginando que toda a ação ocorreria
nos arredores de Petra ou no vale de Jezreel. Mas pelo que sabia,
aquelas áreas serviriam apenas de palco para os exércitos do mundo. A
maior parte do conflito se daria em Jerusalém.
E era lá que ele queria estar.
DEZESSEIS
Rayford surpreendeu-se ao notar que a situação estava piorando.
No momento em que ele imaginava que Carpathia não poderia fazer mais
nada para intensificar seus atos maldosos, o centro de informática
começou a receber uma enxurrada de relatórios deixando claro que
Nicolae aumentara a pressão no mundo inteiro. Mais perseguições, mais
torturas, mais decapitações.
O apelo de Tsion ao povo para entrar em contato com os
conselheiros em Petra, via internet, havia produzido um número
incalculável de pedidos, tornando-se necessário que os anciãos
preparassem mais conselheiros. Naomi e Chang treinaram mais
professores, que arregimentaram um número maior de pessoas para dar
mais velocidade aos computadores.
Fazia um bom tempo que Tsion pregava que o mundo estava
caminhando a passos largos rumo ao Armagedom, mas Rayford nunca
havia sentido isso. Agora, ele realmente aguardava com ansiedade o dia
em que veria seu Salvador face a face e voltaria a reunir-se com sua
querida família e amigos. Porém, ainda havia muita coisa a ser feita. Mac,
Abdullah e Ree recrutaram pilotos e aeronaves do mundo inteiro para
transportar o povo para Petra.
Houve dias em que Rayford teve dúvidas se eles seriam capazes
de atender à demanda. O único pré-requisito para uma viagem grátis ao
porto seguro era o selo dos crentes. A opinião geral era de que as
pessoas sem a marca de Carpathia seriam perseguidas ou executadas.
O que mais impressionava Rayford, enquanto ele estudava a
Bíblia diariamente, era que o fim da estranha profecia de Apocalipse
16.10,11 - aquela que mencionava a praga em Nova Babilônia - provara
ser verdadeira aos seguidores de Carpathia do mundo inteiro: "Derramou
o quinto [anjo] a sua taça sobre o trono da besta, cujo reino se tornou em
trevas, e os homens remordiam a língua por causa da dor que sentiam e
blasfemaram o Deus do céu por causa das angústias e das úlceras que
sofriam; e não se arrependeram de suas obras."
Como era possível, Rayford se perguntava, que depois de todas
aquelas pragas e julgamentos a grande maioria do povo ainda não
tivesse mudado de idéia?
***
Chang havia devolvido o controle da televisão internacional à
Comunidade Global. E, pelos pronunciamentos de Carpathia, ficou claro
que ele estava se vangloriando de "finalmente ter a TV sob seu controle".
- A próxima vez que ele disser isso - Chang contou a Rayford -,
vou mudar imediatamente a transmissão para este comercial que criamos
na semana passada.
A gravação mostrava um clip do último discurso de Tsion que foi
levado ao ar e encerrava com uma voz que dizia: "Os pronunciamentos
do potentado só serão permitidos com a benevolência de Tsion Ben-Judá
e de seus amigos em Petra."
Chang testou, durante vários dias, a "escuta" instalada por Buck e
George na sala de reuniões particular de Bagdá. O trabalho foi tão bem
feito que ele conseguiu a proeza de coordenar o vídeo com o áudio, ouvir
as falas e até mesmo acompanhar os passos de Carpathia até a
cabeceira da mesa. Dois vídeos instalados em local oculto possibilitavam
acompanhar qualquer pessoa que estivesse na sala.
***
A chegada dos dez potentados regionais do mundo inteiro foi
levada ao ar pela CNNCG. Buck não se lembrava de tanta pompa e
circunstância desde o dia em que Carpathia ridicularizara as Estações da
Cruz em Jerusalém.
Desfiles, bandas marchando pelas ruas, show de luzes, bailarinas,
avisos e pronunciamentos. As arquibancadas construídas ao longo das
ruas estavam lotadas de pessoas humildes saudando o cortejo dos
representantes de cada região antes da chegada do potentado.
Finalmente, os dignitários e alguns milhares de bajuladores,
aquinhoados com ingressos para adentrar o recinto, foram conduzidos à
sala principal do novo salão de conferências, onde Carpathia anunciaria,
em grande estilo, um novo e empolgante capítulo da História mundial.
O reverendíssimo pai do Carpathianismo, Leon Fortunato, foi
incumbido de fazer a nobre apresentação, é claro. Vestido com trajes de
gala, ele usava na cabeça um barrete turco de feltro vermelho, cujo topo
era enfeitado com uma borla de fios alternando tons dourados e
prateados, que brilhavam ao refletir as luzes do auditório inteiro. O novo
manto roxo e amarelo cintilante tinha seis listras de brocado em cada
manga.
Fortunato foi tão subserviente e bajulador em sua apresentação
que qualquer outra pessoa teria se sentido terrivelmente constrangida,
menos Carpathia. Enlevado diante da adoração de seus súditos, o
anticristo fingia humildade, lutando para conter o riso.
- Obrigado, obrigado, obrigado a todos vocês - disse Carpathia,
com os braços estendidos para a frente. - Vocês estão sendo generosos
demais com este humilde servo de origem modesta, ao qual foi imposta
uma responsabilidade que ele jamais imaginou. Porém, por meio de um
lampejo do divino, ele descobriu que era o verdadeiro deus, chegando a
ponto de ser capaz de ressuscitar a si mesmo.
- E vocês... sim, cada um de vocês... têm facilitado minha tarefa,
apesar da esmagadora oposição e obstáculos que encontro de todos os
lados. Cada região tem sido bem servida por subpotentados dinâmicos
que se uniram em tempos de crise e ajudaram a transformar este mundo
fracionado em uma verdadeira comunidade global.
Carpathia foi interrompido um sem-número de vezes por aplausos
frenéticos. Nesses momentos, ele parecia mergulhar no brilho de sua
glória.
- Esta talvez seja a ocasião mais significativa e esclarecedora da
História de nosso mundo. Apesar da perda de grande parte de nossos
cidadãos e funcionários do governo em razão das pragas implacáveis às
quais nossos inimigos insistem em dar o nome de "julgamentos do céu",
eu convoquei uma reunião com os principais líderes do mundo inteiro.
Amanhã, em uma reunião altamente confidencial e particular, detalharei
meu plano maravilhoso e legitimamente inspirado, que nos levará, de
uma vez por todas, a alcançar nosso objetivo de uma verdadeira
harmonia global.
- Nossos inimigos caluniadores tiveram muitas oportunidades de
enxergar o caminho errado que seguiram e juntar-se à nossa família
internacional. Acreditei durante muito tempo que eles simplesmente
compreenderam mal o nosso objetivo e não se deram conta dos
benefícios que teriam se permanecessem ombro a ombro conosco.
Imaginem só o que poderíamos ter alcançado se tivéssemos todos ao
nosso lado!
- Bem, esse dia em breve chegará, meus amigos. Faremos um
esforço conjunto para recrutar os inimigos e torná-los nossos
trabalhadores braçais ou os erradicaremos de nosso meio e ficaremos
apenas com os cidadãos leais... cidadãos leais que compartilham um
objetivo e propósito em comum: a verdadeira utopia, o paraíso na Terra.
- Não tenho dúvida de que todos, até mesmo nossos opositores,
concordam que temos agido de maneira justa. Temos sido pacientes.
Temos tentado. Mas o tempo de tolerância se esgotou. Vocês notaram
que a paciência terminou? Eu admito isso espontaneamente. Chegou a
hora da decisão: ou passar para o nosso lado ou ser eliminado. Prometo
a todos os cidadãos leais de nossa Comunidade Global que, daqui a seis
meses, todos os que se opõem à paz serão destruídos. Vocês viverão na
mais completa paz no mundo maravilhoso com o qual sempre sonharam.
Todos os representantes dos subpotentados das dez regiões,
quando entrevistados pelos repórteres da TV, responderam mais ou
menos da mesma maneira:
- Trata-se de um privilégio sem precedentes. Eu daria tudo para
poder participar da reunião particular que se seguirá a esta.
Quando as cerimônias terminaram, a transmissão também
cessou. Porém, a melhor parte viria no início da manhã seguinte, por
ocasião da reunião dos potentados. Conforme todos da Comunidade
Global supunham, essa reunião também seria particular por ser realizada
a portas fechadas.
Porém, um seleto número de pessoas do Comando Tribulação
assistia a tudo, como se estivesse presente na sala. Reunido ao redor de
um telão de TV, nas profundezas das cavernas de Petra, um grupo
escolhido a dedo por Rayford observava cada momento, graças ao
milagre da tecnologia e às manobras do perito Chang.
Sentado atrás do grupo, Chang manipulava os controles. Rayford
estava entre Buck e George, tendo por companhia Tsion e Chaim. Todos
informariam o acontecido aos outros membros do Comando Tribulação
que trabalhavam na cooperativa e no transporte aéreo do pessoal.
Enquanto a sala em Bagdá estava sendo ocupada pelos
convidados, Rayford pediu a Chang que mostrasse uma imagem
panorâmica do local.
- Queremos ver quem está lá - ele disse. A grande mesa de
reuniões tinha espaço para três pessoas nas extremidades e seis de cada
lado. Diante de cada lugar havia um microfone e o nome do ocupante,
menos os nomes dos três na extremidade mais distante. Apenas dois
lugares foram reservados na cabeceira da mesa: um à esquerda para
Carpathia, que ainda não havia chegado e outro para Leon Fortunato, que
batia nervosamente seu enorme anel de rubi no primeiro dos dois
luxuosos notebooks de couro à sua direita.
À esquerda do lugar de Carpathia estavam sentados, na
seqüência, os potentados dos Estados Unidos Africanos, Estados Unidos
Europeus, Estados Unidos da Grã-Bretanha, Estados Unidos Sulamericanos,
Estados Unidos Norte-americanos e Viv Ivins.
Cada um usava um traje ou acessório característico de sua
respectiva região, que iam desde o dashiki colorido do potentado africano,
passando pelo sombrero e bombacha dos sul-americanos até o chapéu e
as roupas bordadas dos cowboys norte-americanos.
Viv Ivins trajava seu tradicional conjunto azul-claro, que quase se
confundia com a cor de seu cabelo. Usava um enorme broche de
diamante pela primeira vez, e sua blusa era tão branca que chegava a
prejudicar a imagem no vídeo.
A direita de Fortunato, acompanhando o outro lado da mesa,
estavam os potentados dos Estados Unidos Carpathianos, Estados
Unidos Russos, Estados Unidos Indianos, Estados Unidos Asiáticos,
Estados Unidos do Pacífico e Suhail Akbar.
Estes potentados também estavam vestidos com trajes regionais.
O mais chamativo de todos era um quimono preto e prateado usado pelo
líder asiático. Suhail trajava o uniforme formal das Forças Pacificadoras
da Comunidade Global, complementado por um quepe da marinha com
uma reluzente trança dourada.
As três cadeiras na extremidade da mesa oposta a Carpathia e
Fortunato estavam ocupadas por três homens que, para Rayford,
pareciam três manequins. Todos usavam ternos pretos abotoados e
gravatas pretas. Nenhuma jóia, nenhum adereço na cabeça, nada mais.
Sentados com as mãos cruzadas sobre a mesa, eles não se
movimentavam e não olhavam nem para a direita nem para a esquerda.
- Eu não reconheço aqueles três, Tsion - disse Rayford. - E você?
O rabino fez um movimento negativo com a cabeça.
- É muito estranho, mas eles nem sequer piscam. Os demais
estão lançando olhares furtivos para eles. Você acha que são pessoas de
verdade? Não seriam figuras recortadas de cartolina?
- Chang - disse Rayford -, você é capaz de focalizar os três?
Chang os focalizou e disse:
- São pessoas de verdade. Tenho uma gravação do momento em
que eles se sentaram. Querem ver?
- Desde que a gente não perca a entrada de Carpathia.
- Isso não vai acontecer.
Chang voltou a fita, mostrando os três tomando assento. Eles
pareciam ser um só; os gestos e movimentos eram idênticos.
- Por qual porta eles entraram? - perguntou Rayford.
- Eu perdi essa parte. Aparentemente, eles surgiram do nada.
- Está bem, vamos voltar às imagens ao vivo.
Um rápido toque de campainha fez Fortunato dar um salto e enfiar
a mão no manto, como se estivesse desligando um pager. Ele se
levantou rapidamente, endireitou o manto e retirou o barrete.
- Senhoras e senhores - ele disse -, por favor levantem-se para
receber seu supremo potentado, Sua Alteza, Sua Majestade, Sua
Excelência, nosso senhor e rei ressurrecto, Nicolae Carpathia, o primeiro
e o último, mundo sem fim, amém.
Com exceção dos três homens misteriosos, que continuaram
imóveis, todos se levantaram e descobriram a cabeça. Um militar de farda
azul abriu a porta e Carpathia entrou. Nesse exato momento, Fortunato
ajoelhou-se espalhafatosamente. Nicolae trajava um terno preto com finas
listras brancas, camisa branca e gravata azul-turquesa.
Enquanto Leon permanecia ajoelhado, com o rosto no chão
protegido pelas duas mãos e o traseiro levantado, deixando à mostra uma
ampla parte de seu corpo coberta pelo manto, Nicolae parou um pouco
atrás de sua cadeira e permitiu que o grupo se aproximasse dele, um por
vez.
Eles se curvaram e apertaram a mão do potentado entre as suas.
Muitos beijaram-lhe a mão ou o anel; outros ajoelharam-se rapidamente à
semelhança de Leon, murmurando palavras de devoção e deferência. Em
seguida, retornaram e ficaram em pé atrás de suas cadeiras.
Quando a bajulação terminou, houve um silêncio constrangedor.
Aparentemente, Leon seria o próximo a falar, mas ele não se deu conta
disso. Carpathia pigarreou.
Leon ergueu a cabeça e levantou-se repentinamente, prendendo a
barra do manto na ponta do sapato. No momento em que ele endireitou o
corpo, todos ouviram claramente o tecido sendo rasgado. Leon tropeçou,
caiu por cima da cadeira de rodinhas de Carpathia e quase derrubou o
seu senhor e rei ressurrecto, o primeiro e o último, mundo sem fim,
amém.
Fortunato agarrou a mão de Nicolae e levou-a aos lábios,
chegando quase a desequilibrar Carpathia. No último instante, ao
perceber que agarrara a mão errada, Leon segurou a outra mão e beijou
ruidosamente o anel do potentado.
- Sua Excelência, senhor - ele disse puxando a cadeira de
Carpathia com uma das mãos e fazendo um gesto amplo com a outra,
para que o potentado se sentasse.
- Obrigado por tão grande gentileza, reverendo - disse Carpathia,
sentando-se. - Senhoras e senhores, podem sentar-se.
Leon havia deixado a cadeira do potentado um pouco distante da
mesa, e Carpathia teve de apoiar-se na beirada e inclinar o corpo para a
frente. Percebendo a gafe, Fortunato empurrou rapidamente a cadeira,
forçando Carpathia a encostar o peito na mesa.
Enquanto Leon abria atabalhoadamente um dos notebooks de
couro e o colocava diante de Sua Majestade, Carpathia afastou-se para
ficar a uma distância mais confortável da mesa.
Nicolae agradeceu a presença de todos, como se eles estivessem
ali de livre e espontânea vontade, e disse:
- Vamos ao trabalho. Vou iniciar lembrando a todos vocês que
esta reunião não é democrática. Não viemos aqui para votar, nem vocês
estão aqui para fornecer-me subsídios. Se houver alguma coisa que
vocês acreditem que eu necessite saber, podem dizer. Se tiverem algum
problema com minha liderança ou alguma pergunta sobre o que tenho
feito ou sobre os planos que revelarei hoje, lembrem-se do que aconteceu
com os três ex-potentados do sul que foram substituídos por terem
morrido antes do tempo.
- Alguma pergunta? Penso que não. Vamos prosseguir.
- Senhoras e senhores, chegou o momento em que necessito
contar com a confiança de vocês. Devemos estar todos unidos a fim de
vencermos a batalha final. Olhem nos meus olhos e prestem atenção,
porque o que vocês ouvirem hoje é verdade e ninguém daqui terá
problemas por acreditar em cada palavra minha. Eu sou eterno. Eu sou
de eternidade a eternidade. Eu estava presente no início e permanecerei
eternamente.
Nicolae se levantou e começou a caminhar lentamente ao redor
da mesa enquanto falava. Nenhum dos presentes o acompanhou com o
olhar. Todos pareciam catatônicos.
- Eis o problema - ele disse. - Aquele que diz ser Deus não é
Deus. Reconheço que ele me precedeu. Quando fui formado do limo e da
água, ele já existia. Mas, sinceramente, ele surgiu da mesma maneira que
eu. Só por ter me precedido, ele quis que eu pensasse que ele criou a
mim e a todos os outros seres semelhantes a ele nos vastos céus. Eu
sabia muito mais coisas. Quase todos nós sabíamos.
- Ele quis nos dizer que fomos criados para ser servos dedicados.
Nós tínhamos um trabalho a fazer. Ele disse que havia criado os
humanos à sua imagem e que nós deveríamos servi-los. Se eu tivesse
chegado em primeiro lugar, teria dito a ele que eu o criei e que ele seria
meu colaborador nas demais criações.
- Mas ele não criou nada! Nós, todos nós... vocês, eu, os outros
exércitos celestiais, homens e mulheres... todos nós viemos do mesmo
lugar. Mas não! De acordo com ele, não foi assim! Ele estava em
companhia de outro ser evoluído como eu e disse que aquele era seu
filho predileto. Esse filho era o especial, o escolhido, o unigênito.
- Eu sabia desde o início que se tratava de uma mentira e que eu,
ou melhor, todos nós estávamos sendo usados. Eu era um anjo
inteligente e cintilante. Tinha ambição. Tinha idéias. Mas tudo aquilo
representava uma ameaça ao mais velho. Ele dizia ser o Deus criador,
sim, o criador da vida. Assumiu a posição de favorecido. Exigiu que a
Terra inteira o adorasse e lhe obedecesse. Eu tive a audácia de perguntar
por quê. Por que não eu?
- Se eu provoquei uma insurreição? Claro que sim. E por que não?
Por que dar preferência ao mais velho, se todos nós tivemos a mesma
origem? Existe espaço para todos, mas se alguém deveria ter primazia,
esse alguém seria eu! Cerca de um terço dos outros seres evoluídos
concordaram comigo e ficaram do meu lado, me prometeram lealdade.
Os outros dois terços eram fracos, fáceis de serem dominados. Eles
ficaram do lado do tal pai e do tal filho.
- Se eu sou o anticristo? Bem, se ele é o Cristo, eu sou o
anticristo! Sim! Sou contra o Cristo que foi falsamente coroado pelo
pretenso criador. Eu subirei ao céu; eu exaltarei meu trono acima das
estrelas de Deus. Eu subirei acima das alturas das nuvens; eu serei
semelhante ao Altíssimo.
- Só porque ele chegou primeiro e eu tive a audácia de desafiá-lo,
fui expulso de lá! Onde está a justiça nisso? Somos inimigos mortais
desde então. Nós três: o pai, o filho e eu. Ele chegou a convencer os
seres humanos que ele os criou! Mas isso não pode ser verdade, porque
se ele os tivesse criado, os seres humanos não teriam livre-arbítrio. E se
ele me criou, eu não teria sido capaz de rebelar-me. Tudo isso não faz
sentido.
- Assim que passei a compreender melhor, comecei a gostar de
minha condição de proscrito. Fui atrás dos seres humanos, daqueles que
ele gostava de dizer que lhe pertenciam, os mais fáceis de mudarem de
opinião. A mulher com o fruto! Ela não queria obedecer. Foi simples.
Bastou uma sugestão para levá-la a fazer o que ela realmente queria. A
propósito, aquilo aconteceu perto daqui.
- E os dois primeiros irmãos... que facilidade! O mais novo era fiel
àquele que dizia ser o único e verdadeiro Deus, mas o outro... ah!, o outro
queria o mesmo que eu. Um pouco de alguma coisa para si mesmo.
Antes que vocês me perguntem, estou provando categoricamente que
essas criaturas não são produtos da criatividade do anjo mais velho. Após
algumas gerações, eu faço com que os seres humanos fiquem tão
confusos, tão egoístas, tão cheios de si que o velho deixa de afirmar que
eles foram feitos à sua imagem.
- Eles se embriagam, brigam, blasfemam. São teimosos, são
infiéis. Matam uns aos outros. Os únicos que não consegui atingir são
Noé e sua família. Claro, o grande criador decide que o restante da
História depende deles e extermina os demais com um dilúvio. Com o
passar do tempo, aproximei-me de Noé, mas ele já havia recomeçado a
povoar a Terra.
- Sim, eu vou admitir. O pai e o filho têm sido meus inimigos
ferrenhos ao longo das gerações. Eles têm seus favoritos: os judeus. Os
judeus são a menina dos olhos do velho, mas este é o seu ponto fraco.
Ele tem um apreço muito grande por esse povo, e é exatamente esse
povo que causará a destruição dele.
- Meus exércitos e eu quase conseguimos erradicá-los algumas
gerações atrás, mas o pai e o filho intervieram, devolveram a terra que
lhes pertencia e nos frustraram mais uma vez. O destino tem insistido em
brincar conosco, meus amigos, mas, no final, nós prevaleceremos.
- O pai e o filho documentaram suas intenções em um livro,
achando que estavam fazendo um favor ao mundo. O plano completo
está escrito lá, desde enviar o filho para morrer e ressuscitar... e eu
também provei ser capaz disto... até profetizar este período inteiro. Sim,
milhões de pessoas acreditaram nessa grande mentira. Até agora, tive de
reconhecer que o outro lado levou vantagem.
- Porém, duas grandes verdades causarão a ruína deles. Primeira,
eu conheço a verdade. Eles não são maiores nem melhores do que eu ou
do que qualquer outra pessoa. A origem deles é a mesma que a de todos
nós. Segunda, eles não devem ter percebido que eu leio. Eu li o livro
deles! Sei o que estão tramando! Sei o que vai acontecer em seguida, e
sei até o lugar!
- Deixem que eles apaguem as luzes da grande cidade que eu
tanto amava! Ah!, como ela era linda quando abrigava o centro do
comércio e a sede do governo, quando navios e aeronaves enormes
levavam mercadorias do mundo inteiro para lá. Agora, ela está às
escuras. E o que vai acontecer se ela for destruída? Eu a reconstruirei,
porque sou mais poderoso do que o pai e o filho juntos.
- Deixem que eles façam a terra tremer até ser completamente
arrasada. Deixem que eles atirem pedras de gelo gigantescas dos céus.
Eu serei o vencedor final, porque li o plano da batalha que eles
prepararam. O velho planeja enviar o filho para estabelecer, aqui na
Terra, o reino que ele profetizou mais de 300 vezes naquele livro. E ele
até diz onde o filho chegará! Senhoras e senhores, teremos uma surpresa
aguardando por eles.
- O filho e eu temos lutado para conquistar as almas de homens e
mulheres desde o início. Se vocês e eu reunirmos os exércitos do mundo
inteiro e agirmos em conjunto na mesma área, poderemos nos livrar, de
uma vez por todas, daquelas forças que têm impedido nossa vitória até
agora.
- O tal Messias ama Jerusalém muito mais do que qualquer outra
cidade do mundo. Ele a chama de Cidade Eterna. Bem, vamos ver se ela
é eterna. Foi lá que ele supostamente morreu e voltou a viver.
- Essa estranha afeição pelos judeus resultou no que ele chama
de aliança perpétua de bênçãos. Se nós, os governadores da Terra,
reunirmos todos os nossos recursos e atacarmos os judeus, o filho terá
de vir para defendê-los. Será nesse momento que voltaremos nosso olhar
para ele e o eliminaremos. Com isso, teremos controle total da Terra, e
estaremos prontos para tirar do pai o domínio que ele tem do universo.
Depois de ter dado duas voltas ao redor da mesa, Nicolae sentouse
em sua cadeira, parecendo exausto.
- Está escrito na Bíblia deles - Carpathia prosseguiu. - E eles
afirmam que nunca mentem. Sabemos exatamente o lugar onde ele
estará. Vocês estão do meu lado?
- Estamos, Excelência - disse o sul-americano -, mas onde é esse
tal lugar?
- Vamos reunir todo o nosso pessoal e nossos tanques, aviões,
armas e exércitos na planície do Megido. Essa área localizada no norte
de Israel, também conhecida como planície de Esdralom ou planície de
Jezreel, fica a cerca de 30 quilômetros a sudeste de Haifa e a cem
quilômetros ao norte de Jerusalém. No momento certo, despacharemos
um terço de nossos exércitos para destruir a fortaleza em Petra. Desta
vez, farei isso sem usar armamentos nucleares. Vamos derrotá-los
facilmente, talvez no lombo de um cavalo.
- O restante de nossos exércitos marchará rumo à tal Cidade
Eterna e derrubará aqueles muros infernais, destruindo todos os judeus.
E é lá que estaremos, reunidos com nossos exércitos vitoriosos vindos de
Petra, para surpreendermos o filho, com força total, quando ele chegar.
Fortunato movimentou a cabeça como se estivesse maravilhado
diante da brilhante estratégia.
- Perguntas para Sua Excelência? - ele disse. - Alguém tem
perguntas a fazer?
O potentado dos Estados Unidos Asiáticos levantou a mão
timidamente.
- Eu não sei qual é a opinião do restante do grupo - ele disse -,
mas nosso exército composto de centenas de milhões de militares é
conduzido por muitos generais independentes, e será difícil agrupá-los.
Seus contingentes e pelotões sofreram muitas baixas por causa das
pragas, das úlceras e de muitos outros sofrimentos inacreditáveis. Metade
da população sob meu comando está morta ou desaparecida. Como
vamos fazer para persuadir esses exércitos e seus líderes a nos
seguirem?
Vários movimentaram a cabeça, concordando com a pergunta.
- Eu não vou recuar diante desta pergunta, meus amigos - disse
Carpathia. - Antes, porém, de lhes dizer como realizaremos essa missão,
vou contar qual será a primeira ordem para seus líderes militares.
Conforme vocês se lembram, quando assumi o poder havia quase sete
anos, recolhi 90% do armamento de todos os governos do mundo. Esse
armamento está guardado em um local secreto que resolvi revelar neste
instante. Ao redor e dentro de Al Hillah, a menos de cem quilômetros
daqui, temos vários arsenais imensos onde estão armazenadas armas
com poder de fogo suficiente para destruir o planeta.
- É desnecessário dizer que não queremos nem precisamos
destruir o planeta. Simplesmente queremos que seus soldados tenham
armas em maior número do que necessitam para eliminar os judeus e
destruir o filho de quem sou adversário há tanto tempo. Portanto, assim
que eu lhes contar como vamos arregimentar seus líderes militares, a
próxima missão de vocês será levá-los a Al Hillah, onde o Sr. Suhail
Akbar, nosso diretor do Serviço de Segurança e Inteligência,
providenciará para que recebam todos os armamentos de que
necessitam.
- Daqui a quanto tempo? - perguntou o potentado indiano.
- O prazo é de menos de seis meses, senhoras e senhores,
portanto comecem hoje. Eu já enviei as tropas dos Estados Unidos
Carpathianos para Israel há meses. E quando nosso exército da
Comunidade Global estiver posicionado, quero ver todos os arsenais de
Al Hillah vazios. Entendido?
- Entendido - respondeu o potentado russo. - Mas, da mesma
forma que meus colegas, estou ansioso por saber como vamos
convencer as tropas e os líderes desanimados, enfermos e feridos.
- Reverendo Fortunato - disse Carpathia, levantando-se. Leon se
aprumou rapidamente, empurrando sua cadeira para trás. - Senhoras e
senhores, chegou a hora de apresentar-lhes meus três coadjuvantes de
maior confiança. Tenho certeza de que vocês gostariam de saber quem
são os três sentados na extremidade da mesa.
- Estamos querendo saber por que eles não piscaram desde que
nos sentamos - disse o potentado britânico.
Carpathia riu.
- Os três não pertencem a este mundo. Eles usam ternos somente
quando é necessário. Na verdade, são seres espirituais que estão comigo
desde o início. Faziam parte dos primeiros que acreditaram em mim e
viram a mentira que o pai e o filho estavam tentando perpetrar no céu e
na terra.
- Leon - disse Carpathia, e ambos se dirigiram à outra extremidade
da mesa, cada um por um lado. - Com licença, Sra. Ivins.
Ela se levantou e afastou sua cadeira do caminho.
- Com licença, diretor Akbar - disse Leon, e Suhail fez o mesmo.
***
Rayford deu um salto quando Tsion gritou, chamando a atenção
de todos.
- Chang, focalize esta imagem! Está escrito em Apocalipse 16.13
e 14!
O ângulo da câmera mudou, e o pessoal que estava assistindo em
Petra viu claramente, pelo novo ângulo, Nicolae e Leon atrás das três
criaturas aparentemente sem vida, na extremidade da mesa.
***
O anticristo e o falso profeta inclinaram o corpo, um do lado
esquerdo e outro do lado direito, apoiando os cotovelos na mesa e
olhando dentro dos olhos das criaturas robóticas. Da boca de Nicolae e
Leon foram expelidos três espíritos medonhos e asquerosos,
semelhantes a rãs - um da boca de Leon e dois da boca de Nicolae - que
saltaram dentro da boca dos três.
Os três pareceram adquirir vida.
Nicolae sorriu.
***
- Queremos vê-los de frente, Chang - gritou Buck, e Chang fez os
ajustes necessários.
***
Agora, os três tinham uma surpreendente semelhança com
Carpathia. Recostaram-se casualmente nas cadeiras, sorrindo,
cumprimentando todos os potentados com um movimento de cabeça. A
princípio, os líderes demonstraram um ar de espanto e susto, mas, logo a
seguir, olharam com simpatia para os estranhos bem-apessoados.
- Por favor, quero que conheçam Astarote, Baal e Locusta
[Gafanhoto Devorador]. Eles são os espíritos mais convincentes e
persuasivos que tive o prazer de conhecer. Agora, todos nós vamos nos
ajuntar e impor as mãos sobre eles, para encarregá-los desta tarefa de
tão grande significado.
Os três recuaram suas cadeiras para que os potentados, Viv,
Suhail, Leon e Nicolae fizessem um círculo ao redor deles e tocassem
suas cabeças com as mãos.
Nicolae disse:
- Agora, vocês três devem ir até os confins da terra e reunir o povo
para a batalha final em Jerusalém, onde destruiremos, de uma vez por
todas, o pai e esse tal Messias. Convençam cada pessoa, em todos os
lugares por onde andarem, de que a vitória é nossa, que estamos certos
e que, juntos, podemos destruir o filho antes que ele assuma o controle
deste mundo. Assim que ele se for, seremos os líderes incontestáveis do
mundo, sem sofrer oposição alguma.
- Outorgo-lhes o poder de operar sinais, curar enfermos, dar vida
aos mortos e, se necessário, convencer o mundo de que a vitória é
nossa. Agora vão em poder...
Astarote, Baal e Locusta desapareceram em meio a um violento
relâmpago que se abateu no centro da mesa de reuniões e escureceu,
temporariamente, o monitor de TV em Petra. Quando a imagem retornou,
um forte estrondo fez Chang arrancar os fones de ouvido.
Nicolae e Leon retornaram a seus lugares e ficaram em pé atrás
das respectivas cadeiras. Os potentados, Viv e Suhail fizeram o mesmo.
Enquanto eles aguardavam calmamente, Nicolae disse:
- Adeus a todos vocês. Eu os verei daqui a seis meses na planície
do Megido no grande dia, quando a vitória estiver a nosso alcance.
***
Buck ficou atordoado, mas voltou rapidamente a raciocinar com
clareza.
- Quero que alguém leia a passagem que Tsion mencionou! - ele
pediu.
- Está exatamente aqui - disse Chaim. - Vou ler Apocalipse 16.13
e 14: "Então, vi sair da boca do dragão, da boca da besta e da boca do
falso profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs; porque eles são
espíritos de demônios, operadores de sinais, e se dirigem aos reis do
mundo inteiro com o fim de ajuntá-los para a peleja do grande Dia do
Deus Todo-poderoso."
- Leia também os dois versículos seguintes, Chaim - disse Tsion.
- O primeiro cita as palavras de Jesus: "Eis que venho como vem
o ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para
não andar nu, e não se veja a sua vergonha. Então, os ajuntaram no lugar
que em hebraico se chama Armagedom."
DEZESSETE
Rayford pediu a Buck e a George que encontrassem uma nova
sala de reuniões, em algum lugar de Petra que não atraísse a atenção de
curiosos.
- Ela precisa ter tamanho suficiente para acomodar umas 20
pessoas, no máximo - ele disse, embora soubesse que apenas metade
desse número compareceria.
Reunido com Tsion na pequenina sala de estar da casa do rabino,
ele disse:
- Quero que você transmita alguns ensinamentos a meu pessoal
de primeira linha. Todos eles já sabem o que se passou em Bagdá, e
todos têm perguntas para fazer sobre o que isso significa e qual será a
função de cada um. Ninguém deseja ficar protegido aqui enquanto o
restante do mundo vai para o inferno.
- Eu compreendo tudo isso, Rayford, e fico feliz por poder ajudá-lo.
Hoje de manhã, transferi a Chaim todas as responsabilidades
administrativas e doutrinárias sobre os remanescentes que estão aqui.
Rayford olhou para Tsion, sem acreditar no que ouvia.
- Você fez o quê?
- Eu também não quero ficar aqui.
- O que você está dizendo?
- Se eu posso transmitir ensinamentos a seu pequeno grupo de
militares de primeira linha, também quero fazer parte dele. Quero
aprender a lutar, usar armas, defender-me, manter vivos meus
companheiros e meus concidadãos judeus.
Rayford levantou-se, caminhou até a janela sem tela e olhou para
a imensidão do céu.
- Estou estarrecido - ele disse.
- Não pense que não consultei o Senhor sobre esta decisão.
- Não lhe basta ser rabino, professor, pregador? Agora quer
também ser soldado?
- Ouça, Rayford. Eu me identifico com o Senhor, meu Messias.
Não posso ficar sentado aqui enquanto o anticristo e seus exércitos do
mundo inteiro aquartelam-se ao redor de Jerusalém. Não vou ficar parado
vendo judeus inocentes serem mortos. A Bíblia diz que um terço dos
judeus remanescentes aceitarão o Messias antes do fim. Isso significa
que muitos, muitos mais do que já o aceitaram, necessitam ser
alcançados. Quero pregar em Jerusalém, Rayford. É o que estou
tentando lhe dizer.
- Você será morto.
- Prefiro acordar no céu uns dias antes e juntar-me ao exército que
virá com o Messias, sabendo que morri lutando, a ficar sentado aqui em
Petra assistindo tudo pela TV.
- Não sei se posso permitir isso.
- Se o Senhor permitiu, acho que você não tem escolha. Ora,
Rayford, sente-se. Não quero seguir para lá ingenuamente, seguir para lá
despreparado. Já cheguei à casa dos 50, mas não sou velho. Sei que não
sou jovem, mas estou em forma. Se Mac McCullum pode fazer tantas
coisas na idade que tem, é claro que eu também posso. Sei que minhas
mãos são macias como as de um intelectual, mas quanto tempo vai
demorar para que elas fiquem calejadas e eu aprenda a lidar com uma
arma?
- Vejo que você está falando sério.
- Ninguém vai me dissuadir. Estou mais que disposto a transmitir
ensinamentos a seu grupo sobre tudo o que sei que vai acontecer. Mas
meu preço é ser aluno do Sr. Sebastian.
Rayford sentou-se e balançou a cabeça de um lado para o outro.
- Talvez você não seja um velho caduco, mas é muito teimoso.
- Teimosia também não faz parte dos atributos de um guerreiro?
- Ah! Agora você é um guerreiro.
- Espero ser.
- Você consultou os anciãos?
- Se eu os informei? Sim. Se eles ficaram felizes? Não. Se eles
orarão por mim? Sim. Se eu me importo com a opinião deles? Só se a
resposta deles for sim.
***
Buck não podia acreditar.
- Sou forçado a admirar a coragem dele. Nunca vou me esquecer
da noite em que ele e eu conversamos pela primeira vez com as duas
testemunhas no Muro das Lamentações. Foi antes de eu saber que o Dr.
Ben-Judá era crente. Eu também era novato no assunto, mas reconheci a
passagem registrada em João 3 e a conversa que Jesus teve à noite com
Nicodemos. Foi comovente.
- E eu nunca vou me perdoar se permitir que Tsion saia daqui e
acontecer alguma coisa com ele - disse Rayford.
- Ele é um homem durão. Afrontou Carpathia em um programa de
TV internacional, dizendo que Jesus era o Messias. E, depois que sua
família foi trucidada, sei que ele gostaria mais de carregar uma Uzi do que
uma Bíblia. Ele poderia ser muito valioso ao grupo de militares. É o único
que sabe pregar e ensinar. Dou meu voto a ele.
- Não estou pondo o assunto em votação.
- Você já conseguiu um voto. Alguém votaria contra?
- Talvez eu - disse Rayford.
- Você é mais covarde que ele.
***
Mac achou graça quando soube da história. Foi totalmente
favorável a que Tsion aprendesse a ser um soldado e fosse com eles
para Jerusalém. Ele freqüentou as aulas de Tsion na sala de reuniões
particular todas as semanas dos meses seguintes e aprendeu muito
sobre a batalha final, muito mais do que podia imaginar. Ele via um brilho
nos olhos do rabino e sabia, apesar das apreensões de Rayford, que
Tsion estava decidido a ir.
Uma noite, Tsion começou a aula lendo Judas 14,15:
- "Quanto a estes foi que também profetizou Enoque, o sétimo
depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas
miríades, para exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os
ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e
acerca de todas as palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram
contra ele."
- Vocês entenderam isto, meus amigos? A palavra que ele repete
tantas vezes? Cala fundo dentro de nós quando um profeta de Deus se
refere aos ímpios quatro vezes em uma mesma sentença, não é mesmo?
Esses inimigos nossos são inimigos de Deus. Eles vieram para roubar,
matar e destruir tudo o que é de Deus. Mas Jesus diz em João 10.10 e
11: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. Eu sou o
bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas." Oh!, que maravilha
ser um pastor chamado para dar a vida pelas suas ovelhas!
- Muitos de vocês têm me perguntado de onde extraí a idéia de
que um terço do povo escolhido de Deus se voltará para Ele antes do fim.
Abram suas Bíblias em Zacarias 13. É o penúltimo livro do Antigo
Testamento. Nos versículos 8 e 9, o profeta menciona o Remanescente
de Israel: "Em toda a terra, diz o SENHOR, dois terços dela serão
eliminados e perecerão; mas a terceira parte restará nela. Farei passar a
terceira parte pelo fogo, e a purificarei como se purifica a prata, e a
provarei, como se prova o ouro; ela invocará o meu nome, e eu a ouvirei;
direi: é meu povo, e ela dirá: O SENHOR é meu Deus."
- Mas, conforme já lhes disse antes, chamar este último conflito de
Batalha do Armagedom não é correto, porque esse lugar é apenas o
palco que abrigará os exércitos do mundo. Os verdadeiros conflitos
ocorrerão aqui em Petra, ou perto daqui, uma vez que Deus provou que
esta cidade é impenetrável, e em Jerusalém. Para ser mais preciso, o
último conflito deveria chamar-se Batalha do Grande Dia do Deus Todo-
Poderoso.
Buck levantou a mão.
- Tenho ouvido você dizer isto há anos e ainda não entendi a
seqüência dos fatos. Como essa seqüência se dará?
Tsion riu.
- Os estudiosos têm debatido esta questão desde que o mundo é
mundo. Descobri que a única maneira de compreender seria deixar minha
Bíblia e todos os meus livros e comentários abertos e procurar fazer uma
lista dos vários estágios dos eventos.
- Em minha opinião, oito eventos ocorrerão após o sexto
Julgamento das Taças, que secará as águas do rio Eufrates. A propósito,
esse evento possibilitará que os reis do leste transportem seus
armamentos de guerra diretamente à planície do Megido, por terra seca,
poupando o tempo que demoraria para transportá-los por mar ao redor
dos continentes. Não existe comprovação bíblica para esta próxima
afirmativa, porém, em minha humilde opinião, trata-se de uma armadilha
preparada pelo Deus Todo-Poderoso. Deus vai atrair esses governadores
e seus exércitos diretamente para o lugar que Ele deseja.
- Independentemente disto, assim que as águas do Eufrates
secarem, veremos o ajuntamento dos aliados do anticristo. A seguir, creio
eu, virá a destruição de Babilônia. Isaías 13.6-9 diz: "Uivai, pois está perto
o Dia do SENHOR; vem do Todo-poderoso como assolação. Pelo que
todos os braços se tornarão frouxos, e o coração de todos os homens se
derreterá. Assombrar-se-ão, e apoderar-se-ão deles dores e ais, e terão
contorções como a mulher parturiente; olharão atônitos uns para os
outros; o seu rosto se tornará rosto flamejante. Eis que vem o Dia do
SENHOR, dia cruel, com ira e ardente furor, para converter a terra em
assolação e dela destruir os pecadores."
- Puxa! - exclamou Buck. - Não sei se quero estar lá para ver isso.
- Você estará em Jerusalém nessa época, Buck – disse Rayford.
- Eu também - disse Tsion. - Depois da destruição de Babilônia
virá a queda de Jerusalém, o que incentivará as tropas aliadas do
anticristo. Elas se reunirão com seus compatriotas aqui neste lugar, que a
Bíblia chama de Bozra. Imediatamente a seguir, virá o que eu chamo de
regeneração nacional de Israel.
- Em Romanos 11.25-27, o apóstolo Paulo escreve: "Porque não
quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais presumidos
em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja
entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo o Israel será salvo, como
está escrito: Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as
impiedades. Esta é a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus
pecados."
- A seguir, virá a boa nova - disse George. - Pelo menos foi o que
entendi quando li a passagem.
- Exatamente - disse Tsion. - O Glorioso Aparecimento. Jesus
Cristo vem em um cavalo branco com um exército de 10 mil santos.
Independentemente do que o anticristo pensa que vai acontecer, seu fim
está próximo.
- Vocês querem ouvir uma metáfora bizarra? Quando João fala
disto em Apocalipse, ele diz o seguinte nos versículos 19 e 20 do capítulo
14: "Então, o anjo passou a sua foice na terra, e vindimou a videira da
terra, e lançou-a no grande lagar da cólera de Deus. E o lagar foi pisado
fora da cidade, e correu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, numa
extensão de mil e seiscentos estádios."
- Pensem nisto! Quando Jesus e seu exército santo finalmente
exterminarem os aliados do anticristo, o massacre será tão grande que o
sangue derramado no vale central de Israel atingirá a altura dos freios de
um cavalo. Que altura é esta? Creio que 1,20 metro ou mais.
- E o que significa uma extensão de 1.600 estádios?
- Gostei de sua pergunta, George - disse Tsion -, porque eu já
estudei isso. Significa cerca de 295 quilômetros, a distância aproximada
de Armagedom a Edom.
- Mas até agora vimos seis eventos - disse Buck. - Haverá mais
dois?
- Sim. O final da batalha se dará no vale de Josafá, que é
basicamente a área que vai daqui até o sul de Jerusalém, a oeste do mar
Morto. Pelo fato de Petra ser um lugar protegido, todos os exércitos do
anticristo só poderão lutar fora daqui.
- E, finalmente, a vitória de Jesus subindo o monte das Oliveiras.
Quero estar lá para ver.
- Você estará - disse Rayford. - Se estará vivo, esta é outra
história.
DEZOITO
Seis anos e onze meses dentro da Tribulação
Faltando apenas algumas semanas para o apogeu dos eventos
finais, Rayford já se acostumara à idéia de que Tsion partiria para
Jerusalém.
- Minha concordância não significa que eu apoio sua decisão,
certo, Tsion?
- Eu sei muito bem. Mas talvez eu o conheça melhor que você
mesmo. Depois de toda esta conversa, você ficaria desapontado se eu
desistisse.
- Desapontado? Aliviado. Eu sinto que vou ter de responder
perante Deus pelo que acontecer a você.
- Confie em mim. Vou deixar você fora disto.
- Quero ver suas mãos, meu velho.
- Eu já lhe disse. - Tsion esticou as mãos. - Não sou tão velho
assim.
- Mais velho do que eu, e está há muito tempo sob meu comando -
disse Rayford. - Esses calos são impressionantes. George e Razor me
contaram que você está começando a acertar o alvo com aquela Uzi.
- Não entendo como alguém não consegue acertar. Ela dispara
tantos projéteis em tão curto espaço de tempo que, para mim, é o mesmo
que usar uma mangueira de jardim. Se eu errar o alvo, é só movimentá-la
para a frente e para trás que eu acerto.
- Falando sério, doutor, o que você planeja fazer? Ficar em algum
lugar e pregar com uma arma dependurada no ombro?
- Sim, se for necessário. Rayford, nós nos conhecemos há muito
tempo e podemos ser francos um com o outro. Eu sinto um impulso muito
grande de fazer um apelo a meus compatriotas para que eles entreguem
suas vidas ao Messias, e não posso acreditar que meu físico será um
empecilho para mim. Eu preciso estar lá; eu preciso pregar. Não quero
usar disfarce algum. Acho que a CG deixou de se preocupar comigo.
- Você está falando sério? O líder internacional dos judaístas...
- Este é um termo que eles usam em relação a nós. Eu, pelo
menos, não o uso.
- Mas, Tsion, todo mundo conhece você. Se eles acharam que
minha filha era uma presa muito preciosa, imagine se você for pego.
Tsion meneou a cabeça negativamente.
- Se Deus incutiu essa idéia de uma forma tão enraizada em meu
coração, talvez Ele esteja me dizendo que serei protegido de maneira
sobrenatural.
- Bem, Ele vai ou não vai proteger você?
- Eu só sei que preciso ir.
- Estou enviando Buck com você. Prometi uma missão para ele
em Jerusalém. Não posso imaginar uma tarefa de mais ação do que essa
que vocês vão realizar.
- Eu me sentiria honrado se Buck fosse meu guarda-costas. Ele
recebeu treinamento militar como George?
- Ninguém daqui recebeu. Mas George está empenhado em
outras tarefas, você sabe.
- Sim, defender o perímetro daqui. Ele me contou. Minha pergunta
é a seguinte: se os limites da cidade são intransponíveis, por que não
deixamos o perímetro de lado?
- Porque o povo está buscando refúgio aqui o tempo todo, e eles
só se sentem seguros quando entram.
- Mas eles estão seguros no ar. Como você explica isso?
- Eu deixei de questionar as coisas de Deus, Tsion. Estou
surpreso por você estar questionando.
- Ora, Rayford, você acabou de cair em uma de minhas
armadilhas. Você sabe que eu adoro citar a Palavra de Deus.
- Claro.
- Quando você falou em questionar as coisas de Deus, eu me
lembrei de uma de minhas passagens favoritas. Ironicamente, o versículo
justifica minha ida, apesar do perigo.
- Estou ouvindo.
- Romanos 11.33-36: "Ó profundidade da riqueza, tanto da
sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os
seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois,
conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem
primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por
meio dele, e para ele são todas as cousas. A ele, pois, a glória eternamente.
Amém."
- Impressionante.
- Esta passagem, meu amigo, antecede o primeiro versículo do
capítulo 12, que é minha justificativa: "Rogo-vos, pois, irmãos, pelas
misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo,
santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional."
- Só espero que seja um sacrifício vivo, Tsion.
***
De acordo com as conclusões de Chang, Carpathia acreditava na
profecia sobre o rio Eufrates, cujas águas secariam, porque ele havia
aprovado que fossem colocados equipamentos sensíveis no rio para
registrar informações que eram transmitidas ao computador central da CG
e avaliadas pelos técnicos. Chang, é claro, monitorava tudo em Petra.
Depois de quase quatro semanas, quando o evento ocorreu, ele tomou
conhecimento antes da CG.
- Aconteceu! - ele gritou, em pé diante de seu computador.
Todos deram um salto e olharam para ele. Naomi veio correndo.
- Havia água no rio Eufrates um minuto atrás, e agora ele está
completamente seco. Podem apostar que amanhã este fato estará nos
noticiários. Haverá alguém em pé no leito seco do rio, para mostrar que é
possível andar sem medo da lama ou da areia movediça.
- É fantástico - disse Naomi. - Isto é, eu sabia que ia acontecer,
mas não parece que Deus resolveu fazer tudo isto de uma só vez? Esse
rio não tem 800 quilômetros de comprimento?
- Tinha.
Os vôos de reconhecimento de Mac e Abdullah sobre a área
mostraram que os armamentos foram retirados dos arsenais de Al Hillah
até deixá-los completamente vazios. Após alguns dias, imensas colunas
de soldados, tanques, caminhões e armamentos começaram a dirigir-se
para o oeste, vindos de regiões distantes como Japão, China e Índia.
- E aqui - Chang contou a Naomi - está a chance que Tsion
aguardava, quer ele saiba disto ou não. Veja só.
- Chang imprimiu uma ordem expedida pelo próprio Suhail Akbar,
instruindo os homens das Forças Pacificadoras da Comunidade Global e
os Monitores de Moral que abandonassem todas as tarefas atuais e se
deslocassem para o Exército da Unidade Mundial Um da CG. "Seus
superiores também receberam esta ordem, e vocês se reportarão a eles
dentro de 24 horas na área demarcada ou terão de enfrentar as conseqüências
por deserção."
- Como ficarão as ruas? - Naomi perguntou.
- Não posso imaginar, meu amor. Os loucos passarão a dirigir o
hospício. Mas isso significa que as pessoas sem a marca de Carpathia
poderão sair dos esconderijos.
- Se elas tiverem coragem. Ainda existe um prêmio pela cabeça
delas. Os cidadãos leais as matarão e amontoarão os corpos, esperando
o fim da guerra para receber a recompensa.
- Eles ficarão desapontados.
***
- Eu preciso partir o mais breve possível - disse Tsion a Rayford. -
Qual é o meio mais rápido para Cameron e eu chegarmos a Jerusalém?
- De helicóptero, eu suponho, se conseguir encontrar um piloto.
- O que você está fazendo neste momento?
- Hã? Bem, acho que nada. Alguma coisa mais?
Tsion riu.
- Eu não posso esperar. Já coloquei alimentos e uma muda de
roupas em uma sacola. Se Cameron atendeu ao meu pedido, deve ter
feito o mesmo. Quem pode me dizer se há um helicóptero disponível?
- Encontre-se comigo no heliponto daqui a meia hora.
***
Priscilla Sebastian fez um esforço enorme para distrair Kenny
Bruce enquanto Buck procurava desvencilhar-se do abraço do filho.
- Vou voltar logo - disse Buck. - Preciso viajar com o tio Tsion.
Kenny não disse nada. Apenas agarrou-se com mais força ao
pescoço de Buck.
- O vovô vai nos levar, mas volta logo, está bem? Você vai ficar
alguns dias com ele enquanto eu estiver viajando.
Kenny soltou-se um pouco do abraço e olhou para Buck.
- O vovô?
- Isso mesmo.
- Vou passear de avião?
- Claro que sim.
- Quando?
- Logo. Assim que ele voltar.
- Eu quero ir com você.
- Não há lugar. Agora, seja um bom menino e vá brincar com Beth
Ann. O vovô vai voltar logo. Está bem?
- Tá bem.
***
Mac estava trabalhando com Otto Weser e George planejando a
saída dos crentes de Nova Babilônia, assim que a ordem chegasse para
o povo de Deus deixar o local. Ninguém, nem mesmo Tsion, sabia como
esse aviso sobrenatural seria dado ou se alguém de fora de Nova
Babilônia o ouviria.
- Sei que existem algumas células lá - disse Otto. - Deixei
instruções com um dos líderes, uma mulher, para me ligar assim que ela
receber o aviso. Não sei mais o que fazer. Vou dizer a eles que nos
encontrem na pista aérea do palácio e espero que tenhamos uma
aeronave com tamanho suficiente para tirar todo o pessoal de lá.
- Não podemos fazer mais do que já estamos fazendo - disse Mac.
Naomi os interrompeu.
- Querem dizer adeus a Tsion? Todos estão se reunindo para a
despedida.
- Ele já está partindo?
Ela contou o motivo a Mac.
- Tsion nunca deixa a idéia esfriar, não é mesmo? Ele, George e
Otto acompanharam Naomi a um lugar descampado perto do heliponto,
onde havia centenas de milhares de pessoas aglomeradas.
- As notícias voam por aqui, não, Otto?
- Sr. McCullum, muitas pessoas daqui estão chorando. Ele só vai
a Jerusalém, não é mesmo? A distância não pode ser de mais de cem
quilômetros. E, com certeza, ele vai voltar.
- As pessoas estão chorando, Otto, porque não sabem se ele vai
voltar.
Rayford retardou o momento de ligar o helicóptero para que Tsion
pudesse ser ouvido. O rabino tirou um lenço branco do bolso e acenou
para o povo enquanto Buck subia a bordo.
- O pessoal daqui vai cortar seu pescoço se você voltar sem ele,
Rayford - disse Buck.
- E eu planejo estar de volta dentro de uma hora ou menos.
- Eu preferiria não voltar sem ele - disse Buck.
- Pessoal! Pessoal! - gritou Tsion. - Estou emocionado diante da
bondade de vocês. Orem por mim, para que eu tenha o privilégio de levar
muito mais almas ao reino. Faltam poucos dias para a batalha, e vocês
sabem o que isso significa. Aguardem e estejam vigilantes. Preparem-se
para o Glorioso Aparecimento! Se eu não voltar até lá, nós nos
reuniremos em breve.
- Vocês estarão em meus pensamentos e em minhas orações, e
sei que estarão me acompanhando em pensamento e com orações.
Obrigado mais uma vez! Vocês estão nas boas mãos de Chaim
"Miquéias" Rosenzweig. Adeus a todos!
Tsion continuou a acenar enquanto entrava no helicóptero.
Rayford viu lágrimas nos olhos do rabino enquanto ele atava o cinto de
segurança.
***
- Alguma coisa deve estar passando em sua mente - disse Naomi,
enquanto ela e Chang caminhavam de mãos dadas.
Ele acabara de transmitir ao helicóptero de Rayford um esquema
de Jerusalém com os vários locais de pouso que poderiam ser usados.
Chang encolheu os ombros.
- Às vezes, eu me sinto feliz por estar protegido aqui e poder
dormir em paz, o que não acontecia no palácio, mas, outras vezes, penso
que escolhi o caminho mais fácil. Todos estão se preparando para a
batalha.
- Oh! Chang. Não diga isto. Você dedicou anos de trabalho na
linha de frente. E, de qualquer forma, sabe muito bem que é muito mais
importante aqui no centro do que lá fora, atirando em alguém ou
recebendo tiros. Não sei o que faríamos sem você.
- Vocês estavam indo muito bem antes de minha chegada.
Naomi soltou a mão de Chang e colocou as duas mãos nos
quadris, olhando firme para ele.
- Você tem memória curta, Chang Wong. Como pode esquecer
que eu passei muitas horas do dia no computador com você, embora
estivéssemos a mais de 800 quilômetros de distância um do outro? Eu
não teria chegado a lugar algum sem a sua ajuda, e é assim que me sinto
agora.
- Tudo está funcionando a contento aqui. Eu poderia me ausentar
por algumas semanas.
- Eu não estava falando profissionalmente, Chang. Pode me
chamar de egoísta, mas estou feliz por você não ter se aventurado a sair
daqui. O meu pai me ama, mas não da maneira como você me ama.
- Espero que isso seja verdade. Ela sorriu.
- Eu gosto de ficar ao lado dele, apesar de saber que é raro uma
jovem de minha idade dizer isto. Mas prefiro estar com você. Lembre-se,
quero sobreviver para ficarmos juntos durante mil anos. Não vamos
arriscar isso por causa de um peso em sua consciência.
- Você acha que eu não seria um bom soldado.
- A bem da verdade, eu acho, Chang. Sei que você tem a metade
do tamanho de Sebastian e usa muito mais a razão do que Buck Williams.
Mas acredito que a personalidade e o caráter de uma pessoa são
produtos da pressão que ela sofre, e tenho visto você trabalhar sob
pressão. Com um pouco de treinamento, você poderia ser capaz de
vencer os obstáculos.
***
Rayford estava analisando as transmissões de Chang e tentando
discutir com Buck o melhor lugar para pousar o helicóptero. Buck,
atarefado vasculhando sua sacola, disse:
- É você quem vai decidir, Ray. Acho que não existe um lugar
menos perigoso que outro.
- Lembre-se que toda essa gente da CG deverá estar no Megido
amanhã - disse Rayford. - E não hoje. Talvez eles queiram efetuar a
prisão de uma personalidade famosa.
- Não concordo com você - disse Buck. - Eles receberam a ordem
de abandonar todas as tarefas atuais e se deslocar para o lugar onde
precisam estar. Não conheço homem fardado algum que não cumpra as
ordens recebidas.
- Eu só preciso que você me leve ao Muro das Lamentações,
Rayford - disse Tsion. - Quero estar pregando quando descer deste
helicóptero.
- Você não poderia ter escolhido um lugar mais perigoso.
- O perigo não é importante neste momento, capitão. O tempo é.
O Dia do Senhor está chegando. Não devemos ficar parados enquanto o
inimigo ataca.
- Para você, é fácil dizer isto, Tsion.
- Não é, a menos que eu esteja em terra firme. Agora, por favor,
faça o que estou pedindo.
Rayford avistou o Monte do Templo. Estava apinhado de gente.
- Droga! - ele disse.
- Eles vão se afastar de lá - disse Tsion. - Confie em mim. Comece
a descer, e eles sairão do caminho. Por favor.
DEZENOVE
O desaparecimento instantâneo das águas do rio Eufrates foi útil
apenas para os reis do leste, que transportaram suas armas direto para
Israel através do leito seco.
O restante do Crescente Fértil deixou de ser fértil. A irrigação
cessou, as usinas hidrelétricas foram desligadas e as fábricas, fechadas.
Em resumo, tudo o que dependia da força motora do grande rio entrou,
imediatamente, em fase terminal.
A previsão feita por Chang estava correta. Os noticiários da
CNNCG mostravam os repórteres em pé no meio do leito seco do rio.
Porém, todos aqueles pronunciamentos mirabolantes do tipo "não posso
acreditar que estou em pé aqui, neste mesmo lugar que, se fosse ontem,
eu estaria a 30 metros abaixo da superfície" não serviram para alegrar
milhões de pessoas que dependiam do Eufrates para viver.
***
Buck não se surpreendeu ao constatar que Tsion estava certo.
Quando Rayford pousou o helicóptero em uma área livre no Monte do
Templo, centenas de pessoas iradas se espalharam, levantando as mãos
fechadas em direção a ele.
Buck pegou sua sacola e escondeu a Uzi nas costas, sob a
jaqueta. Saltou do helicóptero e correu à procura de abrigo embaixo de
um arbusto perto do Muro. Ao olhar para trás, viu Tsion fazendo o mesmo
e surpreendeu-se diante da agilidade do guerrilheiro recém-treinado.
Eles se ajoelharam para recuperar o fôlego e viram Rayford
levantar vôo. A figura do helicóptero desaparecendo ao longe desviou a
atenção do povo. Buck olhou ao redor.
- Foi aqui que eu vi as duas testemunhas subindo ao céu três
anos e meio atrás - ele disse.
***
A velha curiosidade voltou a perseguir Rayford. Ele não conseguia
livrar-se dela. Era impossível chegar tão perto do Armagedom - a uma
distância de pouco mais de 110 quilômetros, segundo seus cálculos - e
não sobrevoar o local. Seria uma loucura, ele sabia.
Talvez encontrasse um congestionamento aéreo pela frente.
Porém, a possibilidade de ver de cima tudo aquilo sobre o qual tinha
ouvido, lido e orado o atraía como se fosse um ímã. E se a conseqüência
fosse mergulhar em um abismo da mesma forma que uma jangada
despenca de uma cachoeira, valeria a pena correr o risco.
***
- Veja, Cameron - disse Tsion. - Veja todos aqueles homens sem
a marca! Eles estão andando com ar de orgulho, sorrindo uns para os
outros, como se estivessem desafiando a CG.
As Forças Pacificadoras da Comunidade Global e os Monitores de
Moral haviam sumido dali. Mas a guerra pairava no ar. Pelo
comportamento dos judeus devotos no Monte do Templo, ficou claro que
o terror tomara conta do local. Os judeus sabiam onde a CG estava e
sabiam também que, em breve, se tornariam alvo de Carpathia.
- Os anciãos estão diante do Muro - disse Tsion -, orando
fervorosamente e com plena liberdade, como não acontecia tempos atrás.
Meu coração está quebrantado por eles. Os mais jovens estão
conversando, planejando, procurando armas. Estão determinados a
defender esta cidade, da mesma forma que eu.
- Mas a cidade vai ser destruída, Tsion. Você mesmo disse isto.
- Apenas temporariamente, e quanto maior for o número de
pessoas que conseguirmos manter vivas, maior será o número que
entrará no reino de Deus. É esta a minha preocupação principal.
***
Mac não sabia ao certo o que fazer com Otto Weser. Otto era um
bom sujeito, sem dúvida, mas pensava à maneira de um amador. Talvez
tivesse sido um madeireiro bem-sucedido na Alemanha, mas Mac não
queria ter Otto como seu superior durante um combate.
- Você não percebe, McCullum - Otto estava dizendo -, que se
estivermos pisando em solo firme na pista aérea do palácio quando o
aviso sobrenatural for dado, estaremos mais que preparados para fazer o
pessoal subir a bordo e sair de lá?
- E se não ouvirmos o aviso ou os crentes não conseguirem
chegar à pista aérea? Vamos ficar sentados vendo a cidade desabar ao
redor de nós.
- Mas, como crentes, nós não seremos protegidos?
- Pense, homem! Se os crentes estivessem protegidos, por que
Deus haveria de pedir que seu povo saísse de lá antes de destruir o
local?
***
- Eu não quero esperar mais, Cameron. Vou até o Muro e começar
a pregar.
- Mas e se...
- Não há mais tempo para pensar - disse Tsion. - Estamos aqui
com um objetivo, e vou até o fim. Você vai me dar cobertura? Vai me
acompanhar? O que vai fazer?
- Vou com você. Ninguém notará minha presença assim que você
começar a falar.
Tsion cobriu a cabeça com um solidéu e entregou outro a Buck.
- Não faz sentido sermos apedrejados por infringir os costumes
daqui - disse Tsion. - Estamos nos dirigindo a um lugar santo.
Eles esconderam as sacolas entre uma árvore e uma cerca de
ferro pintada de preto. Usando roupas folgadas de lona e com as Uzis
presas ao corpo, eles rastejaram para sair do meio das árvores e
correram em direção ao Muro.
- Ei, velhote, 200 Nicks por essa arma!
- Eu ofereço 300! - disse outra pessoa.
- A arma não está à venda! - gritou Tsion. - Venham ouvir o que
tenho a lhes oferecer!
A área diante do Muro das Lamentações estava apinhada de
judeus com trajes tradicionais, ansiosos por enfiar suas orações nas
fendas entre as pedras. Muitos começavam a orar antes mesmo de
chegar perto do Muro. Provavelmente, o local esteve deserto no dia
anterior. E qualquer pessoa com trajes religiosos, mesmo tendo a marca
de Carpathia, teria sido enviada a um campo de concentração ou
executada.
Assim que Buck e Tsion começaram a abrir caminho para chegar
ao Muro, os homens olharam firme para eles e resmungaram. Tsion
gritou, sem hesitação:
- Homens de Israel, ouçam-me! Eu sou um de vocês! Tenho
notícias para lhes dar!
Ficou claro que o povo imaginou que as notícias seriam sobre o
ataque iminente, porque todos começaram a se ajuntar. Tsion subiu em
um lugar um pouco mais alto para poder ser visto e ouvido.
- Lutaremos até a morte! - alguém gritou.
- Eu sei e também vou lutar até a morte! - disse Tsion. - Vocês
estão vendo que tenho a cabeça coberta e que não há marca alguma em
minha testa ou em minha mão.
Os homens o aplaudiram.
- Muitos de nós morreremos neste conflito - prosseguiu Tsion. -
Estou disposto a entregar minha vida em favor de Jerusalém!
- Nós também - gritaram vários judeus em uníssono.
- Precisamos de armas!
- Precisamos de informações!
- Vocês precisam - ecoou a voz de Tsion - do Messias!
Os homens gritaram. Muitos riram. Outros murmuraram.
Não era exatamente isto o que esperavam ouvir.
- Muitos de vocês me conhecem! Sou Tsion Ben-Judá. Tornei-me
persona non grata quando falei ao mundo inteiro sobre minhas
descobertas depois de ter sido encarregado de estudar as profecias
referentes ao Messias.
Muitos se lembraram e aplaudiram. Embora discordassem
claramente das conclusões de Tsion, eles pareciam admirá-lo.
- Minha família foi trucidada. Eu fui exilado. Minha cabeça foi
colocada a prêmio.
- Então, por que você está aqui, homem? Você não sabe que os
demônios da Comunidade estão voltando?
- Eu não tenho medo deles, porque o Messias também está
voltando! Não zombem! Não virem as costas para mim!
A maioria continuou a olhar para Tsion.
- Prestem atenção ao nosso Texto Sagrado. O que vocês acham
que isto significa?
Tsion leu Zacarias 12.8-10:
- "Naquele dia, o SENHOR protegerá os habitantes de Jerusalém; e
o mais fraco dentre eles, naquele dia, será como Davi, e a casa de Davi
será como Deus, como o Anjo do SENHOR diante deles. Naquele dia,
procurarei destruir todas as nações que vierem contra Jerusalém. E sobre
a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o espírito
da graça e de súplicas; olharão para aquele a quem traspassaram;
pranteá-lo-ão como quem pranteia por um unigênito e chorarão por ele
como se chora amargamente pelo primogênito."
- Explique para nós o que isto significa!
- Deus está dizendo que tornará os mais fracos de nós em
pessoas fortes como Davi. E Ele destruirá as nações que investirem
contra nós. Meus queridos amigos, seremos atacados por todas as
nações da Terra!
- Nós sabemos. Carpathia não fez segredo disto!
- Deus, porém, diz que finalmente "olharão para aquele [Eu] a
quem traspassaram", e que choraremos por Ele como se chora a morte
de um primogênito. O Messias foi traspassado! E Deus se refere ao
traspassado usando a palavra "aquele [Eu]"! (itálicos acrescentados). O
Messias também é Deus.
- Amados, meus estudos exaustivos sobre as centenas de
profecias referentes ao Messias levaram-me a uma única conclusão
lógica. O Messias nasceu de uma virgem em Belém. Ele viveu sem
pecado. Foi falsamente acusado. Foi assassinado injustamente. Morreu,
foi sepultado e ressuscitou depois de três dias. Estas profecias são
suficientes para apontar Jesus de Nazaré como o Messias. É Ele que
está vindo para lutar por Israel. Ele vingará todos os erros que foram
perpetrados contra nós ao longo dos séculos.
- O tempo é curto. O dia da salvação está aqui. Talvez vocês não
tenham tempo para estudar as profecias. O Messias é a promessa de
Deus para nós. Jesus é o cumprimento dessa promessa. Ele está vindo.
Preparem-se para a chegada dele!
***
O helicóptero de Rayford não era a única aeronave que
sobrevoava a planície do Megido. Mesmo tendo de fazer um esforço
enorme para desvencilhar-se do tráfego aéreo, ele não conseguia desviar
o olhar do solo. Ele subiu até a uma altura de onde pôde avistar o vale
inteiro, de cerca de 900 hectares.
A poeira parecia levantar-se a mais de mil metros à medida que os
tanques, caminhões para transporte de pessoal, lançadores de mísseis,
tropas da cavalaria e infantaria aproximavam-se da área. Rayford nunca
vira tantas pessoas aglomeradas em um mesmo lugar. Parecia que um
exército de milhões de soldados estava se posicionando na imensa área
reservada à concentração de todos os exércitos do mundo.
Ele também podia enxergar o movimentado porto de Haifa, onde
imensos navios formavam filas enormes, à espera de desembarcar
armamentos e tropas.
Militares e equipamentos de todas as regiões abarrotavam o local.
Apesar da imensidão da área, parecia que não havia lugar para mais
nada. E, mesmo assim, os exércitos continuavam a chegar.
***
A princípio, Buck pensou que Tsion estivesse ofendendo a
multidão de judeus piedosos. Muitos ordenaram que ele calasse a boca;
outros se afastaram. Mas alguns pediram silêncio e chamaram outras
pessoas para ouvirem a mensagem de Tsion. A aglomeração foi
aumentando cada vez mais, apesar do barulho e da confusão.
Tsion parecia ter as forças renovadas. Ele começou a citar trechos
bíblicos e explicar o que significavam, sem aguardar a reação do povo.
Sua mensagem passou do diálogo ao monólogo. O povo tinha os olhos
cravados nele.
- Sim, os exércitos do mundo estão chegando. Enquanto falamos
aqui, eles estão se dirigindo para o norte, com o objetivo de destruir
Jerusalém e nos matar. Mas eu lhes peço que "Não temais os que matam
o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer
perecer no inferno tanto a alma como o corpo" (Mt 10.28). Sim, vocês
sabem de quem estou falando. O Messias está vindo! O Messias vencerá!
Estejam preparados para sua chegada!
- Se quiserem saber como se preparar para a vinda dele, reúnamse
aqui à minha esquerda e ouçam o que o meu colega tem a lhes dizer.
Por favor! Venham agora! Não demorem! Este é o momento! Hoje é o dia
da salvação.
Buck estava atônito. Não se preparara para falar, mas, quando viu
os judeus reunidos a seu redor, olhando com ar de expectativa, ele
murmurou uma oração desesperada, e Deus lhe deu as palavras.
- Quando vocês, povo judeu, entenderem que Jesus é o Messias
aguardado há tanto tempo - disse Buck -, não estarão se convertendo de
uma religião para outra, não importa o que outras pessoas digam. Vocês
encontraram o Messias, só isso. Tudo o que vocês estudaram e ouviram
durante a vida inteira é o alicerce para aceitarem o Messias e o que Ele
tem feito por vocês.
Buck passou a falar do plano de salvação, pedindo àqueles
homens famintos e sedentos que confessassem a Deus que Jesus era o
Messias.
- Ele não virá apenas para vingar Jerusalém, mas para salvar a
alma de vocês, perdoar seus pecados, conceder-lhes a vida eterna com
Deus.
***
- Naomi! - Chang gritou. - Venha ver isto.
Carpathia estava sendo entrevistado pela CNNCG.
Pelas imagens mostradas, ele ainda não se encontrava no
Armagedom. Montado em um enorme cavalo preto, ele empunhava uma
espada muito larga e comprida, cujo peso teria derrubado da sela um
homem de menor estatura. Ele calçava botas de couro de cano alto e ria
o tempo todo.
- Temos o poder absoluto e a mais moderna tecnologia em nossas
mãos - ele gritou à repórter que segurava o microfone com o braço
esticado para alcançá-lo. - Meus meses de estratégia terminaram, e
elaboramos um plano infalível. Isso me possibilita encorajar as tropas,
estar presente no campo de batalha, sentir-me fortalecido, ser um
símbolo visual para que todos se lembrem de que a vitória está próxima
e, em breve, a teremos em nossas mãos.
- Aproxima-se o momento, meus irmãos e irmãs da Comunidade
Global, em que reinaremos vitoriosos. Eu retornarei para reconstruir meu
trono como rei vencedor. Finalmente, o mundo será unificado! Comecem
a regozijar-se desde já!
***
A notícia de que Tsion Ben-Judá estava diante do Muro das
Lamentações pregando aos judeus começou a correr de boca em boca, e
um número cada vez maior de pessoas afluía ao local.
- A Bíblia profetiza o que vai acontecer brevemente! - ele disse. -
Ouçam mais uma vez as palavras de Pedro: "Virá, entretanto, como
ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso
estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as
obras que nela existem serão atingidas. Visto que todas essas cousas
hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo
procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de
Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os
elementos abrasados se derreterão. Nós, porém, segundo a sua
promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça"
(2 Pe 3.10-13).
- Esta é a promessa, a promessa que estamos aguardando! Por
quantas gerações temos orado pedindo a paz? Brevemente, após o
conflito, teremos a paz eterna!
- O Messias retornará como o Rei dos reis. Ele prometeu voltar,
vencer Satanás e instalar seu reino milenar aqui, restabelecer Israel e
fazer de Jerusalém a capital eterna!
- Depois que um número aproximado de um bilhão de seguidores
do Messias foram levados desta terra nos desaparecimentos ocorridos
sete anos atrás e que foram profetizados mais de dois mil anos antes,
muitos judeus e gentios aceitaram Jesus Cristo como o verdadeiro
Messias.
- Nosso profeta Joel predisse os dias que estamos vivendo.
Ouçam as palavras das Sagradas Escrituras: "E acontecerá, depois, que
derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas
filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões;
até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito
naqueles dias. Mostrarei prodígios no céu e na terra; sangue, fogo e
colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue,
antes que venha o grande e terrível Dia do SENHOR. E acontecerá que
todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo; porque, no monte
Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, assim como o
SENHOR prometeu; e, entre os sobreviventes, aqueles que o SENHOR
chamar" (Jl 2.28-32).
- Vocês são o povo remanescente de Israel. Aceitem o Messias
hoje! Ouçam a continuação da profecia de Joel e vejam se elas não
refletem os dias em que estamos vivendo! "Eis que, naqueles dias e
naquele tempo, em que mudarei a sorte de Judá e de Jerusalém,
congregarei todas as nações e as farei descer ao vale de Josafá; e ali
entrarei em juízo contra elas por causa do meu povo e da minha herança,
Israel..." (Jl 3.1-3).
- Esse imenso conjunto de exércitos do mundo inteiro que o
governador maligno deste mundo chama de Exército da Unidade Mundial
Um se deslocará da área de concentração e atravessará o próprio vale de
Josafá, mencionado pelo profeta Joel. Quando eles descobrirem que a
cidade de refúgio não poderá ser destruída, a luta se dará naquele vale.
***
Rayford precisava voltar. Não havia nada que ele pudesse fazer
enquanto sobrevoava o ajuntamento dos exércitos do anticristo. Ele sabia
que a grande concentração se dividiria naquela área em dois terços e um
terço, e que o um terço iniciaria sua inexorável marcha rumo a Petra.
Pelos seus cálculos, levaria quase um dia para o exército
percorrer a distância até lá e começar o ataque. Contudo, em questão de
horas, os dois terços com destino a Israel já deveriam estar travando a
batalha.
***
Buck estava respondendo perguntas, orando com o povo e
procurando ouvir as palavras de Tsion, que parecia ter mais fôlego ainda.
- O Dia do Senhor está diante de nós - ele estava dizendo. - E se
houver aqui alguém que ainda duvide, quero lhes contar o que as
profecias dizem que acontecerá depois que os exércitos do mundo
estiverem reunidos no Armagedom. E, conforme todos nós temos
conhecimento, é o que eles estão fazendo agora. Quantos de vocês
sabem que as Forças Pacificadoras e os Monitores de Moral foram enviados
para lá? Estão vendo? Muitos daqui sabem. Não temos ilusões. Eles
estão se reunindo neste momento, planejando nossa destruição.
- E as Sagradas Escrituras dizem que quando eles se reunirem lá,
o sétimo anjo derramará sua taça no ar. Vocês sabem o que isto significa
homens de Israel? A extinção das águas do rio Eufrates foi o sexto
Julgamento das Taças que Deus derramou sobre a terra, o 20a
julgamento desde o Arrebatamento.
- O sétimo Julgamento das Taças será o último, e vocês sabem o
que ele representa? A Bíblia menciona que, quando essa taça for
derramada, sairá "grande voz do santuário, do lado do trono, dizendo:
Feito está" (Ap 16.17). São palavras semelhantes ao pronunciamento do
imaculado Cordeiro de Deus na cruz, quando Ele bradou: "Está
consumado."
- "E sobrevieram relâmpagos, vozes e trovões, e ocorreu grande
terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a terra" (Ap
16.18).
- Eu quero adverti-los, meus compatriotas. Esse terremoto atingirá
o mundo inteiro. Pensem nisto! A Bíblia diz: "Todas as ilhas fugiram, e os
montes não foram achados" (Ap 16.20). Os montes não foram achados!
Os montes do mundo inteiro desabarão até ficarem no nível do mar!
Quem sobreviverá a essa catástrofe?
- A profecia continua dizendo que "...também desabou do céu
sobre os homens grande saraivada, com pedras que pesavam cerca de
um talento..." (Ap 16.21). Amados, um talento pesa cerca de 30 quilos!
Quem já ouviu falar de granizos desse tamanho? Homens e mulheres
morrerão esmagados por eles! E as Escrituras dizem que "...os homens
blasfemaram de Deus, porquanto o seu flagelo era sobremodo grande..."
(Ap 16.21). Bem, eu devo dizer que o flagelo será grande demais!
Arrependam-se já! Façam parte do exército de Deus, não do exército do
inimigo.
- Vocês sabem o que acontecerá aqui, exatamente aqui em
Jerusalém? Será a única cidade do mundo poupada da destruição
devastadora do maior terremoto que o homem já conheceu. A Bíblia diz:
"E a grande cidade", ou seja, Jerusalém, "se dividiu em três partes, e
caíram as cidades das nações" (Ap 16.19).
- Agora, meus irmãos, vem a boa notícia. Jerusalém se tornará
mais bonita, mais eficiente. Será preparada para ocupar a função de nova
capital no reino milenar do Messias.
A multidão no Monte do Templo foi aumentando à medida que a
notícia da pregação de Tsion continuava a se espalhar. Centenas e, logo
a seguir, milhares de pessoas choravam alto e se ajoelhavam
arrependidas diante de Deus, aceitando Jesus Cristo como o Messias,
firmando um compromisso com o Rei dos reis.
Apesar de exausto, Buck continuava a responder às perguntas,
atônito ao ver que tantos judeus, arraigados à sua religião durante muitos
séculos, finalmente estavam compreendendo que Jesus Cristo cumpriu
todas as profecias do Antigo Testamento referentes à vinda do Messias.
A voz de Tsion continuava a ecoar:
- Como saberemos quando estas coisas terminarão? Antes, virá a
destruição de Babilônia. Sim, a destruição de Babilônia! Ouçam: "E
lembrou-se Deus da grande Babilônia para dar-lhe o cálice do vinho do
furor da sua ira" (Ap 16.19).
- Será terrível! Medonho! A paciência do Deus amoroso e
misericordioso chegou ao limite por causa daquela cidade perversa, e Ele
não refreará sua ira. A praga da escuridão não foi suficiente para
satisfazer à sua ira. Ele permitirá que ela seja atacada e saqueada,
destruída em questão de uma hora. Essa calamidade vai ser tão grande
que sua repercussão será sentida no mundo inteiro, porque todas as
nações prantearão a morte da cidade que, um dia, foi a capital do mundo.
***
Sabendo que havia pouco tempo e conhecendo a promessa que
Buck fizera a Kenny, Rayford conversou, via rádio, com Petra e pediu que
Abdullah levasse o menino ao heliporto. Lá, ele fez um rápido sobrevôo
com Kenny, subindo e descendo algumas vezes. Kenny adorou o
passeio.
Rayford ficou satisfeito por Kenny não ter feito perguntas acerca
do pessoal que George e Razor estavam arregimentando lá embaixo, ao
redor da cidade de pedra. Comparado ao que Rayford vira ao norte de
Jerusalém, estava claro que as tropas de Petra, compostas de alguns
milhares de combatentes, não teriam chance alguma sem uma
intervenção sobrenatural.
Rayford passou as duas horas seguintes com Kenny. Em seguida,
saiu para inspecionar o trabalho que George e seu grupo estavam
fazendo.
***
- Mac, venha rápido - disse Otto. - Há uma colega minha ao
telefone, e ela está tão assustada que quase não consegue falar.
Quando Mac chegou aos aposentos de Otto, ouviu a mulher
tentando relatar o que acontecera.
- Não sei quanto tempo nos resta - ela disse, com a respiração
ofegante -, mas chegou a hora de sairmos daqui.
- Como a senhora ficou sabendo? - Mac perguntou.
- Um anjo - ela respondeu.
- Tem certeza?
- Brilhante, reluzente, branco, grande, muito grande. Era um
homem, pelo menos este era. O brilho dele foi tão intenso que fez
desaparecer a escuridão desta cidade. Aqui, está claro como se fosse
meio-dia.
- O que ele disse?
- Ele falou em voz tão alta que todos aqui ouviram, e eu nunca vou
me esquecer de cada palavra. Ele disse: "Caiu, caiu a grande Babilônia e
se tornou morada de demônios, covil de toda espécie de espírito imundo
e esconderijo de todo gênero de ave imunda e detestável, pois todas as
nações têm bebido do vinho do furor da sua prostituição. Com ela se
prostituíram os reis da terra. Também os mercadores da terra se
enriqueceram à custa da sua luxúria" (Ap 18.2,3).
- Estamos a caminho daí. Leve todos para a pista aérea do
palácio. Se a senhora conhecer outros grupos de crentes, mande-os para
lá também.
- Ainda não terminei, senhor.
- Como assim?
- Ouvi outra voz do céu que disse: "Retirai-vos dela, povo meu,
para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes
dos seus flagelos; porque os seus pecados se acumularam até ao céu, e
Deus se lembrou dos atos iníquos que ela praticou" (Ap 18.4,5).
***
- Eu não tenho homens suficientes para fazer um círculo ao redor
deste lugar - disse Sebastian.
Rayford evitou olhar para George.
- Não sei o que dizer. Pelo que li, não vamos resistir.
- Não quero que homens e mulheres sofram, capitão. Eu gostaria
de escolher apenas alguns.
- Pense um pouco, George. É aqui que Jesus deve chegar
primeiro. Poderemos estar entre os primeiros que presenciarão o Glorioso
Aparecimento.
- É difícil dizer isto a um exército tão pequeno, que tem um homem
para cada mil do inimigo. Talvez eles estejam no céu antes de Jesus
partir de lá.
***
Por não ter idéia do que encontraria em Nova Babilônia, Mac
convocou Lionel, na última hora, para trazer um jato grande, calculando
que, com duas aeronaves, seria possível tirar até 200 pessoas de lá.
Quando eles pousaram na pista do palácio, o local tinha um
aspecto sinistro. A escuridão desaparecera, mas as pessoas feridas que
se achavam dentro dos limites da cidade não sabiam o que fazer. Depois
de tanto sofrimento e de terem vivido no escuro durante muito tempo, elas
estavam completamente desnorteadas e não haviam encontrado o rumo
certo. A maioria ainda mancava ou andava com dificuldade.
Porém, mais de 150 crentes aguardaram, com enorme
entusiasmo, a chegada dos aviões de resgate. Eles carregavam seus
pertences em sacos e caixas e estavam ansiosos para subir a bordo,
possibilitando que a operação fosse feita com rapidez e facilidade. Mac e
Lionel, com os aviões lotados, estavam de frente para a pista de
decolagem quando dois exércitos invasores atacaram.
Enquanto Mac ainda sobrevoava o espaço aéreo de Nova
Babilônia, uma coluna de fumaça negra subiu em direção ao céu. Ele
circundou a área por uma hora, acompanhado de Lionel, e os
passageiros presenciaram a completa destruição daquela que, um dia, foi
uma grande cidade.
No espaço de uma hora, todas as casas e edifícios desabaram, e
Mac sabia que seus moradores estavam mortos. Quando os exércitos
misteriosos, que haviam invadido pelo norte e noroeste, se afastaram,
deixaram a metrópole inteira em chamas. No momento em que Mac
rumava para Petra, não se via mais nada em Nova Babilônia, a não ser
cinza e fumaça.
***
Confuso, Chang observava a chegada dos noticiários da CNNCG
sobre a luta que se travava dentro das fileiras do Exército da Unidade
Mundial Um. Aparentemente, as forças armadas de Carpathia tiveram de
contra-atacar as nações que haviam se embriagado de poder e ambição
quando receberam o armamento estocado em Al Hillah.
A maioria dos aliados de Nicolae se reuniu para esmagar a
resistência. Quando todos se ajuntaram no Armagedom, já haviam sido
persuadidos, pelos demônios, por Carpathia ou pelas realidades da
guerra, a cerrar fileiras contra o povo de Deus.
O número imenso de tropas expandiu-se além do vale do Megido
e espalhou-se pelo norte, sul, leste e oeste, passando por Jerusalém
rumo a Edom. Algumas estimativas davam conta de que apenas um
exército contava com uma quantidade inimaginável de mais de 200 mil
combatentes.
As imagens aéreas captadas por uma aeronave da CNNCG
somente conseguiam mostrar cerca de um milhão de soldados por vez,
sendo necessário que dezenas e dezenas de outras imagens separadas
fossem levadas ao ar.
Chang notou que o pânico começava a tomar conta do povo em
Petra.
Aqueles que viram os noticiários imaginavam que jamais seriam
capazes de enfrentar um exército tão poderoso. Os que não viram foram
informados pelos que viram, e a notícia se espalhou por todo o
acampamento. Muitos correram para os lugares altos de onde podiam ver
as nuvens de poeira e uma multidão de homens, animais e armamento
atravessando lentamente o deserto.
Chaim aproveitou a ocasião para reunir o povo, pouco antes da
chegada do maná noturno.
- Meus queridos irmãos e irmãs no Messias. Tenham bom ânimo.
Não se intimidem. Tenho recebido notícias maravilhosas de Jerusalém,
onde nosso irmão Tsion está pregando o Evangelho de Jesus Cristo com
grande ousadia. Estou feliz por poder lhes dizer que os resultados têm
sido ótimos.
- Faz apenas dez minutos que conversei com o exausto e
atarefado Cameron Williams. Ele me contou que milhares de judeus estão
se arrependendo de seus pecados e se voltando para Cristo, aceitando
Jesus de Nazaré como o Messias.
- Louvado seja o Senhor Deus Todo-Poderoso, criador do céu e
da terra!
Aparentemente encorajado e animado, o povo chorou e levantou
as mãos.
- Não ignoramos o que vai acontecer - prosseguiu Chaim. - Nova
Babilônia foi completamente destruída em uma hora, em cumprimento às
profecias. Agora, existem apenas dois eventos no calendário profético,
meus amigos. O primeiro é?
O povo respondeu aos gritos:
- O sétimo Julgamento das Taças.
- E qual é o segundo?
- O Glorioso Aparecimento.
Chaim concluiu:
- Nós servimos ao grande Deus de Abraão, Isaque e Jacó, o
libertador de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Sobrevivemos às
fornalhas de fogo do anticristo e fomos libertados do laço do
passarinheiro. Não tenham medo. Permaneçam firmes e inabaláveis, e
vejam a salvação do Senhor que Ele lhes concederá. Em breve, vocês
nunca mais verão o inimigo que estão vendo hoje. O Senhor lutará por
vocês, e vocês terão paz duradoura.
VINTE
Já era noite em Jerusalém e, mesmo assim, o povo continuava a
afluir ao Monte do Templo. Ao notar que Tsion estava fraco e cansado,
Buck afastou-se sorrateiramente e dirigiu-se ao local onde havia
escondido as sacolas, para levar um pouco de alimento ao rabino. As
sacolas, porém, haviam desaparecido. Ele correu de volta ao local onde
Tsion Continuava a falar, mas ele próprio sentiu-se zonzo por causa da
fome.
- Preciso de comida para alimentar o rabino! - ele gritou.
- Eu estou bem! - Tsion disse e continuou a pregar.
- Por favor, alguém tem algum alimento? Um petisco Qualquer.
Pão, fruta.
- Que tal cinco pães e dois peixes? - gritou alguém, e todos riram.
Um senhor idoso atirou uma maçã para Buck. Outros lhe
entregaram uma fatia de pão quente e crocante. Alguns doaram um
pedaço de queijo. Um deles cedeu duas laranjas.
- Ajudem-me a persuadir este professor obstinado a fazer uma
pausa! - disse Buck.
Muitos dos que ali estavam insistiram para que Tsion, ao menos,
se sentasse. Ele concordou.
Agora, falando mais em tom de professor do que de pregador,
Tsion assimilava as perguntas e mordiscava os petiscos entre uma
resposta e outra. A multidão não parava de crescer.
- Eu não tinha idéia de que estava com tanta fome - disse Tsion,
olhando para Buck. - Muito obrigado, meu amigo.
Alguém lhe entregou um copo d'água, e ele sorveu o conteúdo
com avidez.
De repente, um dos presentes levantou as duas mãos para
silenciar o povo, e todos se aquietaram. O ronco de um exército em
movimento tornou-se audível. Buck sentiu a vibração por todo o corpo.
- Precisamos levar o rabino a um abrigo - disse alguém.
- Vamos nos reunir um pouco mais adiante.
Tsion fez menção de protestar, mas a multidão já estava saindo,
em massa, do local. Ele e Buck acompanharam o povo até uma enorme
construção de pedra, com capacidade para acomodar mil pessoas com
facilidade. Cerca de metade do povo ajuntou-se perto da entrada da
construção.
- O que vamos fazer quando o inimigo chegar? - perguntou um
deles.
- Temos mais gente que o exército de Gideão.
- Só poderemos fazer o que estiver a nosso alcance - respondeu
Tsion. - Não sei se vocês têm idéia do que estou fazendo aqui hoje, mas
saibam que quero conduzir o maior número possível de compatriotas
judeus ao reino do Messias, antes que seja tarde demais. E, por causa
disto, meu maior desejo é que todos permaneçam vivos, se possível. Se
vocês concordam com minha missão, espalhem-se pela cidade e
convidem todos os que assim o desejarem para cerrar fileiras conosco. O
inimigo começará a atacar Jerusalém e levar seu povo para o cativeiro,
mas acredito que seu principal objetivo é a Cidade Velha. Poderia haver
maior orgulho para Carpathia do que pensar que pode invadir este lugar
santo e estabelecer seu quartel-general aqui?
- Se formos atacados antes que vocês retornem, contem a todos o
que ouviram. Não há necessidade que venham até aqui para proferir a
oração de fé e tornar-se um participante do reino do Messias.
Alguém gritou:
- Melhor ainda será trazer para cá os que já tomaram a decisão,
todos carregando uma arma!
- Bem - disse Tsion. - Sim.
Já era uma rotina. Quando passava a noite com Rayford, Kenny
só adormecia depois que se deitava, com o corpo esticado, em cima do
peito do avô. Rayford tinha de equilibrar-se na pequenina cama do
menino e chamá-lo para perto de si. Kenny subia e se deitava com a
cabeça logo abaixo do queixo de Rayford.
Rayford lutava contra o cansaço. Não queria dormir enquanto
Kenny estivesse fazendo perguntas, cantando, orando.
- A mamãe está no céu - disse Kenny.
- É verdade. E nós sentimos saudades dela, não?
- Eu sinto.
- Eu também.
- Logo eu vou ver a mamãe.
- Logo, logo mesmo, Kenny. - Rayford sabia que Buck havia
mostrado o calendário ao filho.
- Amanhã?
***
- Talvez. Ou depois de amanhã. Ou daqui a alguns dias.
- Onde fica o céu, vovô?
- Com Deus.
- E Deus está com a mamãe?
- Está.
- E Jesus?
- Jesus também.
- Quero que eles venham aqui.
- Logo.
Rayford havia combinado com Priscilla Sebastian para que ela
fosse tomar conta de Kenny antes do alvorecer, quando ele precisava
reunir-se com as tropas no perímetro de Petra.
Não demorou muito para que Kenny parasse de falar e de se
mexer. Sua respiração tornou-se regular e profunda. Rayford orou pelo
neto e aguardou alguns minutos antes de esgueirar-se lentamente da
cama.
Em seguida, Rayford deitou-se em sua cama, do outro lado do
quarto, e olhou para o menino. Como Irene ficaria emocionada com o
neto! Se Kenny tivesse nascido em outro período da História, começaria a
freqüentar escola dentro de um ano. Rayford gostaria de saber que tipo
de escolas haveria no reino milenar.
Ele também se perguntou como isso funcionaria. Será que ele,
Buck e Kenny envelheceriam enquanto Irene, Raymie e Chloe
continuariam com a mesma idade de quando foram para o céu? E quanto
a Amanda? Ele receava que aquele encontro com sua esposa fosse
constrangedor, mas será que situações desse tipo teriam alguma
importância quando todos estivessem na presença de Jesus?
Por ter estado ocupado demais durante muito tempo, Rayford não
se dera ao luxo de imaginar essa cena. Qual seria a sensação de
presenciar o Glorioso Aparecimento e estar fisicamente com Cristo?
Rayford estava mais emotivo do que quando era jovem. Com freqüência,
a simples lembrança da mudança que Cristo operara em sua vida o
deixava com a voz embargada.
Imaginar o imaculado Filho de Deus se preocupando com ele a
ponto de morrer por seus pecados... ainda era difícil aceitar esse
sacrifício. E como seria maravilhoso ter a oportunidade de agradecer ao
Filho de Deus, adorá-lo face a face. Durante mil anos. E, depois, por toda
a eternidade. Rayford ainda não imaginara como seria o céu.
***
Pouco antes do amanhecer em Jerusalém, um senhor chamado
Shivte e seus dois filhos, ambos com mais de 40 anos de idade, levaram
Buck e Tsion a casa deles. Os três homens eram fortes, corpulentos e
falavam em voz baixa.
Assim que abriu a porta ao ouvir a batida em código do marido, a
esposa de Shivte empalideceu e quase desmaiou de emoção.
- Louvado seja Deus! Louvado seja Deus! - ela exclamou. - Você é
Tsion Ben-Judá! E vocês!
Ela olhou primeiro para o marido e depois para os filhos.
- Vocês têm o selo de Deus na testa! Será que agora conseguem
ver o meu?
Eles sorriram e confirmaram com um movimento de cabeça,
abraçando-a, um após o outro.
- Não tenho palavras para expressar o meu agradecimento - disse
Tsion. - Nossos pertences desapareceram, e não temos abrigo nem
comida.
- Nós não temos um quarto para lhes oferecer - disse a esposa de
Shivte. - Mas temos cobertores e um pouco de comida.
- O Senhor os recompensará - disse Tsion.
- Ele já recompensou - ela disse. - A recompensa foi ver meu
marido e meus dois filhos entrando por esta porta. É uma honra receber
os servos de Deus em nossa casa.
- Conte-me como foi que a senhora aceitou o Messias - disse
Tsion.
- Miquéias - ela disse, depois de sentar-se pesadamente.
Buck e Tsion se entreolharam.
- Esperei muito tempo para receber a marca de Carpathia. Eu não
queria. Meu marido e meus filhos também não queriam. Eles ficavam
escondidos aqui durante o dia para não serem vistos pela CG. Mas eu
achava que um de nós teria de receber a marca para poder comprar e
vender e nos manter vivos. Eu estava disposta a receber a marca, mas a
idéia de adorar aquela estátua me provocava vômito. Perdoe-me.
- Por favor, prossiga.
- Eu estava no Monte do Templo, planejando levar minha decisão
adiante, mesmo crendo intimamente no verdadeiro Deus. Eu não sabia
mais o que fazer. Preocupava-me com minha alma eterna, mas
acreditava estar entregando minha vida em favor de minha família. Em
meu pensamento, não poderia haver ato mais nobre. Na época, eu não
compreendia que estaria vendendo minha alma ao demônio. Ninguém de
minha família seria merecedor disto.
O marido e os filhos sorriram.
- Naquele dia, rabino, eu estava na fila. Não sei quantas pessoas
tinha entre mim e o aplicador da marca. Mas, ao notar um tumulto por
perto, eu saí da fila. Fiquei em pé atrás da multidão, observando tudo. Vi
os tiros que não mataram o homem de Deus. Voltei correndo para casa, e
estes três homens vão ter de admitir que zombaram de mim. Eles haviam
gostado do plano de um de nós, ou melhor, eu, receber a marca para
podermos comer. Como faríamos dali em diante?
- Eu os aconselhei a saírem na escuridão da noite para procurar
alimento. Eu queria obter mais informações a respeito do homem de
Deus. Um jovem amigo nosso tinha um computador, e descobrimos o seu
site. Foi assim que passei a acreditar que Jesus era o Messias. Fui
desprezada por minha família. Meu marido e meus filhos eram judeus
praticantes a ponto de resistir a Carpathia, mas não estavam preparados
para aceitar o Messias.
- Tentei de tudo, orei, pedi e implorei. Finalmente, concordamos
em não tocar mais no assunto. Eles me deram um ultimato e eu já estava
cansada de ser rejeitada e ridicularizada. Mas eu ainda podia orar. E
Deus responde às orações. Você está aqui, e eles estão aqui, com o selo
de Deus.
***
Sem conseguir dormir, Rayford resolveu conversar com Buck.
Caminhou pé ante pé até o outro cômodo para não despertar Kenny e fez
a ligação. Depois de perguntar por Kenny, Buck lhe contou as novidades.
- Incrível - disse Rayford. - O que Tsion está dizendo sobre os
próximos acontecimentos?
- Ele espera um ataque antes do alvorecer. Talvez aí também.
- Estamos pensando a mesma coisa, Buck, mas, para nós, essa
luta será em vão.
- Temporariamente, você quer dizer.
- Claro, mas não vejo vantagem em arriscar a vida de tantas
pessoas quando elas poderiam permanecer aqui dentro e...
- ...e aguardar a chegada de Jesus?
- Exatamente.
- Ora, vamos, pai. Quem deseja ficar parado aguardando? Eu
quero que Ele me encontre trabalhando. E você?
- Eu também, mas você deveria estar aqui para ver o número de
pessoas que vão circundar a cidade. Cerca de duas mil, eu calculo. E
também temos Otto e alguns companheiros. Nenhum deles sabe manejar
uma arma. Ree, Ming, Lionel, Hannah e Zeke não são verdadeiros
soldados. Mac, é claro, e Smitty podem cuidar de si mesmos. Não tenho
dúvida alguma quanto a Razor e George. A menos que George tente ser
um herói. Ele é um perfeito militar, Buck. Você precisaria ver o esforço e a
dedicação desse rapaz. Parece que ele acha que seus homens têm o
dever de carregar tudo nas costas. Mas, de repente, ele percebe que tem
poucos soldados de verdade sob seu comando, e seus olhos perdem o
brilho.
- Vocês ainda têm as DEWs, aquelas armas de energia
direcionada, e as calibre 50, certo?
- Temos, mas lutar contra armas nucleares? Ora, nem pensar.
- Façam algum estrago. Vocês precisam retardar o ataque do
inimigo até a cavalaria do Calvário chegar aqui.
- O quê?
- Pensei nisto outro dia. Jesus vai surgir do céu montado,
literalmente, em um cavalo. É o que Tsion diz. Dez mil santos virão com
Ele. A cavalaria do Calvário.
- Você está tendo tempo demais para pensar.
- Ei, Rayford?
- Diga.
- Nós podemos ouvir os exércitos chegando. E vocês?
- A maneira como esta cidade está disposta não permite. Talvez
quando estiverem mais perto. Com certeza poderão ser vistos dos
lugares altos. Sinistro demais. Se eu não ficar sabendo de mais detalhes,
vou dar um jeito de sair daqui.
- Tudo isto é mais ou menos parecido com uma bola que chega
atrasada quando já sabemos o resultado do jogo, você não acha?
- Talvez - disse Rayford. - É o tipo de coisa que só uma mente
como a sua é capaz de imaginar.
- Acho que devo dizer muito obrigado.
***
Incapaz de dormir, Chang dirigiu-se ao centro de tecnologia e
sentou-se diante de seu computador. Eram mais ou menos quatro horas
da madrugada. Enquanto acompanhava indolentemente a transmissão da
afiliada da CNNCG de Haifa, ele ouviu uma notícia sobre o
desdobramento das tropas.
- O supremo potentado Nicolae Carpathia não fez segredo algum
de sua estratégia - dizia a repórter. - Na verdade, parece que ele sabe
exatamente o que vai acontecer. Conversei com ele ontem à noite em seu
bunker, localizado perto do mar da Galiléia.
- Veja - disse Carpathia -, temos uma vantagem tão espetacular
no que diz respeito a força humana, poder de fogo e tecnologia que não
estamos preocupados com o que vamos encontrar pela frente. Não
escondi de ninguém que temos dois objetivos principais que deverão
atingir a mesma meta. Queremos sitiar a cidade de Jerusalém, onde
reside a maioria dos judeus renitentes. E queremos eliminar Petra de uma
vez por todas. É ali que o tal povo "Remanescente" está escondido,
assustado como criancinhas.
- Eles sabem que estamos chegando. Eles verão nossa chegada,
mas pouco poderão fazer quanto a isso.
- O senhor imagina que não haverá baixas?
- Ah! Sempre há baixas - disse Carpathia, como se estivesse
comovido. - Mas meu povo sente-se honrado em oferecer sua vida a mim
e à Comunidade Global. Todos serão recompensados. É claro que existe
a possibilidade de não haver perda de vidas humanas ou ferimentos em
relação a nosso pessoal. Isto é, desde que o inimigo veja o que tem pela
frente e conclua que não há esperança. Seria prudente que houvesse
uma rendição incondicional, e, evidentemente, eu aceitaria essa rendição
demonstrando o máximo respeito por eles.
- Sério? Que acordos o senhor faria neste caso? Carpathia riu
tanto que não conseguiu responder.
***
O dia ainda não havia clareado, e Rayford já estava em pé,
vestido e de arma em punho.
Ele abriu a porta antes de Priscilla bater.
- Vou ficar aqui até Kenny acordar, Rayford, se você estiver de
acordo.
- Perfeito. Obrigado, Priss. Fique à vontade.
- Ray? Você tem certeza de que meu marido virá para casa esta
noite?
- Sim, se depender de mim.
- Sua resposta não foi muito convincente.
- Bem, achei que sua pergunta foi séria. A resposta séria é que
não existem garantias. Espero que ele se esforce ao máximo para eu
voltar para casa.
- Ele se sente na obrigação de cuidar de todo mundo - disse
Priscilla, sentando-se.
Rayford parou ao lado da porta aberta.
- É o preço da liderança. Ele se apresentou como voluntário para
esse posto de comando.
- Como se houvesse escolha.
- Para mim, não havia, Priscilla.
- Eu só estava dizendo que...
- Eu sei. Às vezes, um sujeito como eu, tentando vigiar um homem
que sabe o que está fazendo, só serve para atrapalhar. Você sabe, é
claro, que mesmo que...
- Não diga isto, Rayford. Muitas esposas tentam se consolar
dizendo que seus maridos irão para o céu, ficarão um ou dois dias lá,
talvez menos, e depois vão voltar. Isso não ajuda.
- É verdade.
- Eu sei. Mas não é o fato de viver sem ele que me preocupa
neste momento. É vê-lo ferido, sofrendo, morrendo aos poucos.
***
Buck, Tsion e seus hospedeiros tomaram um café forte e amargo.
Buck nunca havia experimentado um café desse tipo. Lá fora, ainda
estava bastante escuro. A esposa de Shivte começou a chorar baixinho,
tentando disfarçar.
- Cameron - sussurrou Tsion -, eu gostaria que você
acompanhasse Shivte.
- Espere um pouco. Vim até aqui para ser seu guarda-costas, de
ninguém mais.
- Faça-me este favor. Eu me preocupo com ele. A arma desse
homem é muito antiga. Os filhos dele acreditam que os invasores virão do
noroeste e tentarão atravessar a Porta de Damasco.
- Baseados em quê? - perguntou Buck.
- O Exército da Unidade poderia atravessar qualquer uma das
portas, mas a Porta de Jaffa e a Fortaleza estão muito bem guardadas
por inúmeras tropas rebeldes.
- Além disso, eles poderiam tentar arrombar qualquer uma das
portas, e a mais provável, em minha opinião, é a Porta Dourada. A
prioridade deles é o Monte do Templo, não?
- Não sei, Cameron. Só quero que me faça este favor. Leve o
homem à Fortaleza. Assim que ele estiver instalado lá, vá ao meu
encontro. Eu estarei com os outros dois perto da Porta de Damasco.
Buck preferia seguir sua intuição e ir direto à Porta Dourada, mas
estava ali por causa de Tsion, e faria esse favor ao amigo. Ele não sabia
de onde partira o palpite dos dois irmãos. Se dois terços das tropas de
Carpathia estavam se concentrando em Jerusalém, não haveria
necessidade de muitos homens para tomar posse da pequenina Cidade
Velha.
Buck, Tsion e os outros três homens ouviram tiros assim que
atravessaram a porta. Tsion e os irmãos correram para o lado noroeste.
Buck e Shivte, para o oeste. Os rebeldes espalhavam-se por toda parte,
gritando o que sabiam. O inimigo ocupava a Estrada para Jaffa.
A Porta de Damasco estava cercada. O Museu Histórico Yad
Vashem das vítimas do holocausto havia sido destruído. A Universidade
Hebraica, a Biblioteca Universitária e Nacional dos Judeus e o Museu de
Israel ardiam em chamas.
A Cidade Velha seria o próximo alvo.
Havia milhares de pessoas mortas e muitas capturadas. Se os
boatos fossem verdadeiros, Buck sabia que ele e Shivte se encontravam
no pior lugar possível. Em essência, eles estavam encurralados dentro
dos muros da Cidade Velha.
***
Rayford ficou impressionado com a estratégia de Sebastian,
apesar de ambos saberem que as táticas de nada mais valiam diante de
uma situação tão inusitada.
O terço das tropas de Carpathia destinado a Petra carregava
todos os tipos de armamentos do arsenal do potentado. Uma tropa
montada de, no mínimo, 200 mil homens aproximava-se lentamente pelos
flancos do pequeno exército de Sebastian, cercando completamente a
cidade.
- Tenho poucas DEWs - George disse a Rayford. - Se eu
soubesse que eles iriam iniciar a batalha montados em cavalos, eu teria
pedido a Lionel que me conseguisse mais armas.
- O que os cavalos têm a ver com isso?
- Os cavalos não possuem escudos, e os cavaleiros não têm como
se proteger. Você está vendo a lentidão com que eles estão vindo?
Rayford pegou o binóculo e avistou milhares de cavaleiros
aproximando-se. Eles estavam a um quilômetro e meio das tropas de
Petra.
- Pelo jeito, eles não têm pressa alguma - disse Rayford.
De repente, George pareceu animado.
- Vamos atacar primeiro e ficar em posição privilegiada, pelo
menos temporariamente.
- Como?
- Aqueles cavalos são treinados para não se assustar com tiroteio.
Poderíamos fazer alguns disparos com as armas calibre 50 na direção
deles para provocar um pequeno tumulto. Talvez derrubar alguns cavalos
e alguns cavaleiros. Mas aposto que eles ainda não aprenderam a lidar
com uma DEW. Você está pronto para entrar em ação?
- Claro.
- Tenho apenas cem DEWs, mas fui esperto o suficiente para
entregá-las ao pessoal que está cercando a cidade. Preciso que elas
fiquem espalhadas em intervalos regulares, contornando todo o topo da
cidade. Você pode cuidar disto?
- Sem dúvida. E depois?
- Diga ao pessoal que aguarde meu comando. Se dispararmos as
DEWs e conseguirmos atingir um lugar qualquer próximo a cem cavalos
ou cavaleiros, vamos provocar uma debandada. Os cavalos ficarão
desnorteados por uns tempos.
- Brilhante.
- Só se funcionar. O problema é que temos de fazer isso antes
que eles saibam realmente onde estamos. Podemos pôr esses homens
para correr para que eles vejam como é bom ter alguém no calcanhar
deles.
***
Buck acomodou Shivte dentro da Fortaleza repleta de gente, onde
muitos jovens assustados também haviam decidido esconder-se. Buck
ouvia o que se passava na Estrada para Jaffa, mas os invasores não
tomaram conhecimento da Porta de Jaffa pelo mesmo motivo que ele
havia imaginado. Por que ter trabalho dobrado?
Pelos cálculos de Buck, a Porta de Damasco localizava-se a uns
400 metros dali. Essa distância talvez parecesse mais longa em razão da
dificuldade que ele encontraria para atravessar a aglomeração de
rebeldes assustados e furiosos. E, evidentemente, ele perdera Tsion e os
dois irmãos de vista.
- Senhor, vem rápido.
***
Rayford pegou rapidamente um veículo de tração nas quatro
rodas, especial para rodar em terrenos acidentados, e se dirigiu ao lugar
alto mais próximo. Apesar de estar motorizado e munido de um walkietalkie,
ele levou quase meia hora para espalhar, em intervalos regulares,
as cem DEWs entre os combatentes.
Assim que George expedisse a ordem, eles disparariam feixes
invisíveis de energia direcionada contra o inimigo. Esses feixes tinham o
poder de esquentar o tecido macio do corpo, além do ponto de tolerância,
em menos de um segundo. E se o cavaleiro ou o cavalo não se desviasse
do feixe, ficaria com o corpo queimado.
Pelo fato de Petra estar cercada por duas brigadas de tropas
montadas, os disparos das DEWs provocariam uma enorme confusão e
desnorteariam o inimigo. A estratégia era atingir apenas os cavalos. Eles
fugiriam em disparada, levando os outros cavalos a fazerem o mesmo.
Não havia dúvida de que alguns cavaleiros seriam atingidos,
principalmente nas pernas. A reação deles seria espernear e fugir dali
também. Se o feixe atingisse o corpo do cavaleiro, ele gritaria e soltaria
as rédeas. George era um gênio, pensou Rayford.
***
- A Porta do Monturo está cedendo! - gritou alguém. - Vamos
matar essa gente do Exército Mundial Um!
Buck orou para que isso não fosse verdade. A Porta do Monturo
era a porta do sul mais próxima do lado ocidental do Muro. Era o caminho
mais longo para se chegar ao Monte do Templo, e foi por isso que Buck
supôs que a Porta Dourada, no lado leste, seria a primeira escolha do
Exército da Unidade. Se o exército atravessasse a Porta do Monturo,
poderia tentar destruir o Muro das Lamentações, para conseguir o
objetivo desejado.
Impossibilitado de falar com Tsion por telefone e sem condições
de encontrá-lo sozinho ou com os irmãos na Porta de Damasco - que, no
momento, parecia estar cercada -, Buck correu em direção à Porta do
Monturo, que ficava a um quilômetro e meio de distância.
Ao longo do caminho, ele ouviu boatos e palavras de medo. Se
parte daquilo fosse verdade, não demoraria muito para que metade da
grande cidade de Jerusalém fosse sitiada. Seu objetivo era permanecer
vivo até a chegada das pessoas do bem.
***
Rayford calculou que faltava pouco menos de 15 minutos para o
sol despontar em Petra quando ele informou George que as armas de
energia direcionada estavam em seus respectivos lugares e aguardando
sua ordem.
- Antes de iniciarmos, quero ter certeza de que os alvos estão
onde eu gostaria que estivessem - disse George.
- Só existe um meio de fazer isso com a rapidez de que você
necessita - disse Rayford.
- Com um veículo de tração nas quatro rodas?
- O percurso é longo demais. Vai ser necessário contornar o
perímetro inteiro, pelo alto.
- Helicóptero?
- Acertou!
- Se você quiser arriscar.
- Eles não vão acreditar que somos nós - disse George. - Quem
seria tão idiota a ponto de se expor desta maneira?
- Você.
***
Buck havia corrido uns 800 metros e ofegava quando avistou as
tropas do Exército da Unidade de Carpathia chegando pelo outro lado.
Agora, ele estava desesperado para encontrar Tsion e tirá-lo da Cidade
Velha.
Os rebeldes, alguns atirando por cima dos ombros, passaram
correndo por ele, tentando escapar com vida, mas Buck notou que os
homens da CG não estavam disparando suas armas. Eles movimentavam
um colossal aríete que, aparentemente, derrubaria com facilidade o Muro
das Lamentações.
Aquilo seria uma tragédia. Como um local sagrado como aquele,
destinado a orações durante milênios, poderia ser destruído em tão pouco
tempo?
De repente, todos os rebeldes que passaram correndo por Buck
retornaram. Seus gritos ecoavam:
- O Muro das Lamentações não! O Muro não! Vocês é que devem
ser sacrificados! Lutaremos até a morte!
A notícia se espalhou pelo Bairro Judeu e pelo centro da Cidade
Velha. Em pouco tempo, as centenas de pessoas transformaram-se em
milhares.
Buck juntou-se ao grupo de rebeldes. Eles acusavam a CG,
disparavam armas, atiravam pedras, lutavam corpo a corpo. Conseguiram
dominar o pessoal que movimentava o aríete e correram de volta à Porta
do Monturo.
Com a chegada de mais rebeldes, os judeus afugentaram o
Exército da Unidade, pelo menos durante aquele breve entrevero.
Passaram o aríete por cima da Porta do Monturo, acossaram o exército e
conseguiram fechar a porta com o aríete do lado de dentro.
Os gritos de alegria aumentaram da mesma forma que crescia a
confiança dos rebeldes. Um grande grupo foi designado para guardar a
porta, ao passo que outros foram enviados para a Porta Dourada e a
Porta do Leão, no lado leste.
O celular de Buck soou.
- Tsion! Onde você está? Tentei falar com você!
- Meu telefone quebrou. Estou usando um emprestado. É verdade
que os rebeldes afugentaram o exército da Porta do Monturo?
- Sim! Estou aqui agora! Onde vamos nos encontrar?
- Você conhece a Igreja da Flagelação?
- Perto do Bairro Muçulmano?
- Sim, a oeste daí! - disse Tsion. - Rápido! Eu me perdi dos dois
irmãos.
***
- Você sabe que sempre fomos protegidos no espaço aéreo ao
redor daqui - disse Rayford, assim que começou a levantar vôo com o
helicóptero.
- Prefiro não testar - disse Sebastian. - Só quero que você suba
reto para que eu tenha uma visão de 360° e possa ver se os cavalos
estão no lugar que eu quero. Em seguida, desça reto.
- Oh, não! - exclamou Rayford. - Está vindo!
- O quê?
Um míssil estava riscando o céu na direção do helicóptero.
Rayford procurou desviar, mesmo sabendo que de nada adiantaria. Os
helicópteros não tinham mobilidade nem velocidade para esquivar-se de
um míssil.
- Minha idéia não deu certo, George. Sinto muito.
- Fique longe da cidade, Ray!
Rayford havia tido a idéia de descer em um lugar alto, mas se o
míssil o seguisse, poderia machucar ou matar mais pessoas além deles
dois.
Ele inclinou o helicóptero e sobrevoou o local onde as tropas de
Petra estavam posicionadas, mas aquilo só serviu para que ele ficasse
frente a frente com o míssil.
- Sinto muito, Priscilla - Rayford murmurou, fechando os olhos
quando a ogiva foi de encontro ao helicóptero.
***
Buck não entendeu como conseguiu chegar ao local de encontro
antes de Tsion, apesar da diferença de idade entre eles. Buck calculou
que Tsion devia estar a uma distância duas vezes menor que a dele.
Entrou na igreja lotada, mas nada de Tsion. Aquilo estava se tornando
cansativo.
- Porta de Herodes! - gritou alguém.
Centenas de rebeldes dirigiram-se à porta no extremo norte da
cidade. Era impressionante ver a indignação nos olhos deles quando seus
antigos lugares santos eram ameaçados. Tsion devia estar lá. Buck não
conseguiu pensar em outra opção.
A Porta de Herodes ficava a uns 200 metros da igreja, mas, desta
vez, não havia correria. Buck se viu pressionado por todos os lados pelos
rebeldes. Talvez fosse melhor assim. Ele estava exausto e seu pulso
batia de maneira incontrolável.
Não tinha meios de ligar para Tsion, porque o telefone do rabino
não estava funcionando. A única coisa que ele poderia fazer era dobrar
os joelhos de vez em quando e dar um salto para conseguir enxergar por
cima da multidão.
Porém, quando avistou Tsion Ben-Judá, ele não gostou da
situação em que o rabino se encontrava.
VINTE E UM
O helicóptero sacudiu e continuou na rota.
- Pensei que fôssemos morrer - disse Rayford. - Eu nunca me
acostumo a isto.
- Para onde ia aquele míssil?
- Em nossa direção, como é normal.
- Não vejo nada de normal nisto - disse Sebastian. Ele
esquadrinhou o horizonte. - Veja lá!
Rayford avistou uma coluna de fumaça preta a cerca de um
quilômetro e meio ao sul de Petra.
- Eles devem ter atingido o próprio pessoal! - disse George,
pegando seu rádio. - Cão Grande 1 chamando perímetro sul, câmbio.
- Aqui é Mac, Cão. O que foi aquilo?
- Não nos atingiu. Qual foi o estrago?
- Encontramos um dos carros de transporte deles um pouco
adiante da fileira de cavalos. Deve ter havido algumas baixas. Eles
parecem bastante preocupados.
- Espere até eles descobrirem que foram atingidos pelo fogo
amigo. Atenção todos os operadores das DEWs! Abram fogo
imediatamente! - George ordenou.
Em questão de segundos o círculo negro formado por cavalos e
cavaleiros ao redor de Petra se desintegrou, e os animais dispararam em
todas as direções.
- Uma verdadeira obra-prima, George - disse Rayford. - Excelente.
- A carne daqueles cavalos deve ter ficado bem passada. Ei, Ray,
será que eu ouvi você mencionar o nome de minha mulher quando a
ogiva estava vindo de encontro a nós?
- Sentimento de culpa.
- Como assim?
- Eu disse a ela que tomaria conta de você na medida do possível.
- A idéia de tomar conta de mim foi sua?
- Na medida do possível. Que tal levantarmos vôo novamente para
ver se eles atiram em nós mais uma vez? Quem sabe vamos poder pegar
um pouco de munição do pessoal do outro lado?
- Não achei graça, Rayford.
***
Todas as vezes que Buck saltava na tentativa de localizar Tsion,
ele via o rabino sendo levado nos ombros dos zelotes. Ele queria gritar
para que eles o colocassem no chão, mas ninguém o ouviria no meio
daquele tumulto. O que estavam planejando fazer? Conduzi-lo à morte?
Talvez o considerassem um herói ou estivessem imaginando que,
se conseguissem colocá-lo diante da massa humana, Tsion poderia
transmitir ânimo às tropas. De qualquer forma, isso era uma loucura.
Buck abaixou o corpo e forçou o caminho com os ombros até
chegar mais perto de Tsion.
- Ei! - ele gritou. - Ei! Coloquem o rabino no chão!
- Ele nos conduzirá à vitória!
- Ele é nosso líder!
- Vejam, ele está sob minha responsabilidade, e vocês vão
conduzi-lo à morte!
Buck agarrou o tornozelo de Tsion, o que forçou os homens a
reduzirem o ritmo dos passos. Eles soltaram Tsion, e o rabino começou a
cair de cabeça no chão. Buck mergulhou por baixo dele para suavizar a
queda, e agora ambos estavam sendo pisoteados.
No entanto, isso foi providencial, porque as tropas do Exército da
Unidade haviam escalado o muro acima do Portão de Herodes e abriam
fogo. Os rebeldes caíram ao redor de Tsion e Buck, batendo a cabeça no
chão e espirrando sangue por todos os lados.
Buck passou os braços ao redor da cabeça de Tsion e protegeu a
sua, à espera do tiroteio. Ao ouvir o zunido de balas ricocheteando e a
explosão do pavimento a seu redor, Buck preparou-se para receber os
tiros mortais que atingiriam a cabeça, o pescoço ou a espinha deles.
Mas eles foram poupados.
Quando o tiroteio cessou, Buck arrastou Tsion pelos pés até o
legendário tanque de Betesda, onde muitas pessoas foram curadas.
- Eu não fui atingido, Cameron! Não preciso ser curado!
Mesmo a poucos milímetros da morte, o rabino ainda conseguia
brincar.
***
Rayford e George pousaram o helicóptero, pegaram o veículo de
tração nas quatro rodas e estavam se dirigindo a toda velocidade ao
posto de comando de George.
- Eles vão revidar - disse Rayford.
- De que forma? E o que vamos fazer?
- Eles devem ter uma série de lançadores de morteiros. Quero ver
se os cavaleiros vão conseguir convencer os cavalos a retornarem. Se
não conseguirem, será o caos. O segredo é mantê-los fora do Siq. Não
quero ver nenhum deles entrando neste lugar.
- Você deve estar achando que Carpathia aprendeu a lição.
Imagine quanto dinheiro ele gastou para vir nos pegar aqui - disse
Rayford.
- É verdade, mas todo comandante militar pensa que é melhor que
qualquer outro, portanto o comandante desta ofensiva vai ter de aprender
por conta própria.
- As DEWs e o míssil deveriam ter ensinado alguma coisa a ele.
- Deveriam - disse George. - Mas garanto que ele vai tentar de
tudo antes de desistir.
- Qual seria a estratégia mais consistente que eles usariam contra
nós?
- Um número muito grande de homens. Quando eles começarem
a vir para cá, vamos ter de nos proteger dentro da cidade.
- Onde temos sido protegidos até agora.
- É verdade. Mas bater em retirada não faz parte de meus planos
de guerra. Deus nos protegeu daquele míssil, mas você não achou
divertido atacar aquela gente com as armas de energia direcionada?
***
Uma jovem acenava freneticamente da entrada de uma pequena
gruta perto dos tanques. Buck levou Tsion até ela.
- Aqui há espaço para mais duas pessoas - ela disse. Enquanto
eles entravam na gruta, Buck ouviu vozes de umas 20 pessoas lá dentro.
- É o rabino? - alguém perguntou.
- Estou aqui - disse Tsion.
- Louvado seja Deus. Quando o Messias virá?
- Na verdade, eu esperava que Ele tivesse chegado cinco minutos
atrás. Ou talvez seja melhor dizer que Ele devia estar me esperando.
- Quero acreditar que Ele está vindo para nos resgatar.
- Sim, desde que vocês estejam preparados - disse Tsion.
- Eu estou. Quero estar vivo quando Ele chegar.
- Eu também - disse Tsion. - Mas nós não escolhemos o melhor
lugar para estar vivos, não?
- Que história é esta do Messias? - alguém resmungou.
- Faz séculos que estamos esperando que Ele venha nos
resgatar.
Tsion começou a doutrinar aquelas pessoas o mais rápido que
podia. Três homens aterrorizados e a jovem oraram para aceitar Jesus
como o Messias, mas o cético não orou.
- Só vou acreditar - ele disse - quando Ele vier.
- Bem-aventurados aqueles que não viram e creram - disse Tsion.
O tiroteio cessou repentinamente. Buck espiou por trás da jovem.
O que estava acontecendo? Será que o Messias havia retornado para
salvá-los?
Os homens mais moços saíram correndo, gritando:
- Nós vencemos! Nós vencemos! Eles estão batendo em retirada!
As portas estão livres!
- Esperem! É uma armadilha! Não acreditem nisto! Eles estão se
reagrupando!
Os companheiros de Buck e Tsion se amontoaram, olhando ao
redor, com as armas em punho.
- Não estou gostando disto - um deles disse. - Eles têm bombas
que podem nos destruir. O que estão fazendo?
- Brincando conosco.
- Devíamos partir para a ofensiva! Abram as portas e ataquem!
Vamos matá-los enquanto estão se retirando.
- Eles não estão se retirando. É uma armadilha. Eles querem que
a gente abra as portas. Devemos nos reagrupar enquanto eles também
estão se reagrupando. Vamos ficar preparados.
***
A calmaria também tomara conta de Petra, e Rayford recebeu
uma ligação de Mac McCullum.
- Você e Razor poderiam abrir mão de minha presença por alguns
instantes, George? - perguntou Rayford. - Mac quer que eu vá até lá para
ver uma coisa.
Usando o veículo de tração nas quatro horas, Rayford levou meia
hora para chegar lá. Mac estava estudando o inimigo através de um
binóculo possante.
- Você sabia que eles estão nos vendo, Ray, da mesma forma que
podemos vê-los? O que estão esperando?
Mac entregou o binóculo a Rayford e disse:
- Parece que eles conseguiram controlar a maioria dos cavalos.
Deve ter havido uma enorme confusão lá. E eu sei, Ray, que nossas
DEWs causaram a debandada. Mas por que eles estão andando em
ziguezague? Não consigo entender.
Rayford analisou o inimigo a distância. Os cavalos estavam
agitados por causa das queimaduras. Aparentemente, os cavaleiros não
conseguiam controlar os animais.
- Isto me faz lembrar um versículo, Ray. Um que Tsion nos
ensinou. Como era mesmo?
- Eu não me lembro. Quer perguntar a ele? Eu preciso mesmo
saber como ele e Buck estão.
***
O silêncio era mais que sepulcral. Buck e Tsion aproximaram-se
do muro perto da Porta de Herodes. Buck atendeu ao telefone e passou-o
a Tsion.
- Sim, aqui também - disse Tsion. - Tenho um estranho
pressentimento de que se trata de uma calmaria antes da tempestade.
Cavalos? Sim. Em Zacarias 12.4 está escrito: "Naquele dia, diz o
SENHOR, ferirei de espanto a todos os cavalos e de loucura os que os
montam; sobre a casa de Judá abrirei os olhos e ferirei de cegueira todos
os cavalos dos povos." Saiba, Mac, que está acontecendo o mesmo aqui.
Assim que Tsion desligou o telefone, o povo quis saber com quem
ele havia conversado. Ele lhes contou.
- Vamos verificar - disse um deles. - O rabino acredita que o
Exército da Unidade está cego ou louco.
- Pode ser - disse Tsion. - É a única explicação que encontrei para
o que está acontecendo.
Alguns jovens se apoiaram uns nos outros e começaram a subir.
Dois chegaram ao topo do muro.
- Não estou vendo nada! Acho que eles se esconderam.
- Rabino! Queremos que o senhor continue a nos doutrinar.
Buck olhou para Tsion, que encolheu os ombros.
- Foi para isto que vim. Se eles querem ouvir, quero pregar.
Assim que ele começou a falar, os curiosos se aglomeraram
novamente. E, enquanto observava e ouvia, Buck emocionou-se ao
pensar no privilégio de estar ali naquele momento. A sensação era a de
que ele veria Jesus a qualquer momento. E Chloe.
Ouvir o homem de Deus falar na cidade de Deus e no tempo de Deus -
que privilégio indescritível. Assustado? Claro que ele estava. Querendo
saber se Jesus viria realmente, conforme Ele prometeu? Sem sombra de
dúvida. Buck não conseguia esperar. Ele não podia esperar.
***
Quando retornou para o lugar onde George se encontrava,
Rayford não tinha idéias para apresentar.
- Não me pergunte - ele disse. - Se você quiser disparar as armas
calibre 50, dispare.
- Eu sei que poderíamos matar cavalos e homens desta distância
e tirar alguns veículos deles de circulação - disse George. - Mas sei
também que eles abririam fogo contra nós. Não estou preocupado com a
parte interna da cidade. Acho que estamos muito vulneráveis aqui fora no
perímetro.
- De que adianta partir para a ofensiva quando sabemos que não
podemos vencer?
- Concordo. Mas detesto ficar parado aqui, esperando as coisas
acontecerem. Precisamos fazer alguma coisa.
- Dispare uma ou duas 50. Muita coisa vai acontecer.
***
Um dos jovens que estavam no muro interrompeu Tsion aos
gritos.
- Eles estão segurando um megafone enorme. Talvez queiram
negociar.
- Não queremos negociar com o demônio - disse Tsion, e o povo
deu uma gargalhada.
- Talvez ele esteja propondo uma trégua!
- Uma trégua - disse Tsion - é digna do caráter do homem que se
senta do outro lado da mesa.
- Atenção, povo de Jerusalém! Quem fala é seu supremo
potentado!
- Uuuh! Uuuh! Nosso único potentado é o Deus de Israel!
- Silêncio! Ouçam o que ele tem a dizer!
- Por favor, cidadãos, ouçam. Eu venho em paz.
- Não! Você vem com armas!
- Ora, vamos raciocinar juntos!
- Ouçam! Silêncio! Prestem atenção ao que ele vai dizer!
- Eu vim oferecer perdão. Estou disposto a assumir um
compromisso. Não desejo nenhum mal a vocês. Se estiverem dispostos a
me servir e ser obedientes a mim, comerão os frutos bons da terra; mas
se vocês se recusarem e se rebelarem, serão devorados pela espada. Eu
me livrarei de meus adversários e me vingarei de meus inimigos.
Estenderei minha mão contra vocês e os expurgarei completamente.
- Mas não precisa ser assim, cidadãos da Comunidade Global. Se
abaixarem as armas e me acolherem em sua cidade, garanto-lhes paz e
segurança.
- Este será o sinal de vocês para mim. Se depois de contar até
três, ninguém disser nada durante 15 segundos, vou entender que vocês
estão dispostos a atender aos meus pedidos. Um único tiro para o ar
durante esse período será o sinal de que vocês se opõem a mim. Mas eu
os advirto, metade de Jerusalém já está sitiada. A cidade inteira poderá
ser destruída facilmente na próxima hora. A escolha é de vocês. Vou
contar até três.
Antes que Carpathia dissesse o primeiro número, milhares de tiros
foram disparados para o ar, inclusive pelas armas de Buck e Tsion.
***
A tentativa do inimigo de controlar os cavalos e cercar Petra não
estava funcionando. Rayford postou-se na beira de um precipício e
observou através do binóculo que um número cada vez maior de veículos
da Unidade estava se preparando para o combate.
No horizonte, só se via poeira e fumaça, e a enorme quantidade
de munições e equipamentos parecia uma volumosa massa agitada e
negra, tomando conta de sua visão e escoando-se lentamente diante dele
como se fosse a lava de um vulcão.
- Vou permitir que eles avancem somente até esse ponto - disse
George. - Depois, voltaremos a atacar com as DEWs e as calibre 50.
- Parece que vamos impedir a chegada de uma onda gigantesca
com tacos de beisebol - disse Rayford.
***
Quando os tiros cessaram em Jerusalém, o silêncio sinistro
retornou. O Exército da Unidade Mundial Um não atacou imediatamente,
mas Buck gostaria que isso tivesse acontecido. A tranqüilidade era
inquietante.
Ele temia que o próximo som fosse o ronco de um trem cargueiro
que as vítimas dos tornados sempre mencionam, só que dessa vez seria
o prenúncio da chegada de uma imensidão de saqueadores que faria
Jerusalém virar pó.
Mas se isso fosse necessário para prenunciar a chegada de
Jesus, bem... que viesse.
O fato estranho era que o povo queria ouvir cada vez mais as
palavras de Tsion. Buck ficou impressionado com a disposição do rabino.
- Não é tarde demais! - gritou Tsion. - Aceitem o Messias já!
Arrependam-se e serão salvos!
Muitos fizeram isso.
***
Agora, até mesmo Sebastian parecia alarmado. O exército de
cavalos, homens e armamentos que avançava em direção a Petra era
grande demais. À medida que se espalhava, se separava e se ajuntava
novamente, ele formava uma muralha, impedindo que se visse o
horizonte, a areia do deserto, as pedras.
Parecia que uma nuvem de gafanhotos estava tapando a luz do
sol. Nenhum ser humano teria imaginado a magnitude do exército do
inimigo. Eles haviam conseguido reagrupar-se, vencer a loucura e a
cegueira, livrar-se da estagnação. E continuavam avançando.
Eles se espalharam e contornaram a cidade inteira de Petra,
preenchendo lentamente cada espaço até onde a vista podia alcançar.
Embora as linhas de frente ainda estivessem cerca de um quilômetro e
meio do perímetro, o imenso exército parecia não ter fim.
Era impossível enxergar onde terminavam aquelas colunas e mais
colunas, formadas por milhões de homens, cavalos e equipamentos que
continuavam a aproximar-se cada vez mais.
E quando eles se posicionaram nos lugares certos, simplesmente
pararam e aguardaram. Ninguém entendeu por quê. Porém, mesmo
quando estavam parados, não havia espaço algum entre eles, nenhuma
abertura naquele exército sem fim.
- Aquilo, Rayford - disse Sebastian - é apenas uma parte do
exército deles. Se disparássemos todos os projéteis de nossas armas e
todos eles fossem fatais, não abriríamos espaço algum naquela fortaleza.
- O que você acha de aproximarmos deles a uma distância de uns
800 metros para ver se conseguimos fumar o cachimbo da paz com
alguém?
- Você anda vendo TV demais, capitão.
- Falando sério, que tal dispararmos mais uma seqüência de
feixes direcionados? Quem sabe conseguimos afugentá-los por algum
tempo.
- Se eu achasse que eles cairiam como pedras de dominó, até
poderia concordar. A verdade é que eles não têm espaço para recuar,
porque colidiriam com as próprias tropas. Você acha que podemos pôr
milhões para correr?
Rayford meneou a cabeça negativamente.
- Eu não me importo com o que poderia acontecer a eles. Talvez
eles não estejam muito ansiosos por aproximar-se de nós.
- Mas, Ray, o número deles é grande demais.
***
Tsion ainda estava falando quando um som semelhante ao de
uma bomba sacudiu a área, e o povo espalhou-se à procura de proteção.
Em instantes chegou a notícia de que um segundo aríete havia
penetrado na Cidade Velha. Desta vez, o Exército da Unidade desistira de
atacar as portas e destruíra o muro nordeste da Cidade Velha, mais ou
menos no meio do caminho entre a Porta do Leão e o ângulo nordeste.
Centenas de judeus rebeldes correram em direção ao local. Para
espanto de Buck, Tsion correu atrás deles, sem sequer argumentar. Buck
não teve escolha a não ser acompanhá-los e correu atrás de Tsion no
meio do tumulto.
Quando o alcançou, a batalha estava no auge, mas,
surpreendentemente, os judeus pareciam ter adquirido o domínio mais
uma vez. Eles estavam fazendo o exército recuar, e o combate corpo a
corpo para tomar posse do aríete quase foi vencido pelos rebeldes
novamente.
No momento em que eles estavam acossando o exército contra o
muro, vários homens da linha de frente da Unidade viraram-se e abriram
fogo com armas automáticas e super-potentes, um lançador de granadas
e algo que, para Buck, parecia uma bazuca.
Ele se juntou ao grupo de rebeldes para contra-atacar, e a invasão
foi brevemente dominada. Mas ele ficou horrorizado ao ver mais de cem
israelenses mortos ou feridos a sua volta. Talvez ele próprio tivesse
chegado perto demais do tiroteio.
O buraco no muro parecia ser seguro o suficiente naquele
momento, portanto Buck virou-se para pegar Tsion e levá-lo de volta ao
tanque de Betesda. O rabino, porém, estava ajoelhado desajeitadamente,
com os pés embaixo do corpo. Sua Uzi havia escorregado do ombro e
ficou dependurada. A tira estava perto de seu cotovelo.
Buck segurou o ombro da jaqueta de Tsion para ajudá-lo a
levantar-se, mas quando o puxou, o rabino rolou sobre um dos joelhos e
caiu no chão.
- Tsion! Levante-se! Precisamos ir!
Mas Tsion já não era o mesmo.
- Você está bem? - interpelou Buck, virando o rosto de Tsion de
frente para ele.
- Acho que não, amigo.
- Você foi atingido?
- Receio que sim.
- Onde?
- Não tenho certeza.
- Você é capaz de movimentar-se?
- Não.
- Posso ajudá-lo?
- Por favor. Tente.
Buck não teve tempo de pensar em ser delicado. Pegou a arma de
Tsion e prendeu-a no ombro esquerdo. Em seguida, posicionou-se atrás
da cabeça do rabino e passou as duas mãos sob os braços dele.
Conseguiu levantá-lo e foi andando de costas, arrastando o amigo
pelas ruas. Felizmente, o tiroteio havia cessado, pelo menos
temporariamente.
Buck sentiu cãibras depois de arrastar Tsion por cerca de 200
metros, mas não queria parar enquanto eles não estivessem em
segurança naquela pequena gruta no tanque de Betesda.
Continuou a olhar para trás tentando ver se o caminho estava
livre, mas quando voltou a virar a cabeça, viu um espesso rastro de
sangue deixado por Tsion.
Buck parou para descansar e verificar as condições de Tsion.
Abriu a jaqueta do rabino e viu de onde o sangue jorrava. Se Tsion
tivesse sido baleado no coração, já estaria morto. Mas perdera muito
sangue, que escorria perto do esterno, pela barriga, sob a jaqueta, pelas
pernas e pela rua.
Tsion estava pálido, e seus olhos teimavam em querer virar para
trás. Buck aproximou-se e ouviu sua respiração fraca.
- Não me abandone, amigo - Buck disse.
- Deixe-me partir, Cameron. Encontre um abrigo. É triste demais
morrer nas ruas de minha amada cidade.
- Você não vai morrer, Tsion. Vai viver para ver a vitória, está
certo?
- Eu gostaria.
- Não basta querer! Coopere comigo!
Buck tirou a jaqueta e a camisa, enrolou a camisa e a enfiou no
ferimento. O orifício era quase do tamanho da mão fechada de Buck.
- Preciso levá-lo até o abrigo - ele disse. - Você agüenta ser
arrastado mais alguns metros?
- Não estou sentindo mais nada, Cameron. Vá sozinho. Por favor.
- Não vou deixá-lo aqui.
- Vamos, vamos. Não vou ficar aqui por muito tempo. Nós dois
sabemos disto.
- Vou levá-lo ao abrigo.
- Não faça isto por mim.
- Estou fazendo por mim.
Buck sabia que de nada adiantaria. A camisa saltou para fora,
deixando espirrar uma golfada de sangue. Tsion gemia. A vida dele
parecia estar se esvaindo. Seus olhos estavam úmidos e sem brilho, e os
lábios, azuis. Seu corpo começou a tremer.
Buck conseguiu levá-lo ao abrigo e procurou estancar o sangue
novamente, mas Tsion fez um movimento fraco com as mãos em sua
direção. Finalmente, conseguiu segurar uma das mãos de Buck e puxouo
para perto de si.
- Não faça mais nada. Por favor. É tarde demais.
- Eu não quero que você morra aqui, Tsion!
- Aproxime-se de mim - ele murmurou. - Preste atenção.
Agora a voz dele estava rouca, e as palavras eram sussurradas
entre uma respiração entrecortada e outra.
- Eu posso repetir... as palavras de Paulo: "Quanto a mim... estou
sendo já oferecido por libação... e o tempo da minha partida é chegado...
Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé... Já agora... a
coroa da justiça... me está guardada... a qual o Senhor... reto juiz, me
dará naquele Dia; e não somente a mim... mas também a todos quantos
amam a sua vinda" (2 Tm 4.6,7,8).
- Tsion, não! Não me abandone!
- Cameron... por causa de Jesus... minha esposa e filhos... para
sempr...
***
Sebastian havia ordenado outra seqüência de disparos com as
DEWs, e Rayford teve de admitir que foi bom demais ver a linha de frente
do exército invasor recuar por causa da dor intensa que sentia. O efeito
pôde ser visto a quilômetros de distância.
Razor deixara as armas calibre 50 preparadas para a
eventualidade de um contra-ataque, o que não ocorreu. Aquilo só serviu
para tornar a situação mais estranha ainda. A cidade de refúgio, que
abrigava um milhão de pessoas, assemelhava-se a uma ervilha no meio
de um oceano de inimigos que pareciam aguardar para esmagá-la.
O celular de Rayford soou, e no visor apareceu o nome de Buck.
- Pode falar.
Buck disse com voz rouca: - Ele se foi.
- Tsion?
- Atingido no peito. Não pude fazer nada.
- Você precisa voltar para cá, Buck. Vamos enviar alguém até aí.
- Ninguém conseguirá entrar aqui, e não posso abandonar Tsion.
- Buck! Pense um pouco. Ele está morto. Detesto isto, mas,
conforme você mesmo disse, não havia mais nada a fazer. E, agora,
muito menos.
- Ninguém pode entrar aqui, e não tenho como sair.
- Você está bem?
- Eu não imaginava que isto pudesse acontecer, francamente.
- Fique com o celular à mão. Não podemos cometer tolice alguma
agora. Estamos muito perto do fim.
***
Buck cruzou os pés de Tsion na altura dos tornozelos. Fechou a
jaqueta sobre o ferimento mortal e juntou as mãos de Tsion, entrelaçando
seus dedos em cima do peito. Alisou o cabelo do rabino, fechou-lhe os
olhos e fitou seu rosto pela última vez.
- Você quase conseguiu, amigo - ele disse.
Em seguida, cobriu o tronco e o rosto de Tsion com a própria
jaqueta.
Empunhando as duas Uzis, ele se dirigiu para a Porta de Herodes,
onde dois jovens rebeldes pareciam estar levando vantagem. Não era o
lugar mais seguro, e ele não estava seguindo o conselho de Rayford para
não cometer nenhuma tolice. Mas Buck não sabia o que fazer.
***
Mac estava ao telefone do lado de fora da cidade.
- Rayford, se eu pedir a Sebastian que empreste você para nós,
será que ele vai concordar?
- Provavelmente ele vai ficar feliz por se ver livre de mim. Vou
perguntar a ele.
- Para quê? - perguntou Sebastian.
- Mac! Sebastian quer saber para quê.
- Não quero dizer.
- Esta não é uma resposta que ele vai aceitar. Você sabe disto.
- Devo dizer a verdade a ele?
- A verdade nunca dói.
Mac sussurrou:
- Preciso conversar com alguém. Smitty está a uns 200 metros a
oeste daqui, e Otto está me deixando maluco. Além do mais, falo sério,
poderíamos fazer uso de nosso efetivo aqui. Por exemplo, eu poderia
usar um veículo de tração nas quatro rodas para verificar minhas tropas,
do leste e do oeste. Há muito mais tropas de Carpathia aí do que temos
aqui?
- O número delas é infinito, Mac.
- Estou confiando que Jesus chegará logo. Mas, nesse meiotempo,
você poderia vir até aqui?
VINTE E DOIS
Chegar ao topo do muro da Cidade Velha, especialmente pela
Porta de Herodes, não era tarefa fácil. Buck não se sentia velho, mas os
dois rebeldes que chegaram antes dele eram, no mínimo, 15 anos mais
jovens. Os dois fizeram um movimento afirmativo com a cabeça em sua
direção e apontaram para um local ao longe.
As tropas do Exército da Unidade estavam se ajuntando na
Estrada para Jericó, na Estrada para Suleiman e no jardim onde, segundo
a tradição, localiza-se o túmulo de Jesus. Os soldados da infantaria
enfileiravam-se até onde a vista de Buck podia alcançar - desde o Museu
Rockefeller à sua direita, passando pela Igreja de Santo Estêvão, depois
pelo jardim, chegando até Hel Ha Handasa.
Buck e os dois rebeldes estavam plenamente visíveis, mas o
inimigo parecia satisfeito por permitir que eles permanecessem ali. Buck
gostaria de saber se Cristo retornaria apenas quando o cerco à cidade
estivesse no limite máximo ou se Ele surgiria a qualquer momento. Sua
esperança era que o povo Remanescente em Petra só tomasse
conhecimento da morte de Tsion depois do Glorioso Aparecimento.
Ele se preocupava com as tropas enfileiradas atrás do Museu
Rockefeller. Pareciam mais tranqüilas, mais furtivas que as outras. E
eram mais difíceis de ser vistas. Ele detectou movimento, mas não havia
agitação. Seria necessário prestar atenção àquela área.
Buck olhou para cima. Ele esperava que, quando Jesus chegasse,
uma nuvem cobriria o céu, o sol escureceria e a terra entraria em
polvorosa.
Tudo aquilo poderia acontecer em um piscar de olhos, e quando
Buck começou a concentrar-se no assunto, a atmosfera parecia prestes a
estalar de tensão.
***
- Vá em frente - disse Sebastian a Rayford - e segure a mãozinha
de Mac. Às vezes, ele parece uma pessoa rabugenta. Mas ele que espere
um pouco. No caminho, faça uma visita a Chang. Para não ter de dar
muitas voltas para chegar lá, você poderá subir e entrar, e depois descer
e sair.
- Do que Chang está precisando?
- De um pouco de estímulo. Pela maneira com que aquele rapaz
tem conversado comigo nos últimos dias, ficou claro que ele prefere estar
em ação do lado de fora, e não dentro no centro de tecnologia. Diga que
ele é muito importante para nós, essas coisas. É claro que isto é verdade,
você sabe.
O caminho sugerido por Sebastian era mais acidentado do que
Rayford esperava. Ele já se acostumara a dirigir o veículo de tração nas
quatro rodas, mas o terreno era traiçoeiro. Precisou usar o breque e as
marchas pesadas mais do que nunca e, por duas vezes, se viu no meio
de formações rochosas impossíveis de atravessar. Foi necessário deixar
no ponto morto, afastar e tentar um novo caminho.
Quando chegou ao centro de tecnologia, ele estava exausto e feliz
por poder descansar um pouco.
***
Dentro da Cidade Velha, as conversas sussurradas e os
planejamentos pareciam estar em pleno andamento.
Buck notou vários grupos, especialmente de jovens rebeldes,
seguindo em direção aos muros. Ele gostou do lugar em que estava
colocado e do que podia avistar dali, mas não tinha certeza se havia sido
uma boa idéia deixar as linhas de frente no alto, circundando a volta
inteira. E quanto mais ele observava, mais claro se tornava que alguém
tomara aquela decisão.
Ainda havia uma boa tropa de combate no centro da cidade, mas
era composta de homens mais velhos e algumas mulheres. Os principais
combatentes, os adolescentes e os que tinham pouco mais de 20 anos
estavam se posicionando no alto do muro.
Um pensamento ocupava o tempo todo a mente de Buck. Havia
certa vulnerabilidade nisso, algo como se fosse tudo ou nada. Ele gostava
da idéia de ter opções, mas não podia fazer nada. Não estava
encarregado de defender o local inteiro.
***
Chang já se conformara com sua função, mas gostou do fato de
Rayford ter encontrado tempo para passar por ali e de seus comentários.
Naomi aproximou-se, e os três sentaram-se diante do monitor de
Chang.
- Todos nós acreditamos que o Milênio começará logo - disse
Rayford. - Talvez amanhã. Por isso, é importante que o povo daqui não
saiba o que aconteceu com Tsion.
- Tsion?
- Ele foi baleado e morreu.
- Não!
Rayford contou as notícias que ouvira de Buck. Naomi cobriu o
rosto com as mãos. Chang procurou consolá-la, mas estava muito
emocionado também.
- Buck está bem? - ele perguntou.
- Até agora, sim, mas eles estavam em um local muito perigoso,
onde Buck ainda se encontra.
- É possível tirá-lo de lá?
- Não vale a pena correr o risco. Ele é auto-suficiente. Da mesma
forma que todos os demais, ele está trabalhando para manter os judeus
vivos e, é claro, manter-se vivo também, até a chegada do evento que o
mundo tem aguardado há milhares de anos.
Chang apontou para a tela, e eles assistiram ao mais recente
noticiário da CNNCG.
- O supremo potentado da Comunidade Global, Nicolae J.
Carpathia, reuniu o maior exército da história da humanidade. Conforme
as tomadas aéreas mostram, o Exército da Unidade Mundial Um consiste
de soldados, cavalaria, material circulante e munições de todas as partes
do mundo. O exército de milhões e milhões de combatentes cobre as
planícies de Israel desde a planície do Megido no norte até Bozra em
Edom no sul e se estende de leste a oeste, ocupando toda a área que um
dia foi conhecida como Terra Santa.
- As tropas de infantaria recebem apoio de todas as bases aéreas
até Chipre, dos porta-aviões no mar Mediterrâneo e dos navios de
transporte de tropas no Golfo de Suez e no Golfo de Acaba, na região do
mar Vermelho.
- A esta hora, um terço dos exércitos de Carpathia já cercou Petra,
em Edom, no sul da Jordânia, esconderijo dos judaístas rebeldes. O
chefe do Serviço de Segurança e Inteligência da Comunidade Global,
Suhail Akbar, diz que Tsion Ben-Judá está escondido naquele local.
Embora o objetivo do Exército da Unidade seja destruir completamente a
cidade, é importante que o líder seja capturado vivo.
- Os outros dois terços do Exército da Unidade estão preparados
para tomar a cidade de Jerusalém. O potentado Carpathia informou que
quase metade da cidade já foi ocupada e que não levará muito tempo
para que a Cidade Velha seja dominada.
- No início do dia, o potentado concedeu uma entrevista à
imprensa, montado em um cavalo, e disse que estava otimista quanto ao
resultado.
O rosto de Carpathia apareceu na tela.
- Estamos confiantes de que estes sejam os dois últimos redutos
rebeldes no mundo - ele disse -, e assim que eles forem completamente
derrotados e nossos inimigos dispersados, realizaremos o sonho
acalentado há tanto tempo: um mundo inteiro vivendo em paz e harmonia.
Não existe lugar para rebeliões em uma verdadeira comunidade global.
Se nosso governo não foi benevolente ou não deu prioridade aos
cidadãos, talvez tenha sido por causa da dissensão. Todos nós, porém,
sempre tivemos em mente criar uma utopia para a sociedade.
- É realmente lamentável que a situação tenha chegado a este
ponto, que seja necessário um derramamento de sangue para atingirmos
nossos objetivos. Mas faremos o que tiver de ser feito.
Alguém perguntou:
- O tamanho de seu exército global não parece um exagero?
- Excelente pergunta - disse Carpathia em voz macia.
O couro da sela rangeu quando ele se ajeitou em cima do cavalo.
- Nenhum esforço em prol da paz mundial é inútil.
Surpreendentemente, as facções rebeldes provaram ser valentes.
Decidimos, nos altos escalões, não dar nenhuma chance a eles desta
vez. Usaremos tudo o que for necessário, tudo o que estiver a nosso
alcance, para o sucesso desta empreitada.
- Será que existe alguma verdade nos rumores de que o senhor se
armou até os dentes por achar que a oposição receberá um apoio
inesperado, que talvez o Deus desses rebeldes intervenha em favor
deles?
Carpathia soltou uma risadinha.
- Eu não acredito em contos de fadas, porém, mesmo recebendo
ajuda sobrenatural, eles jamais venceriam nossa estrutura militar. Com
nosso pessoal, mesmo desarmado, poderemos vencer qualquer guerra,
porque temos condições de suprir continuamente nossos exércitos. E
estamos equipados com a melhor e a mais moderna tecnologia.
- Por que não vencer esta guerra de uma vez? Qual o motivo da
demora?
- Eu sou um homem de paz. Sempre acredito que a diplomacia e a
negociação devem ter prioridade. A porta para este acerto de contas de
maneira pacífica está sempre aberta. Eu esperava que os inimigos da paz
fossem persuadidos pelo tamanho de nossos exércitos e estivessem
dispostos a negociar conosco. Mas nossa paciência está se esgotando.
Eles parecem decididamente desinteressados em qualquer tipo de
solução razoável, e estamos preparados para usar todos os meios
necessários. Portanto, agora é apenas uma questão de tempo.
Ao meio-dia, quando o sol estava a pino, Buck sentiu fome e
desceu apressadamente do muro ao ver que os voluntários haviam
trazido alimentos para os combatentes.
Depois de comer fruta, pão e queijo, ele subiu novamente no
muro. Aparentemente, o exército também havia feito uma pausa para
almoçar.
Buck gostaria que os rebeldes tivessem armas mais poderosas.
Talvez um ataque de surpresa provocasse algum estrago nas fileiras do
inimigo. De outro lado, um gigante adormecido era um gigante mais dócil,
e talvez fosse melhor deixar as coisas como estavam.
Ele detestava a idéia de ficar aguardando o ataque, mas, com as
linhas de frente posicionadas no alto do muro, pelo menos o ataque não
seria de surpresa.
***
Rayford começou a descer pelo lado de trás de Petra. Para ele,
descer estava sendo pior que subir. Por ter permanecido mais tempo do
que planejara com Chang e Naomi, ele supôs que Mac devia estar
aguardando sua chegada e que George devia estar pensando que ele já
havia chegado.
O local em que ele se encontrava permitia uma boa visão do
exército a cerca de um quilômetro e meio de distância. Estava esticando o
braço para pegar seu celular e tranqüilizar Mac quando notou que algo
estranho acontecera. As linhas de frente estavam recuando novamente,
sinal de que George devia ter iniciado outra seqüência de disparos com
as armas de energia direcionada.
Porém, desta vez, apesar do caos provocado pelas DEWs, o
Exército da Unidade não se acovardou. Rayford ouviu os estrondos dos
disparos em represália, como se fossem trovões prenunciando a chegada
de uma tempestade que atingiria um círculo de centenas de quilômetros
de diâmetro.
Seus conhecimentos sobre munições lhe diziam que os exércitos
de Carpathia deviam estar um pouco mais longe, porque usavam
canhões de morteiros e atiravam em ângulos altos. Ele calculou que as
bombas cairiam perto do perímetro de Petra.
Ele estava enganado. Talvez os canhões fossem maiores do que
os tradicionais de cano curto e sem estrias. As bombas passaram voando
pelo perímetro e começaram a cair ao redor dele.
Quando uma delas explodiu à sua frente, Rayford quase foi
lançado para fora do veículo. Agarrado ao volante com a mão livre, ele viu
seu telefone ser atirado a uma distância de uns cem metros e cair no
precipício rochoso.
O veículo estava sem controle. Rayford se deslocara do assento e
estava suspenso no ar, apenas com as duas mãos agarradas ao veículo.
Quando ele voltou a sentar-se com força, o veículo desgovernouse
e rolou de lado. A única opção, agora, era continuar se equilibrando,
mas, de repente, essa opção também deixou de existir.
Quando o veículo colidiu novamente com alguma coisa no
caminho, as mãos de Rayford se soltaram do volante e ele foi atirado
para fora. Enquanto rolava no terreno acidentado, ele viu o veículo
despencar no vale depois de se espatifar completamente contra as
rochas.
Rayford teve tempo de lembrar-se de não tentar impedir a própria
queda. Protegeu os braços e as mãos e fez o possível para relaxar o
corpo, lutando com todas as forças contra seu instinto natural de contrair
os músculos.
O declive era acentuado demais, e Rayford estava despencando a
uma velocidade tão grande que não conseguia controlar-se. O melhor que
ele podia esperar naquele momento era cair em um lugar macio.
A explosão ensurdecedora de uma bomba a uns três metros à sua
direita, forçou-o a rolar de lado. Ao bater a têmpora de encontro a uma
pedra pontuda, Rayford ouviu um som de água corrente enquanto rolava
em direção a um arbusto espinhoso. Por mais terríveis que fossem os
espinhos, deviam ser mais suaves do que a pedra contra a qual ele
colidira.
Finalmente, Rayford foi capaz de equilibrar o peso do corpo
quando caiu de costas nos espinhos. Foi, então, que ele se deu conta do
que significava aquele som de água corrente. A cada batida acelerada de
seu coração, o sangue que jorrava da têmpora espirrava a uma distância
de quase dois metros.
Ele apertou a palma da mão contra a cabeça e sentiu o jato de
sangue. Apertou-a com mais força para ver se o estancava. Mas sabia
que estava correndo um grande perigo - um perigo mortal.
Ninguém sabia exatamente onde ele se encontrava. Sem telefone
e sem meio de transporte, ele nem sequer se deu ao trabalho de verificar
seus ferimentos, porque eram insignificantes comparados ao orifício em
sua cabeça.
Ele precisava conseguir ajuda - e rápido - ou morreria em questão
de minutos. Os braços de Rayford apresentavam cortes profundos, e ele
sentia dores lancinantes nos joelhos e em um dos tornozelos.
Quando esticou a mão livre para levantar a perna da calça, ele se
arrependeu de ter feito isso. Havia um pedaço de pele dependurado em
seu tornozelo e, aparentemente, uma parte do osso havia sido arrancada.
Será que ele conseguiria andar? Deveria tentar? Não seria
possível rastejar, porque a distância era muito grande. Ele aguardou que
sua pulsação se acalmasse para readquirir o controle emocional.
Mac e seu pessoal estavam a mais de um quilômetro e meio de
distância, e ele não podia vê-los. Não havia meios de retornar. Ele virou o
corpo e ficou de cócoras, segurando o ferimento com uma das mãos,
para não sangrar até morrer.
Rayford quis ficar em pé.
Conseguiu apoiar-se somente em uma das pernas, justamente
aquela cujo tornozelo estava em frangalhos.
Provavelmente, havia fraturado o osso da canela da outra. Ele
quis saltar, mas o declive era muito acentuado e o forçou a inclinar o
corpo para a frente.
Novamente descontrolado, ele tentava pular com uma perna só
para não cair e ganhar velocidade a cada salto. Sem tirar a mão da
têmpora, ele tomava cuidado para não ir de encontro a outra pedra ou
coisa parecida.
Senhor, este seria o momento mais apropriado para retornares.
***
Chang pressentiu que algo estava para acontecer. Ele foi bemsucedido
quando interceptou os sinais dos satélites geo-sincrônicos que
auxiliavam as comunicações entre os milhões de tropas, que agora
estavam prestes a se movimentar. Os homens que ocupavam postos de
comando precisavam saber disto.
Ele ligou para George.
- Aguarde um avanço das tropas daqui a 60 segundos.
- Já caíram algumas bombas aqui - gritou George. - Você acredita
que haverá mais?
- Sim, eles estão se aproximando.
- Rayford passou por aí?
- Sim, e faz pouco tempo que saiu. Está indo falar com Mac.
- Obrigado. Ligue para Mac, por favor. Vou informar os outros.
Chang ligou para Mac e informou-o também sobre o avanço das
tropas.
- Ei - disse Mac -, não consigo falar com Sebastian, e Ray já devia
ter chegado aqui.
- Ele está a caminho.
Em seguida, Chang ligou para Buck.
- Aguarde um avan...
Mas a ligação foi interrompida. Ele discou novamente. Nada.
***
- Eles estão vindo! Eles estão vindo!
Assim que seu celular soou, Buck ouviu um jovem rebelde
gritando e avistou um objeto de fogo passando por cima do Museu
Rockefeller e vindo em sua direção.
Ao ver as tropas do Exército da Unidade movimentando-se para
todos os lados, ele pegou o celular e o segurou de encontro ao ouvido no
exato momento em que a bomba atingiu o muro bem à sua frente e
espatifou-se no chão, do lado de fora.
Buck reconheceu a voz de Chang pouco antes de a bomba abrir
um rombo no muro. Pedras e estilhaços espirraram com força por todo o
seu lado direito, destruíram seu celular e derrubaram uma das Uzis. Ele
sentiu que algo terrível acontecera em seu quadril e no pescoço no
momento em que perdeu o equilíbrio.
Um dos jovens perto dele foi atirado para o ar e estatelou-se no
chão. O muro começou a desabar no momento em que Buck estava
determinado a subir novamente. Ele passou a mão no pescoço e sentiu
uma golfada de sangue. Mesmo não sendo médico, ele sabia que algo
havia cortado sua artéria carótida. O problema era grave.
Enquanto o muro desmoronava, ele saltou com a cabeça erguida
para permanecer na posição vertical, mas precisava manter uma das
mãos no pescoço. A outra Uzi escorregou por seu braço esquerdo, e
quando ele quis fincá-la em algum lugar para apoiar-se nela, a arma caiu
para o outro lado. Ele estava sem armas, sem forças para permanecer
em pé e mortalmente ferido.
E o inimigo estava se aproximando.
***
Rayford conseguiu evitar a queda com a mão que estava livre,
sem atrever-se a tirar a outra da têmpora. Seu queixo sofreu o mesmo
impacto que a parte inferior da palma da mão quando ele escorregou a
um ângulo de cerca de 45°.
Não havia mais condições de andar.
Dali em diante, ele só conseguiria rastejar e tentar permanecer
vivo.
***
Os pés de Buck prenderam-se na fenda de uma rocha em estado
precário, e a parte superior de seu corpo tombou para a frente.
Ele ficou dependurado de cabeça para baixo no muro em ruínas
acima da Cidade Velha. Seu quadril fraturado também sangrava, e o
sangue escorria até sua cabeça.
***
Mesmo dentro do centro de tecnologia de uma cidade feita de
pedra, Chang sentia a vibração dos milhões de soldados avançando
sobre Petra.
Ele clicava aqui e ali, apertava botões e tentava ligar para outras
pessoas. Por quanto tempo Deus permitiria que isto continuasse antes de
enviar o Rei vencedor?
***
Lutando para não ficar inconsciente, ele tentava mover-se
cuidadosamente, com uma das mãos à frente, a outra ocupada. Cada
centímetro tornava o ângulo mais inclinado, o caminho mais instável.
A cada batida do coração, a cada golfada de sangue, a cada dor
lancinante, ele se perguntava de que adiantaria tudo aquilo. Qual a
importância de permanecer vivo? Para quê? Para quem?
Vem, Senhor Jesus.
A tontura aumentava, a dor era insuportável. Aparentemente, um
dos pulmões estava perfurado. A respiração tornou-se ruidosa,
agonizante, descompassada.
O primeiro sinal do fim foram as batidas descontroladas de seu
coração. Rápidas, falhando, depois trêmulas. Perda exagerada de
sangue. Pouca irrigação no cérebro. Insuficiência de oxigênio. A
sonolência sobrepujou o medo. A inconsciência seria um grande alívio.
E, assim, ele se deixou levar. O pulmão estava prestes a estourar.
O coração bateu descompassado e parou. O sangue que pulsava tornouse
uma poça.
Ele não via nada, mesmo estando de olhos arregalados.
- Senhor, por favor.
Ele ouviu o inimigo aproximando-se. Sentiu a aproximação. Mas,
de repente, não sentiu mais nada. Sem sangue para correr nas veias,
sem ar para respirar, ele perdeu as forças e morreu.
EPÍLOGO
Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a
lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os
poderes dos céus serão abalados.
Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; todos os
povos da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo sobre as
nuvens do céu, com poder e muita glória.
Mateus 24.29,30
Fim do Volume 11

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